A ordem pública e a presunção de inocência

Essas reflexões decorrem da minha inquietação com a veiculação sistemática de notícias dando conta das reiterações criminosas de meliantes beneficiados com liberdade provisória, mesmo quando denunciados em face de crimes violentos, a pretexto de serem presumidamente inocentes, sem nenhuma consideração para com a sua perigosidade, e em frontal desrespeito para a ordem pública

Pois bem. Durante dezenove anos como fu titular da 7ª Vara Criminal, desta comarca de São Luis, assim como em todas as comarcas pelas quais passei, sempre tratei os roubadores, em especial, e os autores de crimes violentos, em geral, como devem ser tratados: com rigor, com o máximo rigor, conquanto, tendo o cuidado de não vilipendiar quaisquer dos seus direitos.

Nesse sentido, nunca descurei de, sendo o caso, manter a prisão em flagrante ou decretá-la provisoriamente, sem perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, já que a provisoriedade é elemento genético de todas as medidas cautelares que, por isso mesmo, não devem assumir os contornos de uma pena antecipada.

E assim procedi – como procedo até hoje, agora em segunda instância – por entender que o assaltante é, sobretudo, um covarde, que nem sempre precisa de uma situação adversa (reação do ofendido, por exemplo), para matar a vítima, sendo de rigor consignar que ao ser posto em liberdade será também impregnado pela sensação de impunidade, que o leva à recalcitrância, como demonstram as estatísticas de todos conhecidas.

Nessa linha de pensar – e de atuar -, mesmo sem antecedentes criminais,  (lato sensu ou stricto sensu) aos  assaltantes só excepcionalmente lhes concedia liberdade provisória, por entendê-los perigosos, ainda que eu tenha sido inclementemente criticado por agir assim. É que, na visão dos críticos, alguns minimalistas oportunistas, essa minha forma de agir flertava com a arbitrariedade, hostilizando, nesse passo e segundo a sua visão, a Constituição vigente, em face do princípio da presunção de inocência.

Essas críticas não me sensibilizaram na época e tampouco me sensibilizam nos dias atuais, pois, mesmo acerbamente criticado, sempre optei pela minha consciência, por entender ser afrontoso à vitima – e à sociedade em geral –  ter que se  deparar com o seu algoz pelas  ruas da cidade, poucos dias após o crime, como se nada tivesse ocorrido, sob o risco, inclusive, de ser assaltada outra vez, como testemunhamos quase todos os dias.

A violência concreta do crime e a minha experiência em face da renitência desse tipo de criminoso me conduziram, quase sempre, a manter esse entendimento, ou seja, da necessidade da medida extrema, posição em razão da qual nunca me arrependi, pois tenho consciência de que, ao afastar os meliantes perigosos do nosso convívio, preservei muitas vítimas, conquanto admita, antecipando-me à eventual crítica, que não se combate a criminalidade apenas com prisão, e que a prisão provisória não deve ser um fim em si mesma, reservada, por isso mesmo, apenas para os casos mais graves.

Todavia, em que pese o quadro de violência que a todos nós apavora, muitos pensam – e agem – diferente de mim.  Muitos são os que, mesmo quando o acusado responde a outros processos, mesmo que não tenha demonstrado nenhuma sensibilidade para com a vida do semelhante, preferem lhe conceder liberdade, sob o cômodo e insensível argumento que a prisão provisória é a extrema ratio da ultima ratio, como que a prestar tributo ao princípio da não-culpabilidade, em detrimento do interesse público.

Pensando assim, vão colocando em liberdade perigosos meliantes, sob argumentos jurídicos que, embora legítimos, são injustificáveis nos dias atuais, com a desconsideração de que a presunção de inocência, dependendo do caso concreto, pode, sim, estimular a violência, em face da sensação de impunidade que decorre da concessão indiscriminada de liberdade provisória, sem que se leve em conta a gravidade concreta do crime, da qual, com alguma sensibilidade, se pode inferir o nível de periculosidade do autor do fato.

Muitos são os que sucumbem, todos os dias, diante da arma de um assaltante. Contudo, ainda assim, invoca-se, com pouca ou nenhum sensibilidade, a presunção de inocência para colocar em liberdade pessoas que, de rigor, deveriam permanecer presas, sabido que a prisão, mesmo a provisória, ainda é a única alternativa que nos resta,  diante do quadro de violência que se descortina sob os nossos olhos.

Tenho dito que o tráfico de drogas e o roubo, máxime quando imbricados – e quase sempre estão imbricados -, têm sido o flagelo dos nossos dias. A ordem pública, diante desse quadro, exige do magistrado maior rigor no exame dessas questões, razão bastante para, se for o caso, flexibilizar, em tributo à ordem pública, quando for o caso, o princípio da presunção de inocência, sabido que não existe direito absoluto, mesmo os ditos fundamentais.

