(Re)visitando a história

Há passagens da história que precisam ser revisitadas, sobretudo quando são exemplares.

No caso específico do Brasil, quando mais leio acerca do tratamento que D. Pedro dispensava a Dona Leopoldina, mais me convenço do quanto foi covarde, no particular.

D. Lepoldina, todas sabem, foi abandonada, vilipendiada, maltratada e submetida a situação de pobreza pelo nosso Imperador, que vivia um romance tórrido com a Marquesa de Santos.

Da última carta que D. Leopoldina enviou para sua irmã, Maria Luisa, ditada no seu leito de morte, apanho o seguinte excerto:

“Minha adorada mana. Reduzida aos mais deplorável estado de saúde e chegada ao último ponto de minha vida, no meio dos maiores sofrimento, terei também a desgraça de não poder eu mesmo explicar-vos todos aqueles sentimentos que há tanto tempo existiam impressos na minha alma. Minha mana! Não tornarei a ver! Não poderei outra vez repetir que vos amava e adorava. Pois já não posso ter esta tão inocente satisfação, igual a tantas outras que permitidas me não são, ouvi o grito da vítima que vós reclama não vingança, mas piedade e socorro de fraternal afeto para inocentes filhos que órfãos vão ficar em poder de pessoas que foram autores de minhas desgraças, reduzindo-me ao estado em que me acho, de ser obrigada a servir-me de intérprete para fazer chegar até vós os últimos rogos da minha aflita alma.

Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, que por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado de maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro. Ultimamente acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças. Muito muito tenho a dizer-vos, mas me faltam as forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte”

Alguns historiadores registram que o atentado a que se refere D. Leopoldina foram pontapés que recebera de D. Pedro, estando grávida. Mas não há testemunhas desse fato, razão pela qual não se pode afirmar, com certeza, que essas agressões tenham ocorrido, efetivamente.

A imperatriz morreu às dez e quinze da manhã de 11 de dezembro de 1826.

José Bonifácio, do exílio, escreveu a um amigo, a propósito da morte de D. Leopoldina:

A morte da imperatriz me tem penalizado assaz. Pobre criatura! Se escapou ao veneno, sucumbiu aos desgostos”

Sapatos furados

A minha história de vida se confunde com a história de muitos que, como eu, tiverem que superar dificuldades para vencer na vida. Lembro, por exemplo, que meus pais compravam sapatos (bem) maiores que a pontuação recomendada, ao argumento de que estávamos ( eu e meus irmãos) crescendo e que, assim, os sapatos serviriam por mais tempo. Em face do desconforto propiciado pela pontuação excessiva dos meus sapatos, eu colocava jornal nas pontas, para tentar ajustá-los aos pés. Mesmo assim, eu andava e os sapatos teimavam em sair dos pés, me compelindo a, com os dedos, tentar segurá-los, para que as pessoas não dessem conta do desconforto. Alguns colegas, os mais gozadores, davam-se conta da desproporção dos meus sapatos, e os apelidavam de sapatos de palhaço. Não preciso dizer do quanto isso me incomodava.

O mais grave, além do desconforto propiciado pelo tamanho dos sapatos, é que eles furavam antes de se ajustavam aos meus pés, fazendo cair por terra o argumento de que, por serem maiores, durariam muito mais, a justificar o desconforto a mim infligido.

Quando os sapatos furavam, não tinha alternativa: eu os forrava com papelão; papelão que não suportava a primeira chuva, sobretudo quando eu decidia voltar para casa a pé ( eu morava no Monte Castelo, em frente ao cinema) para, com o dinheiro da passagem, comprar manuê, de dona Martinha, que servia na cantina do colégio José Augusto Correa, onde fiz todo o primário, e que ficava por trás do ginásio Costa Rodrigues.

Essas lembranças me vieram a propósito das lembranças de Evaristo de Moraes, cujo excerto publico a seguir, a guisa de ilustração.

“…eu caminhava, todo dia da Hadock Lobo até o fim da Rua Primeiro de Março, onde está o Mosteiro de São Bento. Quando nas mãos me caía um níquel de duzentos réis,eu ficava sem saber se devia gastá-lo numa empada para merendar e voltar a pé para casa, ou devia voltar de bonde para casa e ficar sem merenda”.

Mais adiante:

“…quando chovia voltava com os sapatos encharcados. Minha mãe ia pô-los ao fogo para secar. Secavam aparentemente. E no dia seguinte, pela manhã, eu que só tinha aqueles, calçava-os de novo e lá vinha com a umidade dos pés por essa imensa extensão que vai da Hadock Lobo ao Mosteiro. Isso durante quatro anos seguidos, de 1883 a 87.

Não sou capaz de descrever quantas vezes coloquei para secar o meu único par de sapatos, e nem quantas vezes sequei o meu único par de meias pretas enrolando-as numa toalha de banho e torcendo até que ficassem apenas úmidas.

Irresponsável carreirista

A todo instante sou instado a justificar por que decidi não concorrer a cargo de direção do TJ/MA. Dizem os questionadores que chegar à Presidência do TJ e à Corregedoria seria o coroamento de uma carreira, como se, ao reverso, a minha carreira não tivesse nenhuma relevância, só porque não fui capaz de colocar o meu retrato no panteão dos que assumiram a direção do órgão.

