Liberdade Provisória. Indeferimento

---

PODER JUDICIÁRIO

FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS

JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL

SÃO LUIS-MARANHÃO

---

Acesse meu site – www.joseluizalmeida.com – e saiba o que penso e como decido.

Processo nº 230272009

Liberdade Provisória

Requerente: A.

Advogado: Katyene Régia de Sousa Bastos

Ser e parecer, eis a questão[1]

“[…] Quando se quer dizer que determinado juiz não trabalha, diz-se que ele só permanece na comarca às terças, quartas e quintas-feiras. São os chamados, jocosamente, juízes TQQ.

Na capital, quando se deseja atestar a falta de operosidade de um magistrado, diz-se, desdenhosamente, que ele não conhece os funcionários das secretarias que dão expediente no período da tarde.

Numa e noutra hipótese, o que se pretende dizer mesmo é que, para ser produtivo, o magistrado deveria fixar residência na sua comarca, no caso dos juízes das comarcas do interior, e se dirigir ao Fórum, pela manhã e à tarde, no caso dos juízes da capital.

Numa e noutra hipótese, há, não se pode negar, um grave erro de interpretação.

Na minha avaliação, fruto dos quase trinta anos de atividades judicantes, o fato de o magistrado só estar na comarca às terças, quartas e quintas-feiras não quer dizer que seja, necessariamente, um indolente; da mesma forma, o fato de o magistrado não ir ao Fórum no período vespertino, não demonstra, inequivocamente, ser improdutivo.

O juiz pode, com efeito, passar pouco tempo na comarca e produzir muito, como pode, noutro giro, nela fixar residência e nada produzir.

Da mesma forma, o magistrado pode se deslocar ao Fórum todos os dias, pela manhã e pela tarde, e pouco produzir, como pode, permanecendo em casa, produzir muito.

Compreendo, todavia, pelo sim e pelo não, que o correto mesmo é o magistrado morar na comarca e ir ao Fórum, se possível, todos os dias, pela manhã e pela tarde.

É recomendável, ademais, que a Corregedoria acompanhe, com rigor, a produtividade dos juízes, bem assim o tempo em que permanecem nas comarcas, para efeito de ascensão profissional.

É que, na minha avaliação, não basta ao juiz trabalhar; é preciso transparecer, também, que trabalha.

A presença do magistrado na comarca, full time, e no Fórum, também em tempo integral, deixa transparecer que ele, efetivamente, trabalha.

O ideal, pois, na minha avaliação, é que o juiz fixe residência na comarca – e ali desenvolva as suas atividades a contento.

O correto mesmo, nessa linha de argumentação, é que o juiz se desloque para o seu local de trabalho, pela manhã e pela tarde – e que produza […]”

Vistos, etc.

01.00. Cuida-se de pedido de liberdade provisória, c/c com relaxamento de prisão em flagrante, formulado por A., devidamente qualificado, por intermédio de sua procuradora, alegando, em síntese:

I – que não se vislumbra no caso nenhum dos pressupostos que autorizam a prisão preventiva; e

II – em face do excesso de prazo para conclusão da instrução.

02.00. O Ministério Público, instado a se manifestar, opinou pelo indeferimento do pleito (fls.09/11).

03.00. A par das duas vertentes da postulação, passo à decisão.

04.00. Devo dizer, preliminarmente, que ao acusado o Ministério Público imputa a prática do crime de roubo, duplamente qualificado (concurso de pessoas e emprego de arma), em continuidade delitiva.

05.00. Colho da denúncia os seguintes excertos:

Narram os autos do inquérito policial em epígrafe que na data de 22 de abril de 2009, por volta de 02h35, na Av. Litorânea, nas proximidades do Refúgios Bar, nesta capital, o denunciado, na companhia de outros dois indivíduos não identificados, com emprego de uma arma branca, abordou os jovens Romilson Aragão Vieira e Camila Fernanda Cândida Bonfim, deles subtraindo dois celulares.

Mais adiante:

Inicialmente, o denunciado aproximou-se de Romilson, torcendo-lhe o braço, enquanto seu comparsa tomou-lhe o celular da marca Foston. Romilson, porém, conseguiu se soltar e, após recuperar o aparelho e passá-lo para as mãos de Camila, tratou de deixar o local correndo.

Noutro excerto, instigante:

Imediatamente, o denunciado transferiu o foco de sua ação para Camila que, temendo ser agredida visto que o autor do roubo ainda tentou atingi-la com uma faca, entregou a este o celular de Romilson e o seu próprio aparelho, da marca Motorola.

06.00. Vê-se, a par dos fragmentos suso lançados, que ao acusado o Ministério Público imputa a prática de crimes graves – roubos duplamente qualificados – praticados com violência contra a pessoa, razão pela qual compreendo que não faça por merecer o benefício que postula.

07.00. Tenho dito, reiteradas vezes, que o autor de crime violento não pode ser preso hoje e colocado em liberdade amanhã, com um “passaporte”, chancelado pelo Poder Judiciário para, outra vez, macular a ordem pública.

08.00. Não bastasse a gravidade dos crimes imputados ao acusado, vejo dos autos que o mesmo responde a outro processo-crime nesta comarca (processo nº 151462007-2ª Vara Criminal), do que se infere que, também por isso, não faz por merecer o benefício que postula, como, aliás, consignado na manifestação do Ministério Público.