É preciso ter em mente, a propósito, que os direitos fundamentais devem assegurar a esfera de liberdade individual apenas quando as interferências do poder público forem ilegítimas; e não é legítimo manter a prisão de uma pessoas perigosa, cuja periculosidade restar aferida em face de uma ação concreta.

Os direitos fundamentais, é verdade, são definidores de uma competência negativa do Poder Público, mas, repito, contra as interferências ilegais do mesmo Poder Público, disso inferindo-se, definitivamente, que não existe primazia de um direito fundamental sobre os outros. Daí que, sendo necessária, a prisão provisória deve sempre ser implementada, sobretudo em face da criminalidade violenta, para garantia da ordem pública, cuja finalidade, sabe-se, é metaprocessual, ou seja, para sociedade.

Para os que advogam o minimalismo penal, ou seja, a prisão como extrema ratio, lembro, forte nas lições de Claus Roxin, apenas para ilustrar e subsidiar a reflexão, que o Direito Penal – e consectários – é um mal necessário, do qual não podemos nos afastar, em face da criminalidade violenta e reiterada, mesmo que consideremos que submete numerosos cidadãos, nem sempre culpados, a medidas persecutórias extremamente graves, do ponto de vista social e psíquico.

É forçoso reconhecer, na mesma linha de argumentação, que o Direito Penal estigmatiza o condenado e o leva à degradação e à exclusão social, consequências que não podem ser desejadas num Estado Social de Direito, que tem por fim a integração e a redução das discriminações. Apesar dessas considerações, não se pode contemporizar com a criminalidade, sobretudo a violenta, que exige de nós, operadores do Direito, rigor na implementação das medidas preventivas que visem, sobretudo, à preservação da ordem pública.

Excretos em profusão

Um dia desses, depois de um longo período sem fazer exercícios, resolvi, por recomendação médica, fazer uma caminhada na direção do famigerado Espigão, incrustado na não menos famosa Península, na Ponta D’areia, área nobre da cidade, e o fiz por mera curiosidade, depois de tanto ouvir falar que a área estava muito bonita, e que valia a pena espairecer por aquelas paragens.
Mesmo em estado de convalescência, mas tomado de raro entusiasmo, resolvi me preparar para a caminhada, supondo, claro, que me deleitaria com uma bela construção. E pelo fato de saber que do poder público são poucas as boas ações, isso também foi motivo suficiente para gerar em mim essa expectativa que me impulsionou na direção do Espigão.
E assim, comecei a pensar com os meus botões: fazer uma caminhada, no final de uma linda tarde de outubro, assistindo ao pôr do sol, espetáculo de rara beleza, ainda mais numa área recentemente urbanizada, deve ser privilégio do qual não se pode abrir mão, ainda que diante de algumas adversidades.
Logo nos primeiros passos sobre o calçadão, surpreendi-me com o um nauseabundo espetáculo: excretos de cachorros espalhados pelo caminho. Um festival de matérias fecais, reflexo, claro, de uma (parte da) sociedade sem educação.
Quase desisti, confesso. Entretanto, como sempre procuro ver tudo pelo lado positivo, pensei, para não desanimar: foi apenas uma desatenção, um caso isolado, que não deve se repetir.
Assim pensando, prossegui. Todavia, logo me dei conta de que não era um ato isolado. Mais à frente, contrariando o meu otimismo inicial, mais e mais excrementos. Enfim, um repugnante festival de excretos!
Comecei a me irritar, é claro. Mas na minha teimosia, segui em frente. Mas adiante, estupefato, já tomado por certa indignação, constatei que havia por toda a parte mais e mais excrementos, expostos de forma acintosa, sem nenhum respeito ao transeunte, uma vergonha, o que se pode chamar de indecorosidade.
Pensei: vou desistir da caminhada, pois, àquela altura, eu já alternava momentos de tolerância e otimismo com outros de pura indignação e revolta. Conquanto indignado, mas ainda movido por um saldo diminuto de tolerância, resolvi prosseguir, disposto a chegar ao fim, impulsionado, agora, muito mais pela curiosidade que pelas atrações da área recém urbanizada.
Mais adiante, para meu regalo pessoal, deparei-me com um conhecido, com o qual não cruzava há muitos anos. Ele me cumprimentou de forma efusiva, e eu respondi aos cumprimentos com a mesma satisfação. Ao ensejo, me apresentou a dois turistas, aos quais fazia companhia, exibindo a eles, talvez com o mesmo regalo, a área recém-urbanizada.
Depois dos cumprimentos de praxe, comentei com ele que tudo estava muito bonito, mas que eu não me conformava com a falta de educação do povo (Povo não! Desculpem! Façamos justiça: meia dúzia de desorientados), advertindo-o para quantidade de excretos de cachorros espalhados pela via. Ele não pareceu ter-se dado conta, absorto, certamente, com o diálogo que travava com os ciceroneados.
Aparentemente, ele não deu muito importância para o meu registro. Todavia, para estupefação dele e dos amigos, constatei que muito próximo dele, já esmagado por algum transeunte desatento, e muito próximo de ser esmagado outra vez, havia outra montanha de fezes de cachorro.
Cuidei de mostrar o excremento como um achado, como um troféu, como uma prova de que, ao me indignar, não o fazia à toa. Contraditoriamente, fiquei feliz em deparar-me com aquele monte de excretos, como prova material e definitiva do “crime” praticado em detrimento dos transeuntes.
Nós olhamos um para o outro; ele, de seu lado, repetiu o olhar aos turistas, certamente desolado.
Seguimos em frente. Voltei ainda um pouco indignado, e ele prosseguiu em direção ao Espigão, certamente mais atento, pois que, parafraseando Chico Buarque, qualquer desatenção, faça não! Ela pode ser a gota d´água, ou melhor, poderá demandar a procura de água, para uma providencial assepsia.
Foi assim o final de tarde que, equivocadamente, eu antevia prazeroso para mim. Mas tudo resultou em desalento, em face da falta de educação de uns poucos.
Do meu colega de desdita espero que tenha o cuidado de explicar ao casal de turistas, para evitar uma decepção ainda maior, que pior que no Espigão é a situação no Reviver, Centro Histórico de São Luis, onde, em vez de excretos de cachorros, os poucos turistas que se aventurarem visitar a área, defrontar-se-ão, seguramente, com excrementos e urina de gente.
Para encerrar, duas indagações que imagino importantes: de quem são os animais que fazem do Espigão o seu depósito de fezes? A responsabilidade pela sujeira é dos proprietários dos animais ou de quem recebe autorização para levá-los ao passeio público?