Devo dizer, na tentativa de pôr termo à discussão, que não sou carreirista, que não assumi a magistratura para ser presidente ou corregedor. Eu assumi a magistratura para ser magistrado, para decidir, para julgar as questões postas à minha intelecção.  Nesse sentido, creio que a minha vida judicial é mais que vitoriosa. Digo mais: não tenho pendores para administrar. Diga demais: pelo pouco que tenho visto nos dias presentes – e que testemunhei no passado -, eu não teria condições de administrar tantas idiossincrasias, tantas incompreenssões, tanta vaidade e arrogância juntas. Poucos, ao que vejo e sinto, em todas as instituições onde prevalece o egocentrismo,  se unem para e pelo bem da instituição. Ao que vejo, em todas as corporações, sem exceção,  parece que estão sempre jogando contra, como se a administração não fosse impessoal, como se fosse correto torcer e trabalhar contra, para que o colega não fosse reconhecido pelo trabalho que realiza.  Vou além: para administrar, para dirigir o Poder Judiciário ou a Corregedoria, não basta, na minha visão, ser magistrado de segundo grau. Administrar vai muito além disso. Nesse sentido, admito, com humildade, que não estou preparado para esse mister.

Nas comarcas pelas quais passei, admito que fui um péssimo administrador, pois que limitei-me, equivocadamente, a julgar, tão somente,  sem me preocupar, como deveria, com na área administrativa. Com esse passado de (ir)realizações, na vertente administrativa, não posso mesmo pretender dirigir o Poder Judiciário do meu estado, apenas para “coroar de êxito” a minha carreira, pois, se assim o fizesse, eu não  seria  mais que  um irresponsável carreirista.

 

Estou lendo

Estou lendo mais uma biografia de Maria Antonieta, de Antonia Fraser, e  a biografia de Evaristo de Moares,  de Joseli Maria Nunes Mendonça, livros que , para quem gosta desse tipo de leitura.

Da biografia de Maria Antonieta pode-se tirar várias lições, dentre as quais a que condiz com a maldade do ser humano,  e do que ele é capaz quando pretende de denegrir a imagem das pessoas que ele  elege como inimigas.

Da biografia de Evaristo de Moraes o fascinante é constatar como um homem de origem humilde, nos tempos marcados pelo racismo( era mestiço), conseguiu se destacar  entre os intelectuais, juristas e políticos de sua época,  defendendo os mais humildes das arbitrariedades policiais.

Cuidado com a primeira impressão

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“A verdade é que muitos só deixam patenteada a sua verdadeira personalidade – para o ou bem ou para o mal – depois de algum tempo de convivência, daí a reafirmação de que não devemos nos precipitar no primeiro julgamento”

José Luiz Oliveira de Almeida

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Não há ninguém que não tenha sido traído pela primeira impressão. É comum – mais do que comum – ouvirmos pessoas se penitenciando em face da primeira impressão, do primeiro julgamento. Eu mesmo já fui vítima da primeira impressão, do conceito precipitado. Eu mesmo já me antecipei num julgamento precipitado do meu semelhante, levado pela primeira impressão.

A verdade é que muitos só deixam patenteada a sua verdadeira personalidade – para o ou bem ou para o mal – depois de algum tempo de convivência, daí a reafirmação de que não devemos nos precipitar no primeiro julgamento.

Há incontáveis episódios enolvendo, por exemplo, casais de namorado que, a despeito dos vários anos de convivência anterior ao enlace matrimonial, só conheceram o parceiro, na sua essência, depois de conviverem sob o mesmo teto, daí, em muitos casos, a inevitabilidade da separação.

Convenhamos, se, a despeito dos vários anos de convivência ainda é possível se surpreender com a verdadeira personalidade do consorte, o que dizer, então, quando o julgamento é feito ao primeiro contato?

É de bom tom, pois, que não nos precipitemos quando do primeiro contato, para não incidirmos no erro de julgar equivocadamente o semelhante, como o fez, por exemplo, a princesa Leopoldina, que se deixou contaminar pela primeira impressão que teve de D. Pedro, que imaginou ser um princípe encantado e não o homem rude e infiel que se mostrou depois.

D. Leopoldina, a propósito, em carta datada de 08 de novembro de 1817, contou à irmã – claro que precipitadamente, que D. Pedro não era apenas lindo, mas também bom e compreensivo, para, depois, em 07 de dezembro de 1817, escrever ao pai dizendo que D. Pedro tinha o caráter bastante exaltado, lhe sendo odiosa qualquer coisa que denotasse liberdade, para, alfim, dizer que, diante dessa situação, só lhe restava “observar calada e chorar em silêncio”.

Nunca é demais, pois, ter cuidado com o primeiro julgamento, com a primeira impressão, pois você pode estar redondamente equivocado.

