Prestações de trato sucessivo e decadência

Nos autos do Mandado de Segurança nº 031176/2010, tive a oportunidade de refletir acerca da decadência, quando se cuida de prestações de trato sucessivo, fundada numa situação jurídica consolidada. Nesse sentido, argumentei:

“[…]Primeiro, a verificação do prazo decadencial.

Neste ponto, a impetrante afirma na exordial que se trata de demanda que envolve prestação de trato sucessivo, asseverando que “[…] o direito a pretensão se renova a cada mês […]”.

As demandas dessa natureza conduziram à construção de posicionamento jurisprudencial consolidado, no âmbito do STJ, que delineou de forma bastante precisa a questão da prescrição ou decadência envolvendo prestações de trato sucessivo. Explico.

Quando a pretensão de cunho remuneratório tem sua origem em situações jurídicas já consolidadas, não se está discutindo o direito material (fundo de direito) que o origina, mas apenas o recebimento dessa vantagem, não concedida pela administração pública.

Nesse contexto, a pretensão ao recebimento dessas vantagens pecuniárias renasce a cada vez que são devidas, de acordo com sua periodicidade (mensal, semanal, diária etc.), daí não sendo possível se cogitar de decadência desse direito, por se tratarem de prestações de trato sucessivo. Ressalve-se, apenas, eventual prescrição das parcelas remuneratórias vencidas há mais de cinco anos, em conformidade com o que dispõe o art. 1º, do Decreto n. 20.910/32, e da súmula 85, do STJ, litteris:

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação.

De forma diversa, são as hipóteses em que a pretensão deduzida em juízo tem por mira o próprio direito material que embasa o recebimento da respectiva vantagem, devendo-se observar, rigorosamente, o prazo prescricional, não se aplicando o raciocínio da prestação de trato sucessivo acima delineado.

Nesse sentido, confira-se julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. REDUÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA.

1- Esta Corte vem definindo que quando houver redução, e não supressão do valor de vantagem, fica configurada a prestação de trato sucessivo, que se renova mês a mês, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito, não havendo que se falar, portanto, em decadência do mandado de segurança.

2- Agravo regimental a que se nega provimento.

Nessas circunstâncias, o desejo em receber determinada vantagem, ainda não consolidada, não incorporada ao patrimônio jurídico do interessado, pode levá-lo a ajuizar a ação após o prazo prescricional ou decadencial, sob a errônea suposição de que, por se tratar de prestação de trato sucessivo, seu direito ainda estaria resguardado.

Daí decorre a insofismável importância de se distinguir, de acordo com as circunstâncias do concreto, se a pretensão deduzida na via mandamental busca o recebimento, ou reajuste, de prestações pecuniárias periódicas, cuja decadência não se opera (ressalvada a prescrição quinquenal), ou se, em verdade, pretende-se incorporar ao patrimônio jurídico do interessado o direito mesmo, que dá fundamento ao recebimento da verba remuneratória almejada.

Pois bem.

A pretensão intentada nesta via mandamental, bem posso notar, visa o reajuste remuneratório do vencimento-base relativo ao cargo que se aposentou a impetrante – Escrivã de Serventia Judiciária de comarca de entrância inicial -, mantendo-se as diferenças remuneratórias não superiores à 10% (dez por cento), de uma para outra entrância, regra então vigente à época em que a impetrante se aposentou (2003), revogada posteriormente em 2009.

Trata-se, com efeito, de um consectário de ordem patrimonial sobre uma situação jurídica já consolidada, o que se pode verificar pela sua aposentadoria, com proventos integrais, concedida através do Ato n. 331/2003, acostado às fls. 11 destes autos.

Logo, tratando-se de prestação de trato sucessivo, não há que se falar em decadência na espécie, e nem mesmo em prescrição de parcelas vencidas, posto que a alteração legislativa a qual, em tese, operou efeitos sobre os proventos da impetrante, ocorreu em 2009, ou seja, há menos de um ano.[…]”

Outras questões. igualmente relevantes, foram enfrentadas no mandamus, cujo inteiro teor publico a seguir.