Saber perdoar

Começo essas reflexões admitindo que, assim como qualquer ser humano, tenho muitos defeitos, incontáveis até. Em contrapartida, também tenho muitas virtudes, é claro; e essas, quase sempre, passam despercebidas pelas pessoas que só me conhecem superficialmente. Posso afirmar, por exemplo, que sou leal, sei ser grato e, até onde vai a minha escala de valores, também procuro, obstinadamente, ser correto na lida com a coisa pública, conquanto admita que, na condição de ser humano, também cometo os meus deslizes, ou equívocos nas minhas avaliações e nos meus conceitos, ainda que não o faça de má fé ou para alcançar vantagens ilegítimas ou ilegais.

Como virtude que imagino possuir, posso afirmar que nunca, em nenhuma oportunidade, usei o poder para perseguir, para fazer maldades, para proteger ou contemplar imerecidamente quem quer que seja, para ser simpático ou obsequioso com o amigo ou rigoroso e vingativo em face de eventual desafeto, fossem quais fossem as circunstâncias ou os interesses em jogo.

Além disso, tenho me limitado a julgar o semelhante sem me deixar influenciar pela sua posição social ou pelos deslizes que ele tenha cometido no passado, abominando, a mais não poder, o famigerado Direito Penal do Inimigo, que condiz, necessariamente, com a flexibilização dos direitos e garantias fundamentais, algo que me recuso a fazer, ainda que a pretexto de enfrentar a criminalidade. Afinal, conforme tenho dito inúmeras vezes, não sou justiceiro e esconjuro, por isso mesmo, os justiçamentos, sobretudo os institucionalizados, que equivalem, num Estado de Direito, a jogar no lixo todas as conquistas e garantias consolidadas na Carta Política em vigor.

Retomando o tema objeto destas reflexões, anoto, de mais a mais, que nas minhas relações com o semelhante, procuro, na medida do possível, evitar os pré-julgamentos, as avaliações precipitadas. Não sou do tipo que julga ao primeiro olhar, que acha que a primeira impressão é a que fica.  Portanto, não sou do tipo que dá crédito à primeira informação. Ao contrário disso, gosto de checar, de ponderar, de perscrutar, de aprofundar, para, finalmente, firmar as minhas convicções, sem deixar que a maldade ganhe força nos meus julgamentos, ainda que compreenda que juízes neutros são uma inviabilidade antropológica (ZAFFARONI).

Acho que é pelo fato de ser assim que sou feliz. Tenho dito e faço questão de reafirmar, sobretudo em face dos que julgam o meu modo de ser pela defesa que faço das minhas convicções, que entre os habitantes da terra não há ninguém mais feliz do que eu; feliz com a minha maneira de ser, com as minhas conquistas, com a minha paz interior, com as amizades que construí, com a credibilidade que julgo ser merecedor e com a forma com que tenho julgado os meus semelhantes, tratando-os simplesmente como sujeitos de direitos; direitos que me recuso espezinhar, sejam quais forem as incompreensões dos que pensam de forma diferente.

