Psicopata

Tenho pavor do psicopata. Do pouco que já li, acho que posso, sim, com pequena possibilidade de errar, reconhecer um psicopata, convindo anotar que nem todo psicopata é criminoso e que nem todo criminoso é psicopata.

Faço o registro acima  só para não deixar dúvidas que não estou me referindo ao psicopata criminoso e nem ao criminoso psicopata.

Refiro-me, sim, aos que estão muito próximos de nós, convivendo conosco, às vezes no mesmo ambiente de trabalho., como se fora uma pessoa normal.

Desse eu tenho medo. Tenho pavor.

Ele não é leal. Ele mente. Ele escamoteia. Ele finge. Ele agride. Ele não é confiável. É dissimulado.

Ele não tem a capacidade de ver-se a si mesmo como os outros o vêem.

É egocêntrico, manipulador, mentiroso, cruel, não assume responsabilidades, vive em conflito com a sociedade e seus próprios pares, muitas vezes sem qualquer razão.

Repito que tenho pavor do psicopata. E eu sei identificá-lo. É por identificá-lo, pois,  que tenho medo.

Por prudência, procuro não travar nenhum discussão com esse tipo de gente. Desse tipo de gente quero – e mantenho – uma distância mínima de segurança.

Vou repetir: tenho medo do psicopata.  É que, ademais, ele costuma se incomodar com o sucesso do semelhante. Não de todos, claro. De alguns. Daqueles que ele supõe possam ser um competidor – competidor na mente doentia dele, importa dizer.

Há psicopatas que, contraditoriamente,  não sentem inveja do semelhante. Aí é que mora o perigo. Esse, para mim, é o mais perigoso. A inveja que ele não sente pode se transformar é algo muito mais violento.

Engraçado como os psicopatas, pelo menos alguns dos que identifiquei ao longo da minha vida, não tem apego a bens materiais. Estranho, isso! E são inteligentes: QI acima da média.

O psicopata, quase sempre, não tem sentimento. Também por isso eu tenho medo deles.

O pior é que há sempre um deles muito próximo da gente. Às vezes na própria corporação.

O psicopata não tem complexo de culpa. Veja só o perigo que isso representa.  Por  isso que  ele deve ser mantido, se possível, fora do nosso convívio.

O psicopata não tem controle dos seus impulsos. Todo tipo de reação você pode esperar dele. É por isso que evito polemizar com um psicopata.

Existem vários níveis de psicopatia. Como não sei identificar o nível – e o tipo, por consequencia – do psicopata que eventualmente esteja próximo de mim, o que faço de melhor mesmo  é evitá-lo.

Agora, reflita comigo: e quando o psicopata tem sob as mãos um naco do poder, o que ele será capaz de fazer?

Um  agente de trânsito, um agente de polícia, um soldado, um vigilante, um segurança,  qualquer pessoa, enfim, com  transtornos mentais e com poder sob as mãos, é capaz de fazer miséria.

Imagine, também,  um psicopata com um arma de fogo na mão, com o poder de decidir sobre a sua vida, sobre o seu patrimônio, sobre a sua liberdade.

Deus nos livre desse tipo de gente!

O pior que há sempre um deles por perto.

A propósito, você conhece algum?

Você já se deu conta que bem próximo de você pode existir um psicopata?

Cuidado!

P.S.

Essas reflexões são feitas por um leigo. Não as levem, pois, muito a sério. Não têm base científica. São apenas reflexões que faço a partir da  minha experiência profissional; fruto da minha mente inquieta.

Não seria eu, por acaso, um psicopata?

 

O poder da ostentação

No best-seller Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa, vê-se um misto de ficção e realidade, daí o fascínio do romance. Nele, o peruano Ricardo, um dos protagonistas, morando em Paris, reencontra o amor da adolescência e por ele passa a lutar com sofreguidão. Ricardo ultrapassa os limites do razoável para ter consigo a mulher amada, que só pensa em ostentação, em poder e conforto – prazeres que ele não podia lhe oferecer.

