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“[…]Eu minto, tu mentes, ele mente. Todos mentimos. Essa é a melhor, a mais apropriada conjugação do verbo.
Ninguém escapa, no dia a dia, de uma mentira banal, de um fingimento, de uma simulação, de uma fraude, de uma ilusão.
Nesse sentido, mesmo os irracionais falseiam, dissimulam, com o propósito de se preservar.
É necessário convir, inobstante, que, no exercício de um múnus público, é, terminantemente, proibido mentir. Essa é a regra – sem exceção.
Nessa hipótese, ninguém é melhor ou pior que ninguém. Ninguém é mais sabido que ninguém. Não se deve fazer concessão à mentira, no exercício do poder público[…]”
José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão
O artigo que publico a seguir foi encaminhado, nesta data, ao Jornal Pequeno, para ser publicado na edição do próximo domingo, dia 13 de setembro de 2009.
Reflexões sobre a mentira
Pode-se afirmar, sem receio, que o homem não vive sem mentir. Mentir, pois, faz parte da vida. Da minha vida; da nossa vida. Uns mentem mais; outros, mentem menos. Uns mentem, porque a mentira faz parte da cultura que logrou assimilar; outros, apenas porque, muitas vezes, a mentira é melhor que a verdade.
Todos começamos a mentir muito cedo. Desde criança, nos acostumamos a mentir, para, por exemplo, nos livrar de alguma punição. Mentiras sem maiores consequencias é verdade. Todavia, ainda assim, mentira. Verdade falseada, vilipendiada, maltratada.
A par da óbvia constatação de que todos mentimos, posso afirmar que, no mundo em que vivemos, a verdade verdadeira, a verdade das verdades, a verdade inquestionável, a implacável verdade, é que todos nós, aqui e acolá, contamos uma lorota – por bazófia ou gabolice, para se livrar de uma punição ou mesmo para ludibriar; todavia, ainda assim, lorota, mentira, engodo, tapeação.
De regra, as pessoas de boa índole não mentem para ferir, para maltratar, para escarnecer, para tirar vantagem de ordem pessoal. Não maltratam a verdade, pois, de má-fé, por esperteza. O fazem, muitas vezes, porque lhes é conveniente. E uma mentira, não se há de negar, é, muitas vezes, menos dolorido que a verdade.
A mentira, reafirmo, faz parte de nossa vida. Essa é uma verdade que não se pode ocultar. É verdade sabida e ressabida. Salta aos olhos. Está em torno de nós – em casa, na rua ou no trabalho.
Diante dessa inquestionável constatação, não se pode deslembrar, todavia, que há mentiras e mentiras.
Mentir, sem causar danos, mentir para se livrar de um pequeno aborrecimento, mentir para preservar uma relação, mentir para não ferir, mentir para não magoar, para evitar um mal maior, é aceitável, sim.
Nessa linha de pensar sou instado a trazer à colação a afirmação de Marquês de Maricá, segundo o qual “há mentiras que são enobrecidas e autorizadas pela civilidade”.
Desse mesmo matiz as reflexões de Roberto Carlos, o qual, na música Trauma, de sua autoria, admite que, no futuro, talvez fosse necessário mentir para o seu filho, pra enfeitar os caminhos que ele um dia teria que seguir.
A sociedade, constata-se, tolera, sim – todos nós toleramos, enfim – , as pequenas mentiras, as mentiras despretensiosas, destituídas de malícia e do desejo de auferir vantagem, de ferir suscetibilidades.
Eu minto, tu mentes, ele mente. Todos mentimos. Essa é a melhor, a mais apropriada conjugação do verbo.
Ninguém escapa, no dia a dia, de uma mentira banal, de um fingimento, de uma simulação, de uma fraude, de uma ilusão.
Nesse sentido, mesmo os irracionais falseiam, dissimulam, com o propósito de se preservar.
É necessário convir, inobstante, que, no exercício de um múnus público, é, terminantemente, proibido mentir. Essa é a regra – sem exceção. Nessa hipótese, ninguém é melhor ou pior que ninguém. Ninguém é mais sabido que ninguém. Não se deve fazer concessão à mentira, no exercício do poder público.
Aquele que faz da sua vida pública uma mentira, um engodo, que mente para dar sustentação às suas estripulias, às suas travessuras, para tirar vantagens de ordem pessoal, não merece o nosso respeito.
Devemos, pois, com sofreguidão – e democraticamente -, expungir, defenestrar da vida pública quem vive de traquinices, de simulação, de mentiras, de falsa postura moral, sobretudo se ao mendaz tiver sido outorgado um mandato para no meu, no nosso nome, exercer o poder.
O homem público que mente, reafirmo, tem que ser apeado, arremessado do poder, pois que das mentiras que conta resultam prejuízos inexoráveis para o conjunto da sociedade.
É assim que meus olhos vêem essa questão. Sou, sim, intolerante com o homem público mentiroso. Com o homem público mendaz não se pode ser condescendente.
Não se pode, é proibido – terminantemente proibido -, no exercício de uma atividade pública, fazer apologia da esperteza, da desfaçatez, da maquinação, da tramóia.
Não se pode condescender, transigir não se pode com mentiroso, para que não transpareça, aos olhos da opinião pública, que valha a pena viver de mentiras, de enganação, de perfídia e deslealdade.
A verdade é que a burla, a fraude, a lorota e o engodo, em todas as esferas de poder, tem os dias contados – uns, mais espertos, mais ardilosos, ludibriam por muito tempo; outros, menos inteligentes, menos sagazes, por pouco tempo.
Tenho certeza, todavia, que, mais dias menos dias – para não perdermos a esperança – , o espertalhão será flagrado, para, no mesmo passo, ser desmoralizado; e melhor será se a desonra se der em vida, para que todos que giram no entorno do canalha saibam que ele, malgrado fingidor esperto e sagaz, não passa mesmo de um calhorda, de um ser desprezível, como muitos de sua estirpe.
Mentir por mais ou menos tempo depende, sim, da esperteza, da sagacidade do biltre. Contudo, um dia, conforme provérbio popular, a casa cai e a coisa muda,
Diante de tudo que se tem visto e lido, o leitor deve estar se perguntando: se, no exercício de um múnus público, é proibido mentir, por que alguns homens públicos mentem tanto?
Sem receio, respondo: porque, muitas vezes, a sua vida e a sua obra são apenas uma mentira, uma enganação, uma falácia.
Mas como não se consegue enganar todo mundo por todo o tempo, é razoável compreender, que, algum dia, mais cedo ou mais tarde, o mentiroso, no exercício do poder, meta os pés pelas mãos, até ser mostrado na sua verdadeira dimensão, na sua real estatura moral.
Nessa balada, digo mais, arriscando-se numa conclusão que pode estar cientificamente equivocada: muitos homens públicos fazem da mentira a sua arma, porque foram forjados, cevados num mundo de mentiras, de intrigas, de futricas e baixarias.
Mentir, pois, para determinados homens públicos, é uma necessidade. Eles mentem tanto que a mentira é a sua verdade. Enredados, envolvidos em tantas mentiras, já não acreditam na verdade; a verdade é a sua mentira.
A vida e a obra de determinados homens públicos escoradas em mentiras, estripulias e maquinações, exigem que faça uso permanente desses expedientes, sob pena sucumbir; todavia, sucumbirá, mais dias, menos dias, pois a sua vida e sua obra foram edificadas em base movediças.
É razoável, nessa ordem de idéias, lembrar da célebre frase de Abraham Lincoln, de todos conhecida, segundo a qual “podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente”.
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