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Com a palavra, o STJ

A reportagem “STJ ignora teto e paga supersalário a seus ministros” (Poder, 27/2) é um amontoado de desinformações, que junta dados falsos (a) a interpretações equivocadas (b).

a) Exemplo de dados falsos: “Acréscimo: pelo menos 21 ministros receberam mensalmente R$ 2.792 e R$ 5.585 em vantagens pessoais (incorporação de 20% de funções anteriores, abonos por tempo de serviço, entre outros)”.
Fato: O STJ não paga a seus ministros a incorporação de 20% de funções anteriores ou abonos por tempo de serviço.
b) Exemplo de interpretações equivocadas:
“Um único ministro chegou a receber R$ 93 mil em um mês”.
Fato: O art. 65, inciso I, da lei complementar nº 35, de 1979, assegura aos magistrados a percepção de ajuda de custo para despesas de transporte e mudança.
O magistrado nomeado para o cargo de ministro do STJ recebe, após a posse, essa ajuda de custo, que varia conforme o número de seus dependentes. O teto constitucional diz respeito à remuneração do magistrado e nesse conceito não se enquadra a ajuda de custo, que tem natureza indenizatória.
Por isso, a resolução nº 13, de 21 de março de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, dispôs no art. 8º, in verbis: “Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: I – de caráter indenizatório, previstas em lei: a) ajuda de custo para mudança e transporte”.
2. O STJ paga a seus ministros os subsídios e vantagens previstos pela Constituição, na forma como interpretada pelo Conselho Nacional de Justiça (resolução nº 13, de 2006), a saber: 1 – subsídio, constituído de parcela única (lei nº 12.041, de 2009, art. 1º);
2 – abono de permanência, com caráter de provisoriedade, porque cessa com a inativação, para os ministros que tenham implantado os requisitos da aposentadoria voluntária, mas estejam em atividade (lei nº 10.887, de 2004, art. 7º); 3 – gratificação pelo exercício da presidência do tribunal (lei complementar nº 35, de 79, art. 65, V).
Nos termos da resolução nº 13, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, o abono de permanência está excluído da incidência do teto remuneratório (art. 8º, IV) e a gratificação pelo exercício da Presidência do Tribunal não está abrangida pelo subsídio e não foi por ele extinta (art. 5º, II, ‘a’).
A ajuda de custo e o abono de permanência são devidos a todos os servidores públicos, estando as respectivas verbas excluídas do teto remuneratório.
ARI PARGENDLER, presidente do Superior Tribunal de Justiça (Brasília, DF)

Editorial da Folha de São Paulo

Teto de vidro

Ministros do STJ recebem mais que o teto previsto na Constituição; Judiciário deveria dar o exemplo no respeito ao dispositivo