A falta que me faz o carinho de Luiz Augusto

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“[…]Luiz Augusto, irmão de Sofia e Carlos Augusto, são filhos de Frederico Augusto e Bela Almeida. São cinco gatos maravilhosos que criamos e que, com o seu carinho, nos renovam as energias. Pena que Luiz Augusto, ou “Gordinho”, como o chamamos carinhosamente, tenha decidido se afastar de mim. Se a única alternativa for trazer o trabalho de volta para casa, acho que não me furtarei de voltar à velha rotina, só para voltar a ser cortejado por Luiz Augusto[…]

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Quando no exercício da judicatura de 1ª instância – e nos primeiro meses, na condição de magistrado do segundo grau – eu tinha por hábito trabalhar todos os dias à noite, depois de fazer a minha habitual caminhada. Todos os dias, poucos minutos depois de abrir o processo, ele se aproximava dos meus pés e pedia carinho, às vezes inistentemente, a esgotar a minha paciência. Muitas vezes, mesmo sabendo que ele não entendia, eu clamava, já sem equilíbrio, que ele me deixasse trabalhar. Quando o processo não guardava complexidade maior, eu costumava parar para fazer-lhe carinho. Mas se era daqueles que exigia a máxima concentração, eu me recusava; e ele, sem esboçar nenhuma reação, depois de muito apelo, deixava meu gabinete e ia para o tapete da sala se deitar.

Ele era assim: diferente dos irmãos, ele era o único que pedia carinho a mim, por isso me apeguei a ele muito mais que aos irmãos, conquanto tenha o mesmo amor por todos.

Depois de atualizar o meu trabalho no Tribunal, decidi que não mais traria processo para casa, para que pudesse me dedicar mais à leitura. O trabalho sumiu e ele, Luis Augusto, também deixou de me pedir carinho. Parece até que havia uma simbiose entre o trabalho e o carinho de Luis Augusto: quanto mais eu precisava de concentração, mais Luis Augusto pedia carinho. Agora, dedicado ( à noite) apenas aos livros, ele me desprezou. Nunca mais pediu os meus carinhos. Sinto falta dele – e dos carinhos dele. Eu, muitas vezes, me aproximo dele em busca de afago, mas ele, invariavelmente, foge de mim. Luiz Augusto, irmão de Sofia e Carlos Augusto, são filhos de Frederico Augusto e Bela Almeida. São cinco gatos maravilhosos que criamos e que, com o seu carinho, nos renovam as energias. Pena que Luiz Augusto, ou “Gordinho”, como o chamamos carinhosamente, tenha decidido se afastar de mim. Se a única alternativa for trazer o trabalho de volta para casa, acho que não me furtarei de voltar à velha rotina, só para voltar a ser cortejado por Luiz Augusto.

Tudo é uma questão de interpretação

As palavras são interpretadas de acordo com as conveniências de cada um. Se digo que uma pessoa é bonita e ela não o é fisicamente, o intérprete pode concluir que o faço com deboche, porque não foi capaz de entender que a beleza a que me reportei não era a beleza física, mas a beleza do bem proceder, do ser correto, do ser altruísta, do ser fraterno e fiel. É tudo, pois, uma questão de intepretação, que vai da cabeça de cada um. Eu posso, por exemplo, dizer que amo um amigo e, com essa afirmação, fazer os maledicentes imaginarem que eu estaria exteriorizando as minhas preferências sexuais. É que o interlocutor, quiçá por maldade, não foi capaz de entender – ou não quis entender – que o amor, nesse caso, transcende às questões meramente sexuais.

Na última sessão do ano do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, o presidente levou ao Pleno alguns dados interessantes. Dentre outras coisas, o presidente disse que o único desembargador que compareceu a todas as sessões do pleno no ano que se finda tinha sido o colega Raimundo Nonato de Souza. Pronto! O mundo quase desaba. Houve quem entendesse que, com essa afirmação, o presidente teria, por via obliqua, afirmado que os demais não teriam cumprido com esmero a sua missão, em que pese o presidente, ad cautelam, ter tido que os que não estiveram em todas as sessões tiveram a ausência justificada por doença, férias ou licenças. É dizer: não assacou nenhuma acusação contra nenhum desembargador. Mas, ainda assim, houve que desse uma segunda interpretação às afirmações – feitas de boa-fé, registre-se – do presidente do nosso sodalício.

A história registra casos similares, à farta. Exemplo. Quando a Assembléia Constituinte e Legislativa do Brasil inaugurou seus trabalhos em 03 de maio de 1823, D. Pedro disse que aceitaria e defenderia a Constituição, se fosse digna do Brasil e dele próprio. Pronto! As palavras foram entendidas de forma ambígua. Para alguns, como o padre Andrade de Lima, deputado por Pernanbuco, D. Pedro, com a frase, parecia dizer que a Assembléia podia prestar-se a elaborar um código que não fosse digno do Brasil e do imperador. Era o que faltava para acirrar os ânimos. Depois disso, os enfrentamentos entre o Dr. Pedro e a Assembléia foram inevitáveis. Tudo por causa de uma interpretação equivocada, de palavras que foram ditas sem nenhuma intenção de afrontar a Assembléia Constituinte do Império do Brasil.

O tempo passa e os homens parecem não evoluir nas suas relações mais comezinhas.