Penas alternativas para o pequeno traficante

O secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, propõe acabar com a pena de prisão para pequenos traficantes, sem vínculo com o crime organizado. O secretário entende como pequeno traficante os chamados “aviões”, que vendem pequenas quantidades de drogas para custear o próprio consumo e que estão no meio do caminho entre o tráfico ligado ao crime organizado e o usuário.

Sei não…Acho que, na prática, é difícil estabelecer essa diferença.

O certo é que a proposta é polêmica e, por isso mesmo,  divide opiniões, tanto que, na edição de ontem do jornal O Globo,o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desautorizou o secretário, afirmando, inclusive, que apretensão do governo é endurecer o jogo contra os traficantes.

De meu lado, o que entrevejo  subjacente na proposta é a pretensão  de reduzir a população carcerária. É dizer: é mais fácil, aos olhos dos nossos dirigentes, não prender que construir novas penitenciárias.

Vejo com reservas a pretensão, mesmo porque na legislação atual há um benefício ao traficante ocasional, que pode, inclusive, ser agraciado com a prisão aberta, segundo têm decidido os nossos Tribunais.

De qualquer sorte, vou aprofundar o exame da questão.

Tragédia, descaso, irresponsabilidade…

Em face da tragédia que se abateu sobre o Estado do Rio de Janeiro, confesso que não tenho vontade sequer de sair de casa, pois estou arrasado emocionalmente.  É que, diferente dos nossos políticos, eu não consigo ficar indiferente. A minha tristeza se transforma em indignação, ao concluir que, não fora a irresponsabilidade desses mesmos políticos,  essas tragédias seriam minimizadas.

Além da tragédia do Rio, causa-me indignação, ademais, a situação da saúde em Roraima, também consequência do descaso dos nossos políticos, pois que, ao que se sabe, mais de seiscentos milhões de reais foram destinados à saúde de Roraima e quase nada se fez

Deu na Folha de São Paulo

A reportagem que segue abaixo, capturada na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo, é de estarrecer, mas não surpreende, pois os maus-tratos a presos são uma rotina de todos conhecida. Pena que o Ministério Público não se movimente em torna dessa questão. A verdade é que os encarcerados brasileiros têm recebido, ao longo da nossa história, tratamento desumano e degradante, em franca e total afronta ao princípio da dignidade humana inserido em nossa Constituição, com a conivência de muitos dos que, podendo, nada fazem para mudar o quadro.

Vamos à matéria.

Chefe da PF na Papuda é acusado de tortura

Agente Avilez Novais é denunciado também por abuso de autoridade na prisão de Brasília; PF não comenta o caso

Promotoria afirma que crimes foram cometidos 22 vezes pelo suspeito, que pode ser condenado a até 176 anos de prisão

FILIPE COUTINHO
LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

O chefe do núcleo federal do presídio da Papuda, maior penitenciária de Brasília, foi afastado pela Justiça por suposta tortura de presos, com agressões físicas e até fornecimento de água com detergente para eles.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o agente da Polícia Federal Avilez Novais cometeu abuso de autoridade e tortura 22 vezes, com ajuda de outros agentes e de um detento. Só Avilez foi afastado. As penas chegam a 176 anos de prisão.
A denúncia afirma que Avilez agia em retaliação às reclamações sobre o tratamento recebido na Papuda, apresentadas pelos presos durante audiências e inspeções do Ministério Público.
Os presos dizem que ficavam todos numa mesma cela, enquanto outro era algemado e espancado por ter reclamado da TV desligada, “um verdadeiro clima de terror e pavor”.
Um dos presos diz ainda que Avilez “desligava o exaustor para fazer pressão psicológica, e era impossível dormir à noite porque o local ficava infestado de insetos”. As testemunhas acusam também o agente de adiar a entrega de alimentos dados por parentes, e muitas vezes os presos comiam os produtos já estragados. Em protesto, alguns detentos fizeram greve de fome por dois dias.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Avilez, durante um acesso de fúria, subiu no telhado, quebrou a antena da TV e fechou o registro de água por quase dez dias. Os presos foram obrigados a beber água com detergente, o que provocou diarreia e desidratação.
Na denúncia, o chefe do setor federal da Papuda cortava os banhos de sol e visitas, além de obrigar os presos a dormirem sem colchão.
Em um dos episódios relatados, os detentos disseram que foram obrigados a correr nus, enquanto retornavam às suas celas após o procedimento de revista geral.

SOB O SOL
Em outro caso, os presos foram levados para o pátio de cuecas e ficaram por mais de três horas sob o sol, sentados com as pernas cruzadas, algemados. Dois internos passaram mal e um foi ao hospital, com suspeita de enfarte.
A Polícia Federal não comentou o caso e disse que não estava autorizada a passar os contatos de Avilez ou de seus advogados.
Na decisão de afastar Avilez, o juiz federal Ricardo Leite diz que havia o “risco iminente” de novos casos, se o agente permanecesse no cargo. De acordo com o magistrado, a permanência do agente da PF na Papuda “pode gerar um clima de tensão que não é recomendável em nenhum ambiente”. O juiz deu o prazo de 15 dias para que Avilez se pronuncie, antes de decidir se aceita a denúncia da procuradoria.

Zeramos, afinal recesso não são férias

Estou saindo de férias. Mas aproveitei o recesso para atualizar a minha relatoria. Não há nenhum processo em poder de assessor e nenhum processo em meu poder.

Há processos, sim, aguardando julgamento. O que estou dizendo é que o que dependia de mim e da minha equipe, foi feito. Todos os despachos, todos os votos foram elaborados e estão apenas aguardando pauta para julgamento.

Desde que o recesso foi instituído o tenho usado com essa finalidade, ou seja, para colocar em dia o meu trabalho,  afinal, diferente do que muitos pensam, recesso não são férias, mesmo porque seria de todo inadmissível que o magistrado, que já tem direito a sessenta dias de férias, ainda gozasse o recesso como se férias fosse.

 

O que não quero para mim não desejo para ninguém. Verdade?

Superado um desafio ou vencida uma dificuldade, costuma-se dizer:” que passei não desejo ao meu  maior inimigo”  ou ” o que não quero para mim, não desejo pra ninguém”. Verdade absoluta? Não! Claro que não! Há exemplos vários a demonstrar que, muitas vezes,  essas afirmações são  apenas força de expressão.

Mas há, sim, os que, tendo passado por uma dificuldade,  fazem de  tudo para que o semelhante não tenha que enfrentar os mesmos desafios. Eu, por exemplo, tendo  enfrentado sérias dificuldades em face da ausência do meu pai, procurei sempre me fazer presente na vida dos meus filhos. Acho que, em face do que sofri, eu até exagero. Mas, tudo bem! Os meus exageros são plenamente justificados pelo amor intenso e incondicional que lhes dedico.

Noutro giro,  não se há de negar, há pessoas que,  apesar das dificuldades passadas, são capazes de infligir aos semelhantes as mesmas  penas, os mesmos castigos, sem que se saiba ao certo a título de que preferem repetir o erro que condenaram, ao invés de seguir em outra direção.

Por volta de 1830, o escravo José Francisco dos Santos,  depois de anos de trabalho forçado, viu-se livre da escravidão. Conseguiu a sua carta de alforria, comprando-a ou ganhando de algum amigo rico.

José Francisco dos Santos, o “Ze Alfaiate”, apelido que ganhou porque cortava e costurava tecidos,  foi trazido da África para o Brasil,  amarrado, em um navio imundo, na mais tenra idade.

Depois de alcançar a sua liberdade, o que fez “Ze Alfaiate”?  Lutou contra a escravidão? Condenou os que lhes infligiram intensos castigos?  Não. José Francisco, ao invés, voltou à África e tornou-se, ele próprio,traficante de escravos.  Casou-se depois com uma das filhas de Francisco Félix de Souza, o maior vendedor de gente da África atlântica, e passou a mandar ouro, negros e azeite de dendê  para vários portos da América e da Europa.

Difícil entender?  Acho que não. Do ser humano pode-se esperar qualquer coisa. Infelizmente!