Com o intuito de evitar desperdício de dinheiro público e coibir abusos de poder, a Constituição estabelece que nenhum servidor deverá receber remuneração superior àquela paga mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tal teto salarial, hoje fixado em R$ 26.723, não tem sido, no entanto, respeitado por nenhum dos três Poderes da República. Funcionários e integrantes das instituições responsáveis por elaborar, executar e interpretar a legislação vigente lançam mão de manobras contábeis e subterfúgios normativos para descumpri-la.
O desrespeito à Constituição e ao contribuinte se vale do fato de o dispositivo que estabelece o limite às remunerações do funcionalismo nunca ter sido regulamentado como deveria. Ainda que seu sentido seja inequívoco, Executivo, Legislativo e Judiciário interpretam, cada um à sua maneira, quais “proventos”, “verbas”, “adicionais”, “vantagens pessoais” e “comissionamentos” devem ou não ser contabilizados como parte do pagamento de seus integrantes.
Uma profusão de extras continua a sair dos cofres públicos e a engordar os salários de servidores, sem serem, entretanto, considerados como parte “oficial” de sua remuneração.
Ministros de Estado, por exemplo, que ao final de 2010 tiveram seus ganhos equiparados aos dos integrantes do Supremo, ultrapassam o teto ao somarem a seus salários pagamentos provenientes da participação em conselhos de empresas públicas -prática comum na Esplanada. É no Executivo, todavia, que se constata maior rigor no cumprimento à regra estabelecida pela Constituição.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a maioria dos 30 ministros recebeu mais do que o limite determinado pela lei em todos os meses do ano passado, segundo reportagem destaFolha. A presidência do STJ afirma que segue normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos cálculos, mas persistem questionamentos no Supremo Tribunal Federal sobre as interpretações.
Como é costume no país, busca-se agora criar novas regras, cada vez mais detalhadas, a fim de tapar as brechas utilizadas para desrespeitar o propósito da lei. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) propõe legislação específica para determinar o modo de contabilizar os componentes da remuneração de funcionários públicos, a fim de coibir os abusos praticados.
É deplorável constatar que tal medida se faça necessária. O sentido do artigo da Constituição que institui o teto salarial é mais do que claro e corresponde a um anseio evidente da opinião pública por austeridade no trato com o dinheiro do contribuinte.
Cada Poder deveria zelar pelo cumprimento do teto, em vez de sabotá-lo a qualquer oportunidade e pretexto. Dentre eles, contudo, o exemplo do Judiciário é o que mais salta aos olhos, por se tratar precisamente do principal guardião da eficácia das leis.

Brevíssimas

Lá, como cá

-Apenas  1% do americanos acreditam que os senadores e deputados fazem um bom trabalho.

Aumento dos Ministros

-O orçamento da União incluiu a verba de R$ 156,73 milhões para o reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal e seu impacto em todo o Poder Judiciário Federal, o que corresponde à reposição de 5,25, bem abaixo dos 14,79% pretendidos pelo Supremo.

Números de tirar o fôlego

-A 1ª instância do  Poder Judiciário do Rio de Janeiro recebeu, nos últimos anos, 1.842.786 novos processos, e julgou 1.710,523. A segunda instância recebeu 147.810 recursos e julgou 147.980.

Parcelamento da dívida, antes da apresentação da denúncia

-Além de reajustar o valor do salário mínimo para R$ 545, a Lei 12.382/11, sancionada na sexta-feira (25/2), também trouxe inovações no que se refere ao processo penal tributário. Agora, com a nova lei, o Ministério Público não pode propor ação penal se o contribuinte optou pelo parcelamento da dívida antes da apresentação da denúncia.

Tráfico de drogas

-A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que condenados por tráfico de drogas podem ter a pena privativa de liberdade substituída por medidas restritivas de direito e cumprida em um regime diferente do fechado. Com isso, a turma reafirmou entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Segundo o ministro relator do caso, Og Fernandes, a Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006) não é harmônica com os princípios da proporcionalidade e ao impor o regime fechado, “inclusive a condenados a penas ínfimas, primários e de bons antecedentes, entra em rota de colisão com a Constituição e com a evolução do Direito Penal”.

A arte de falar mal

Mestre em cultura popular, Ariano Suassuna, de 83 anos, levou uma plateia ao delírio na Associação de Delegados de Polícia de Pernambuco ao assumir:

— Eu não vou mentir, acho uma hipocrisia quando o cara diz que não fala mal de ninguém. Eu não falo na frente, que é muito inconveniente. Eu espero o cara sair, e baixo o pau.
É. Pode ser.

Capturada no blog do Ancelmo Gois

STF discute eleições para os Tribunais

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vão discutir as regras que determinam a ocupação da presidência dos tribunais do país pelos desembargadores mais antigos das cortes.

Para mim, antecipo-me ao debate – aliás, de há muitome antecipei -, para dizer que, desde meu olhar, o melhor critério é o da antiguidade. Com a eleição dos mais antigos, evitam-se as disputas internas, que só têm contribuido para dividir os Tribunais.

É verdade que o critério da antiguidade pode levar ao equívoco da eleição de alguém que complete o tempo de aposentadoria no cargo, a determinar a eleição de nova direção, como aconteceu recentemente no Maranhão, com os desembargadores Militão Vasconcelos, Galba Maranhão, Madalena  Serejo e Liciano de carvalho.