09.00. Não bastasse o exposto, a desautorizar a liberdade provisória do acusado, impende registrar que o mesmo, ao ser preso, apresentou-se com outro nome, com a deliberada intenção de ludibriar, de se furtar da responsabilidade pelo ato que praticara.

10.00. É claro que o acusado, respondendo a duas ações penais – uma delas por crimes de especial gravidade – e tendo, ademais, tentado tapear os órgãos persecutórios, não faz por merecer o benefício que postula, pois que, em liberdade, se constitui numa iminente ameaça à ordem pública e pode, ademais, criar obstáculos para aplicação da lei penal.

11.00. Superada a quaestio acerca da liberdade provisória, passo ao exame da segunda vertente da postulação, que condiz com o relaxamento de prisão do acusado, em face do excesso que se verifica para o encerramento da instrução.

12.00. Pois bem. A denúncia, ao que vislumbro dos autos principais, foi recebida no dia 02 de junho.

12.01. É a partir deste marco que deve ser contado o tempo de prisão do acusado, para os fins colimados no pleito em comento.

13.00. A considerar, pois, a data do recebimento da denúncia e a data da postulação (dia 05/08/2009), tem-se que o acusado está preso, sob a responsabilidade do signatário, há 65(sessenta e cinco) dias.

13.01. Sessenta e cinco dias, convenhamos, é tempo mais do que razoável, razão pela qual compreendo não deve deferir o pleito formulado pelo acusado.

14.00. De relevo que se diga, nessa linha de argumentação, que, no momento, o processo aguarda, tão-somente, a realização da audiência de instrução e julgamento, já designada para o dia 26 do corrente.

15.00. Tudo de essencial posto e analisado,

indefiro, sem mais delongas, os pedidos de liberdade provisória e relaxamento de prisão em flagrante formulado por A., para que o mesmo, preso, aguarde o aguarde a realização da instrução e a conseqüente entrega do provimento jurisdicional.

Int.

São Luis, 19 de agosto de 2009.

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


[1] Artigo publicado no blog www.joseluizalmeida.com

Procurador-geral rebate criticas de Gilmar Mendes ao MP

LI NO ESTADAO.COM.BR

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,procurador-geral-rebate-criticas-de-gilmar-mendes-ao-mp,420889,0.htm

Para Roberto Gurgel, avaliação do presidente do STF é ‘oposta à da sociedade’

Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

Tamanho do texto? A A A A

SÃO PAULO – “Frases de efeito em nada contribuem para o debate sério das dificuldades do sistema judiciário”, declarou nesta terça-feira, 18, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao rebater pesadas críticas lançadas ao Ministério Público pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nenhuma é a utilidade de se estabelecer competição de deficiências entre o Ministério Público e o Judiciário.”

Para Gurgel, “críticas devem ser ponderadas para que possam ser tomadas em consideração”. O chefe do Ministério Público Federal afirmou, em nota distribuída por sua assessoria, que “não falta ao respeito que qualquer autoridade pública deve às instituições”.

“De minha parte não se ouvirão censuras ao desempenho de magistrados a pretexto de inconsequente retaliação”, anotou. “Como procurador-geral, o que me cabe é trabalhar, inclusive apoiando as atividades do Conselho Nacional do Ministério Público pelo aprimoramento da instituição, que, no todo, serve muito bem ao País.”

O presidente do STF afirmou segunda-feira, 17, que “em alguns lugares, para ficar ruim, o Ministério Público precisa melhorar muito” e acusou promotores e procuradores de agirem mediante interesse político em muitos casos. “Que peçam desculpas, que digam que usaram e que até indenizem o Estado por terem usado indevidamente força de trabalho paga pelo poder público, paga pela sociedade, para fins partidários.”

Para Roberto Gurgel, “a avaliação feita (pelo presidente do STF) do Ministério Público é oposta à da sociedade, que, embora consciente da necessidade de suprir carências, tem a instituição como uma das que melhor funcionam no Estado brasileiro e que mais merecem o seu respeito”.

Segundo o procurador, “o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público desde a Constituição de 1988, exemplar em muitos aspectos, não é e jamais foi visto pelo País como resultado do uso político da instituição, mas, ao contrário, como o exato cumprimento da sua missão constitucional”.

Gurgel assinalou que “a gravidade dos problemas que desafiam o Ministério Público impõe a união de todos”. “Não desperdicemos esforços com ataques injustificados e, por isso mesmo, inaceitáveis.”

Repúdio

Quatro entidades dos procuradores divulgaram nota de repúdio às declarações do ministro, que atribui ao Ministério Público “inércia e favorecimento de grupos políticos”. Os procuradores sustentam que as críticas de Mendes “não são partilhadas por seus pares do STF e muito menos pela sociedade, que comprovadamente tem reconhecido o Ministério Público como uma das instituições mais atuantes e respeitadas do País”.

O documento é subscrito por Carlos Alberto Cantarutti, presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Marcelo Weitzel (Associação Nacional do Ministério Público Militar), Antonio Carlos Bigonha (Associação Nacional dos Procuradores da República), Fábio Leal Cardoso (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e José Carlos Cosenzo (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público).

Para eles, as declarações do ministro “expõem um comportamento revestido de ressentimento pessoal”.

