SOBRE PODER, VIDA E MORTE

A cada perda de um ente querido sou levado a refletir sobre a passagem intolerante do tempo, sobre a nossa fragilidade diante das doenças devastadoras, e, na mesma balada, sobre o exercício do poder, que  vaidosos/insanos exercem sem limites, sem empatia e sem compromisso com a sua própria história.

Nessa toada, importa dizer, de primeira, que, em face do tempo e da consequente finitude da vida, só um tolo se ilude estando no exercício do poder, sobretudo se não se dá conta do julgamento da história, pois, como adverte o genial Caetano Veloso , quando tivermos saído do círculo, não seremos e nem teremos sido (Oração ao tempo), daí a relevância de, no poder, construir um boa trajetória.

Logo, é preciso ter bem presente que aquilo que se vive no poder é  efêmero  e, ainda mais grave, ilusório, pois, nos estertores, tendemos a desfrutar, tão somente, do convívio dos que verdadeiramente nos amam, se, claro, tivermos construído as nossas relações familiares sob os auspícios de um amor desinteressado, verdadeiro e incondicional.

A vida acelera e se esvai. E o tempo, capaz de proporcionar o prazer legítimo e o movimento preciso (Caetano Veloso, ibidem), é o mesmo que levará consigo as nossas conquistas materiais; menos, claro – e aqui reside o detalhe mais importante, daí a insistência da anotação -, a história que construirmos.

Portanto, é preciso estar preparado para o tempo que flui, o que nem sempre é perceptível aos olhos dos que, no poder, se perderam em face do seu desfrute, cumprindo relembrar, nessa balada, que com o passar do tempo, caído e fora do círculo, será como se nunca tivéssemos sido (Caetano Veloso).

Dessa forma, aquele que não prestar tributo ao tempo, e, no mesmo passo, ao tempo de fazer as boas ações, será surpreendido com a constatação de que só lhe restou, para ser administrada, quase sempre num ambiente de muita solidão, a ressaca moral e perversa em face do que não edificou e/ou do que fez sob os auspícios da insensatez e da falta de pudor, como o fazem – e fizeram – os lideres mundiais mais repugnantes e para os quais os sensatos emprestam apenas o seu desprezo.

Destaco, para ilustrar, a um naco da história construída por D. Pedro II, escorraçado do poder pelos militares, liderados  pelo seu grande amigo Deodoro da Fonseca, o qual, indagado se não iria lutar para manter a coroa, respondeu apenas que se era essa a vontade dos seus patrícios, a ela se curvaria, diferente dos que são capazes de matar ou morrer para não deixar o poder, ainda que para isso precisem arrostar as instituições.

Do mesmo D. Pedro II, trago a segunda ilustração. Quando instado a receber uma pensão do Estado, após a sua deposição, respondeu aos que pretendiam lhe outorgar a benesse, que eles não podiam fazer cortesia com o que não lhes pertencia, já que a mesura seria feita com dinheiro público.

Convém não esquecer que mesmo os ditadores um dia deixam a ribalta –  pela morte ou pelo golpe. Todavia, a sua história será sempre lembrada pelo mal que infligiram aos semelhantes e às instituições.

É preciso, pois, não perder de vista, e aqui tendo à exaustão, que a vida passa, que todos passamos e que a história não perdoará os que, no poder, podendo, nada fizeram de edificante; e quando o fizeram, o fizeram apenas e tão somente em atenção aos seus próprios interesses ou dos que estavam em seu entorno.

É isso.

AOS QUE IDOLATRAM GENTE RUIM

Uma indagação inquietante nos dias presentes: Por que há uma legião de pessoas incapazes de ver os defeitos dos que escolhem para prestar vassalagem?  Com a mesma inquietação indago, ademais, por que há pessoas – e não são poucas – que idolatram gente ruim? E como explicar esse fenômeno entre as pessoas que enaltecem as pregações do Cristo Salvador?

No sentido das indagações supra e no afã de corroborá-las, testemunho, nos dias atuais, pessoas ruins sendo carregadas nos braços, aplaudidas tenazmente, ainda que, por serem ruins, demonstrem, sem disfarce, desamor ao próximo e desapreço aos ensinamentos daquele que pregou o amor incondicional ao irmão, o que, desde qualquer olhar, é uma contradição insuportável, a merecer detida reflexão.

 Importa anotar, nesse triste cenário, que o que testemunho hoje não difere em nada do que sempre foi a postura contraditória do ser humano, muitos dos quais com inclinação inexplicável para admirar pessoas de índole ruim.