Acho que essa questão pode ser resolvida com a fixação de uma exceção, ou seja, só pode ser eleito aquele que tenha tempo para completar o mandato.

Lei da entrega

Você, seguramente, já enfrentou o dissabor de comprar um bem de consumo, aguardar pela entrega no dia marcado, e não recebê-lo.

Não é preciso dizer que todos nos agastamos com essa situação, sobretudo nos períodos mais frenéticos de compras.

Pois bem. No estado de São Paulo, está em plena vigência a Lei Estadual nrº 13.747/09 de 07 de outubro de 2009, nominada Lei da Entrega,  que  obriga  os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços a oferecerem  ao consumidor a possibilidade de agendar a data e o turno da entrega. Do descumprimento podem resultar multas que variam de R$212,81 a R$3.192.000,00.

Não sei se a lei pegou por lá. Só sei que, com uma similar, poder-se-a  evitar, por aqui,  muitos dos  abusos e transtornos que nos são causados pela falta de compromisso dos comerciantes e prestadores de serviços  locais com os prazo de entrega.

Emendas sucessivas à inicial

Tive  a oportunidade de, nos autos do MS nº 008482/2010, refletir acerca da emenda à inicial, em face do que estabelece o artigo 284, do CPC, ante o argumento de que se trata de prazo peremptório, à luz do que estabelecem os artigos  artigos 182 e 183,do mesmo instrumento legal.

Ao enfrentar a quaestio iuris, anotei que, muito embora o prazo estipulado no mencionado artigo 284 pareça peremptório, num primeiro olhar, peremptório,não o é, inobstante, em face mesmo da construção jurisprudencial e doutrinária acerca  do tema.

A linha exegética que tenho adotado tem por vetor o princípio da instrumentalidade das formas, no sentido de que  o processo não pode ser considerado um fim em si mesmo (formalismo exacerbado), mas, ao reverso, um instrumento destinado à efetiva e concreta realização do direito material ameaçado ou violado

A melhor doutrina, como anotei acima, caminha nessa direção, cumprindo destacar, nessa senda, a lição de Luiz Rodrigues Wambier, segundo o qual o processo, nos dias presentes, “deixou de ser visto apenas sob o prisma da organização  dos atos processuais em sequência, passando a ser observado sob seu aspecto teleológico, ou seja, dos fins que lhe são próprios, especialmente quanto á função de resolver aquela parcela do conflito de interesses submetida ao poder estatal” ( in Curso Avançado de Processo Civil, Vol. I, Editora Revista dos tribunais, 23ª ed. P.148)

No mesmo diapasão é a ensinaça de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, segundo os quais “embora tenha sido determinada a emenda e o autor haja cumprido o despacho, é possível que ainda persistam irregularidades na petição inicial, percebidas posteriormente pelo juiz. Nesse caso é permitido ao magistrado determinar uma segunda emenda, e assim sucessivamente, pois o deferimento da petição incial, com a determinação da citação do réu, somente deve ocorrer se a exordial estiver imune de vícios que a maculem” (in Código de Processo Civil Comentado, 10ª edição, São Paulo, RT 2007, p. 554)

Os Tribunais têm trilhado na mesma direção, como se colhe da ementa segundo a qual “se, determinada emenda à inicial a parte intimada deixou de se manifestar, fazendo-o, contudo, em nova oportunidade que lhe foi conferida, sendo certo que o feito  prosseguiu normalmente, não há falar em indeferimento da inicial ou preclusão”(TJDF, APC nº 2001015004204-2. Relator Des. Romão C. Oliveira, 2ª Turma Cível)

A conclusão a que chego é que, à luz dos princípios norteadores da moderna processualística(o da instrumentalidade do processo, em específico,  da celeridade e da economia processual), é perfeitamente viável oportunizar-se mais de uma emenda à inicial, a fim de assegurar às partes a análise da pretensão deduzida,  em tributo, ademais, ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.