Tribunal da contramão

Li no blog do Ricardo Noblat

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/

O salário de um juiz tem que obedecer a duas regras básicas. Primeiro, não ultrapassar o teto, o salário do ministro do Supremo: 24.500 reais. Depois, se o juiz tem direito a adicionais, estes tem que estar taxativamente previstos na Constituicao, na Lei Organica da Magistratura ou nas resolucoes do Conselho Nacional de Justica. Para a administracao publica, o que nao esta permitido esta proibido.

O Tribunal de Justica do Rio de Janeiro já deu exemplos muito bons aos demais tribunais do País,como o fundo especial, que o capitalizou, permitindo ao TJ realizar diversos investimentos. Foi o primeiro a ter todas as varas interligadas. O tempo de julgamento de um processo, aqui, é bem menor que o tempo de julgamento de Sao Paulo.

Mas desta vez o exemplo não é dos melhores. O Tribunal encaminhou projeto de lei a Assembleia Legislativa com auto benefícios na contramão das regras que limitam seus vencimentos . Pretende adicionais, gratificacoes, subsidios – uns de legalidade duvidosa, outros claramente ilegais. Alega-se que tudo ja existe nas normas internas do Tribunal. Varios desembargadores e juizes foram contra.

Vejam algumas das muitas propostas : (i) gratificação aos componentes do Conselho da Magistratura, (ii) auxílio-alimentação, (iii) gratificação de comarca de difícil acesso; (iv)gratificacao pelo exercício da diretoria de núcleo regional, (v) indenização de permanência, (vi) ajuda de custo de até 100% do subsídio quando a promoção ou remoção importar em mudança de residência.

Mais ainda. Pelo projeto, os magistrados teriam direito a todas as vantagens dos servidores públicos em geral, mesmo não previstas na Lei Organica . Se o inverso fosse verdadeiro, todos os funcionarios publicos deveriam ter agora férias de sessenta dias, assim como tem os magistrados. Mais ainda. O magistrados teriam direito a gratificação pela “prestacao de servicos de natureza especial, definidos em Resolução do Tribunal de Justiça”. Que serviços são estes? Que natureza especial é esta?

Trata-se de estrategia para transformar em lei estadual o que antes era ato administrativo do proprio tribunal. Tansfere-se o onus politico da ilegalidade potencial do Tribunal para a Assembleia . Nao se sabe se os deputados pretendem arcar com mais este onus. Argumenta-se que tudo é verba indenizatoria. Como se esta fosse palavra magica, elixir jurídico, capaz de curar qualquer ilegalidade provavel. A expressão aparece 15 vezes no Projeto de Lei.

Além de aumentar salarios e do impacto nas contas do Rio de Janeiro, mais dois problemas surgem . Primeiro, trata-se de virus incubado. Nenhum tribunal tem politica salarial tão generosa. Os federais com certeza não tem. Todos vao querer igual. Contaminará a todos. Virus estadual de impacto nacional. Os esforcos nacionais do Conselho Nacional de Justica e do Supremo Tribunal Federal em controlar excessos, estariam minados. Produzira efeito cascata.

Segundo, trata-se de uso abusivo de uma competencia legal. O TJRJ tem competencia para propor este projeto de lei, mas sob quais limite ? Um tribunal, que diz quem tem e quem não tem direitos, a Casa da Justiça, pode ele mesmo propor, mesmo dentro de cometencia formal, normas ilegais? Ou deveriam os tribunais ter crivos de legalidade mais rigorosos para suas proposicões? Acredito que sim.

Joaquim Falcão, master of Laws (LLM) pela Universidade de Harvard e doutor em Educação pela Universidade de Genebra, é professor e Diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.

Sentença condenatória.

 

jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

______________________________________________________

“[…]Bem por isso é que a regra secundária da norma penal incriminadora se apresenta como uma dupla e clara direção, qual seja, a de impor ao Estado a obrigação de punir, e, ao réu, a obrigação de se submeter à inflição de pena.

A norma incriminadora é, assim, uma garantia que o réu tem de não ser punido além dos limites estabelecidos no preceito sancionador, direito a que corresponde, de parte do Estado, o dever de se abster de impor outras sanções que não aquelas previstas no preceito secundário da norma incriminadora[…]”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

_________________________________________

Cuida-se de sentença condenatória, da qual apanha os excertos abaixo, que são rfeflexões que fiz acerca da conduta do autor do fato, verbis:

Sublinhe-se que não é qualquer conduta, não é qualquer situação que deve ser incriminada senão aquela que se mostra necessária, idônea e adequada ao fim que se destina, ou seja, à concreta e real proteção do bem jurídico.

Luis Flávio Gomes, a propósito, preleciona que

 

o princípio do fato não permite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas…”(Luiz Flávio Gomes, Princípio da Ofensividade no Direito Penal, Revista dos Tribunais, 2002, p. 41)

A atuação repressiva-penal pressupõe que haja efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, sabido que não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.

Pondera Fernando Capez, nessa senda, que o princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados

delitos de perigo abstrato”, pois, segundo ele, não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico. Não se confunde com princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente morais, éticos ou religiosos, mas tão-somente os bens fundamentais para a convivência e o desenvolvimento social. Na ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, há uma limitação quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito penal; no segundo, só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto”. (Fernando Capez, Curso de Direito Penal, Parte geral, Saraiva, vol I , p. 25).