Diferente de muitos, gosto das coisas simples, dos lugares despojados, ao mesmo tempo em que repugno a ostentação, a maldade, a aleivosia, a pantomima, o escárnio, a fofoca, o despudor, a invencionice, o puxa-saquismo, os elogios dos oportunistas e dos bajuladores de ocasião. Abomino, no mesmo passo, o esnobe, o exibido, o que se julga o mais esperto, o mais correto, ou os que se imaginam donos da verdade, os que pensam que, por exercerem o poder, são superiores aos seus semelhantes.

Mas a virtude da qual mais me ufano é a capacidade que tenho de perdoar. Não sou de guardar mágoas, conquanto possa não parecer aos olhos dos desavisados. Perdoar é, para mim, a maior das virtudes. Mas perdoar não é, pura e simplesmente, passar uma borracha no passado, viver a vida como se o passado nunca tivesse existido.  Pode-se perdoar, mas esquecer é impossível (BALZAC).

Segundo a minha forma de entender, não se pode exigir de uma pessoa que ela esqueça as maldades que lhe infligiram no passado, pois, a permanente lembrança dessa má ação, funcionará como uma espécie de advertência para que, no presente, possa se prevenir das maldades antes praticadas contra ela, e para que possa, ademais, pensar mil vezes antes de repetir uma injustiça que tenha sido praticada por ela em algum momento da sua vida.

Quando perdoo, eu o faço porque isso me afaga, faz bem à minha alma, faz de mim um ser humano melhor. O perdão me deixa de bem comigo mesmo. Daí porque não sigo o entendimento dos que pregam esse ato como uma forma de vingança, como um instrumento para constranger o semelhante, vez que o perdão, até onde alcança a minha compreensão, não deve ser um instrumento para aborrecer o inimigo (OSCAR WILDE).

De minha parte, portanto, simplesmente perdoo, e ponto.

Um palácio para Inácio

Barão de Itararé foi como se autointitulou o jornalista gaúcho Apparício Torelli (1895-1971), que fez uso dos jornais alternativos A Manha e Almanaque, publicados no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, para enfrentar e fazer joça do Estado Novo e dos políticos corruptos da época.

Por pensar e agir assim, consta que foi preso diversas vezes, contudo, nunca perdeu o humor, os trocadilhos e as piadas.  Consta também que, cansado de apanhar da polícia secreta de Getúlio Vargas, teria colocado na porta de seu escritório uma placa com a hoje famosa frase ”Entre sem bater”, que, claro, não tinha o mesmo sentido que tem nos dias atuais.

Apenas para ilustrar, lembro que Itararé é o nome da batalha que não aconteceu durante a Revolução de 1930. Os historiadores registram que era para ter sido o maior confronto entre os constitucionalistas e as forças do governo provisório, mas como ninguém apareceu, não houve a guerra, que mesmo assim, entrou para história.

Algumas pérolas de Apparício Torelli, buscadas ao acaso na internet, e repetidas aqui apenas para reflexão, em face do momento atual que vivemos: ”Tem políticos cuja vida pública é a continuação da privada”, ”O homem que se vende sempre recebe mais do que merece”,e  ”Não é triste mudar de ideias; triste é não ter ideias para mudar”.

Para que lembrássemos a cada eleição, décadas atrás ele escreveu, enfático:: ”Queres conhecer o Inácio, coloca-o num palácio”.

Essas despretensiosas reflexões servem apenas, como se pode dizer, uma reafirmação, talvez até desnecessária, de que nós somos responsáveis pelas nossas escolhas.

Nesse sentido, advirto, mesmo descambando para o excesso, que aqueles que trocam o voto por um favor ou uma cortesia, decerto que não contribuirão para mudar  essa nefasta cultura brasileira, segundo a qual estar no poder é a oportunidade para dele se apropriar e tirar proveito, na senda daquela velha e canalha máxima nacional de que “farinha pouca,  o  meu pirão primeiro”, ou em face do desvirtuamento não menos abominável do apotegma  “é dando que se recebe”, ou, ainda, da máxima, da mesma forma canalha, de que, “em política só é feio perder”.

Por isso, sem temer pelo excesso, lembro ao eleitor que quem compra seu voto, ou tenta,  por qualquer meio,  influenciar, ilegitimamente, no seu poder de escolha,  não é digno de confiança.

Não venda, pois, não troque, sob qualquer pretexto, o seu voto. Não faça nenhum negócio que envolva a sua liberdade de escolha, pois voto, definitivamente, não é brinquedo, sobretudo num país como o nosso, carente de estadistas, de pessoas que pensem o poder delegado como instrumento para servir os que lhes concedem a outorga.