Num dos diálogos mais marcantes entre os dois personagens, Ricardo questiona Lily (um dos nomes adotados por ela ), agora vivendo no Japão, com o chefe mafioso nominado Fukuda, por que, com tantas posses, continuava andando de ônibus, ao que respondeu que, para os japoneses, seria uma ostentação agir de outra forma. Adiante adverte: “aqui não é bem-visto diferenciar-se dos outros, seja como for”.

Essa passagem do romance me fez refletir. É que, para mim, pode estar aí a explicação do nosso atraso. Aqui no Brasil – e, especialmente, aqui no Maranhão – as pessoas adoram uma ostentação, vivem para ostentar, adoram parecer superiores. Os homens que estão no Poder adoram se diferenciar dos demais. Os que estão no Poder sublimam demonstrar aos mais humildes que “estão podendo”, como se diz vulgarmente.

No Maranhão, se o cargo é relevante (rectius: Poder) e pode disponibilizar um carro oficial, tanto melhor, porque, ostentando, os homens do Poder demonstraram ao cidadão comum que são superiores.

O grave, o que preocupa nessa ostentação com o dinheiro do povo, é que, ao que parece, tem valido a pena ostentar, tem valido a pena lutar pelo Poder, ainda que, para isso, se negocie a dignidade, o caráter, a honra e a própria história.

O mais grave é que, ao que parece, as pessoas ( com exceções, claro) dão grande importância a quem demonstra, seja por qualquer símbolo, que está no Poder. Não estar no Poder, não galgar uma ascensão profissional, aos olhos do povo, parece, pura e simplesmente, babaquice, incompetência, não ter capacidade de vencer.

Talvez seja por isso que me questionaram tanto a demorada promoção para o Tribunal de Justiça

Ao que parece, pelo muito que ouvi, o único objetivo de um magistrado é ser desembargador. Por esse cargo, de muita ostentação, o cidadão comum entende que se deva lutar, sejam quais forem as armas. E não adiante tentar argumentar as razões do “fracasso” de não chegar lá. Para o povo, para muitos, há que se transpor qualquer obstáculo para ascender, pois que, só ascendendo, se pode ostentar o Poder. Afinal, mesmo para o mais simples dos mortais, o Poder fascina- e como fascina.

Impressionante como, no Poder, tudo se transforma. O juiz mais humilde, se alcança o desembargo, passa a ser visto – e agir – de outra forma.

No Poder, aquele que, aos olhos do povo era apenas mais um, passa a ser respeitado, requisitado, bajulado. Passa a freqüentar, amiúde, as colunas sociais.

No Poder, aquele que não tinha platéia para as bobagens que dizia, jamais falará sozinho. Haverá sempre quem o ouça, que estime a sua ostentação, que sorria das bobagens que diz.

Quiçá não esteja aí a razão do nosso atraso e a razão do progresso do Japão.

Os homens que estão no Poder, por essas plagas, de regra, só pensam mesmo em seu bem-estar – pessoal e familiar.

Ou não é assim!?

Vejo nas ruas de nossa cidade carrões com placas de bronze de determinadas Prefeituras, cujo valor ( do carrão) é, muitas vezes, superior ao fundo de participação do município.

O que é mais grave é que, quase sempre, os veículos são usados em benefício pessoal. Enquanto isso, no município que proporciona a suntuosidade ao alcaide e sua família, grassa a miséria, o analfabetismo, a mortalidade infantil, etc.

Por essas e por outras razões é que somos um Estado atrasado. Aqui viceja a cultura de que estar no Poder é poder dele usufruir em benefício pessoal, é poder ostentar, parecer superior, engalanar-se.

Prevalecendo por essas plagas o exibicionismo, o Japão continuará crescendo e o Brasil, ficando para trás.

E o Maranhão, como fica? Bom, o Maranhão, ao que parece, durante muitos anos ainda será o campeão da miséria no país, afinal para os nossos homens públicos o que vale mesmo é poder ostentar o Poder.

Crimes sexuais

POR MAYARA BARRETO

Nova lei contra crimes sexuais gera polêmica

A aplicação da Lei 12.015/2009, que definiu que os crimes de atentado ao pudor e de estupro são a mesma coisa e passíveis de uma única pena, ainda é uma incógnita. No Superior Tribunal de Justiça, as turmas que tratam de processos criminais têm entendimentos opostos, assim como acontece nos Tribunais da Justiça do país. Há a corrente que defende a aplicação de penas separadas, pois entende que são crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. Outros, concluem: estupro e atentado ao pudor contra a mesma vítima, em um mesmo contexto, caracterizam apenas um crime.