Na precisa lição de Luiz Flávio Gomes

a função principal do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é a de delimitar uma forma de direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado como um conjunto normativo destinado à tutela de bens jurídicos, isto é, de relações sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrática. O princípio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou forma do direito penal, senão que expressa uma forma de compreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico”. (Luis Flávio Gomes, ob. cit. p. 43)

René Ariel Dotti ensina, nessa linha de argumentação, que

a missão do direito penal consiste na proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade. Incumbi-lhe, através de um conjunto de normas (incriminatórias, sancionatórias e de outra natureza), definir e punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis”. (Curso de Direito Penal, Parte geral, 2ª edição, Editora Forense, p. 3)

A seguir, a decisão, por inteiro. Continue lendo “Sentença condenatória.”

Pronúncia. O motivo fútil. Afastamento. Divergências anteriores entre o réu e o acusado.

contatos

jose.luiz.almeida@globo ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

Cuida-se de decisão de pronúncia.

Acerca das qualificadoras, assim me posicionei, verbis:

No que se refere às qualificadoras, compreendo que deva ser afastada a decorrente do motivo fútil, em face do desentendimento havido, antes do crime, entre o acusado e o ofendido.

Nessa linha de argumentação, sublinho que

A conceituação do motivo fútil exclui qualquer circunstância capaz de ter provocado exaltação ou revolta, ou que explique o impulso com que o agente é levado ao crime. E essa atitude deve ser sempre apreciada pelo juiz, levando em conta o grau de educação do agente, o meio em que vive e outros fatores especiais de cada casa (RJTJESP 113/449).

No exame dessa questão não se pode, outrossim, deslembrar que

Noticiando os autos ocorrência de discussão entre vítima e réu, é o bastante para que se afaste a qualificadora do motivo fútil, prevista no nº II do §2º, do artigo 121 do CP (RT 524/416).

Acerca da qualificadora do inciso IV, §2º, do artigo 121, compreendo, divergindo do Ministério Público, que deva mantê-la, tendo em vista que há fortíssimos indícios de que à vítima não foi dada nenhuma possibilidade de defesa.

Os Tribunais, a propósito, têm proclamado que

Caracteriza meio insidioso, como qualificadora do homicídio, espancar-se pessoa indefesa, com reiterados golpes de facão. Nos casos indicados no inc. IV, do artigo 121,§2º do CP, o que qualifica o homicídio não é o meio escolhido ou usado para a pratica do crime, e, sim, o modo insidioso com que o agente o executa, empregando, para isso, recurso que dificulte ou torne impossível a defesa (RT 733/659).

A seguir, a decisão, integralmente:

Continue lendo “Pronúncia. O motivo fútil. Afastamento. Divergências anteriores entre o réu e o acusado.”

Sentença condenatória.

 

contatos

jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

________________________________________________________

“[…]Os acusados, em concurso e armados, quando da execução do crime, venceram eventual resistência do ofendido, produziram nele medo, pavor, tolhendo qualquer capacidade de reagir ao assalto, daí a maior reprovabilidade dos crimes de igual matiz.

A exibição de arma e o concurso de pessoas, ensina-nos a máxima da experiência, por sua natureza, são idôneos para abalar a defesa da vítima, que, nessa situação, não tem outra alternativa que não entregar o bem que eventualmente traga consigo[…]”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Maranhão

_________________________________________________________________

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de roubo.

A seguir, antecipo alguns fragmentos, verbis:

“…Convém anotar que, conquanto tenha o acusado W. confessado a autoria do crime em sede extrajudicial, neste juízo cuidou de retratar-se, razão pela qual compreendi não devesse recebê-la (a confissão extrajudicial) como circunstância atenuante.

Acerca dessa quaestio, importa dizer, forte na mais conspícua construção jurisprudencial, que

‘[…]Só se configura a atenuante da confissão espontânea quanto brota do íntimo do agente, demonstrando arrependimento na prática delituosa na prática delituosa, e não quando este procura eximir-se da responsabilidade ou mitigar as consequencias do fato (RT 733/646)[…]’.

Digo mais,

‘[…]A confissão só pode ser reconhecida como atenuante obrigatória quando se dá de forma completa, a fim de prestigiar a sinceridade do infrator, pois, em hipótese contrária, inexiste verdade total da dinâmica da ocorrência penal” ( RJTACRIM 31/84)[…]’.

Nesse sentido a melhor doutrina:

‘ […]Para servir como atenuante genérica, a confissão há de ser espontânea, é dizer, deve surgir como fruto da sinceridade do íntimo do agente. Não basta ser voluntária (livre de coação), pois poderia o réu confessar apenas para aproveitar-se de um benefício legal, sem revelar crível intenção de colaborar na apuração da infração penal” ( Cleber Masson,Direito Penal, Parte Geral, 2ª edição, editora Método, 2009, p.623)[…]’ “.

Agora, a sentença integralmente.

Continue lendo “Sentença condenatória.”