Poder, no Brasil, infelizmente, é sinônimo de benesses, de troca de favores, de institucionalização da propina, da bandalha, da corrupção, da vantagem indevida, da perpetuação da esperteza  e  da falta de idealismo.

Por isso, pense bem na escolha que vai fazer. Não vote por simpatia. Vote em propostas. Examine o passado dos candidatos. Colha dados sobre a sua história. Não se deixe levar pelas primeiras impressões. Cuidado com a propaganda enganosa. Não compre um candidato como se fosse um mero  produto dos marqueteiros.

Quatro anos é tempo mais do que suficiente para fazer o mal. Por isso, o cuidado com a escolha.

Democracia é uma conquista que vai se sedimentando aos poucos. Por isso, temos apanhado, temos errado, algumas vezes, nas nossas escolhas. Mas, ainda assim, convém insistir. Afinal, nesses mais de quinhentos anos, já aprendemos muito, e são muitas as conquistas no campo democrático que devemos festejar. Todavia, não custa advertir, cuidado, muito cuidado com as escolhas!

Boa eleição para todos.

Somos assim

Tenho verificado, com muito mais ênfase nos dias atuais, em tempos de puro egoísmo e ambição material desmedidos, que, aos olhos dos semelhantes, o problema do vizinho é só dele, e que o meu problema, noutro giro, não é problema do vizinho.

Somos assim, fácil constatar, desde que o mundo é mundo. Vivemos, mais do que nunca, tempos que induzem  que cada um cuide de si. Vivemos, com efeito, tempos de solidariedade muito próxima de zero. Por isso, temos sido mais solitários que solidários, mais sozinhos  que vizinhos (E. Mougenot Bonfim)

Repito: somos assim, ou melhor, quase sempre somos assim. Digo quase sempre, porque existem as exceções. Mas eu não estou refletindo em face das exceções; reflito em face da regra. Por isso, não se há de negar que somos, sim, na maioria das vezes, egoístas, personalistas, egocêntricos, intolerantes e intransigentes.  E, sempre que pensamos e agimos assim, aviltamos o sentimento de solidariedade que deveria presidir as nossas ações, inspirados no sentimento mesquinho de que o melhor mesmo é levar vantagem de ordem pessoal, pouco importando a dor ou o sofrimento do irmão.  É dizer, desde que a manga do vizinho não caia sobre o meu telhado, pouco me importa se as minhas destruam o dele, já que os meus interesses, sejam quais forem as circunstâncias, deverão, sempre,  ocupar lugar de destaque na minha vida, sem concessão a quem quer que seja.

Pensando assim, vamos fragilizando as relações com o semelhante, vamos nos isolando em nosso casulo, com os olhos voltados apenas para nós mesmos, como se fosse possível construir o mundo sob a perspectiva tão somente do que os meus olhos podem ver, e o meu coração possa sentir ou ambicionar.

 Conforme sabemos bem, tudo nessa vida depende do ponto de observação de cada um de nós. Vemos os fatos e os interpretamos de acordo com as nossas conveniências, as nossas crenças, os nossos interesses. Falta-nos, lamentável dizer, desprendimento, sensatez, sentimento de cooperação e, muitas vezes, altivez para reconhecer, por exemplo, o direito do contendor.

Trazendo as reflexões para o mundo do direito, consta-se que, numa demanda judicial, há, quase sempre, uma resistência, exatamente porque os contendores, dependendo do seu ponto de observação, dos seus interesses, dos seus valores e das suas conveniências, julgam, muitas vezes, por espírito de emulação, que é melhor demandar, eternizar o litígio, do que ceder; é como se fosse uma questão de honra aviltar a lei do bom senso.

No mundo em que vivemos, de competição exacerbada, é muito raro encontrar alguém com humildade suficiente para reconhecer que o outro tem razão. Isso acontece, muitas vezes, em virtude da visão obliterada e mesquinha que tem dos fatos, a enevoar a sua capacidade de discernimento, o que resulta, infelizmente, da busca frenética e incessante, por vezes desleal, de levar vantagem,

Há cerca de dois anos fui atropelado, na Estrada da Vitória, próximo ao Hospital Sara. O motorista do veículo cuidou de me socorrer. Mostrou-se transtornado com a situação e as consequências que dela poderiam advir. Quando entrei no seu veículo, a caminho do hospital, sangrando muito, sem a exata dimensão do alcance das lesões, a primeira coisa que disse ao autor do fato é que ele não tinha culpa; assumi, sem titubeio, que o culpado tinha sido eu, que atravessei a pista de rolamento, sem as cautelas devidas.

