Desde a minha ascensão ao segundo grau tenho recebido incontáveis manifestações de apreço. Todos têm uma palavra de carinho para comigo. Muitos, ao que vejo e sinto , exageram. Alguns falam com sinceridade; outros, pelo prazer da lisonja, para ser simpáticos.
Muitos veem a minha ascensão como uma bênção, como se fosse uma dádiva, um presente dos céus. É como se a ascensão não fosse decorrência de muito trabalho, de muitas noites insones, de muita tensão, de enfrentamentos, embates, intolerâncias, incompreensões, malquerenças, etc.
Depois de promovido, parece, aos olhos dos equivocados, que deixei de ser um simples pecador. Muitos pensam, até, que eu fiquei rico. Convencer um desinformado que desembargador não é rico é complicado. Isso está impregnado no inconsciente das pessoas, por motivos que não convém declinar.
Quando digo aos interlocutores que nada mudou, que o salário é praticamente o mesmo, que a dedicação será a mesma, que o trabalho será diuturno, muito esboçam um sorriso maroto, como se dissessem: O senhor está brincando com a minha cara, desembargador!
Mas não é brincadeira, não ! Nada mudou mesmo! E não tinha porque mudar. Continuo com o mesmo ritmo de trabalho, chegando muito cedo e trabalhando em três expedientes. É assim a vida de desembargador. É assim a vida de juiz que tem compromisso.
As manifestações de apreço, muitas delas até exageradas, repito, podem induzir os de mente fraca a pensarem que são deuses. E há quem pense assim. Quem pensa assim, inobstante, é digno de pena. Isso é babaquice pura. Confusão da mente. Da mente de quem mente, de quem se engana, de quem não vive com os pés fincados no chão.
Para mim estar desembargador não é mordomia, não é vaidade – prepotência não é. Estar desembargador é compromisso, é missão, é entrega e dedicação.
Claro que é bom ascender. É bom crescer na carreira. É bom poder enfrentar novos desafios. Os novos desafios rejuvenescem; como um bálsamo, dão , também, significado à vida.
Passados sessenta dias da minha ascensão – sim, porque, de rigor, não fui promovido. Eu ascendi pelo decurso do tempo – e os primeiros trinta de trabalho efetivo, começo a me adaptar, começo a sentir pulsar o coração do Tribunal.
Decidir coletivamente está sendo uma grande experiência. Aqui e acolá me surpreendo – como sói ocorrer – com a posição de um ou outro colega acerca de determinados temas. Todavia, nada que não fosse previsível. É assim mesmo que tem que ser.
Em qualquer corporação, em qualquer confraria é assim mesmo. Nelas há os mais falantes e os que preferem ouvir. Há os mais irritadiços e os calmos. Os mais extremados e os comedidos. Os que fazem a palavra verter como água de uma fonte e os que, por natureza, encontram dificuldades com a comunicação. Há os liberais e os radicais. Não podia ser diferente, claro.
É por tudo isso – e muito mais – que tenho dito que, numa corporação, tem-se que aprender a conviver com as diferenças. É preciso saber refluir. Diante de uma descortesia, deve-se responder com a fidalguia. Diante de um rompante, deve-se responder com parcimônia, com sobriedade. Diante de um grito, deve-se responder com o silencio. Diante de determinadas situações é preferível mesmo fornecer o desprezo ao agressor como resposta, sobretudo se a agressão é fortuita, descabida, desnecessária.
Os que apostaram que eu teria uma convivência conflituosa com os meus pares vão quebrar a cara. Eu, mais do que nunca, estou voltado para a razão. Paz, solidariedade, fraternidade e respeito serão o meu guia, serão a minha arma.
Nada conseguirá me tirar do eixo. Entendo que um magistrado deve ter equilíbrio para enfrentar os embates, as agressões gratuitas, as palavras ofensivas. Eu vou mostrar, aos que ainda duvidam, que não serei eu, em qualquer hipótese, quem estimulará a discórdia na corporação. Vou continuar empunhando a bandeira da paz, como prometi no meu discurso de posse.