Editorial da Folha de Säo Paulo

Lula contra Gilmar

Choque de versões quanto a encontro do ex-presidente com ministro do STF eleva temperatura e ansiedade com o julgamento do mensalão

O mais acabrunhante no episódio da estranha reunião do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes relatada na revista “Veja” está no fato de ela soar absolutamente plausível.

Revela-se, de pronto, o abismo que separa a opinião pública dos operadores políticos no Brasil. Estes hão de considerar trivial o encontro. Àquela fica patente sua total impropriedade, quando se sabe que Lula está em campanha frenética para negar o mensalão -o mesmo escândalo cujas provas o procurador-geral da República e o Supremo consideraram suficientes para levar 38 réus a julgamento.

Por certo falta esclarecer o real teor da conversa, mas ninguém negou que a reunião tenha ocorrido. No contexto da CPI exigida do Congresso por um Lula sequioso de produzir ali o antídoto ao iminente processo do mensalão, o encontro de abril arranjado à socapa pelo onipresente Nelson Jobim já pareceria suspeito; que Lula o tenha usado para fazer pressão -ou até chantagem- sobre Gilmar o colocaria definitivamente na categoria do intolerável.

O ex-presidente mandou negar, por certo, a proposta de barganhar proteção a Gilmar na CPI pela protelação do julgamento. Não se concebe, porém, quais motivos teria o ministro do STF para dar versão tão peremptória e comprometedora do encontro, que só agora, decorrido quase um mês, veio a público.

A confirmar-se na sua inteireza o relato de Gilmar (em parte desautorizado por Jobim, mencione-se, ainda que sem acréscimo de veracidade), Lula se revelará quase irreconhecível: tomado pela ansiedade com o exame do maior escândalo político desde o Collorgate e entregue à retaliação contra demistas, tucanos e a imprensa independente, em franca contradição com a lendária intuição política que conduziu o líder operário à Presidência da República.

A soberba do ex-mandatário talvez não lhe permita perceber, como a todos parece, que terá dado um passo temerário, no encontro tal como narrado, ao tentar comprometer a independência de um ministro do STF. Que dê ouvidos então a outro, Celso de Mello (em declaração ao portal Consultor Jurídico): “Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de Poder tenta interferir em outro”.

Tal é a gravidade do evento que reuniu um ex-presidente da República e dois ex-presidentes do Supremo (um deles ainda ministro da corte): se um dia for elucidado, ficará evidente que um (ou dois) dos três próceres faltou com a prudência, se não com a verdade.

O que choca mesmo é a chantagem

Quando episódios da natureza do noticiado dando conta de uma tentativa de interferência de uma destacada figura pública ( ex-presidente Lula da Silva)  junto ao Poder Judiciário ( especificamente, ministro Gilmar Mendes)  as pessoas fingem indignaçäo, como se se tratasse de algo inusitado.

A verdade é que, ao longo da nossa história, esse tipo de injunçäo näo é novidade. Sempre houve – e  sempre haverá  – quem tente, quem se sinta no direito de fazer incursöes espúrias no afä de obter um “favorzinho”, uma “mäozinho” do Judiciário,  para amenizar uma situaçäo. Da mesma forma, sempre houve – e sempre haverá – quem aceite  a injunçäo, pelas mais diversas razöes. Isso ocorre aqui e algures,  sob as bênçäos de uma ditadura ou sob os auspícios de uma democracia. É só voltar no tempo – ou encarar a realidade,  nos dias presentes – que se constatará näo ser incomum esse tipo de comportamento.

O que choca, em face da nossa cultura, näo é a incursäo ( quando ela, efetivamente, acontece, claro). O que choca mesmo  é a chantagem, é a tentativa de achaque, é a proposta de calar – ou de proteger – sabendo da má conduta ética de alguém, em troca de uma vantagem. Isso, sim, é muito grave, pois se se tem o ciência de um desvio de conduta, o que se deve fazer, em nome da decência, é denunciar e nunca se valer de uma informaçäo privilegiada, para, a partir dessa informaçäo, pressionar para obter uma vantagem qualquer.

Escândalo

“Episódio anômalo”

Comportamento de Lula é indecoroso, avaliam ministros

Por Rodrigo Haidar

“Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro”. A frase é do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, em reação à informação de que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem feito pressão sobre ministros do tribunal para que o processo do mensalão não seja julgado antes das eleições municipais de 2012. “É um episódio anômalo na história do STF”, disse o ministro.

As informações sobre as pressões de Lula foram publicadas em reportagem da revista Veja deste fim de semana. Os dois mais antigos ministros do Supremo — além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio — reagiram com indignação à reportagem. Ouvidos neste domingo (27/5) pela revista Consultor Jurídico, os dois ministros classificaram o episódio como “espantoso”, “inimaginável” e “inqualificável”.

De acordo com os ministros, se os fatos narrados na reportagem da semanal espelham a realidade, a tentativa de interferência é grave. Para o ministro Celso de Mello, “a conduta do ex-presidente da República, se confirmada, constituirá lamentável expressão de grave desconhecimento das instituições republicanas e de seu regular funcionamento no âmbito do Estado Democrático de Direito. O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”.