O voto do preso provisório

Li no site da AMB

http://www.amb.com.br/?secao=mostranoticia&mat_id=18444

AMB pede apoio do TSE para garantir voto do preso provisório

“Tratar os presos como seres humanos que são é um dever do Estado”. A declaração foi dada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, em reunião noite desta quarta-feira, dia 12 de agosto, em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). Na ocasião, o vice-presidente de Cidadania e Direitos Humanos da AMB, João Ricardo dos Santos Costa, solicitou o apoio do TSE para assegurar o cumprimento de uma garantia constitucional ao preso provisório, que ainda não teve sentença transitada em julgado: o voto.
João Ricardo entregou ao ministro um documento expressando as preocupações da magistratura com a situação dos cerca de 150 mil presos provisórios do País. A eles é garantido, pela Constituição Federal, o exercício da cidadania por meio do sufrágio, mas, na prática, a realidade é diferente.
O vice-presidente da AMB lembrou na reunião que a AMB e o TSE têm uma parceria histórica no que diz respeito às eleições no País, pois desenvolveram a campanha Eleições Limpas em 2008, com a realização de audiências públicas sobre o tema nos quatro cantos do Brasil.
O magistrado também informou a criação, na AMB, da Comissão Nacional de Direitos Humanos, que contempla representantes de cada uma das entidades filiadas, e que se reuniu esta semana para discutir, entre outros temas, a viabilização do voto do preso provisório. “Percebemos que a oportunidade de apresentar este documento seria na sua gestão à frente do TSE, o que nos traz boas expectativas”, observou João Ricardo.
Ayres Britto considerou legítimo o documento assinado por diversas entidades de classe. “Desde o ano passado, faz parte de nossas preocupações a questão do preso provisório. A postulação encontra de nossa parte total receptividade. Existem dificuldades operacionais, mas estamos estudando o assunto com toda boa vontade para efetivar esse direito e expandir as fronteiras da cidadania”, ressaltou o ministro.
O presidente do TSE adiantou que o tema também recebe atenção por parte da Suprema Corte. “O ministro Gilmar Mendes [presidente do STF] também está preocupado. Não é só o presidente do TSE que está empenhado em viabilizar o gozo desse direito eminentemente constitucional”, revelou, sugerindo que as entidades interessadas instituíssem uma comissão para manter contato direto com as cortes, a fim de deliberar sobre o tema.

Também participaram da reunião representantes de diversas entidades representativas da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública e da Pastoral Carcerária.

A prova oral, em face da Lei 11.690/2008

A propósito da prova oral, em face da reforma processual penal introduzida pela Lei 11.690/2008, publico a seguir duas decisões exemplares – uma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e outra, do Superior Tribunal de Justiça – , as quais espancam eventuais dúvidas de como deva ser colhida a prova oral, em face da novel legislação.

Primeiro, a pioneira decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Amilton Bueno de Carvalho:

Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul – 5ª Cam. Crim.

AP 70030112387

j. 17.06.2009

Relatório

Na Comarca de Porto Alegre, o Ministério Público denunciou R. S. R. como incurso nas sanções do art. 157, caput, c/c o art. 61, I, ambos do Código Penal.

Instruído o feito – recebimento da denúncia (19/09/2008), citação, resposta à acusação (fls. 60/61), decisão do art. 399, do CPP (fl. 63), coleta de prova oral (fls. 87/92 e 110/116) e memoriais –, sobreveio sentença (fls. 132/136) condenando o réu como incurso nas sanções do art. 157, caput, do Código Penal. (…)

Inconformados com a decisão do juízo a quo, o Ministério Público e a defesa apelaram. Ambiciona o Parquet a condenação do réu pela prática do delito de roubo, como constante da denúncia. A defesa, por sua vez, requer a absolvição do réu por insuficiência probatória. Alternativamente, postula o afastamento da agravante da reincidência e da pena de multa.

(…)

Votos

Com a devida vênia do colega singular, estou a acolher o apelo defensivo, em consequência do que resta prejudicado o recurso acusatório.

Antes de analisar o mérito, impende proceder ao decote da prova oral das fls. 87/92, na linha do que decidido por esta Câmara na apel. crim. nº 70028349843.

Extrai-se dos autos que o Ministério Público, embora devidamente intimado a comparecer em tal audiência (fl. 64), optou por nela não comparecer, tendo o eminente magistrado, então, contra a nova redação legal do art. 212 do CPP, assumido as rédeas da acusação na formulação das perguntas, antecipando-se até mesmo à defesa, que só teve a oportunidade de perguntar aos depoentes depois de esgotadas as perguntas do magistrado – e tão incisiva foi a atuação da autoridade judiciária que à defesa nada restou a perguntar.

No precedente acima referido, externei o entendimento de que tal proceder acarreta a nulidade do processo, com as seguintes considerações:

(…)(1)

Em recentíssima decisão, o min. Jorge Mussi, da 5ª Turma do STJ, também caracterizou o quadro como de nulidade:

(…)(2)

A mensagem da reforma processual foi claríssima: ao magistrado, enquanto “destinatário” das provas, não é dado pretender produzi-las a seu talante, como se estivesse a perseguir determinada versão para os fatos, pois ao assim agir estaria, indisfarçavelmente, tomando parte da acusação ou da defesa, olvidando-se da imparcialidade que há de manter.

