Estímulo à indolência?

É inegável os benefícios, para sociedade, resultantes dos mutirões realizados pelo Poder Judiciário.

É mais do que louvável, pois, que, constatado o acúmulo de demandas, que nos unamos todos em benefício do jurisdicionado.

Esse tipo de ação é muito mais que uma obrigação. Por isso, não se deve deixar de reconhecer a relevância do “Pauta Zero”  patrocinado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão.

Todavia, como tudo na vida, existe o reverso da medalha. É que, desde a minha compreensão, esse tipo de engajamento pode, sim, traduzir-se  num estímulo ao ócio.

Nesse sentido, só  restará completa a nobre missão, se, alfim e ao cabo, forem detetadas – e divulgados, para o conhecimento de quem nos paga – as causas do acúmulo de demandas em determinadas varas ou comarca.

Uma indagação  sempre me  incomodou  no exame dessas questões:  por que determinado magistrado, nas mesmas condições( numa vara criminal, por exemplo), produz mais – muito mais! – que o colega magistrado?

Para essa indagação eu sempre me dava a mesma resposta: porque uns se dedicam mais, trabalham mais que os outros. Simples assim.

Não sou melhor, nem mais dedicado que ninguém. Não sou, definitivamente, nenhum exemplo. Mas os que conviveram comigo – promotores de justiça, advogados, escrivães, oficiais de justiça, policiais, etc – sabem que,  quase solitariamente,  sempre fiz audiências todos os dias, de segunda a sexta, pela manhã e pela tarde.

Não obstante toda essa dedicação, quando fui promovido ainda deixei exatos 505  processos na 7ª Vara Criminal, convindo anotar que cumpri, a tempo e hora, a Meta II.

É de relevo, pois, que, além do mutirão, que se avaliei, com a necessária sofreguidão, as razões do acúmulo de trabalho nas varas ou comarcas, com a adoção das medidas que forem necessárias para reverter a situação.

E não se argumente que há varas com mais e outras com menos demandas, pois a aferição da produtividade de um magistrado passa, necessariamente, pelo exame das peculiaridades de cada vara ou comarca.

O que não podemos é realizar um esforço concentrado para julgar as demandas, sem um diagnóstico preciso das causas do acúmulo, pois que, se assim o fizermos, novo acúmulo advirá, a exigir novo esforço comunitário.

Os mutirões não pode servir , definitivamente, de estímulo à indolência.

Paradoxo

A sociedade clama por uma limpeza ética na política. Eu também clamo. Todos clamamos. Essa questão é quase obsessão para mim, que estou sempre indignado com as travessuras  dos nossos representantes.

Paradoxalmente, essa mesma sociedade elege os que têm ficha suja, com votação expressiva,  para, depois, se indignar com a decisão do Supremo Tribunal Federal  acerca da aplicação da Lei da Ficha Limpa.

Argumentar-se-á, para justificar  a falta de discernimento de  parte relevante do  eleitorado,  que os  espertalhões tiram proveito da ignorância do povo ou que o eleitor não tem capacidade de discernimento, em face de sua pouca educação.

Desse entendimento, no entanto, não comungo. Ou melhor, comungo apenas parcialmente.

É que notórios “fichas sujas”, com os rostos estampados nos veículos de comunicação de todo o país, alguns deles até algemados, receberam votação mais do que generosa do eleitor do seu Estado ( ou curral eleitoral?), num claríssima demonstração de que, de rigor, o eleitor não quer defenestrar da vida pública  os que entende não merecer a sua confiança, preferindo,  ao reverso,  que a limpeza se faça por meio de uma lei ou por intermédio de um Tribunal, o que, convenhamos, é muito estranho.

Um país educado e politizado não precisa de uma lei para tirar da vida pública quem não é digno da confiança do eleitor.

O voto, desde meu olhar, é a mais importante forma de expressão da vontade popular. Mais do que uma lei e do que uma decisão judicial.

É lamentável que, tendo às mãos um instrumento de tamanha relevância para expurgar da vida pública os indignos dela,  o eleitor prefira transferir a responsabildade para um Tribunal, cujos membros sequer são eleitos pelo voto popular.

Nós ainda  vamos chegar lá!