Stalin, como tantas outras pessoas más, teve – e ainda tem – uma legião de admiradores, dentre eles pessoas de bem como Graciliano Ramos, cujo filho, Ricardo Ramos, afirmou tê-lo visto chorar em duas oportunidades: uma no suicídio do filho Márcio; outra, na morte do sanguinário ditador.

O jornalista Osvaldo Peraval também chorou quando foi divulgado o estado desesperador do mesmo Stalin, que ele considerava o amigo mais querido, como se o histórico de Stalin autorizasse alguém a crer, verdadeiramente, em sua amizade. O jornalista Moarcir Werneck de Castro, no calor da hora, a propósito da morte do ditador, escreveu: “Os povos choram a perda do maior dos homens”. No telegrama de pêsames, Luis Carlos Prestes, glorificou Stalin como “nosso mestre e guia”. Em 1951, Jorge Amado canonizou-o em vida, apontando-o como maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu.

Só para fins de ilustração, a propósito das ações nefastas do genocida, Stalin matou mais comunistas do que Hitler e Mussolini somados, entre os quais – estimados 20 milhões – estavam dois presidentes do Komintern: Grigori Zinóviev e Nikolai Bukhárin.

Ademais, os registros históricos dão conta de que Stalin não tinha meros seguidores, mas fiéis, com espírito de rebanho. Daí a minha estupefação em face das homenagens prestadas  ao ditador, bem como a pessoas que, assim como ele, não têm apreço pelo semelhante,

É bem de ver-se, pois, à vista dos exemplos acima, que pouco importa para o fanático apoiador, seja de direita ou de esquerda, os defeitos dos que elegem  para seguir cegamente, pois a cegueira, que imagino deliberada, só lhes permite ver os defeitos dos que elegem como desafetos, o que condiz, também, com o comportamento de pessoas ruins.

A propósito de Stalin, um registro histórico relevante e ilustrativo para encerrar e para que as pessoas saibam que, mais cedo ou mais tarde, a conta chega.

Pois bem. Consta que no dia 1º de março de 1953, Stalin, tendo sofrido um derrame, teve o atendimento médico postergado, porque não havia um só especialista de renome para a tarefa de socorrê-lo. É que o tirano tinha mandado prender os melhores médicos de Moscou na KGB. Então, as sessões de tortura foram suspensas para que o algoz pudesse ser atendido. Mas não havia mais nada a fazer; quatro dias depois, o tirano estava morto.

É isso.

DECIFRA-ME MAS NÃO ME CONCLUAS

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, absorto diante de um jardim particular, não se dava conta dos olhares de temor e preocupação que ele despertava. A dona da casa, achando que podia ser um ladrão preparando-se para a invasão, decidiu chamar um policial.

O guarda se aproxima e perguntou de forma seca e direta:

– Quem é o senhor?

Reflexivo e provocante, o filósofo responde com um desafio:

– Se o senhor puder me esclarecer isso, eu lhe serei eternamente grato.

Tendo essa história como linha condutora dessas reflexões, antecipo que me incomoda muito constatar que as pessoas persistem em julgar o semelhante precipitadamente, a partir de uma avaliação superficial

É de perquirir-se em face dos juízos precipitados: Se, como advertiu Schopenhauer, as pessoas têm dificuldades de autoconhecimento, como podem ousar julgar o semelhante apenas pelo que lhes parece ser?

Por que as pessoas insistem em prejulgar o semelhante, maldosa, precipitada e impiedosamente, apenas pela carranca e pela sisudez, que, no meu caso – e de tantos outros –  são inatas?

Confesso que não compreendo, foge à minha capacidade cognitiva, entender por que as pessoas se prestam aos pré-julgamentos, sobretudo se eles decorrem de uma convivência compartilhada superficialmente.

Compreendo, todavia, que exigir do ser humano que se abstenha de julgamentos precipitados seria exigir muito dele, sabido que o ser humano existe mesmo é para surpreender a cada momento.

As pessoas, infelizmente, são assim. Nesse sentido, não são poucas as que preferem, preferem, por capricho, vingança ou perfídia, a crítica mordaz, danosa e desumana, sobretudo em face dos que elegeram como desafeto.

A verdade é que as pessoas insistem em julgar o semelhante em face das expectativas que criam em relação a ele, e não em face daquilo que efetivamente é, dado que, assim considerado, implica em relações humanas controvertidas.

