“[…]”Conceder a segurança pleiteada seria, a meu ver, autorizar o Estado a continuar desmerecendo, desrespeitando, afrontando, humilhante, aviltando, enfim, a sua população carcerária”[…]”
Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida
Relator
Tem-se afirmado, com razão, que uma boa oportunidade pode não aparecer duas vezes. Nesse sentido os apotegmas : “um cavalo encilhado (arreado) não passa duas vezes no mesmo lugar”. Ou, com Geraldo Vadré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Ou, ainda, “raio não cai no mesmo lugar duas vezes”
Tenho a mais absoluta convicção que nós, desembargadores da área criminal, perdemos uma grande oportunidade, no dia 14 do corrente, subscrevermos uma decisão histórica, nos autos do mandado de segurança nº 7199/2010, contra ato do juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Bacbal.
Explico.
Enquanto relator do writ suso mencionado, entendi – e, claro, votei nesse sentido – que o ato do colega de Bacabal, que interditou algumas cadeias públicas, foi, rigorosamente, legal, daí que votei pela denegação da segurança, em face do mandamus impetrado pelo Estado do Maranhão. Fui venciado, no entanto. Nenhum dos sete desembargadores acompanhou meu voto. Acho, todavia, que se tivéssemos decidido pela denegação da segurança, teríamos dado um passo relevantíssimo no sentido de fazer desmoronar as masmorras do Estado, onde os presos são tratados de forma desumana e indigna.
É claro que todos os votos contrários ao meu entendimento merecem de mim o maior respeito, mesmo porque não foram votos irresponsáveis, mas de profissionais que, tanto quanto eu, têm responsabilidade de bem decidir. Eu só me permito, no entanto, é discordar, democrática e respeitosamente.
Eu acho – e vou continuar achando -, conquanto continue respeitando, a mais não poder, os votos dos meus colegas, que o Estado não tem “direito líguido e certo” de ferir a dignidade dos presos de justiça. Se o colega que interditou as delegacias foi açodado, ou não, essa é uma questão, ao meu ver, para ser debatida em sede administrativa; nunca em sede de mandado de segurança.
De qualquer sorte, o Tribunal decidiu soberanamente e isso, para mim, é indiscutível. Persisto, no entanto, firmando a mesma posição. O tempo dirá se tenho razão, se estou certo ou errado.
Antes do julgamento, encaminhei aos meus colegas alguns dos fragmentos com os quais eu votava pela denegação da segurança, os quais transcrevo a seguir:
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7199/2010 – Bacabal
IMPETRANTE(S): Estado do Maranhão
PROCURADOR: Procurador Geral do Estado
AUTORIDADE COATORA: Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca da Bacabal
RELATOR: Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida
SÍNTESE DOS ARGUMENTOS ALBERGADOS MANDAMUS
I – O Estado do Maranhão impetrou o presente mandamus, contra ato do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Bacabal, o qual, através da Portaria nº 01/2010, determinou a interdição das celas das delegacias de Bacabal, Lago Verde, Conceição do Lago Açu e Bom Lugar, com a transferência das pessoas ali custodiadas para outras unidades prisionais do Estado, que estivessem em melhores condições, às expensas da Delegacia Regional de Bacabal, até ulterior construção de novos estabelecimentos.
II – O impetrante, em suas razões, alega a impossibilidade de dar cumprimento à referida determinação, considerando que a situação de outras unidades prisionais do Estado é semelhante a das interditadas, e se agravaria ainda mais se recepcionasse os presos das referidas localidades, além de afastá-los da comunidade onde vivem as respectivas famílias.
III – Consigna, ainda, que a construção de novas unidades carcerárias implica em prévia dotação orçamentária.
LIMINAR NO PLANTÃO
I – Diante do quadro apresentado, às fls. 20/23, o Des. plantonista decidiu, liminarmente, pela suspensão dos efeitos da Portaria nº 01/2010.
II – DENEGAÇÃO DA ORDEM. EXCERTOS RELEVANTES DO VOTO.
I – A superpopulação dos presídios é fato de grande repercussão nacional e que tem ganhado notoriedade nos noticiários, em especial quando ocorrem as suas consequências, tais como: violência nos cárceres, motins, rebeliões, morte, fugas em massa, entre outras.
II – Até onde alcança meu olhar, a atitude do MM. Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Bacabal teve como escopo apresentar uma resposta para essa questão, numa tentativa de solucionar, de alguma forma, o quadro grave que se apresentava diante dele, como se depreende da Portaria nº 01/2010 (fls. 14/17)
III – O argumento de que esse fato se repete em outros estabelecimentos, ou que não há disponibilidade orçamentária para implementar solução, ou que as verbas são escassas, não serve para amparar o que se pretende ser direito líquido certo em manter indivíduos presos fora de quaisquer condições mínimas exigidas em lei.