Lição de casa

TJ-SP investigará juízes improdutivos

Órgão usará como parâmetro meta do CNJ que estabeleceu prazo para cortes julgarem processos iniciados antes de 2007

Resolução também determina que 47 mil processos que estão há três anos na corte sejam decididos em 120 dias

ROGÉRIO PAGNAN
FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO

Os desembargadores paulistas com baixa produtividade serão alvo de investigação disciplinar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Resolução publicada ontem pelo órgão determina que os magistrados com processos sem decisão há pelo menos três anos sejam retirados das causas e expliquem o motivo da demora.
Essa medida vale para mais de 47 mil casos de segunda instância que estão no arquivo do TJ, no bairro do Ipiranga (zona sul). Eles serão repassados para outros desembargadores com melhor desempenho.
Quem receber esses processos antigos deverá julgá-los em até 120 dias.
Uma punição nas apurações disciplinares poderá ir de uma advertência até a aposentadoria compulsória, em caso extremo.
No tribunal atuam também alguns juízes de primeira instância convocados.
O desembargador do TJ-SP e presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Henrique Nelson Calandra, classificou a medida como positiva. Segundo ele, a maioria dos juízes apresentará justificativas para o acúmulo de processos.
Uma punição já prevista na resolução é que aquele com baixo desempenho terá a autorização para dar aulas “revista” pelo Conselho Superior da Magistratura.
De acordo com a legislação, os juízes e desembargadores só podem exercer uma outra atividade remunerada atuando como professores.
Além disso, o documento prevê ainda que os magistrados com baixo desempenho não poderão participar de comissões do tribunal.
Um dos termômetros dessa produtividade será a chamada “meta 2” do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que orientou os tribunais do país a julgar todos os processos iniciados antes de 31 de dezembro de 2006, ou de 2007, no caso de homicídio ou crimes contra a vida.
Outro parâmetro a ser utilizado é a atuação dos próprios colegas de corte.
Segundo a resolução, o juiz ou desembargador com produtividade igual ou inferior a 70% da média de seus pares de seção ou subseção poderá ser investigado.
Além das causas no arquivo do Ipiranga, há ações antigas que estão nos gabinetes dos magistrados. Esses também devem ser julgados em quatro meses pelos responsáveis, sob risco de punição.
No total, tramitam no Tribunal de Justiça, em segunda instância, 773 mil processos. A OAB-SP divulgou nota em que considerou a medida do órgão “corajosa”.

Sem perder a esperança

Ao longo da minha vida, tenho testemunhado muitas injustiças, às vezes protagonizadas exatamente por quem tinha o dever de ser justo.

Mas eu não deixo, ainda assim, que essa triste realidade reduza as minhas ilusões a pó.

Sou duro no embate e vou continuar dando uma pequena, diminuta, quase insignificante contribuição para reverter esse quadro. Nem que essa luta se traduza apenas em palavras, como o faço aqui e agora.

Sem ódio, sem rancor, sem sentimento de vingança – apenas refletindo e levando adiante a minha mensagem.

Desde que ingressei na magistratura, sonho com o dia em que todos serão tratados da mesma forma.

E o que tenho visto, ao longo de tantos anos de dedicação integral à magistratura do meu Estado, dolorosamente, é muita discriminação.

Discrimina-se o igual (?) em face da cor, em face da roupa que veste, em face do bairro em que mora, em face da bebida que bebe, em face dos amigos que tem, em face dos lugares que freqüenta.

No caso específico da Justiça Criminal, onde militei por mais de 20 (vinte) anos, a discriminação é mais odiosa, pois que tem – a Justiça Criminal – os olhos voltados apenas para as camadas mais carentes da sociedade.

Ignominiosamente,  os agentes responsáveis pela persecução criminal têm os tentáculos voltados, de forma inclemente até, somente para a população mais carente.

Mas nós não podemos dar um tiro na cabeça por isso.

Nós temos que ter a capacidade de, diante dessa inefável realidade, superar os problemas que são superáveis, administrar os que forem administráveis e engolir os que devem ser “sorvidos” – “degustá-los”, até, se possível for.

A verdade é que, pior que viver sem esperança é não ter esperança de viver para assistir ao porvir, não ver o futuro acontecer.

Enquanto vida tivermos, devemos lutar para mudar essa realidade, sempre movidos pela esperança e pela fé.

E que venham os dissabores, que venha a borrasca, que venham as injustiças, que estou armado contra elas com a minha tenacidade, com a minha pertinácia, com a minha obsessão e com a minha dignidade.

Ninguém vai conseguir me impedir de continuar sonhando. E vivendo.

Vivendo a vida intensamente, sempre esperando que, um dia, o sol, definitivamente, nasça para todos.

Violência

Abro os jornais e me deparo, como sempre, com notícias, as mais diversas, sobre violência.

Nos mesmos jornais vejo, ademais, notícias acerca de desvio de verbas públicas; verbas  públicas que enriquecem uns poucos  canalhas, em detrimento da saúde e da educação dos necessitados.

Vejo no O Globo de hoje, por exemplo, notícias acerca da violência perpetrada contra as adolescentes  Josely Laurentina de Oliveira, de 17 anos, e Juliana Vania de Oliveira, de 15 anos.

As  adolescentes  foram vistas, pelo última vez, na quarta-feira passada.

Os corpos foram encontrados com marcas de violência sexual.

Foram ambas violentadas e mortas em seguida, com disparos de arma de fogo.

