Nos últimos meses deparamo-nos com uma avalanche de crimes cometidos por menores de idade.
Causa perplexidade a brutalidade envolvida.
Recentes pesquisas apontam para uma estatística assustadora: basicamente, o número dobrou no último ano.
Num cenário tão desesperador, nossa sociedade exige providências e, principalmente, o fim da impunidade.
E mais uma vez a discussão em torno da redução da maioridade penal ganha força e destaque em todos os meios de comunicação.
Nosso Código Penal, datado de 1940, dispõe que a responsabilidade criminal começa aos 18 anos.
Menores de 18 anos estão sujeitos às normas estabelecidas em legislação especial. No Brasil, referimo-nos ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
O artigo 104 dispõe que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei”.
No âmbito constitucional a maioridade penal vem regulada em nossa CF/88, no Capítulo VII, que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso, mais precisamente no artigo 228, in verbis:
Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Nossa lei presume que as pessoas, antes dessa idade, ainda não atingiram a plena capacidade de entendimento e autodeterminação, motivo pelo qual não as sujeita às penas criminais.
Acolheu-se, única e exclusivamente, o critério puramente biológico, explicado por Alberto Silva Franco, da seguinte forma:
“… muito embora o menor possa ter sua capacidade plena para entender o caráter criminoso do fato ou determinar-se segundo esse entendimento, o déficit de idade torna-o inimputável, presumindo-se, de modo absoluto, que não possui o desenvolvimento mental indispensável para suportar a pena.”1
Infelizmente, esse critério demonstra-se, cada vez mais, duvidoso e preocupante.
É cientificamente comprovado que as crianças e adolescentes, a cadageração, desenvolvem-se muito mais rápido.
Afirmar que um menor de 18 anos não possui pleno discernimento dos atosque pratica, em pleno século XXI, é temerário.
Apenas por amor ao debate, como podemos conceber que o menor de 18 anos tenha condições de decidir o futuro de uma nação, pelo direito ao voto, mas não as tenha para responder por seus atos?
A violência e os requintes de crueldade praticados nessas ações demonstram, claramente, que não estamos diante de crianças.
Como toda problemática sempre envolve vários lados, divergem as opiniões quanto à redução dessa maioridade.
O principal argumento suscitado pela corrente contrária envolve a interpretação da norma contida no artigo 228, da Constituição Federal, como cláusula pétrea, inexistindo a possibilidade de emenda constitucional.
Dentre os renomados juristas que se posicionam dessa forma podemos citar Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus.
Os seguidores dessa corrente entendem, ainda, que a redução da maioridade não resolveria os problemas ligados à criminalidade, como a violência urbana ou a superlotação dos presídios, e até poderia contribuir para agravá-los, estimulando o crime organizado a recrutar jovens de uma faixa etária cada vez mais baixa.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, afirmou no último dia 12 de abril, que a redução da maioridade penal no Brasil é “ilusão”. Para ele, levar mais jovens à prisão não vai ajudá-los a sair do crime.
“Em hipótese alguma o governo apoia [a redução da maioridade penal]. Nós temos uma posição definitiva sobre essa questão”, afirmou o ministro.
O presidente nacional da OAB também se manifestou, na última semana, desfavorável a essa proposta.
Nas suas palavras:
“Seria um retrocesso para o país, além de transformar o menino num delinquente sujeito à crueldade das prisões“.
Adiante, acrescentou:
”Aumentar o número de encarcerados, ampliando a lotação dos presídios, em nada irá diminuir a violência. A proposta não resiste a uma análise aprofundada, sendo superficial, imediatista, descumpridora dos direitos humanos e incapaz de enfrentar a questão da falta de segurança“.
Já, os defensores da redução consideram, principalmente, que o atual Código Penal reflete a realidade do jovem, na década de 40, ignorando as mudanças que a nossa sociedade sofreu ao longo dos anos, seja em termos de comportamento (delinquência juvenil, vida sexual mais ativa, uso de drogas),seja no acesso do jovem à informação pelos meios de comunicação modernos, seja pelo aumento da violência urbana.
Corroborando com esse entendimento, necessária a advertência de Éder Jorge:
“Não podemos assistir de braços cruzados a escalada de violência, onde menores de 18 anos praticam os mais hediondos crimes e já integram organizações delituosas, sendo inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe-se seja considerado imputável qualquer homem ou mulher a partir dos dezesseis anos de idade.
(…)
Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos (p.ex: Argentina, Espanha, Bélgica e Israel); em outros, aos 15 anos (Índia, Egito, Síria, Honduras, Guatemala, Paraguai, Líbano); na Alemanha e Haiti, aos 14 anos. E por incrível que pareça na Inglaterra a pessoa é considerada imputável a partir dos 10 anos. “2
Diante dos relevantes posicionamentos acerca do tema, fato é que o problema necessita de uma solução real e imediata.
Todos os pontos devem ser cuidadosamente analisados, desde os motivos que levam os menores, cada vez mais cedo, à criminalidade como, principalmente, o que se pretende atingir com eventual redução da maioridade penal.
Considerando que este artigo não tem a finalidade de trazer soluções e, tampouco, manifestar posicionamento a quaisquer das correntes existentes, deixo a pergunta no ar: A redução da maioridade penal contribuiria, efetivamente,para a redução dos crimes praticados por menores de idade? Seria ela suficiente?
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1 – FRANCO, Alberto Silva et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 5ª ed. .rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995, p. 323.
2 – JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina,ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/3374/reducao-da-maioridade-penal –acesso em 12/04/2013
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* Yves A. R. Zamataro é advogado do escritório Angélico Advogados.