Na sentença abaixo transcrita enfrento a tese da defesa de que a palavra da vítima não pode ser levada em conta para edição de uma sentença de preceito condenatório. Observo que aqui se cuida de crime clandestino, cuja testemunha, por excelência, é a própria vítima.
Admitíssemos, por hipótese, não fosse possível buscar-se na palavra da vítima dados complementares para compor o conjunto de provas, para fins de edição de sentença de preceito sancionatório, é curial entrever que a maioria dos crimes clandestinos ficariam impunes.
Anoto que a palavra da vítima só não pode ser buscada, dentre outros motivos, se insulada no conjunto de provas ou se, ademais, ela (a vítima) tivesse alguma razão de ordem pessoal para prejudicar o autor do fato.
Na decisão abaixo, outrossim, decreto a prisão do acusado, em face de sua fuga do distrito da culpa.
A propósito, num determinado excerto da decisão assim me manifestei, verbis:
Prosperasse a tese da defesa, estariam os meliantes autorizados a estuprar, lesionar, atentar contra o patrimônio, violentar o pudor e o mais que fosse possível, bastando que escolhessem, cautelosamente, o lugar onde pudesse praticar os crimes às escondidas.
Sobreleva dizer que a decisão sob retina foi prolatada no ano de 2003, quando eu ainda primava pela objetividade. A partir dois mil e cinco passei a me esmerar mais, disso resultando que as minhas decisões passaram a aprofundar muito mais o exame das questões postas à intelecção.
Vamos, pois, à decisão.
Processo nº 0086/2002.
Ação Penal Pública
Acusado: D. S. de S.
Vítima: J. R. dos S.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra D. S.de S., vulgo “Danilzinho”, brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de A. A.o de S. e de R. S. de S., residente à Rua Bom Jesus, Casa 26, Vila Nova, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal brasileiro, em razão de, no dia 07 de abril de 2002, por volta das 17:30 horas, com vários outros indivíduos, ter assaltado as vítimas J. R. dos S. e sua companheira M. da C. F. D., armado de faca, dos quais levaram vários bens, depois de terem espancado sua companheira, a ponto de rasgarem-lhes as suas veste.
Exame de corpo de delito às fls. 12.
Auto de reconhecimento às fls. 15 e 16.
Recebimento da denúncia às fls. 31.
Decreto de prisão preventiva às fls.36/38.
Defesa prévia às fls.41/42.
Durante a instrução criminal foram inquiridas as vítimas J. R. dos S.(fls.66) e M. da C. F. D.(fls.67).
Na fase de diligências, nada foi requerido pelas partes(fls.74v. e 75).
Em alegações finais, o representante ministerial requer, depois de examinar as provas dos autos, a condenação do acusado, no termos da denúncia(fls.78/80), enquanto que a defesa, na mesma fase, pede a absolvição do acusado, à alegação de que não existe prova suficiente para condenação, ou que, se assim não for entendido, que seja a pena fixada no mínimo legal, pois que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao acusado(fls.83/90).Relatados. Decido.
1.Os autos sub examine encartam ação penal proposta pelo Ministério Público contra Daniel Santos de Sousa, vulgo “Danielzinho”, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, do Código Penal, em razão de, no dia 07 de abril do ano pretérito, por volta das 17:30 horas, ter assalto as vítimas J. R. dos S. e M. da C. F. D., mediante violência e com a utilização de arma branca, contando, ainda, com o concurso de uma súcia que se lhe acompanhava.
2.Ainda no ambiente administrativo, as vítimas reconheceram, formalmente, o acusado, como se colhe dos autos de reconhecimento de fls. 15e 16.
3.Deflagrada a ação penal e iniciada a fase de cognição, o acusado, malgrado citado, pessoalmente, deixou de atender ao chamamento judicial, tendo sido, por isso, decretada a sua revelia e a sua prisão(fls.34 e 36/38).
4.Foragido o acusado, deu-se início à coleta de provas em ambiente judicial, oportunidade em que foram ouvidas as duas vítimas, as quais, a seu tempo e modo, confirmaram a agressão ao seu patrimônio, ratificando a autoria do crime, como já o fizeram em sede administrativa.
4.1.Com efeito, a vítima J. R. dos S., às fls. 66, afirmou, litteris:
” que o declarante, ao tempo fato, retornava para sua residência, em companhia de M. da C. F., quando, próximo ao campo do futebol do flamengo, foram surpreendidos pelo acusado e mais umas quinze pessoas, estando aquele armado de faca, o qual partiu para cima do declarante, tendo anunciado o assalto e roubado os seus pertences, ou seja, um relógio de pulso, boné, pulseira, cordão de prata, além de um par de sandálias; que o acusado e seus comparsas rascaram as vestes da companheira do declarante…”(fls.66).
4.2.Em seguida, a vítima reconheceu o acusado, ratificando o reconhecimento administrativo, o fazendo nos termos abaixo, verbis:
“…que na Polícia o declarante reconheceu o acusado…”(ibidem).