A reforma processual, no ponto, veio em boa medida, pois não se admite que o magistrado, na ausência casual do Ministério Público, arvore-se na função deste, dispondo a Lei, expressamente, que é função das partes produzir a prova oral através das perguntas cruzadas aos depoentes. Bem lembra o colega Aramis Nassif, jamais se ouviu falar de juiz que, na ausência do defensor, se autonomeasse patrono do acusado, para suprir a falta; jamais se ouviu falar do juiz que, no atraso do acusador, oferecesse denúncia acusatória em seu lugar; jamais se ouviu falar do juiz que oferecesse alegações finais em favor de qualquer das partes, para suprir o descaso momentâneo dos patronos; e o mesmo deveria ocorrer com a prova: porque seria dado ao juiz buscar a produção das provas ao gosto do acusador ou da defesa?

Assim, com a devida vênia, tenho que a nulidade restou caracterizada – entendimento agora revigorado pela abalizada jurisprudência do STJ.

Entretanto, desde o precedente pioneiro desta Câmara, melhor meditando sobre o tema, conclui ser necessário estabelecer algumas distinções.

Estando as partes presentes na audiência, mas sendo elas preteridas na prerrogativa de primeiro perguntar, como ocorreu no precedente do STJ, parece prudente tratar o caso como nulidade do processo, já que acusação e defesa tinham interesse em produzir a prova de acordo com a ritualística legal (CPP, art. 212), só não o fazendo porque ceifadas pela autoridade judiciária. Nesse caso, as partes deverão recorrer, invocando o prejuízo sofrido, e a única solução plausível será a repetição do ato viciado, mediante a observância da ritualística legal.

No caso de ausência do Ministério Público na audiência de instrução (a ausência da defesa sempre será suprida, ou com a nomeação de defensor ad hoc, ou com o adiamento do ato, se a falta for justificada), como ocorre na espécie, penso ser possível e mais adequado tratar o caso como nulidade da prova respectiva, afastando-se-a do bojo probatório e permitindo-se o imediato julgamento do feito. E dou as razões de tal entender:

Primeiro, até mesmo em paridade ao tratamento dado à defesa (CPP, art. 265, § 2.º), o Ministério Público não tem a prerrogativa de adiar indefinidamente as audiências instrutórias com a sua ausência injustificada. Na impossibilidade de nomear-se promotor ad hoc, só resta possível a conclusão de que ou o Parquet irá justificar a sua ausência com justa razão e a inquirição será renovada, ou, sem o que magistrado o substitua na acusação, a audiência realizar-se-á somente com as perguntas da defesa e a “complementação” do magistrado – ciente de que esta “complementação” recai apenas sobre os pontos mal esclarecidos, passando longe de ser uma oitiva exaustiva no interesse da acusação. Assim, a ausência injustificada do Ministério Público na audiência há de ser tomada como verdadeira desistência da produção das provas acusatórias. E, no caso dos autos, se o Ministério Público desistiu da produção das provas relativas à audiência das fls. 87/92, não haveria sentido algum em determinar-se a renovação do ato, sendo imperioso, apenas, desconstituir os atos probatórios produzidos pelo magistrado por sua conta e em desacordo com a legalidade.

Segundo, a renovação da audiência nula só viria em benefício da acusação, que teria uma nova chance para produzir as provas acusatórias quando ela mesma foi a causadora da nulidade – falta à audiência sem justo motivo – e sequer a alegou em benefício próprio, pelo que a declaração de nulidade esbarraria na súmula nº 160 do STF.

Terceiro, a nova legislação permite taxar de prova ilícita aquelas “obtidas em violação a normas constitucionais e legais” (CPP, art. 157), sendo exatamente este o caso, já que a inquirição levada a efeito pelo magistrado – diz, com acerto, o precedente do STJ – viola a literalidade do art. 212 do CPP e o “devido processo legal” (garantia constitucional). Entendendo-se a inquirição nula como prova ilícita, nada impede que o feito seja julgado de plano, com o afastamento da prova viciada, sem a necessidade de renovação da sentença e do ato processual maculado – como disse, diferente seria se o acusador tivesse comparecido na audiência, assim demonstrando interesse na produção da prova de modo regular, só não o fazendo porque impedido pelo juízo.

Quarto, não deixaria de ser uma “violência” à independência do primeiro grau de jurisdição obrigar-lhe à prolação de novo édito sentencial à vista de outro bojo probatório, que não aquele que o próprio juízo entendeu pertinente valorar num primeiro momento. Vale lembrar, longe de simples retórica, que a jurisdição de segundo grau é apenas prevalente sobre a de primeira instância, e não melhor ou mais qualificada – pelo contrário, é igualmente falível.

Em resumo, se apenas nesta instância se evidencia a ilicitude da prova colhida diretamente pelo magistrado, à revelia do interesse probatório das partes, nada impede, no sistema processual vigente, dada a ausência de reclame para a renovação do ato probatório viciado, que o julgamento tenha prosseguimento imediato, com o simples afastamento da prova ilícita.

São as razões que me levam a desconsiderar, como prova válida, a audiência das fls. 87/92.

Restam, então, o relato do PM F. R. e o interrogatório do acusado.

Pois bem.