A divergência no STJ começou recentemente, no dia 22 de junho, quando a 5ª Turma decidiu que o acusado deve ser condenado pelos dois crimes separadamente. Segundo a relatora do processo, ministra Laurita Vaz, em seu voto, o estupro e o atentado ao pudor não podem ser considerados a mesma coisa, pois, são crimes do “mesmo gênero, mas não da mesma espécie”. Segundo ela, é impossível reconhecer a continuidade delitiva entre as condutas.

Durante julgamento de Habeas Corpus, a 5ª Turma adotou a tese de que o novo crime de estupro é um tipo misto cumulativo, ou seja, as condutas de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, embora reunidas em um mesmo artigo de lei, com uma só cominação de pena, serão punidas individualmente se o agente praticar ambas, somando-se as penas. O colegiado entendeu também que, havendo condutas com modo de execução distinto, não se pode reconhecer a continuidade entre os delitos.

Para a ministra, “antes da edição da Lei 12.015/2009, havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o artigo 213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo e não continuado”.

O tema foi discutido no julgamento de um pedido de HC de um homem condenado a 15 anos de prisão por estupro e atentado violento ao pudor, na forma continuada, contra menor de 14 anos. A tese foi apresentada pelo ministro Felix Fischer em voto-vista. O próprio ministro já tinha aplicado a tese em outros casos por ele relatados.

Segundo Fischer, não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre diferentes formas de penetração. O ministro entende que constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração, como sexo oral ou anal, por exemplo. “Se praticada uma penetração vaginal e outra anal, neste caso jamais será possível a caracterização da continuidade”, destacou ministro Fischer. “É que a execução de uma forma nunca será similar a da outra. São condutas distintas”, concluiu o ministro.

Crime único
A interpretação da 5ª Turma é contrário ao entendimento que prevalece na 6ª Turma e também na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que já proferiu decisões no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticado contra a mesma vítima, em um mesmo contexto, são crime único segundo a nova legislação, permitindo ainda a continuidade delitiva.

De acordo com os ministros da 5ª Turma, esse entendimento enfraquece, em muito, a proteção da liberdade sexual porque sua violação é crime hediondo que deixa marca permanente nas vítimas. De acordo com Laurita Vaz, é importante frisar que a nova lei é benéfica para quem comete atentado ao pudor seguido de estupro. “Com a nova lei até um beijo de língua é considero estupro, porque se trata de um ato libidinoso.”

“A nova lei tem despertado manifestações da doutrina marcadas pela diversidade, talvez pela raridade do fenômeno: uma lei nova que, sem recorrer àabolitio criminis, aglutina dois tipos penais, originalmente com penas de igual valor, em um só, prescrevendo pena equivalente a de um dos crimes previstos na lei anterior. A interpretação é absurda, viola o espírito da lei e viola o princípio da juridicidade”, sustenta a ministra Laurita.

No último dia 18 de fevereiro, a 6ª Turma entendeu que agora, levando em consideração a nova legislação em vigor, o estupro e o atentado violento ao pudor, praticados contra mesma vítima, em um mesmo contexto se constitui em crime único.

O relator do feito no STJ, ministro Og Fernandes, afirmou ter havido perda de sentido na discussão outrora existente, em torno do enquadramento do fato, quando ocorre contra a mesma vítima estupro e atentado violento ao pudor, pois agora não há mais o que se falar em dois crimes, existindo crime único, razão porque a pena deve ser única sem qualquer aumento especial.

O criminalista Maurício Zanóide não se opõe à norma criada, mas diverge sobre a forma de aplicá-la e também quanto à dosimetria da pena. “Já que o entendimento é de que a lei previu apenas um crime, por que condenar por dois crimes? E por que não se basear na pena base e dosá-la em relação à gravidade do crime?”, questiona-se o advogado. Para ele, cabe ao julgador graduar as circunstâncias de orientação na fixação da pena estabelecidas no artigo 59 do Código Penal.