4.3.Mais adiante, a vítima reafirma a violência sofrida, objetivando quebrantar a sua resistência, como se colhe dos excertos abaixo, litteris:
“…que o acusado, com a faca que portava, lesionou o declarante à altura do pescoço, deixando uma grande cicatriz; que o acusado e seus comparsas agrediram o declarante com socos e pontapés, tendo tentado desferir outros golpes do corpo do declarante..”(ibidem).
4.4.No trecho abaixo, vê-se a consumação do ilícito, verbis:
“…que até a presente data não conseguiu reaver os bens subtraídos…”(ibidem).
5. M. da C. F. D., de sua parte, disse, verbis:
“…que retornavam da praia da Guia, quando, num dado momento, próximo ao campo do flamengo, apareceu o acusado em companhia de mais umas quinze pessoas, dentre as quais algumas mulheres..;”(fls.67).
5.1.No trecho abaixo, a depoente esclarece acerca da violência sofrida, litteris:
“…que a depoente ficou em companhia das mulheres, sendo espancada por elas…”(ibidem).
5.2.Abaixo, a ratificação do reconhecimento:
“…enquanto que J. ficou em poder dos homens, dentre os quais o acusado, o qual foi reconhecido pela depoente na Polícia..”(ibidem).
6. Posso afirmar, em fase das provas consolidadas nos autos, aqui consideradas as tomadas nos dois momentos da persecução criminal -informatio delicti e fase de cognição-que o acusado, efetivamente, com sua ação, malferiu o preceito primário do artigo 157, pois que subtraiu para si coisa alheia móvel, o fazendo, claro, mediante violência.
7. A prova colacionada, ademais, evidencia que o acusado, auxiliado pela súcia que lhe acompanhava, praticou o crime com a utilização de arma branca, restando provado, assim, que a espécie cuida de crime de roubo biqualificado em face da utilização de arma branca e porque praticado por mais de duas pessoas em concurso.
8.As provas dos autos deixam às claras, ademais, que o crime restou consumado, pois que os bens subtraídos não foram reincorporados ao patrimônio das vítimas, como emerge do seu depoimento em sede judicial(fls. 66 e 67).
9.Posso reafirmar, a par do exame da prova albergada nos autos, que o acusado, em companhia de vários meliantes, inclusive mulheres, assaltou as vítimas J. R. dos S. e M. da C. F. D., de quem levaram vários bens móveis, com a exibição de arma branca, pelo que posso reafirmar, sumariando, que malferiu o preceptum iuris do artigo 157, qualificado pelo concurso de pessoas e pela utilização de arma( 2º, I e II, do artigo 157), cujo crime restou consumado, pois que a res substracta saiu, definitivamente, da esfera de disponibilidade da vitima.
10.Consigno que as vítimas J. R. e sua companheira só não foram mortas, em face de ter aparecido uma viatura da Polícia Militar, que os socorreu.
11.Sublinho, ademais, que, enquanto os “homens” espancavam, J. R., a sua companheira M. da C. era espancada pela mulheres que integravam a súcia comandada pelo acusado.
12.A defesa argumenta, no que está rigorosamente equivocada, que a palavra da vítima não pode servir de supedâneo a um de decreto preceito sancionatório.
13.Em face desse argumento, devo grafar que crimes desse não são cometidos às escâncaras, à vista de todos, razão pela qual o julgador tem que se valer, sim, da palavra da vítima, desde que não se encontre insulada no conjunto de provas e que não se tenha relevantes motivos para crer que se trata de pessoa de mente doentia.
14.Nos autos sub examine, além da palavra das vítimas, em sede judicial, foi formalizado o reconhecimento do autor do crime e o ofendido foi submetido a exame de corpo de delito( fls. 12), onde estão descritas as lesões sofridas em face da ação criminosa do acusado, dados que corroboram a existência do crime.
14.1. Se, por hipótese, prosperasse a tese da defesa, doravante bastaria que o crime fosse praticado às escondidas, sem testemunhas de visu, para se assegurar, definitivamente, a impunidade, bastando que o meliante se acautelasse, procurando lugar ermo, longe da prova testemunhal, para praticar o crime.
14.2. Prosperasse a tese da defesa, estariam os meliantes autorizados a estuprar, lesionar, atentar contra o patrimônio, violentar o pudor e o mais que fosse possível, bastando que escolhessem, cautelosamente, o lugar onde pudesse praticar os crimes às escondidas.
14.3.Prosperasse a tese da defesa, a vida em sociedade seria um caos.
15. Felizmente, os Tribunais têm entendido de forma diferente, como se colhe dos arestos abaixo transcritos, verbis:
“Nos crimes contra o patrimônio, como roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor”(RT 737/634).
15.1.No mesmo sentido:
“Em sede de roubo, a palavra da vítima não pode ser desprezada e deve merecer plena credibilidade quando se apresenta em perfeita harmonia com o mais da prova produzida”(RT 718/405).