O PM F. disse que foi acionado para atender um roubo a pedestre que havia ocorrido na Rua Jerônimo Coelho, sendo que o acusado estaria detido na Rua Riachuelo por populares; não presenciou o crime, nem mesmo a detenção do acusado; quando chegou ao local, o detido já não estava mais com os pertences da vítima, nem mesmo trazia arma consigo; os populares já haviam restituído os bens à vítima; colheram a versão da vítima e retiraram o acusado do local, pois o pessoal “estava meio agitado”.

O réu, por sua vez, negou a autoria do crime. Disse que estava retornando do trabalho, caminhando no centro, quando viu os seguranças de uma loja perseguindo um rapaz; como estava por perto, fumando maconha, os seguranças pensaram que o interrogando “estava junto” com o indivíduo que era perseguido; foi agarrado e detido até a chegada da PM; como estava em liberdade condicional, acabou respondendo por um delito que não cometeu.

Como se vê, o réu nega a autoria, alegando ter havido equívoco por partes dos populares que o detiveram até a chegada da polícia. E a única testemunha regularmente ouvida – o PM F. – nada soube esclarecer da prática do assalto ou da perseguição/detenção do acusado – quando chegou no local, a captura já estava conclusa, sendo que nem mesmo viu os pertences da vítima sendo retirados do acusado e restituídos à vítima.

Ora, tal quadro probatório não é suficiente para o condenar. A tese do acusado é plausível – considerado o elevado número de pessoas que transitam diariamente no centro de Porto Alegre – e não foi destruído pelo restante da prova.

Como sabido, o direito penal não se contenta com conjecturas, nem mesmo com a forte probabilidade da autoria: exige a convicção plena do julgador, sua base ética indeclinável. Em outras palavras, a dúvida, menor que seja, milita sempre em favor do acusado.

Pelo exposto, prejudicado o apelo acusatório, dá-se provimento ao defensivo para, declarada a nulidade da prova oral colhida às fls. 87/92, absolver o réu da imputação que lhe foi dirigida, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Notas

(1) Nota: a decisão transcrita pelo relator (AP 70028349843) foi divulgada no Boletim 198 (Jurisprudência, p. 1257/1258).

(2) Nota: a decisão transcrita pelo relator (HC 121.216) foi divulgada no Boletim 200, com anotações doutrinárias feitas por Fernanda Regina Vilares e Leopoldo Stefanno Leone Louveira (Jurisprudência, p. 1273/1275).

Amilton Bueno de Carvalho
Relator

A seguir, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, com o voto condutor do Ministro Jorge Mussi:

Superior Tribunal de Justiça

5ª Turma – HC121.216

DJe 01.06.2009

Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em favor de R. S. S., contra acórdão proferido pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça daquele Distrito, que negou provimento à Reclamação nº 20080020117923 ajuizada nos autos do Processo-Crime nº 2007.03.1.006253-0, da Primeira Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia/DF, em que restou condenado o paciente à pena de 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito disposto no art. 157, caput, do Código Penal.(…)

Narrou o impetrante que, designada audiência de instrução e julgamento, esta se realizou em desacordo com as normas contidas no art. 212 do Estatuto Processual Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690/2008, pois houve inversão na ordem de formulação das perguntas. Entendeu que referido procedimento violou o citado dispositivo, assim como o sistema acusatório (art. 129, I, da CF), o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), causando nulidade absoluta do feito, que prescinde da demonstração do efetivo prejuízo e de dilação probatória ao seu reconhecimento. (…)

A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão da ordem.

É o relatório.

Voto

O senhor ministro Jorge Mussi (relator): (…)

A peça vestibular foi ofertada em agosto de 2007, sendo devidamente recebida pela autoridade judicial, que designou audiência para o interrogatório do paciente (fls. 30), entretanto, a partir de agosto de 2008 entrou em vigor a Lei nº 11.690, que deu nova redação ao art. 212 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

“Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Emerge do termo que descansa a fls. 31 que, realizada audiência de instrução e julgamento no dia 14 de agosto do ano passado, quando já em vigor a legislação citada, oportunidade em que foram ouvidas as eventuais vítimas, o ato não se concretizou de acordo com o novel rito, tendo, então, o Órgão Ministerial, antes que se procedesse a oitiva, requerido que fosse obedecido o inserto nas normas processuais vigentes, sendo, porém, o pleito indeferido pelo Juízo a quo, ao fundamento de que “tal dispositivo legal não trouxe qualquer inovação com relação ao sistema outrora estabelecido a respeito da presidência dos atos procedimentais realizados no curso das audiências, qual seja, sistema presidencial, o qual permanece em pleno vigor e, nessa condição, concede ao Magistrado o poder/dever de, caso queira, argüir primeiro as testemunhas arroladas pelas partes”.

Nesses termos, a audiência foi realizada em conformidade com o ordenamento processual anteriormente em vigor (fls. 32 e 33), fato que deu azo ao ajuizamento de reclamação por parte do Ministério Público perante o Tribunal indicado como coautor (fls. 34 a 44), ressalta-se, postulação elaborada pelo mesmo profissional que, no uso de suas atribuições, ofertou denúncia contra o paciente.