“Para na dosimetria considerar a situação da prática, hipoteticamente, de apenas uma forma de violência sexual ou de várias, o que não significa considerar a ocorrência de mais de um crime, igualmente não importando, na análise do artigo 59, aplicação de causa especial de aumento, mas apenas de consideração pelo julgador das características particulares de cada fato, ajustando a pena da forma que lhe seja mais adequada.”

“O que não vale é o juiz ou ministro condenar um réu por uma coisa que não foi denunciada, ou seja, ele vai aplicar a pena de acordo com a denúncia.” O advogado completa dizendo que ninguém poder ser condenado duas vezes pelo mesmo crime.

Depois da decisão da 6ª Turma, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a continuidade delitiva entre os antigos crimes de atentado violento ao pudor e de estupro. O fato apreciado pela Suprema Corte foi praticado contra a mesma vítima dentro do mesmo contexto.

Homem e mulher
Com a sanção da nova lei contra crimes sexuais, em novembro de 2009, tanto o homem quanto a mulher podem cometer o crime de estupro. A lei altera o artigo 213 do Código Penal, ao mesmo tempo em que acrescenta o artigo 217-A, ambos relacionados ao crime de estupro. A referida lei faz mudanças no Título VI da Parte Especial do Código Penal Brasileiro. Com a alteração, o Título passou a vigorar, com a denominação, “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

Segundo especialistas, esta mudança além de transformar todo o sentido e significado do artigo 213, teve como consequência a revogação dos artigos 214 e 224 que tratavam do atentado violento ao pudor e da presunção da violência prevista na antiga denominação “Dos Crimes Contra os Costumes”. A cultura, em vigor desde 1940, de que só podia o homem ser a pessoa ativa e a mulher a pessoa passiva no crime de estupro ganhou nova roupagem e hoje o homem também pode ser o sujeito passivo e a mulher pode também ser o sujeito ativo em tal delito.

Antes de vigorar a lei, o Código Penal estabelecia que o crime de estupro consistia, no conteúdo do seu artigo 213: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.

Qualquer outro ato sexual violento contra a vontade da vítima diverso da cópula vaginal entre as partes era considerado crime de atentado violento ao pudor que então dispunha o artigo 214: “Constranger alguém, mediante violenta ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.

Assim, da junção da redação dos artigos 213 e 214 do CP, é possível observar que, com a alteração da lei em questão, que houve a supressão do termo “mulher”, e de resto agruparam-se as duas redações transformando-as em uma única: artigo 213. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Diante do exposto, as antigas definições dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, com a nova lei transformaram-se com a citada junção das suas redações na recente definição do crime de estupro, gerando assim uma nova interpretação jurídica. Quanto à questão da tentativa e coautoria continua a admitir-se no novo dispositivo penal.

Dessa forma, especialistas afirmam que, em consequência dessa modificação, não houve alternativa para o confronto com tal modificação a não ser a revogação do artigo 214 senão a sua revogação. Mas a sua exclusão não deixou desamparo jurídico-penal à vítima do extinto delito que agora é vítima de estupro.

Meio termo
De acordo com a procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo,Luiza Nagib Eluf, o Judiciário estava precisando aprimorar os dispositivos que regem o assunto, corrigindo distorções antigas que tratavam homens e mulheres de forma diversa e muito desigual.

Segundo ela, a modificação que houve na Ação Penal não foi exatamente aquela que esperava. É que, anteriormente, a Ação Penal relativa aos crimes contra os costumes era, em regra, privada. Ou seja, o estupro, o atentado violento ao pudor, a posse sexual mediante fraude, o rapto e outros delitos eram de iniciativa exclusiva da vítima, com algumas exceções. Com isso, “a mulher de classe média, com possibilidade de pagar para processar seu agressor, não poderia contar com a atuação do Ministério Público para dar início à Ação Penal contra o criminoso”.

“Por essa razão, se afigurava urgente a modificação desse dispositivo para que fosse estabelecida a Ação Penal Pública incondicionada no caso de crime sexual. A nova lei, porém, não trouxe essa inovação, ficando no meio termo: determina que a Ação Penal seja pública, porém condicionada a representação.”

Luiza entende que tal alteração não é satisfatória, porque cria dificuldades na apuração dos fatos e supõe que, para a vítima de crime sexual, denunciar seu agressor poderia ser um constrangimento pelo qual talvez não quisesse passar. Assim, deixa a seu critério pedir a propositura da ação.

Aplicabilidade da lei
Além da junção dos dois crimes, discuti-se também se a nova lei é ou não aplicável aos casos julgados antes de sua sanção. Neste ponto as opiniões também são diversas.

O Tribunal de Justiça de Sergipe decidiu que um homem deveria ser condenado pelos crimes de atentado violento ao pudor e estupro. No caso em questão, o acusado pedia a revogação do artigo 214 do CP, para que a pena fosse aplicada somente nos termos da nova lei. Na ocasião, o juiz entendeu que pelo crime ter ocorrido antes da sanção da lei, esta não pode ser aplicada à pena.

Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou que a nova lei era inaplicável ao caso em questão, alegando que o crime e a sentença ocorreram antes da sanção da lei. Desta forma, o tribunal manteve a condenação inicial ao réu.

Neste sentido, de acordo com o procurador federal do Paraná, Adel El Tasse, em artigo recentemente publicado na ConJur, diz que é importante destacar que a nova lei é mais benéfica, pois há redução da pena final do agente que pratica a conjunção carnal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra a mesma vítima, no mesmo contexto fático, pois se antes seria condenado a uma pena aumentada, caso se adotasse a teoria do crime continuado, ou somada, na hipótese de se atender a regra do concurso material, na nova leitura do tema comporta a imposição de uma única condenação sem agravamento.

Assim como ele, o advogado Maurício Zanóide diz que é benéfico porque reduz a pena do acusado. Mas o novo sentido do crime de estupro é somente atribuído aos infratores atuais, enquanto que os outros processados ou condenados anteriormente pelo antigo crime de estupro ou pelo extinto crime de atentado violento ao pudor, por não serem beneficiados com a novidade continuam no mesmo patamar jurídico.

Neste contexto, o procurador discorda, pois segundo ele, as condenações antes ocorridas e cuja extinção da pena ainda não se tenha dado comportam revisão, assim como, devem os fatos ocorridos antes da Lei 12.025/2009, mas ainda não julgados, ser decididos com base na disciplina por ela ofertada. “Ou seja, a constituição de um único crime possibilita beneficiar, de forma retroativa, para atingir todas as situações ocorridas mesmo antes da edição da referida lei, excetuando-se apenas aquelas cuja extinção da pena já se operacionalizou.”

Segundo os especialistas, é importante ressaltar, que as mudanças trazidas pela lei são inevitáveis, pois a nossa sociedade está sempre em transformação. A sensação de impunidade aumenta na mesma proporção que a criminalidade cresce. O direito deve organizar nosso cotidiano e não torná-lo cada vez mais confuso e vulnerável ao desprezo das pessoas para com a lei, dizem em uníssono.

Capturada no Consultor Jurídico

O dever que temos de suturar as rapturas produzidas pela desinteligência humana

A sociedade está ávida por  punição. Noticia-se a prática de um crime e logo vêm as manifestações populares clamando por punição exemplar aos infratores. Se o infrator for integrante da classe social mais favorecida, a cobrança se faz muito mais tenaz. E nessa cobrança perde-se o senso.

Impende anotar que não há nada de anormal na cobrança por uma punição exemplar aos infratores, como, de resto, na há nada de anormal quando um delito é praticado. Em todas as sociedades é assim. Na nossa não é diferente. Cá,  como em qualquer lugar,  os crimes ocorrem, inapelavelmente.

O que nos distingue, inobstante,  de outras sociedades é a incerteza da punição. Aqui, infelizmente, a impunidade tem sido a regra, sobretudo quando se trata de acusados com boas condições financeiras.

Nós não podemos, todavia, perder a  esperança de  que  o Direito Penal, com sua peculiar natureza de controle social formalizado, tenha a capacidade de suturar as rupturas produzidas pela desinteligência dos homens (Cezar Roberto Bitencourt), sem distinção de posição social, sob pena de fomentar-se a prática deletéria da autodefesa, própria das sociedade mais rudimentares,  e só admita entre nós excepcionalmente.