15.2.No mesmo sentido:
“Em sede de crimes patrimoniais, o entendimento que segue prevalecendo, sem nenhuma razão para retificações, é no sentido de que a palavra da vítima é preciosa no identificar o autor do assalto”(JUTACRIM 951/268).
15.3.Na mesma trilha: “A palavra da vítima de crime de roubo é, talvez, a mais valiosa peça de convicção judicial. Esteve em contato frontal com o agente e, ao se dispor reconhecê-lo, ostenta condição qualificada a contribuir com o juízo na realização do justo concreto”(TACRIM-SP.AC-1.036.841-3-Rel. Renato Nalini).
16.À vista do exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado D. S. de S., por incidência comportamental no artigo 157 do Código Penal brasileiro, cuja pena-base fixo em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, penas que aumento, outrossim, em 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas no §2º, I e II, do artigo 157, do CP, totalizando, finalmente, 05(cinco) anos e 04(quatro) meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi do artigo 33, §2º, letra b, do Código Penal brasileiro.
17.O acusado, segundo ressai do decreto de prisão preventiva editado às fls. 36/38, permanece foragido e sem paradeiro certo, razão pela qual revigoro, aqui e agora, o decreto antes editado, pois que o acusado, solto, além de se constituir em uma ameaça iminente à ordem pública, frustrará a aplicação da lei penal.
18.Anoto que a prisão antes editada e aqui revigorada, tem a lhe animar, fundamentalmente, a fuga do acusado do distrito da culpa, o que inviabiliza eventual inflição da pena.
18.1.Os Tribunais, à frente o Supremo Tribunal Federal, têm decido, reiteradamente, que é legítima a decretação de prisão decorrente da fuga do acusado do distrito da culpa, pois que, com isso, demonstra, à saciedade, que não deseja arcar com as conseqüências jurídico-penais de sua ação.
19. Sublinho, de mais a mais, que a mantença do acusado em liberdade, concorre, decisivamente, para o descrédito do Poder Judiciário, além de estimular a prática de crime.
19.1 .Nesse sentido têm decidido os Tribunais, na esteira de entendimento do STF, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça, como se colhe das ementas abaixo transcritas, verbis:
RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2002/0115694-2 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00426 Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO (1112) Ementa RECURSO EM HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.EXCESSO DE PRAZO. RÉU QUE SE EVADIU, SENDO RECAPTURADO EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. SÚMULA 64/STJ. LIBERDADE PROVISÓRIA. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO. DESCABIMENTO. DESIGUALDADE DE SITUAÇÕES. RECURSO IMPROVIDO.1 A fuga do réu do distrito da culpa é motivo suficiente para a decretação da custódia cautelar (Precedentes).
19.2.No mesmo sentido:
Acórdão HC 21741 / PE ; HABEAS CORPUS 2002/0047544-8 Fonte DJ DATA:12/08/2003 PG:00248 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Ementa PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, I E IV, C/C ART. 14, II E ARTS. 20, § 3º, 29 E 73, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. FUGA.I – – A fuga do réu, por si só, constitui motivo suficiente a embasar a custódia cautelar (Precedentes).Ordem denegada.Data da Decisão 17/06/2003 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA.
19.3.No mesmo passo:
Acórdão HC 27589 / SC ; HABEAS CORPUS 2003/0043718-3 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00349 Relator Min. FELIX FISCHER (1109) Ementa PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 46, CAPUT, C/C PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 29, CAPUT, C/C § 1º, III, AMBOS DA LEI Nº 9.605/98; ART. 10, CAPUT, DA LEI Nº 9.437/97; ART. 180, § 1º E ART. 330, AMBOS DO CP. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. O decreto prisional suficientemente fundamentado, com o reconhecimento da materialidade do delito e de indícios de autoria, bem como a expressa menção à situação concreta que caracteriza a necessidade de garantia da aplicação da lei penal e da ordem pública (fuga do réu do distrito da culpa, grande clamor social provocado pela prática do delito e risco de descrédito na atuação da Justiça) não configura constrangimento ilegal (Precedentes). Ordem denegada. Data da Decisão 10/06/2003 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA.
19.4.Na mesma senda:
Acórdão HC 27176 / BA ; HABEAS CORPUS 2003/0028179-5 Fonte DJ DATA:04/08/2003 PG:00442 Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO (1112) Ementa HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXCESSO DE PRAZO. FASE DO ARTIGO 500. SÚMULA Nº 52 DO STJ. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO JUNTADA DO DECRETO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA. FUGA DO RÉU. A fuga do réu do distrito da culpa é circunstância que, por si só, enseja um decreto de custódia cautelar, isso em obséquio à aplicação da lei penal (Precedentes). 4. Writ prejudicado em parte e denegado.Data da Decisão 26/06/2003 Orgão Julgador T6 – SEXTA TURMA .
Determino, pois, a expedição do indispensável mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.
Encaminhem-se cópia do mandado à Gerência de Segurança, para que nos auxilie no seu cumprimento.
P.R.I.
Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.
Encaminhem-se os autos, depois, à distribuição, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.
Custas, na forma da lei.
São Luís, 19 de agosto de 2003.
José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal