Em decisão recentemente prolatada, no processo nº 28982004, por erro médico, tive a oportunidade de refletir acerca da culpa consciente e o dolo eventual.
A seguir, excertos relevantes da decisão, verbis:
“[…] Desde a minha avaliação, os acusados agiram culposamente, pois que foram negligentes na condução do procedimento, que estava a exigir deles maior atenção, por tudo o que já expus acima.
Nessa linha de raciocínio, anoto, para ilustrar, que “na hipótese de dolo eventual, não é suficiente que o agente tenha se conduzido de maneira a assumir o risco de produzir o resultado: exige-se, mais, que ele tenha consentido no resultado” (RT 607/274).
A mim não me ocorre que os acusados pretendessem ou consentissem com o resultado que acabou por se concretizar.
Seria até desumano imaginar que os acusados, profissionais qualificados e seres humanos tão ou mais sensíveis que a Promotora de Justiça que subscreve as alegações finais e o juiz prolator dessa decisão, emprestassem, dolosamente, o seu assentimento com o resultado que acabaram por alcançar.
No caso sob retina, bem posso ver, não houve vontade dirigida ao resultado; a ação dos acusados foi dirigida a outros fins.
O que eles pretendiam mesma era resolver a arritima cardíaco do paciente, mas, por negligência, por falta de diligência que se exigia e se espera de três profissionais qualificados, provocaram o resultado danoso à integridade física do ofendido.
É verdade que o dolo eventual avizinha-se da culpa consciente.
Mas é preciso ver que com ela não se confunde.
Na culpa consciente o agente, embora prevendo o resultado, o autor do fato não o aceita como possível; no dolo eventual, o agente, prevendo o resultado, não se importa que ele venha a ocorrer.
Os acusados, submetendo o paciente a uma conduta de risco, conquanto pudessem antever como possível um resutado danoso, vez que exerciam uma atividade de risco, não agiram, todavia, com indiferença, supeseram, sim, que ele não adviria.
Nesse linha de argumentação têm entendido e decidido os nossos Sodalicios, como se vê da ementa segundo a qual
“Na culpa consciente, embora prevendo o agente, também, o resutado, o repele na confiança de que a previsão hipotética não ocorrerá” (RT 409/395).
Diferente do que ocorre com o dolo eventual, no qual o agente prevê o resultado e não se importa que ele ocorra, na culpa consciente os autores do fato não se mostram indiferentes com o que venha a ocorrer; como efetivamente não se mostraram os acusados.
É assim que agem todos os médicos, quando se inclinam por um procedimento cirúrgico ou meramente invasivo.
Eles agem sempre na esperança de que o resultado danoso, que é previsível, não ocorra.
Pensar, crer, supor, imaginar de forma diferente, seria, a meu ver, concluir que os acusados não passam de uns assassinos travestidos de médicos.
É nesse diapasão a decisão no sentido de que
“Não dando seu assentimento, sua aquiescência, sua anuência ao resultado, não age o acusado com dolo eventual, mas, sim, com culpa consciente, que é confinante com aquele, sendo sutil a linha divisória entre ambos” (RT 548/300)
Na mesma senda: Sensível é a diferença entre o dolo eventual e a culpa consicente, embora entre eles exista um traço comum, que é a previsão do resultado antijurídico. Mas, enquanto naquele o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superviniência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá” (RT 589/317)
No caso presente, não é demais repetir, os acusados, conquanto tivessem certeza de que de sua ação poderia advir alguma consequencia, tinham a esperança de que o resultado de sua ação não ocorresse.
É que nenhum cirurgião, ao submeter um paciente a uma intervenção, deixa de prever a superveniência de uma resultado danoso.
Todavia, ainda assim, não deixa de realizar o procedimento, na esperança de que o resultado danoso não virá.
É assim que procedemos, de resto, na nossa vida pessoal.
Ao dirigir um veículo nas avenidas movimentadas de uma cidade, disputando um “racha” com os amigos, sabe o condutor que, na hipótese de alguém atravessar, poderá ser atropledado e perder a vida, mas, ainda assim, prossegue dirigindo em alta velocidade, indiferente ao resultado.Quem age assim, age dolosamente. Isso, sim, é dolo eventual. Pelo menos na minha visão.
Diferente é a atitude de quem, dirigindo um veículo com os pneus desgastados, sabe que, se chover, pode provocar um acidente, mas, ainda assim, prossegue, na esperança de que tal não ocorra; e se ocorre o evento, que não queria, mas que sabia ser possível, deve ser responsabilizado a título de culpa, por ter sido negligente.
Eis aí o busilis. Os acusados sabiam que, ao decidirem-se pelo procedimento poderiam provocar um resultado danoso, mas tinham a esperança de qual tal não ocorreria. Não agiram, pois, com indiferença, não emprestaram a sua anuência ao resultado, não aderiram ao mesmo, devendo, por isso mesmo, ser responsabilizados a guisa de culpa […]”