Infelizmente, ao que vejo e sinto, as instâncias formais de controle social têm agido aquém dos que delas se espera. É por isso que, quando se comete um crime de grande repercussão, almeja-se, equivocadamente, que se puna com brevidade, olvidando-se que  não se pode tangenciar o direito de nenhum acusado, quer esteja na base, quer esteja no ápice da pirâmide social, quer seja primário, quer seja contumaz infrator.

É preciso reafirmar que não se pune apenas para ouvir os apelos da sociedade. Pune-se, sim, quando se tem provas, quantum satis, da existência do crime e de sua autoria. Nem mais, nem menos, ainda que se tenha que suportar a insatisfação dos que querem punição a qualquer custo.

Caso Alessandro Martins

Todos os habeas corpus do já famigerado “Caso Alessandro Martins” foram distribuidos a minha relatoria. Hojé já decidi acerca das liminares. Não posso adiantar os termos das decisões, pois que as partes ainda não tiveram ciência das mesmas.

Devo dizer, a propósito, que, diferente do que se imagina, nenhuma pessoa, de quaquer grau, interveio em favor de quem quer que seja. As únicas pessoas que me procuraram, por dever de ofício, foram os advogados.

Com isso espero deixar claro que as minhas decisões não sofrem influência de quem quer que seja e que, ademais, são todas elaboradas com a sublimação dos preceitos éticos e técnicos.

Fico feliz por poder fazer a afirmação que faço e por poder decidir com essa isenção.

Se é verdade, como se propalou, que Alessandro Martins tem proteção dentro do Tribunal, confesso que, na condição de relator do seu habeas corpus, não vislumbrei, nem de longe, essa proteção.

Os erros que eventualmente cometa, em face das decisões preliminares que exarei, são da minha inteira responsabilidade. Digo isso, para preservar a instituição das maledicências dos que trabalham para desacreditar o Poder Judiciário.

E digo mais: nós não somos um grupo de canalhas, trabalhando em favor de um grupo de privilegiados. Essa generalização que se faz é fruto de pura covardia.

Não se faz cortesia com o direito alheio

É sempre assim: o Tribunal de Justiça, por um dos seus órgãos fracionários (Câmaras Criminais), concede uma ordem de habeas corpus, e o mundo desaba sobre a cabeça dos desembargadores. É como se fôssemos uns insensíveis. É como se, nessa condição, tivéssemos virado as costas para o interesse público. É como se não morássemos na mesma comunidade. E como se estivéssemos à salvo da criminalidade. É como se os nossos filhos vivessem na Suíça ou na Dinamarca. É como se o nosso mundo não fosse o mesmo mundo dos nossos jurisdicionados.

Mas não é bem assim. É preciso muito cautela – e responsabilidade, sobretudo – no exame dessa questão. É preciso olhar a questão com os olhos de bem ver, para que não se cometam injustiças. Nós não somos os seres frios e calculistas que muitos pensam. Não é verdade que não nos importemos com a criminalidade, pois ele, sob qualquer ângulo que se queira ver a questão, atinge a todos nós, indistintamente. Diante dela e em face dela não há ministros, desembargadores, juízes, promotores de justiça ou delegados ou policiais. Somos todos iguais, rigorosamente iguais.

Ao magistrado, tenho dito, reiteradas vezes, não é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio. Ainda que as suas decisões sejam incompreendidas por parcela significativa da sociedade, ainda que, aparentemente, conflitem com o interesse público, o magistrado não pode, só por isso, deixar de conceder uma liberdade provisória a que faça jus o acusado, ou relaxar uma prisão ilegal.

É de relevo que se diga que não se constrói uma sociedade minimamente justa, se ao aplicador da lei não for permite reparar a ilegalidade de uma prisão, com receio do que possa pensar a opinião pública.

Quando um magistrado, de primeiro – ou de segundo grau – decide-se pela liberdade de um traficante, ad exempli, em face da manifesta ilegalidade da sua prisão, está afirmando, no mesmo passo, que qualquer pessoa que se veja em situação similar, poderá se socorrer do mesmo expediente para reparar uma ilegalidade que eventualmente lhe tolha a liberdade de ir e vir. Isso é estado de direito. Isso é exercício de cidadania, que nada tem a ver com o Estado tirânico.