Não é demais reafirmar, todavia, que não se devem julgar as pessoas pela cor da pele, pela posição social, pelo cabelo, pelas roupas que vestem ou pela sisudez, pois é muito provável que por trás de uma carranca e da sisudez de um casmurro  exista um ser humano muito melhor do que se pensa e julga.

É razoável compreender, racionais que somos (?), que, ao compartilhamos apenas alguns momentos das nossas vidas, não nos revelamos por inteiro, disso inferindo-se que qualquer julgamento é fruto de uma precipitação. Daí que, para não antecipar um julgamento sobre o semelhante, é recomendável não fazermos juízos antecipados sobre as pessoas com as quais só convivemos circunstancial e superficialmente.

Digo, para encerrar, que só quem está em condições de emitir juízo de valor sobre o semelhante – mas, ainda assim, com grande possibilidade de estar errado – é quem desfruta de uma  convivência compartilhada de forma intensa e profunda, e desde que o julgamento não for seja feito a partir de ideias preconcebidas e preconceituosas.

Para encerrar, uma frase lapidar de Clarice Lispector para a qual chamo a atenção em face do que ela contém de exemplar diante das reflexões aqui encartadas: “Decifra-me, mas não me conclua. Eu posso te surpreender”.

É isso.

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE ESPERANÇA

Segundo a Mitologia Grega, Zeus criou Pandora, a primeira mulher. Antes de enviá-la à terra, entregou-lhe uma caixa, recomendando que ela jamais fosse aberta, pois dentro dela os deuses haviam colocado, dentre outras coisas, um arsenal de desgraças para o homem – discórdia, guerras, doenças etc. Pandora abriu a caixa, deixando sair todos os males do seu interior, preservando, apenas, a esperança, sem a qual, por óbvio, não seria possível enfrentar as dificuldades que permeiam as nossas vidas.

Na série norte-americana OZ (1997/2003), produzida pela HBO, o detento Augustus Hill, interpretado por Harold Perrineau Jr., em determinado episódio, apareceu gritando desesperado e lamentando o indeferimento de um pleito de liberdade condicional. Um dos colegas de cela, Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, vendo aquela cena insólita, o aconselhou a não se revoltar, pois, afinal era a lei que assim prescrevia, ao que Hill respondeu, argumentando:

-Não é a lei o meu problema. O meu problema é a esperança.

Nos dias de hoje, constato que o nosso problema, é a esperança, que tanto pode ser, metaforicamente, a contida na Caixa de Pandora, quanto a bradada, como lamento, pelo detento da série mencionada.

Diante disso, importa indagar: como não esmaecer a esperança quando testemunhamos líderes de algumas nações, com incontáveis seguidores fanatizados, fazendo pouco, por exemplo, da vacinação como meio eficaz para o enfrentamento de uma doença grave (Covid-19), que já ceifou a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro?

Como não fenecer a esperança quando testemunhamos o desvio impune de verbas destinadas à compra de respiradores que salvariam vidas, sabido que a prisão após o trânsito em julgado é um impeditivo real de inflição de penas aos que habitam o andar de cima da criminalidade?

Como não se desesperançar quando testemunhamos profissionais da saúde injetando vento nas pessoas em vez de vacina, nos levando à conclusão de que a degradação moral do homem não tem limites?

Nesse cenário desalentador, convém anotar que a esperança, ao lado da fé e da caridade, são virtudes que se complementam. Por isso, não surpreende que, ao lado da desesperança, coladinho com ela, perdem intensidade, também, a fé e a caridade das pessoas.

Apesar de tudo, é preciso, como um imperativo de sobrevivência, ter fé e esperança. Por isso, a força que me move resulta da esperança – e da fé que ainda não perdi – no ser humano. Contudo, posso escolher depositar a minha esperança, sim, mas no ser humano empático, altruísta e solidário, que não age apenas para satisfazer os seus interesses pessoais, capaz, portanto, de contribuir com o próximo na superação das suas dificuldades, como uma força propulsora, arrebatadora e definitiva da dignidade humana.

Mas é preciso ter em conta que, por maior que seja a minha esperança, ela tende a sucumbir em face dos maus exemplos, sobretudo dos que, podendo ser uma fonte de energia positiva para as pessoas, preferem chamá-las para dançar à beira do precipício, sendo oportuno trazer à colação, nessa linha de compreensão, uma lapidar constatação de Nietzsche, segundo a qual “quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você”.  Daí por que se recomenda prudência aos que, cega e burramente, seguem os maus exemplos e acreditam em falsas pregações.