Leia matéria completa no Consultor Jurídico

Deu na Folha de Säo Paulo

Supremo prepara regra para barrar extra de juízes

Ideia é aprovar diretriz nacional declarando os penduricalhos inconstitucionais

Em São Paulo, onde o TJ instituiu auxílio-alimentação retroativo a 2006, economia seria de R$ 100 milhões

FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO

O STF (Supremo Tribunal Federal) vai votar proposta de criação de uma regra geral para impedir o pagamento de benefícios extraordinários a juízes. Se for aprovada, a proibição terá um grande impacto nos cofres dos tribunais estaduais.

Só em São Paulo, onde o Tribunal de Justiça instituiu o benefício do auxílio alimentação neste ano, com retroatividade até 2006, a regra poderá evitar o gasto neste ano de mais de R$ 100 milhões em favor dos magistrados.

No Rio de Janeiro, a medida poderá acabar com leis estaduais que criaram várias vantagens aos juízes, como o adicional de insalubridade ou o adicional por exercício do cargo de diretor.

A proposta em andamento no STF é de criação de uma súmula vinculante, que é uma regra elaborada com base em repetidas decisões da corte sobre um mesmo tema.

As súmulas devem ser obedecidas pelos outros tribunais do país e pelos órgãos da administração pública.

Para o autor da proposta, o ministro do STF Gilmar Mendes, vários julgamentos do tribunal já definiram que os juízes só podem receber as vantagens que estão previstas na Loman (Lei Orgânica da Magistratura), de 1979.

Na sua proposta, Mendes afirma que a súmula é necessária “em razão do grande número de leis e atos normativos estaduais, bem como de decisões administrativas de tribunais que insistem na outorga de vantagens não previstas na Loman”.

Neste mês, por exemplo, o STF começou a julgar lei estadual do Rio que criou extras aos juízes. O presidente da corte, Carlos Ayres Britto, que era o relator do processo, votou contra a lei, mas pedido de vista adiou a decisão.

O processo de criação da súmula teve início em abril, quando o STF abriu um prazo para manifestações.

No último dia 15, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Anamatra (trabalho) e Ajufe (Justiça federal), as mais importantes entidades representativas de juízes, posicionaram-se contra.

Segundo as entidades, as decisões citadas por Mendes abordam situações anteriores a 2005, quando uma emenda constitucional revogou artigo da Loman que limita as vantagens aos juízes.

O processo já foi enviado à Procuradoria-Geral da República, para parecer. Após isso, o STF votará o tema.

A professora do Departamento de Ciência Política da USP Maria Tereza Sadek, especializada no estudo da Justiça, afirma que a criação da regra será benéfica pois evitará que forças políticas partidárias estaduais tenham influência na definição da remuneração dos juízes.

Sem limites

‘Está errado’, diz ministro sobre reunião de Mendes com Lula

FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello afirmou ontem que nunca deveria ter ocorrido o encontro em que o colega Gilmar Mendes disse ter recebido do ex-presidente Lula pedido para adiar o julgamento do mensalão. “Está tudo errado”, afirmou.

Ministro do STF Marco Aurélio Mello
Ministro do STF Marco Aurélio Mello

Segundo reportagem da “Veja” desta semana, Lula ofereceu em troca blindagem na CPI criada para investigar supostas relações criminosas de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos e empresários. O ex-presidente nega o teor da conversa.

FOLHA – Como o sr. avalia esse encontro do ministro Gilmar Mendes com o ex-presidente Lula e o pedido de adiar o julgamento?

MARCO AURÉLIO MELLO – Está tudo errado. É o tipo de acontecimento que não se coaduna com a liturgia do Supremo Tribunal Federal, nem de um ex-presidente da República ou de um ex-presidente do tribunal, caso o Nelson Jobim tenha de fato participado disso.

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Meias trocadas

O desputado Ulisses Guimaräes era, sabidamente,  uma pessoa peculiar e extremamante desligada. Contam, nesse sentido, que, determinado dia, chegando a Brasília, de surpreso, pegou um táxi,vez que seu motorista näo sabia da antecipaçäo de sua viagem, mas näo soube informar ao taxista o seu endereço, aventurando-se a informar que morava no mesmo prédio do senador Nelson Carneiro, na esperança que o motorista soubesse o endereço  do homem  conhecido nacionalmente, em face da da emenda do divórcio.

Do deputado Ulisses Guimaräes contam, ademais, que näo era incomum aparecer no Congresso Nacional com meias e sapatos de cores diferentes.

Eu sou, nessa particularidade   mais ou menos como o saudoso deputado Ulisses Guimaräes. Sozinho, muitas vezes, näo consigo dar um passo a mais, acostumado que fui, inicialmente,  pela minha mulher e, agora, também, pelos meus filhos, a näo resolver questöes  mais mais comezinhas, como, por exemplo, sacar dinheiro em um caixa eletrönico.