É necessário compreender, nessa linha argumentativa, que uma prisão ilegal só encontra conforto num Estado vingador e/ou perseguidor, o que não é o nosso caso.

Não se pode, à luz dessa constatação, manter preso, provisoriamente, sem uma definição, quem eventualmente tenha tangenciado as leis do estado, apenas porque vivenciamos uma verdadeira guerra civil urbana, com a violência se esparramando pelos quatro cantos das aglomerações urbanas.

É preciso ter em conta que não se repara uma ilegalidade praticando outra ilegalidade. O Estado não pode ser protagonista de ilegalidades, ainda que o agente público que o represente seja incompreendido e, muitas vezes, como se tem visto, até espezinhado.

Nossa geração testemunhou o desconforto, pra dizer o mínimo, de viver num Estado totalitário, para o qual os fins justificavam os meios e no qual viu-se, estupefatos, o abespinhamento das as franquias constitucionais dos cidadãos. Não podemos, por isso, fazer apologia do escárnio às leis, para ser simpáticos à opinião pública.

Não pode um magistrado, num Estado de Direito, ser acossado, desrespeitado, atacado, às vezes de forma vil e covarde, apenas porque cumpriu a lei, apenas porque reparou a ilegalidade de uma prisão. Isso, importa consignar, com a devida ênfase, é intolerância; intolerância que não guarda sintonia com uma sociedade civilizada.

No caso específico da Comarca de São Luis, temos, por força das circunstâncias, concedido, sistematicamente, ordens de habeas corpus a muitos acusados da prática de tráfico ilícito de entorpecentes, sem que a população compreenda as razões do desate, mesmo porque os juízes não têm por hábito sair por aí propalando, nos cantos da cidade, as razões que o levaram a decidir dessa ou daquela forma. Todavia, em face da gravidade da situação, em face das sucessivas concessões de habeas corpus é necessário dizer que assim o fazemos porque a única vara de entorpecentes da comarca está estrangulada, sem condições de julgar os processos a tempo e hora, disso decorrendo que, não raro, há excesso de prazo na ultimação da instrução, excesso que nos compele determinar a soltura de tantos quantos sejam vítimas da prepotência do estado, incapaz, em casos que tais, de julgar em tempo razoável, como preconiza a nossa Constituição.

Importa dizer, para que fica bem claro, que não nos sentimos confortáveis diante dessa situação. Ao reverso, essa situação nos agasta, sobretudo porque entendemos que se deva combater o tráfico de entorpecentes com rigor. Esse rigor, inobstante, não pode ser convolado em arbítrio, em ilegalidades. O magistrado que se compraz em oficializar o arbítrio, pode não estar preparado para o exercício do mister.

Urge, em face da situação caótica em que se encontra a única vara de entorpecentes da comarca de São Luis, que se tome uma providência; providência que passa, necessariamente, pela criação e instalação de, no mínimo, mais duas varas especializadas, sem mais tardança. Como está não pode ficar. Diante desse quadro, a liberdade dos acusados de tráfico será a tônica, ainda que, por isso, sejamos espezinhados por uma parcela da população que, estupefata diante da violência, não consegue compreender por que se prende hoje e se solta amanhã.

No que se refere, especificamente, ao tráfico de entorpecente, a grita é mais estridente porque há um dispositivo na Lei de Drogas que estabelece ser insuscetível de liberdade provisória o crime de tráfico e entorpecentes. Mas isso é um rematado equívoco. A verdade é que o legislador se excedeu nessa questão, a ponto de hostilizar a Constituição Federal. E tanto se excedeu que, hoje, já não se tem dúvidas de que esse dispositivo é inconstitucional, daí que a impossibilidade de concessão de liberdade provisória ao indiciado/acusado por tráfico de drogas é uma falácia, fruto da exacerbação dos nossos legisladores.

A propósito, convém assinalar que eles, os legisladores, pensam, equivocadamente, que basta fazer uma lei para resolver o problema da criminalidade, como num passe de mágica. Tem sido assim. O Estado legislador, nessa questão, tem sido profícuo, conquanto seja avarento em questões outras muito mais relevantes.