Todavia, nem sempre é assim. Os exemplos se multiplicam sob os nossos olhos. As pessoas têm uma certa dificuldade para assumir o erro, admitir que não têm direito. É que, para muitos, o seu umbigo é o centro do universo. Daí por que analisam os fatos sempre à luz das suas perspectivas e dos seus interesses, às vezes mesquinhos.

E, assim, vamos dando aos fatos a interpretação que nos convém, de acordo com a nossa equivocada visão de mundo, dificultando as relações, fomentando o litígio, dando vazão à discórdia, passando as pernas em uns e tripudiando sobre os interesses de outros, a reafirmar que, sobre a terra, o animal mais perigoso é mesmo o homem que, por isso, não cansa de surpreender.

Desde o meu ponto de observação, até aonde alcança a minha percepção, entendo que ninguém deve se orgulhar (a menos que seja doente) de fazer o mal, de passar a perna em alguém ou de ser prepotente, arrogante, raivoso, psicótico e cruel, indiferente às consequências da sua maldade, como principia por admitir o protagonista do estupendo Notas do Subsolo (ou Memórias do Subsolo), de  Fiódor Doistoiévisk.

É, infelizmente, somos assim.

 

 

 

Caturrices de velho?

Ouço de muitos o desejo, uma quase sofreguidão, de sair da rotina; é como se a rotina, por si só, fosse um mal, algo a ser evitado, quando, na minha avaliação, ela é indispensável a quem, como o magistrado, tem que desenvolver um especial esforço intelectual para, com sensibilidade e equilíbrio, decidir o conflito de interesses contrapostos e deduzidos em juízo.
Como uma reafirmação da minha condição de, digamos, excêntrico, gosto, diferente de muitos, da minha rotina; tenho-a como necessária para a minha atividade intelectual. Nesse sentido, tenho por inviável uma vida produtiva, sem me submeter a minha rotina; rotina, muitas vezes, espartana, razão pela qual, quando tenho que dela me afastar, sinto-me perseguido por um déficit mental que compromete, definitivamente, a minha a capacidade intelectual, em detrimento, claro, da apreensão do objeto cognoscível, a exigir, nessa senda, redobrado esforço intelectual.
Por isso, e muito mais, tento não sair da rotina, porque dela dependo para preservar a minha capacidade intelectual, limitando-me a afronta-la tão somente em face de uma excepcionalidade, de algo invencível, insuperável, que independa das minhas forças e da minha vontade, com o que me defronto, aqui e acolá, como sói ocorrer.
Quando saio da minha rotina, por uma ou outra razão, sobretudo quando o rompimento se dá de súbito, sem um tempo mínimo para promover o necessário equilíbrio mental, penso estar vivendo num mundo estranho ao meu. Nesse cenário, é como se a vida parecesse sem sentido. Por isso, posso reafirmar, à ilharga da rotina não sou a mesma pessoa. Nessa condição, até eu mesmo, que penso ser normal, sinto-me como se reafirmasse a opinião dos que juram, de pés juntos, por maldade ou ciência própria, que eu padeço de alguma patologia ainda não diagnosticada.
A quase obsessão pela minha rotina tem me levado por caminhos que certamente não levariam uma pessoa, digamos, normal. Tentei, por exemplo, lecionar na Universidade Federal e na ESMAN, mas logo desisti. O magistério me compelia sair de casa à noite. Para mim era um tormento. No dia definido para lecionar, eu já acordava apoquentado com iminência de hostilizar a minha rotina. Pensei, pensei e desisti, na convicção, definitiva, de que nada se compara ao prazer de estar em casa, e poder desfrutar da companhia da minha família.
Tenho trabalhado, tenazmente, para controlar a minha ansiedade. Em muitos aspectos da vida a controlei, definitivamente. Hoje, maduro, posso dizer que sou do tipo que nem engarrafamento e antessala de médico conseguem me irritar. Aprendi a esperar. Deixo fluir o tempo. Estar vivo, para mim, é o que me basta.
Todavia, não sou sempre assim. Não sou tão normal assim. Há circunstâncias da vida que ainda não controlo a minha ansiedade, exatamente porque condiz com a minha rotina, que reluto em aceitar que seja maculada, ciente, entretanto, que, para os mais jovens, acostumados com os novos tempos, tudo não passa mesmo de caturisses de um velho.
A ansiedade toma conta de mim, por exemplo, quando chega a hora de ir para casa almoçar com a minha família. Essa é a ansiedade que não consegui controlar, porque ela bate de frente com a minha rotina, que tento preservar a todo custo, de sorte que quando soube, antes mesmo da votação, que meu nome seria alijado da composição do órgão especial, apesar de decepcionado com a lista sêxtupla previamente elaborada, não sucumbi, pois, se é verdade que frustraram as minhas expectativas, já que, apesar das minhas manias, não deixo de ser profissional, pude, ainda que involuntariamente, voltar a cumprir a minha rotina.
É claro que é decepcionante não ter sido escolhido para compor o órgão especial, vez que, todos sabem, coloco as minhas idiossincrasias de lado quando está em questão interesse público. Todavia, poder voltar à minha rotina, importa dizer, não é algo de que possa me queixar, conquanto, reafirmo, mesmo em face das minhas manias, sou, acima de tudo, profissional e responsável, razão pela qual, se tiver um dia que voltar ao Pleno, saberei compatibilizar a minha rotina com o interesse público, afinal, movido a desafios, não sou do tipo que capitula diante dos obstáculos; não sou, definitivamente, nessa questão e noutras do mesmo jaez, tão radical quanto o general Patrício Macário, personagem marcante do romance Viva o Povo Brasileiro, do saudoso João Ubaldo Ribeiro, que, em determinada passagem do magistral obra, expõe a sua recusa, definitiva e sem concessões, de mudar de hábitos por causa dos outros; conquanto pareça olhos de uns poucos, caturra não sou, definitivamente.