IV – Ademais, o magistrado, atuando na comarca, próximo à realidade prisional, e com os olhos voltados para a implementação da justiça criminal, está amparado por lei para determinar ou não a necessidade de interdição, nos termos do art. 66, VII, da Lei de Execução Penal.
V – Nessa linha de pensar, se as condições fornecidas aos presos provisórios são inadequadas, ou melhor, degradantes, e assim constatadas pelo juiz da execução, este tem o dever de interditar o estabelecimento prisional, a fim de garantir o respeito à dignidade humana inerente à pessoa, preconizado pela nossa Lei Maior.
VI – Esse tem sido o entendimento adotado pelos nossos sodalícios, cuja ementa transcrevo a seguir:
CONSTITUCIONAL. MANDADO SEGURANÇA. CADEIA PÚBLICA. AUSÊNCIA CONDIÇÕES MÍNIMAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE PESSOA HUMANA. INTERDIÇÃO. POSSIBILIDADE. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. Restando demonstrado, inequivocamente, que a cadeia pública não reúne as condições mínimas necessárias ao seu regular funcionamento, representando não só um desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana bem como um perigo para toda a coletividade, que se vê amedrontada com a possibilidade de novas fugas, irretocável a atitude da autoridade coatora de decretar a sua interdição. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, a atribuição de tal incumbência ao Poder Judiciário, ainda que em hipóteses excepcionais, não configura qualquer desrespeito ao princípio da separação dos poderes, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional. (ADPF 45) .
VII – Nos autos, o que se confere, são conjecturas, meras afirmações acerca da impossibilidade de dar cumprimento à determinação da autoridade coatora, sob a alegação de que outras unidades prisionais existentes no Estado não poderiam abrigar os detentos sob custódia nas celas interditadas, ou que não existe previsão orçamentária para construção de novos estabelecimentos.
VIII – A meu juízo, o Estado não tem direito líquido e certo de tratar de forma desumana a população carcerária. Ao estado, noutro giro, não é dado o direito de fazer cortesia com a dignidade das pessoas, ainda que respondem a processo em face de um ilícito penal.
IX – Não basta, para fins de mandado de segurança, que a pretensão ajuizada seja admissível perante o nosso ordenamento jurídico. Urge que assome no caso concreto o direito líquido e certo, que é a condição primária e essencial ao instituto do mandado de segurança.
X – Num Estado Democrático de Direito todos estão submetidos ao império da lei. Com o Poder Executivo, nesse contexto, não pode ser diferente. O Poder Executivo, sobreleva gizar, não tem o direito de espezinhar, afrontar, vilipendiar o direito de ninguém, ainda que esse “ninguém” seja um encarcerado.
XI – A garantia de que todos estão submetidos ao império da lei seria inócua, se fosse reconhecido ao Estado o direito de maltratar os presos de justiça.
XII – É um equívoco grave, e um inqualificável engano supor que algum ente jurídico tenha o direito de tratar de forma desumana a população carcerária, máxime se esse ente for o próprio Estado, que tem o dever, ao reverso, de agir no sentido de dar a todos os seus cidadãos, encarcerados ou não, criminosos ou não, primários ou reincidentes, ricos e pobres, bonitos e feios, um tratamento condizendo com a dignidade da pessoa humana.
XIII – O Princípio da Dignidade Humana situa o homem como ponto central de todo o ordenamento jurídico e, nesse sentido, do próprio Estado. O homem é o protagonista, quer seja nas suas relações com o Estado, quer seja nas relações privadas, e isto deveria bastar para repelir qualquer tratamento atentatório à sua dignidade por parte de outras pessoas e dos poderes públicos.
XIV – O Princípio da Dignidade Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito coloca o homem como centro de toda a organização política e do próprio Direito.
XV – É de relevo que diga, nessa senda, que não é o homem que está a serviço do aparelho Estatal; é este que deve servir ao homem para que atinja os ideais de vida e de sua própria realização pessoal, que em última instância é a busca incessante de sua felicidade.
CONCLUSÃO
I – Com as considerações supra, e em desacordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, denego a segurança, a fim de restaurar os efeitos da Portaria nº 01/2010, expedida pela autoridade coatora, cassando a liminar antes deferida.
A seguir, o voto, por inteiro. Continue lendo “…É como voto, Senhor Presidente”