Em face dessa acomodaçäo tem ocorrido, com certa frequência, que, quando viajo sozinho, fico desamparado, incapaz de resolver as questöes mais corriqueiros – como localizar um cartäo de crédito ou o cartäo de embarque,  por exemplo.

A inspiraçäo para essas reflexöes me ocorreu ainda há pouco, quando, desolado, procurava, sozinho, um par de meias. Fiquei com receio de, como o deputado Ulisses Guimaräes, sair do apartamento com meias de cores diferentes.

Ainda näo cheguei lá. Mas, ao que parece, é só uma questäo de tempo.

Medo

Antes do estabelecimento da sociedade nos moldes atuais, todos sabemos, havia apenas as leis da nautereza, contra as quais o homem näo podia – como efetivamente näo pode – lutar. Todas as vezes que o homem tentou afrontar as leis naturais, ele quebrou a cara.

Na sociedade primitiva, é de ciência comum, o homem tinha receio, pavor do semelhante, de cujo medo, também é sabido, resultou a necessidade de que se unisse a outros semelhantes  para construçäo da  sociedade civil, donde emergissem  regras,  impostas à observância geral, a disciplinar e  possibilitar a vida em comunidade.

Passados séculos da decisäo do homem de se unir em sociedade, é tenebroso constatar que esse mesmo  homem, que se diz civilizado, ainda teme o semelhante;  e o teme exatamente porque só o homem sabe do que é capaz o outro homem na  busca, por exemplo,  da satisfaçäo de um desejo ou quando se decide por um vendeta.

O mais grave é saber que, dentre os animais que povoam a terra, apenas o homem é capaz de fazer o mal ao semelhante, consciente de estar  fazendo o mal.

Temos sensibilidade

Quando idealizei este blog, pensei, täo somente, em utilizar as suas ferramentas para tentar humanizar a figura do juiz, passar ao leitor informaçöes que pudessem amenizar a estranha e tenebrosa imagem de um ser humano que coloca uma capa  escura sobre os ombros para julgar o semelhante.  Nesse sentido, tenho escrito muito sobre as nossas açöes, no afä de deixar claro que, diferente do que pensam, nós temos muita sensibilidade e que é um rematado equívoco pensar que  estar no poder é apenas glamour.

No caso específico dos magistrados, sobretudo do desembargador, há quem pense, em face de uma má impressäo construída no passado e alimentada por algumas açöes desenvolvidas no presente, que näo temos nenhuma sensibilidade, que que nos fascina é o cargo, que o que nos embevece é o carro preto e o fascínio que decorre de estar podendo, para usar uma linguagem da moda.

Pensar assim, no entanto, é um grande e injusto equívoco, pois a a absoluta maioria de nós tem, sim,  espírito público,  convindo anotar que, näo raro,  desenvolvemos,  muitas vezes em silëncio,  paralelamente, sem que a mídia e grande parte da comunidade tenha conhecimento, além do mister de julgar, atividade-fim das nossas açöes, outras tantas  açöes objetivando servir à comunidade, a reafirmar o nosso compromisso com essa mesma comunidade.

Faço essa linha de introduçäo apenas para deixar claro que nós, magistrados de segundo grau – em especial, em face da competência, os que lidamos com questöes criminais –  näo nos sentimos confortáveis quando somos obrigados a, por exemplo, conceder uma ordem de habeas corpus, em face da ilegalidade de uma prisäo. É que fica em nós a nítida sensaçäo que, assim agindo, näo contribuimos para melhorar a sociedade. Ocorre que, diante de uma ilegalidade, por mais imerecedor que seja o paciente aos olhos da comunidade, nós näo podemos manter uma prisäo ilegal,  pois que, procedêssemos de outra forma,  seria negar, a toda evidëncia,  o próprio Estado de Direito.

Semana passada, antes de viajar, a Segunda Câmara Criminal, da qual faço parte, concedeu uma ordem de habeas corpus em favor de um acusado de  crime de estupro, tendo em vista a falta de fundamentaçäo da decisäo que manteve a sua  prisäo, quando da sentença condenatória.

Quem assistiu a sessäo testemunhou o quanto foi difícil para nós ter que relaxar a prisäo do paciente, sabedores que somos, tanto quanto o jurisdicionado,  de que esse tipo de decisäo, conquanto reafirme  o  Estado Democrático de Direito,  vilipendia ainda mais a nossa credibilidade, a estimular a sensaçäo de impunidade.  Todavia, ainda que lamentássemos, outra coisa näo podia ser feita que näo restituir a liberdade do paciente,  em face da ilegalidade do ergástulo.

Com a narraçäo desse episódio o que almejo é, simplesmente, remarcar, com todas as letras, que nós, magistrados, näo somos, como muitos pensam, insensíveis e que, vivendo na mesma comunidade que o jusrisdicionado, também lamentamos quando temos que desenvolver à comunidade os que com ela tenham uma relaçäo conflituosa.