Sísifo e o Poder Judiciário

Sísifo, na Mitologia Grega, foi considerado o mais astuto dos mortais, tendo recebido o título de mestre da malícia. Todavia, cometeu um grave pecado. Ousou ofender os deuses, tendo, por isso, recebido uma punição severa, para toda eternidade, que consistia em rolar com as mãos uma grande pedra de mármore até o cimo de uma montanha. Entrementes, para que se perpetuasse a punição, como queriam os deuses, todas as vezes que ia alcançando o topo da montanha, a pedra caia de novo, ladeira abaixo, pelo seu próprio peso, chegando novamente à planície, compelindo-o a tentar, outra vez, levá-la ao cume; sempre embalde, todavia, pois as suas forças se esgotavam antes de chegar ao objetivo. Isso porque os deuses entendiam não existir punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

É certo que “diferem as opiniões sobre os motivos que lhes valeram ser trabalhador inútil dos infernos” (Albert Camus), questão que não é relevante para os argumentos que pretendo consolidar nessas reflexões, como o farei a seguir, afinal, “os mitos são feitos para que a imaginação os anime” (Albert Camus).

Pois bem. Nos julgamentos dos quais participei, tanto nas Câmaras Criminais Reunidas quanto na 2ª Câmara Criminal, e ao tempo em que compunha o Pleno do Tribunal de Justiça, por diversas vezes fiz menção a essa alegoria, para, a partir dela, tentar retratar as minhas impressões sobre o Poder Judiciário, que, reconheço, produz muito, mas que, aos olhos da opinião pública, é como se nada fizesse, pois há sempre a sensação, não sem razão, de que as demandas apenas se eternizam, tamanho o volume de litígios formalizados, sobretudo depois que o acesso se tornou menos onírico para uma parcela significativa da nossa sociedade.

A verdade, no entanto, é que, examinada a questão sem paixão, fazemos muito, produzimos muito, lutamos diuturna e incessantemente, mas não conseguimos, e nem conseguiremos, decerto, dar vazão aos mais de 96 milhões de processos em andamento nas mais esferas do Poder, fruto de uma cultura ultrapassada de que todos os conflitos e problemas sociais devem ser resolvidos mediante o ajuizamento de um processo (Ricardo Lewandowski).

Diante desse quadro, avulta, com singular importância, a Conciliação como a via alternativa eficaz para solução dos conflitos, que tem sido implementada em todo país, com singular destaque para o estado do Maranhão, pelo seu Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, prática estimulada, em boa hora, pelo Conselho Nacional de Justiça (resolução 125/2010), e a ser formalizada pelo legislador ordinário, de lege ferenda.

Em vista da realidade que acima descrevi e ante a convicção que tenho de que o Poder Judiciário, como Sísifo, em face da pena a ele infligida, não tem condições, pelos seus 15 mil juízes, de atender, a tempo e hora, às demandas formalizadas, tenho lutado, com a minha excepcional equipe de trabalho, contando com o respaldo decisivo dos três últimos presidentes do TJMA, no sentido de consolidar a Conciliação como via eficaz e alternativa de solução dos conflitos, como o são, no mesmo passo e na mesma medida, a mediação e a arbitragem.

Ainda recentemente, com o respaldo decisivo da presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Cleonice Freire, e de alguns dos nossos colegas de primeiro grau, implementamos o projeto de Conciliação Itinerante, em convênio com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), contando com a participação determinada de várias outras instituições e empresas demandantes e demandadas com resultados expressivos e alvissareiros, a nos impelir ao caminho da interiorização do mesmo projeto, cujas bases lançamos recentemente nas comarcas de Balsas e Imperatriz.