É isso.

UM CHAMADO À RACIONALIDADE

Tenho tido dificuldade de conviver com exibições de irracionalidade decorrentes de um radicalismo exacerbado que contamina e cega as pessoas, mesmo as que supúnhamos, no passado, dotadas de algum senso crítico.

A fala irresponsável e mentirosa nunca teve tanta repercussão quanto nos dias presentes; nunca, em tempo algum, foi tão valorizada a desinformação, disso resultando que a fraude da verdade tem repercutido numa dimensão e com consequências estupefacientes, permeando a vida social de uma toxidade jamais sentida.

Dirão alguns, numa visão reducionista, que tudo isso é apenas uma das consequências mais visíveis do nosso atraso, quando, na verdade, digo eu, é resultado de uma crise moral sem precedentes que contamina uma parcela expressiva e barulhenta da sociedade, pois a mentira não se confunde com atraso ou ignorância, mas com falta de caráter de quem a veicula e de quem, no mesmo passo, se encarrega de replicá-la nas redes sociais.

Empatia, solidariedade, altruísmo? Nada disso importa aos extremistas, aos protagonistas das notinhas tendenciosas e mendazes que são veiculadas, pois que o objetivo é mesmo confundir, fazer rebuliço na mente do incauto cidadão, sobretudo o que acredita em mentiras, sobretudo as oficiais, que são as que estão a merecer de todos nós maior repúdio.

A percepção que tenho, nesse quadro desalentador, é que o Estado, por seus órgãos de controle, perdeu a força que antes detinha e impunha; perdeu o rumo, está sem direção. Daí que cada um diz o que quer, veicula o que quer, vale-se das redes sociais, terra de ninguém, para disseminar inverdades, atacar desafetos, destruir reputações, ciente da impunidade.

Não defendo a censura. Ninguém minimamente racional a defende. Mas é chegada a hora, para romper com esse grave quadro de degradação pelo qual passamos, da adoção de providências tendentes a obstar a veiculação de falas e raciocínios insanos.

Nesse sentido, as instâncias de controle devem reagir com eficiência para, sempre que veiculada uma nota irresponsável, retirá-la das redes sociais, sabido que, nos dias presentes, há uma parcela relevante da sociedade que se informa apenas de notinhas de internet , espaço privilegiado de disseminação de inverdades.

A verdade é que uma notícia falsa, máxime a que recebe a chancela de uma liderança política,  pode ter efeitos desastrosos. Não é por outra razão, por exemplo, que nunca se falou e questionou tanto as eleições americanas como no último pleito.

Da mesma forma, em nenhum país do mundo, em tempos de pandemia, se desprezou tanto o uso de máscaras, o distanciamento social e a vacina como no Brasil, em face da postura negacionista de quem deveria agir com o mínimo de racionalidade, postura que levou parcela relevante da sociedade a abominar a própria ciência.

A realidade é que qualquer asneira dita por um líder pode ser um perigo em potencial para a sociedade, a exemplo do que ocorreu recentemente quando um médico, radical negacionista, se recusou a usar máscara para atender uma paciente, seguramente por estar contaminado pela sua própria ignorância.

Está insuportável viver num mundo povoado de radicais, pouco importando se de direita ou de esquerda. É preciso abrir espaço à contemporização, à concórdia, à compreensão, à empatia, às ações altruístas e à racionalidade, num momento tão difícil das nossas vidas.

 É isso.

ONDE O BICHO PEGA

De regra, é preciso admitir, não estamos preparados para a derrota, em qualquer campo de atividade e em qualquer relacionamento. É que, desde muito cedo, nos ensinam, que, numa disputa qualquer, é preciso vencer, daí que nos condicionam, equivocadamente, para a vitória ao tempo em que não nos orientam para a derrota.

A verdade é que todos, naturalmente, ambicionamos vencer; e é compreensível que assim o seja, afinal vivemos numa sociedade competitiva, marca das sociedades capitalistas. Todavia, é preciso ter presente que uma história pessoal não é feita apenas com vitórias: perdemos aqui; ganhamos acolá, sendo essa, decerto, a lógica da vida.

Nada obstante, diante da inexorabilidade dos reveses, nas mais diversas contendas, recomenda o bom senso que os mais experientes nos preparem, desde a mais tenra idade, para a inevitabilidade das derrotas que permearão as nossas vidas.