 

Defensor Dativo. Prazo em dobro?

No agravo regimental que publico a se seguir, cuidei da questão acerca do prazo em dobro para os defensores dativos, em face do preconizado em relação aos Defensores Públicos.

Em determinado momento, anotei:

“[…]Os defensores dativos, como já explicitamos, são nomeados pelos juízos para patrocinarem a defesa dos acusados hipossuficientes, exercendo um mister análogo àquele legalmente conferido aos Defensores Públicos.

Em consequência dessa similaridade de atribuições, muitas linhas interpretativas surgiram em relação às eventuais prerrogativas expressamente previstas aos Defensores Públicos, extensíveis aos defensores dativos. Com efeito, a controvérsia subjacente à matéria relaciona-se a dois pontos essenciais: intimação pessoal e prazo em dobro[…]”.

Mais adiante, arrematei, a propósito do prazo em dobro:

“[…]Sob outra perspectiva, a prerrogativa de prazo em dobro, ao contrário do que aduz o agravante, não se estende aos defensores dativos[…]”.

A seguir, o voto, por inteiro:

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A falibilidade da prova testemunhal, na prática

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“[…]A essas alturas, repito, em face do que tinha narrado o  reconhecedor,  em seu depoimento, nas duas oportunidades nas quais fora ouvido,  eu não tinha nenhuma dúvida de que não hesitaria em apontar o acusado como autor do crime. Para minha surpresa, entretanto, a testemunha apontou, sem titubeio, o motorista do advogado como autor do fato. É dizer:não reconheceu o verdadeiro autor do crime[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

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Não é minha intenção aprofundar o exame da complexa questão acerca da prova testemunhal, já dissecada, a  mais não poder, por ilustrados juristas. Pretendendo, tão somente, narrar um fato, fruto da minha experiência enquanto magistrado, para reafirmar o que todos sabem: a falibilidade da prova testemunhal.

Pois bem. Certo feita, conduzindo uma audiência de instrução, em face de um crime de roubo, decidi formalizar  o reconhecimento do autor do fato, vez que o crime, pelo que continha nos autos, tinha efetivamente ocorrido.  Provada, pois, a existência do crime, faltava, agora, a legitimar  uma decisão de preceito sancionatório, identificar o autor do fato, tarefa que imaginei de fácil desate.

A vítima, em face mesma das circunstâncias do crime ( emprego de arma de fogo, ameaças,  etc), não teve condições de reconhecer o autor do fato, que, registro, estava preso.

Diante do titubeio da vítima, a mim só me restava apelar para o reconhecimento pela testemunha presencial do crime, que, ao que tudo estava a indicar, não teria dúvidas acerca da autoria, vez que estava próxima dos acontecimentos, tendo, inclusive, auxiliado na prisão do autor fato.

Para mim, bastava, agora,  partir para a formalização do reconhecimento, que, desde meu olhar, repito, seria inevitável, em face do que já tinha sido produzido em termos de provas. Para essa finalidade, convidei  pessoas que estavam no corredor do Forum, dentre elas o motorista de um advogado, que passava  nas imediações. Perfilados  o  autor do fato e os  cidadãos que escolhi, com as devidas cautelas,  levei a testemunha  para a minha sala, fazendo-me acompanhar pelo Promotor de Justiça e do  advogado do acusado, para que apontasse,  por uma abertura mínima da porta que ligava meu gabinete à sala de audiência,  o autor do fato.

A essas alturas, repito, em face do que tinha narrado o  reconhecedor,  em seu depoimento, nas duas oportunidades nas quais fora ouvido,  eu não tinha nenhuma dúvida de que não hesitaria em apontar o acusado como autor do crime. Para minha surpresa, entretanto, a testemunha apontou, sem titubeio, o motorista do advogado como autor do fato. É dizer:não reconheceu o verdadeiro autor do crime.

Não preciso dizer o quanto fiquei desapontado. Mas não surpreso, pois, ao longo dos anos, acostumei-me com a falibilidade da prova testemunhal.

É claro que, sem que fosse reconhecido o autor do fato e tendo ele negado a autoria do crime, a sua absolvição era de rigor.