Matéria capturada no IBCCRIM
Vicente Greco Filho
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Como se sabe, no mundo jurídico-penal desenvolvia-se a ideia de que, a partir do conceito da antiga Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal, já antes da denúncia, contando-se o prazo da data do fato, poderia ser decretada a prescrição tendo em vista uma hipotética pena futura em concreto que poderia ser levada em conta para a decretação in limine da prescrição tendo em vista os prazos do art. 109 do Código Penal.
Não é o caso de se renovarem os argumentos a favor ou contra a chamada prescrição retroativa da Súmula, já da tradição no direito brasileiro e que, na verdade, atende à razoável duração do processo.
Contudo, a chamada prescrição retroativa virtual era um abuso, porque considerava uma pena hipotética em concreto, fundada em conceitos errôneos como a “síndrome” da pena mínima e sem considerar os poderes do juiz decorrentes do art. 59, além de outras circunstâncias especiais de aumento de pena.
A Lei 12.234, de 5 de maio de 2010, definitivamente inumou a prescrição retroativa virtual.
Apesar de a norma legal, em seu art. 1º, referir que “exclui a prescrição retroativa”, não atingiu a figura totalmente, mas apenas a chamada virtual. Mesmo não havendo recurso do Ministério Público quando da sentença de primeiro grau, a ação penal ainda não se extinguiu porque pode haver recurso da defesa e se se trata da confirmação da sentença pelo Tribunal, ainda assim pode caber recurso do Ministério Público ao STJ para o aumento de pena, de modo que o parágrafo refere-se à prescrição da pretensão acusatória, em ambas as hipóteses. O que as modificações dizem, em fim, é que a pena em concreto deve ser tida como base de cálculo para a prescrição da ação penal após os eventos nela referidos, excluído o período anterior à denúncia que continuará sempre a ser considerado pela pena em abstrato. O § 1º do art. 110, portanto, refere-se à prescrição da ação penal e se proíbe que se retroaja para o período anterior à denúncia é porque permite que se aplique aos demais. Se se entendesse o contrário, ou seja, de que o dispositivo se aplica para a pena em abstrato em todos os casos, todos os crimes teriam se tornado imprescritíveis, o que seria um absurdo inconstitucional.
A lei comentada alterou os arts. 109 e 110 do Código Penal reafirmando que, antes de transitar em julgado a sentença final, a pena regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime (pena em abstrato, portanto), mas fez uma ressalva, a de que a pena fixada em concreto somente pode ser considerada para a prescrição com o trânsito em julgado da sentença que a fixou, por falta de recurso do Ministério Público ou em segundo grau, mas essa é a parte mais importante da modificação legal, “não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”.
Isso quer dizer que não pode ser reconhecida a prescrição retroativa com o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público ou depois do improvimento de seu eventual recurso ao Tribunal referentemente a período anterior à denúncia ou queixa e, a contrario sensu, deve ser reconhecida quanto aos demais.
Em termos práticos, isso significa que o Ministério Público deve denunciar respeitando o prazo da pena máxima em abstrato, ainda que tenha a “suspeita” de que a pena futura e eventualmente aplicável possa ser menor.
Ainda: apresentada a denúncia naquele prazo, a pena em concreto não pode ser levada em consideração para o prazo anterior ao seu oferecimento.
Uma questão não resolvida é a de se saber quem e como se decreta a prescrição retroativa nos casos agora permitidos.
Em termos práticos, apontamos as seguintes soluções:
1 – Se o Ministério Público não recorreu e, portanto, a sentença transitou em julgado para a acusação e a pena em concreto fixada na sentença admite a prescrição contada a partir da denúncia, o próprio juiz pode decretá-la, independentemente de recurso ao Tribunal.
2 – Se o Ministério Público recorreu e o acórdão fixou pena cuja amplitude admite a retroativa, também o próprio Tribunal pode decretá-la, em ambos os casos a requerimento do réu ou de ofício.
Há que se ressalvar a hipótese de, no segundo caso, haver recurso do Ministério Público aos Tribunais Superiores para o aumento de pena, caso em que ali a questão será resolvida.
Além desses aspectos, remanesce um problema que aparentemente encontra-se oculto.
A nova lei considera proibido, para a retroação da prescrição, o período anterior à denúncia ou queixa, não considerando as causas interruptivas da prescrição que, no caso, seria o recebimento da denúncia ou queixa, do Código Penal.
Todavia, habemus legem.
O momento a ser considerado é o do oferecimento da denúncia, sem prejuízo da interrupção da prescrição, que deverá ser observado no cálculo da prescrição retroativa, decorrente do recebimento da denúncia.
Na verdade, data venia, a lei foi dirigida aos membros do Ministério Público: “ofereçam a denúncia, se for o caso, se, até aquele momento, não aconteceu a prescrição da pena calculada pelos prazos em abstrato”.
Uma questão final há de ser considerada: se a lei se aplica aos fatos anteriores a ela.
Prescrição é tema de direito material, portanto se aplica aos fatos ocorridos na vigência da lei que a rege. No caso em tela, se o Ministério Público já entendia ser inexistente e inaplicável a prescrição retroativa virtual, a nova lei somente lhe dá mais um argumento, e ele continuará denunciando como vinha fazendo anteriormente. Se, porém, entendia que se aplicava a prescrição virtual, continuará a fazê-lo para os fatos anteriores à lei.
Quanto ao aumento do prazo do inciso VI do art. 109, sem dúvida a lei não retroage, aplicando-se apenas aos fatos ocorridos após a sua vigência.
IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 211, p. 08, jun., 2010.