Voltavam para casa quando foram abordadas.

Vinham da escola.

Buscavam uma via através da qual pudessem mudar de vida.

Não tiveram tempo.

Em plena adolescência foram assassinadas, de forma brutal.

O pai, desesperado, sob efeito de calmante, limitou-se a dizer:

-Espero que o suspeito seja preso o quanto antes. Assim como sempre quis o bem das minhas filhas, não vou querer o mal de ninguém, mas quero que se faça justiça.

Consta que, no dia do ocorrido, o pai das adolescentes, por razões superiores, não pode ir buscá-las na parada de ônibus.

É claro que, não fora a exposição das vítimas, tivessem elas alguma  forma de proteção do Estado, o fato não teria ocorrido.

Mas elas não tinham!  Como nós outros, afinal.

Enquanto isso, os de sempre vão desviando as verbas públicas e com elas construindo mansões e reforçando a segurança particular  da prole, como o dinheiro dos impostos que pagamos.

A propósito, vejo  nos jornais de hoje a confissão  do  ministro-chefe da Controladoria-Geral da União,  Jorge Hage,  de que a verbas da educação e da saúde para os municípios não são, na prática, fiscalizadas, daí o generalizado desvio das verbas públicas.

Vejam o que disse o ministro:

-Educação e saúde têm pior fiscalização. Na saúde, há grandes fragilidades no controle por parte do Ministério da Saúde em relação aos recursos fundo a fundo.  Nós atribuímos tudo isso à falta de um acompanhamento com a devida transparência por parte do poder repassador (governo federal). As nossas fiscalizações in loco nos municípios sempre trazem uma incidência maior de irregularidades na saúde e na educação.

Até quando?

Eles não têm sensibilidade

Paciente da rede pública

Enquanto isso…

Não há um só dia que não se leia nos jornais notícias acerca do desvio de verbas públicas por alguém líder político ou por algum liderado dele.

Eles, definitivamente, não têm sensibilidade.

Verbas da saúde? Não importa. Para eles,  os desvalidos devem, sim, morrer sem atendimento médico. É o que se pode inferir em face das verbas públicas destinadas a saúde que são desviadas por eles, políticos, ou por seus apaniguadas.

Sim, eles mesmos. Os que são colocados nos cargos públicos  pelos políticos com influência junto ao poder,  sem nenhuma preocupação – aliás, isso é o que menos importa – com  patrimônio moral do favorecido, a evidenciar a falta de espírito público do indicado e do que faz a indicação.

Leio agora, a propósito, matéria veiculada no jornal O Globo de hoje segundo a qual de 2007 a 2010 pelo menos 662 milhões de reais foram desviados do Fundo Nacional de Saúde, que financia o SUS.

Detalhe: apenas 2,5% das verbas foram fiscalizadas.

Direito concreto

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“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

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No mandado de segurança impetrado pela prefeitura de Lago da Pedra, contra ato do presidente do Tribunal de Justiça, cujo voto publico a seguir,  o ponto mais relevante condiz com a possibilidade do bloqueio de verba pública, para pagamento de precatório.

Nesse sentido, a impetrante, por seu advogado, argumenta que o ato do presidente do Tribunal de Justiça do estado, que determinou o sequestro de parte do FPM para quitar precatório não horando, estaria em franca hostilidade com os preceitos legais.

Essa questão foi por mim enfrentada, quantum satis, de cujo voto, no particular, apanho e antecipo o fragmento abaixo, verbis:

“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional (art. 5º, V, da CF 88).

Oportuno trazer à colação o fragmento da decisão que negou a liminar, na qual enfatizei que, “aos credores de valores de natureza alimentícia cabe o direito de receber o precatório fora da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa. Já ao ente público, devedor, resta a obrigação de satisfazer tais créditos nos mesmos termos. Entretanto, não lhe cabe alegar direito líquido e certo de não sofrer sequestro de suas rendas pelo inadimplemento de parcelas vencidas de débito não-alimentar, por alegado pagamento a credores de precatório de natureza alimentar.”[…]”

A impetrante, noutro giro, argumenta que somente precatório de natureza alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas.

Essa questão foi por mim enfrentada, como se pode ver dos fragmentos que antecipo abaixo, litteris:

“[…]A existência de dois regimes distintos diferenciados – alimentares e não alimentares -, com suas ordens cronológicas de pagamentos próprias, não retira daqueles últimos sua importância, e, de forma acertada, previu o legislador formas de tutelá-lo, permitindo o sequestro de verbas públicas do ente público, em caso de preterição ou não pagamento.

Em verdade, tratam-se de dois regimes de precatórios distintos, em que o impetrante, com argumentos destituídos de qualquer embasamento jurídico, tenta fundi-los, no afã de justificar seu inadimplemento, argumentando, sem razão, que só precatórios de caráter alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

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