Nessa senda, importa dizer, agora, no que verdadeiramente interessa para essas reflexões, que, num mundo de extremada competitividade, o “bicho pega” mesmo é quando perdemos a batalha para nós mesmos, para nossas fraquezas e idiossincrasias.

O conflito que internamente travamos, reconheçamos, é o mais difícil de ser vencido, disso inferindo-se que é preciso força mental redobrada para enfrentar os nossos medos, as nossas angústias.

De minha parte, devo admitir, não fui capaz, algumas vezes, de enfrentar as dificuldades impostas pela vida, sucumbindo, muitas vezes, por insegurança, por medo e por covardia, decorrência natural da minha fraqueza interior.

Nesse cenário, me apresentei para a disputa imaginando-me um forte contendor, mas constatei, depois, que fui adversário de mim mesmo, razão pela qual sucumbi, deixando a luta machucado, sofrido, arrasado – um trapo, enfim.

A vida do simples é boa, ensina a canção; e pode ser mesmo, desde que aceitemos as nossas limitações, compreendamos as nossas fraquezas, nos preparemos para os embates da vida e, no mesmo passo, aceitemos a inevitabilidade das derrotas, sobretudo quando elas decorrem das nossas frágeis armaduras interiores, as quais recomendam redobrados esforços para a luta diária, o que tenho feito há algum tempo, fruto da minha evolução pessoal.

Mas eu nem sempre fui assim, nem sempre me comportei como devia, daí que a vida para mim não era tão simples e nem era tão boa como nos dias presentes, o que só compreendi depois que superei os meus conflitos internos e os  que eu tinha com o mundo.

Viver, portanto, pode não ser algo tão difícil, se compreendermos que, em face das derrotas – e mesmo diante de uma vitória -,  é de rigor que assimilemos as lições ministradas no embate,  as quais, certamente, nos prepararão e nos fortalecerão para os inevitáveis combates vindouros.

Definitivamente, digo em arremate, não adianta a armadura de um gladiador, o revólver do Zorro, as mágicas do Mandrake, a ambição do Tio Patinhas, os cabelos de Sansão, o estilingue de David, a perspicácia do Mickey, a destreza do Super-Homem, as teias do Homem-Aranha e a força do Hulk, se não tivermos a capacidade de enfrentar o inimigo que habita em nós.

É isso.

O MOMENTO CERTO DO ARREPENDIMENTO

Não é incomum ouvir as pessoas dizerem, com excessiva soberba: “Não me arrependo de nada do que fiz até agora.” Ou, noutro giro, mas com igual arrogância: “Se tivesse que começar de novo, faria tudo outra vez.”

Dito de uma forma ou de outra, o que se infere dessas afirmações é que há pessoas que se julgam infalíveis, disso decorrendo que, por soberba, não aceitam rever alguma atitude equivocada que tenha praticado no passado.

Pessoas que pensam assim tendem a pagar um preço elevado pela arrogância, pois não existe quem, tendo passado pela vida, não tenha motivos para o arrependimento de algo que tenha feito, para o qual, importa dizer, só há um momento: o momento certo.

Contudo, se não formos capazes de perceber o momento certo do arrependimento, daí em diante só pode ocorrer o lamento, aqui entendido como a expressão de uma dor. É que, fora de hora, o arrependimento é lamento, autoflagelo, autopunição.

A verdade é que há pessoas que só demonstram algum arrependimento depois do caldo derramado, diante, muitas vezes, da proximidade do fim, quando mais nada pode ser feito para reparar os erros cometidos. Por isso, tenho dito, fruto da minha experiência de vida, que há tempo para o arrependimento, como há tempo para plantar e para colher.

Arrepender-se a tempo e tentar minimizar as consequências dos erros cometidos tem que ser, ademais, em face de uma ação espontânea. Nesse sentido, não vale o arrependimento imposto, premido pelas circunstâncias, decorrente, portanto, de pressões exógenas,  porque aí, é necessário redizer, não se trata de arrependimento, mas de lamento, quando não mero oportunismo.

Nessa perspectiva, importa destacar que quem, por exemplo, não valoriza a família, quem não cuidou de quem deveria cuidar, pode ter certeza de que, muito provavelmente, se não for capaz de se arrepender a tempo e hora, tenderá a receber em contrapartida, nos momentos mais angustiantes de solidão, as migalhas que restaram do relacionamento que nunca valorizou.