Nesse mesmo afã, já demos a largada para a realização da 2ª Semana de Conciliação Itinerante, desta feita em convênio com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), para atendimento aos jurisdicionados dos diversos bairros que circundam a instituição de ensino, todos de certa forma órfãos das ações inclusivas do Estado.

O Lixo moral produzido pelo vale-tudo eleitoral

Não tem jeito! Sempre que me proponho a levar uma reflexão ao leitor fico agastado ante a possibilidade de ser mal interpretado. Esse mesmo sentimento parece ter tomado conta do espírito de Erasmo de Roterdã, quando se dignou escrever Elogio da Loucura, sentimento que externou em carta endereçada ao amigo Tomás Moura, na qual fez questão de anotar que buscava apenas se divertir com a obra. De minha parte, é claro que não escrevo esse artigo apenas para me divertir, mas, sobretudo, para advertir, para instigar, provocar – com cuidado, claro, para não ferir suscetibilidades. Todavia, ainda assim, me preocupa que a ele seja dado o alcance que não deve ter; e que não terá, decerto, em face da convicção que tenho de que apenas constato um fato sobre o qual poucos haverão de discordar.

Feita a digressão, passo às reflexões.

Pois bem. Depois do vale-tudo eleitoral, da ressaca moral que decorrerá das acusações recíprocas (muitas delas levianas e infundadas) entre os contendores, sob os olhos espavoridos do eleitor, nos restará indagar a nós mesmos, desiludidos, o que esperar  de um(a) candidato(a), que, para se eleger, faz uso de quaisquer expedientes, sobretudo se almeja a  chefia do Poder Executivo, de quem se espera postura  similar a de um magistrado.

Importa refletir, nessa esteira, se merece o respeito dos concidadãos, aquele que, para se eleger, mente, escarnece, vilipendia, achincalha, ataca, menospreza, maquina,  agride e  finge, sem constrangimentos, sem limites e sem pudor, sem peias e sem amarras morais, a qualquer custo e a qualquer preço,  sejam quais forem as consequências e as vítimas das suas sandices, mentiras e maquinações.

Nesse panorama, releva avaliar, também, por que determinadas pessoas que, nas suas relações pessoais, condenam a ganância moral e as ignomínias que são praticadas em nome do povo,  se desgarram das mais comezinhas normas de conduta, quando se dispõem a participar de uma peleja eleitoral, menosprezando, nesse passo, elementares regras de convivência, jogando numa lata de lixo, sem escrúpulos e sem pudor, a sua própria história.

Não é excessivo questionar, de mais a mais, por que nós, eleitores, aceitamos e absorvemos, passivamente, a produção do lixo moral que decorre dos embates eleitorais, legitimando, com o nosso voto, determinadas condutas que, de rigor, costumamos condenar em qualquer pessoa com a qual travemos uma relação social.

Tenho para mim que é, no mínimo,  uma contradição exigir das pessoas comuns que, nas suas relações pessoais, ajam com denodo e retidão, ante os péssimos exemplos ministrados pelos que almejam nos representar – e mesmo no exercício da representação -, ou seja, em face do espetáculo de horror e de degradação moral que somos compelidos a testemunhar, a cada dois anos, nos embates eleitorais – e, depois, o que é mais grave, no exercício do poder que decorre da outorga, agora a pretexto de nos representar.

O mais desalentador é constatar, por fim, que a refrega, a desinteligência, a pantomima, as agressões, enfim, levadas ao paroxismo nas pugnas eleitorais, não decorrem do desejo, do afã de defender os interesses dos representados. O que temos testemunhado, com efeito, é que, infelizmente, os protagonistas desse excremento moral, quando, finalmente, ascendem ao poder, passam a defender os seus próprios interesses, em detrimento dos interesses dos seus representados, vítimas da ganância moral que permeia as ações de boa parte dos nossos homens públicos.

Diante desse quadro, só nos acalentaria a ação enérgica dos órgãos persecutórios, mas desses, infelizmente, pouco se espera, principalmente quando se trata da clientela mais favorecida, o que me conduz à lembrança de Nego Lelé, personagem de João Ubaldo Ribeiro, em Viva o Povo Brasileiro, o qual, para justificar a vingança privada, argumenta mais ou menos nos termos a seguir: Que negócio de justiça é esse?! Que besteira é essa?! Isso não existe! Pode existir no estrangeiro, mas aqui não existe. Que Justiça?! Mas, home creia, que Justiça?! Onde é que tu já ouviu falar de justiça? Justiça é uma palavra dos livros, isso que a justiça é! Justiça quem faz para mim é eu mesmo. Eu que não me desdobrasse nem me virasse em oito, em oito vezes oito. Eu que ficasse quieto, esperando justiça, que hoje o que a gente estava era comendo capim. E olhe lá!

É isso.