Amanhã, dia 02 de julho, completarei 57 (cinquenta e sete) anos.
Posso dizer, por isso, que estou ficando velho.
Digo melhor: estou velho.
Acho-me velho, muitas vezes; outras vezes, nem tanto.
Só sei que eu já aparento a idade de quem tem prioridade nas filas de antendimento.
Se isso é indicativo de velhice, então não tem apelo: estou velho mesmo.
Sei não! Nessa questão tenho agido de forma pendular.
Há momentos que sinto estar velho; há outros que me vejo serelepe, faceiro, todo prosa, como se fora um jovem senhor.
Tudo, porém, são confusões da minha mente inquieta.
Tudo encarado, no entanto, com a maior naturalidade.
Ou não? Não sei. Pode ser que sim; pode ser que não.
Compreendo que só em estar refletindo sobre a questão já evidencia que não encaro a velhice com a naturalidade que quero deixar transparecer.
Tudo é puro mimetismo. Puro disfarce. Dissimulação, às claras. Fingimento, à evidência.
Mas a verdade, a mais sobranceira verdade é que acho que estou velho.
Aquela história de que o tempo parece que não passou, para mim não cola.
O tempo passou, sim.
E como passou!
E como foi rápido!
E como deixou marcas em mim!
Vejo-as por toda parte: no rosto, no corpo – e na mente.
Não me desespero, porém, diante da velhice.
Será?
Nessa questão sou bem resolvido.
Será?
Nem eu mesmo sei por que faço essas afirmações.
Elas parecem falsas.
Não soam verdadeiras.
Eu posso até afirmar que elas são falsas, sim.
Eu não sou bem resolvido coisa nenhuma.
Nessa senda eu sou uma contradição a toda prova.
Eu quero viver o tempo que for para viver. Nem mais, nem menos.
Só quero viver, sem conflito com o tempo.
Mas eu vivo em conflito com o tempo.
E não sei bem por que.
Ou sei?
Não esqueço, entrementes, que foi o tempo que me fez realizar o que realizei.
Pouco?
É verdade.
Todavia, ainda assim, realizei alguma coisa.
Realizei a minha historia, sim.
Irrelevante a minha história?
Para mim, não.
Tempo é tempo e nada se pode fazer para pará-lo.
Eu não posso domar o tempo.
Quisera poder domar o tempo.
Pra quê?
Nem eu sei, sinceramente.
Se domasse o tempo não saberia o que fazer com ele.
É melhor mesmo que ele flua à solta, sem embaraços, sem impedimentos.
E que cada um saiba viver o seu tempo, o seu momento, a sua história.
O certo mesmo é viver e ver o tempo passar.
O hoje será o ontem e o amanhã, será o hoje.
E nós, se possível, viveremos para o porvir.
Eu vivo a perspectiva do que virá.
Acho que vivemos dessa expectativa.
Até quando?
Não sei. Não sabe ninguém.
Quisera poder saber.
Olho-me no espelho e quase não me reconheço.
O que eu fiz com a minha juventude?
O que fizeram com a minha juventude?
Como, agora, voltar no tempo?
Impossível, bem sei.
Mas não custa elucubrar.
Não custa pensar.
Pensar não faz mal a alma.
Mas pode, sim, magoar, fazer sofrer – às vezes, desnecessariamente.
Pode, noutro giro, ser uma energia positiva.
Pensando, volta-se no tempo.
Voltando no tempo, belas lembranças da minha juventude envolvem a minha mente.
Que seria de mim se não tivesse a capacidade de pensar, de reviver o tempo passado – até onde é possível, em face da minha (pouca) lucidez.
A barba encanecida, a pela flácida, a barriga proeminente, o andar agora lento, a insônia, a saudade candente e lancinante do que vivi e usufrui dão a exata dimensão do passar do tempo – tempo que a tudo destrói, mas que também, contraditoriamente, é capaz de sarar as feridas.
O tempo passou – e passa – inclemente.
Insano é quem não se dá conta dessa realidade.
Eu quero ter a consciência de ter envelhecido, para, nessa condição, conduzir a minha vida, até onde o tempo permitir.
Velhinho capeta, embusteiro, criador de caso, não sou – não quero ser.
Não sei ser assim. Eu só sei viver em paz.
Velhinho simpático? Também não.
Se não fui simpático na juventude, é muito pouco provável que o seja na velhice.
Mas eu tenho arroubos de simpatia, sim – espasmos de simpatia, posso crer.
O que fica de lição nessas reflexões é que, se não podemos parar o tempo, que aprendamos, com o tempo passado e vivido, a respeitar as diversidades – e as adversidades, sobretudo.
Olho, mais uma vez, para o meu corpo e vejo que não cuidei de mim como deveria.
Não cuidei da matéria – e nem sei se cuidei da alma.
Quisera, sim, voltar no tempo.
Faria muitas coisas diferentes, se pudesse fazer o tempo voltar.
Diferente dos arrogantes, eu admito, sim, que faria muita coisa diferente.
Essa história de que eu faria tudo outra vez, comigo não cola.
Eu faria só parcialmente o que fiz.
Eu, no mínimo, faria a mim as concessões que não fiz.
Daria a mim a oportunidade que dei aos outros de repensarem os erros, de corrigirem a direção.
Eu, muitas vezes, fui rude comigo mesmo. Desnecessariamente, por pura birra. Insensatez, posso dizer.
Exigi de mim muito mais do que deveria.
Nessa questão estive próximo da irracionalidade, pensando ser racional.
Eu sou, sim, esse ser contraditório que as palavras desnudam.
A obsessão de acertar, de ser correto num mundo conturbado como o nosso, me fez envelhecer mais rapidamente ainda.
Agora, não tem mais jeito!
O meu futuro é agora.
Agora é viver.
Brincar de viver, se possível for, já que não posso viver brincando.
Eu até poderia viver brincando, não tivesse feito opção por uma austera forma de ser e de viver.
Olho em volta e, às vezes, não me reconheço.
Abro um álbum de fotografias e me vejo ali: vinte, trinta, quarenta anos atrás, em plena juventude, juventude que não sei se aproveitei, pois o meu espírito envelheceu muito rapidamente, em face das circunstâncias da vida.
A verdade é que tive que me tornar adulto antes do tempo.
Agora, estou eu aqui: velho, quase velho, com o corpo de velho, com o andar trôpego, com as juntas doloridas.
Doem-me as costas, os joelhos, os cotovelos.
Dói-me quase tudo. Mas não me dói a alma.
Tudo isso é conseqüência do tempo transcorrido.
É a vida de quem envelheceu, sem saber envelhecer, sem se cuidar, sem pensar no porvir, na dimensão que deveria ter pensado.
Envelheci, sim.
Todavia, envelheci com dignidade.
Eu não carrego – ou não deveria carregar – a velhice como um castigo; antes, sinto-me lisonjeado – ou deveria, pelo menos – em ter envelhecido, em ter podido ver meus filhos crescerem, estando ainda em condições de prepará-los para o mundo.
Olho para trás e vejo a longa estrada percorrida.
Nessa estrada deixei parte dos meus sonhos.
Nessa estrada construí a minha história.
Nessa estrada consolidei a minha personalidade e me preparei para enfrentar o mundo e suas contradições.
Ou melhor: imaginei ter me preparado para enfrentar e entender o mundo.
Concluo, agora, que ainda falta muito.
Agora, talvez seja tarde demais.