A verdade é que o que passou, passou, e o que foi feito, feito está, convindo ilustrar essas reflexões com uma passagem da história protagonizada pelo líder chinês Deng Xiaoping, o qual, indagado sobre como teria sido escrito a história, se Kennedy não tivesse sido assassinado, teria respondido, irritado: “A senhora Kennedy não teria casado com Onassis”, com isso querendo dizer que não dá para ficar perscrutando em face de situações consolidadas.

De tudo quanto refleti acima fica a advertência definitiva: quem não foi capaz de amar, de valorizar os entes queridos, quem só pensou em seus próprios interesses, quem não soube compartilhar, se solidarizar, enfim, não terá condições – nem tempo – de, aproximando-se o fim, reconstruir a relação que solapou.

Por tudo isso é que devemos amar, nos entregar, sem restrição, sobretudo às pessoas que nos amam verdadeiramente, pois, creiam, diante dos infortúnios, das dificuldades pelas quais todos haveremos de passar um dia, se não formos capazes de amar e nos dedicar verdadeiramente, tenderemos, quando mais necessitarmos, apenas lamentar, cumprindo lembrar que na vida há momentos em que vivemos sob a luz do sol e noutros nos quais somos açoitados pela chuva, e quem não for capaz de assimilar essa singela lição, não saberá o que fazer diante da tempestade (conclusão inspirada em Alexandre Dumas).

É isso.

MONSTROS, SEDUTORES E OPRESSORES

A violência contra a mulher no Brasil tem números alarmantes (em 2020 o 190 foi acionado 694.1, foram deferidas 294.440 medidas protetivas, e registradas 230.160 ocorrências por lesão corporal – fora os 64.460 crimes de estupro), números que me levaram a essas reflexões, que decorrem, por óbvio, da ação covarde/abominável dos que nomino monstros, sedutores e opressores.

Diante desse cenário, a inquietação, dentre outras, que me levou a pensar na construção dessa crônica, foi a minha incapacidade de conviver  num ambiente de hostilidade e/ou de opressão – seja moral, seja física -, pois, nas minhas relações, sublimo a concórdia e a benquerença.

A propósito, trago à colação, para ilustrar, passagem relevante da nossa história, na qual desponta, com especial destaque, D. Pedro I, um dos nossos mais famosos monstros, sedutores e opressores que tenho notícia, a considerar as suas relações com a princesa Leopoldina.

Pois bem. Os registros históricos dão conta do tratamento desumano que D. Pedro dispensava a Leopoldina, seduzida e, depois,  desprezada por ele, que, ao que parece, sentia prazer em expor o lado mais perverso da sedução, em cujo cenário despontava, com especial destaque, como razão propulsora das agressões/humilhações, o tórrido romance que mantinha com a Marquesa de Santos.

Da última carta que D. Leopoldina enviou para sua irmã, Maria Luísa, ditada no seu leito de morte, apanho as passagens que reproduzo a seguir, pois que nelas está retratada, com tintas fortes, a sua angústia em face da ação opressora do, talvez, mais famoso monstro sedutor que habitaram essas paragens.

“Minha adorada mana. Reduzida ao mais deplorável estado de saúde e chegada ao último ponto de minha vida, no meio dos maiores sofrimento, terei também a desgraça de não poder eu mesmo explicar-vos todos aqueles sentimentos que há tanto tempo existiam impressos na minha alma. Minha mana! Não a tornarei a ver! Não poderei outra vez repetir que vos amava e adorava. Pois já não posso ter esta tão inocente satisfação, igual a tantas outras que permitidas me não são, ouvi o grito da vítima que vós reclama não vingança, mas piedade e socorro de fraternal afeto para inocentes filhos que órfãos vão ficar em poder de pessoas que foram autores de minhas desgraças, reduzindo-me ao estado em que me acho, de ser obrigada a servir-me de intérprete para fazer chegar até vós os últimos rogos da minha aflita alma”.

Prossegue a princesa:

“Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, que por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado de maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro. Ultimamente, acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças”.

(A propósito, os historiadores registram que D. Leopoldina fora tratada a pontapés por  D. Pedro, estando grávida. Mas não há testemunhas desse fato, razão pela qual não se pode afirmar, com certeza, que essas agressões tenham ocorrido, efetivamente).

Digo agora, em arremate, que nós, responsáveis por uma relevante instância de controle social, devemos, diante de fatos que revelam a ação nefasta dos opressores, devemos agir, com especial determinação, para, sendo o caso, puni-los exemplarmente, a mais eficaz alternativa dissuasória que temos às mãos, com o que criaremos um caldo de cultura que servirá de norte para as futuras gerações.

É isso.