A verdade, que não escapa ao olhar mais fugidio, é que basta que o crime repercuta para que, na sua balada, pegando carona na sua cauda, venha, a reboque um projeto de lei preconizando penas mais rigorosas. É como se prisão resolvesse a questão da criminalidade. É como se bastassem leis preconizando penas mais rigorosas para fazer refluir a criminalidade.

Os legisladores, nessa e noutras questões de igual matiz, agem como se dissessem: fizemos a nossa parte, o resto agora é com a Justiça. É dizer: tiram dos seus ombros o peso da criminalidade e o jogam, sem pena e sem dó, nos ombros do Poder Judiciário, a quem cabe a responsabilidade e o ônus da concessão de uma liberdade ou da decretação de uma prisão.

O Estado, todos sabemos, tem por finalidade a consecução do bem comum, que jamais será alcançado sem a preservação dos direitos dos cidadãos. Mesmo quando o Estado intervém com o jus puniendi, tem que respeitar o direito dos seus integrantes, ainda que, repito, tenham tangenciado as leais penais, sabido que, mesmo punindo, não se pode olvidar da dignidade da criatura humana.

Nessa linha de pensar, reafirmo que, diante de uma prisão ilegal, o Estado, por seus agentes, não pode se omitir, ainda que o preço seja a incompreensão dos seus integrantes.

Judiciário maranhense: outra vez na berlinda

O Poder Judiciário do Maranhão está, outra vez, na berlinda. A matéria da revista Carta Capital desta semana é destruidora. Dos seus termos pode-se ver que não escapa ninguém. A minha história, a minha, a sua, a nossa luta, a luta dos que só têm compromisso com a Justiça, de nada vale. Somos todos apontados como instrumentos a serviço do poder dominante em n0sso Estado.

Faço questão de consignar, inobstante, que não aceito ser jogado na vala comum. Não sou canalha. Não sirvo a ninguém. Não amealhei fortunas. Não inscrevi meu nome na história servindo a quem quer que seja. Não escrevi a minha história fazendo bandalheiras.

A minha dedicação, a minha vida tem sido de total dedicação ao Poder Judiciário. Vivo do que ganho. Não uso o poder para dele tirar proveito. O meu gabinete nunca foi utilizado para negócios escusos. Por isso a minha revolta, por isso a minha inquietação com a reportagem, que não preserva ninguém, que não respeita ninguém. Somos todos uns patifes, aos olhos de quem produziu a matéria.

Entendo que se há, no Poder Judiciário do Maranhão, os que estão a serviço dos senhores do Estado, que sejam identificados, em respeito aos que não se prestam a essa finalidade.

Mistérios da toga-repercussão

Repercutiu muito mais do que eu esperava a crônica Ministérios da Toga. Os que eventualmente discordaram das reflexões na crônica emolduradas preferiram o silêncio. Não houve uma só manifestação contestando os termos da crônica, o que enaltece verdades nela contida.

Ao longo do exercício da judicatura amealhei muitos desafetos – todos gratuitos. Nunca fiz nada pra ter inimigos. Ainda assim sei que muitos são os que não me digerem, em face mesmo de eu não ser uma pessoa simpática. É muito provável que muitos desses desafetos imaginem que a crônica foi feita pra mim mesmo. Quem me conhece, entrementes, sabe que posso não ser simpático, mas não sou arrogante como muitos imaginam.

Ao longo de mais de 24 anos na magistratura nunca destratei uma testemunha, nunca tratei com descortesia um advogado, nunca deixei de atender qualquer pessoa que viesse a mim em busca de uma informação.

É claro que tive, aqui e acolá, desinteligências com advogados e promotores. Nada que fosse suficientemente relevante ou que decorresse de mera prepotência. Nada que não fosse, ademais, exceção.

Sei, entretanto, que morrerei estigmatizado pela etiqueta de arrogante, pois somente os que têm a oportunidade de lidar comigo sabem que tudo não passa mesmo de um estereótipo criado para macular a minha atuação como magistrado.

Não é a primeira vez que trato dessa questão. É que me causa indignação ver que os verdadeiros arrogantes, que se escondem sob a toga para espezinhar as pessoas, não são distinguidos como tais.