A Corte Originária, no entanto, mesmo reconhecendo que no Juízo Singular incorreu-se “em erro de procedimento “, negou provimento à reclamação, ao argumento de que, in casu, não restou comprovado o necessário prejuízo para nulificar o ato, sendo que da audiência o Ministério Público participou, sem que se observasse qualquer comportamento irregular por parte do Magistrado (fls. 53 a 61). (…)

Não obstante haja resistência pertinente às mudanças procedidas na legislação processual penal, consoante salientado por ocasião do deferimento da pretensão sumária, é certo que com a nova redação dada ao aludido dispositivo, “o juiz simplesmente poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos, cabendo-lhe ainda não admitir as perguntas que não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já feita” (Souza, José Barcelos de. In: Boletim IBCCRIM . “Novas leis de processo: inquirição direta de testemunhas. Identidade física do juiz”. ano 16, nº 188, p. 15, julho de 2008).

Por oportuno, mister transcrever lição da autoria de Eugênio Pacelli de Oliveira, da obra Curso de Processo Penal: “A Lei 11.690/08 trouxe importante alteração no procedimento de inquirição de testemunhas. “Ali se prevê que as perguntas das partes serão feitas diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem a repetição de outra já respondida (art. 212, CPP). E, mais ainda, prevê que o juiz poderá complementar a inquirição, sobre pontos eventualmente não esclarecidos (art. 212, parágrafo único, CPP). “Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a um modelo acusatório de processo penal, no qual o juiz deve assumir posição de maior neutralidade na produção da prova, evitando-se o risco, aqui já apontado, de tornar-se o magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam a inquirição, e o juiz a encerra” (11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 370).

Ao dissertar quanto à colheita da prova testemunhal, Aury Lopes Jr. assinala: “O antigo sistema ‘presidencial’, onde as perguntas eram feitas ao juiz e este as (re)formulava à testemunha, felizmente foi abandonado com a nova redação do art. 212

do CPP” (Direito processual penal e sua conformidade constitucional . 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 602).

E comentado o dispositivo citado, assevera que “Agora as perguntas serão diretas, com o juiz atuando como filtro, regulador dessa comunicação, para evitar a indução ou mesmo constrangimento de testemunha. Pela leitura do parágrafo único, a atuação do juiz, somente se dará sob os pontos não esclarecidos, ou seja, uma típica atividade complementar, secundária, portanto “ (p. 602). (…)

Não é demais destacar os comentários à alteração procedimental feitos na respeitável obra As reformas no processo penal, da qual se extrai a lição de Antônio Magalhães Gomes Filho, no sentido de que a referida mudança trouxe o método de exame direto e cruzado da prova oral utilizado também na Inglaterra e na Itália, abolindo o antigo sistema presidencial quanto à formulação das perguntas e reperguntas por parte do juiz, inerente ao processo inquisitório, adotando, assim, o sistema adversarial anglo-americano, consistente primeiramente no direct-examination – por parte de quem arrolou – e posteriormente no cross-examination – sendo submetido à parte contrária, leia-se:

“A cross-examinationconstitui um traço saliente do sistema processual da common law no tocante à produção das provas e sempre foi visto pela doutrina deste WIGMORE, como o meio mais eficaz para a descoberta da verdade” (São Paulo: RT, 2009, p. 285).

Aliás, naqueles países, o aludido método é considerado elemento essencial e é tido como garantia fundamental pela Constituição, sendo, ainda, salientado pelo citado autor que no “cross-examinationevidenciam-se as vantagens do contraditório na coleta do material probatório, uma vez que, após o exame direto, abre-se à parte contrária, em relação à qual a testemunha é presumidamente hostil, um amplo campo de investigação. No exame cruzado, é possível fazer-se uma rein­qui­ri­ção a respeito dos fatos já abordados no primeiro exame (cross-examination as to facts), como também formular questões que tragam à luz elemento para a verificação da credibilidade do próprio depoente ou de qualquer outra testemunha (cross-examination as to credit)” (p. 286). E conclui: “Trata-se, portanto, de mecanismos característicos de um sistema acusatório puro, cuja função é fundamental não somente para uma apuração mais correta dos fatos, mas principalmente para atestar a correção do debate dialético entre as partes, servindo igualmente à legitimação das decisões.” (p. 287).

Constata-se, então, que no caso vertente restou violado due process of law constitucionalmente normatizado, pois o art. 5º, inciso LIV, da Carta Política Federal, preceitua que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e na espécie o ato reclamado não seguiu o rito estabelecido na legislação processual penal, acarretando a nulidade do feito, porquanto, a teor do art. 212 do Código Instrumental, a oitiva das testemunhas deve ser procedida com perguntas feitas direta e primeiramente pelo Ministério Público e depois pela defesa, sendo que na hipótese, o Magistrado não se restringiu a colher, ao final, os esclarecimentos que elegeu necessários, mas rea­lizou o ato no antigo modo, ou seja, efetuou a inquirição das vítimas, olvidando-se da alteração legal, mesmo diante do alerta ministerial no sentido de que a audiência fosse concretizada nos moldes da vigência da Lei nº. 11.690/2008. (…)

Então, além de a parte ter direito à estrita observância do procedimento estabelecido na lei, conforme assegurado pelo princípio do devido processo legal, sendo importante relembrar que na espécie o paciente teve proferido julgamento em seu desfavor, certo é que, diante do novo método utilizado para a inquirição de testemunhas, a colheita da referida prova de forma diversa, ou seja, pelo sistema presidencial, indubitavelmente acarretou-lhe evidente prejuízo. Nesse passo, em que pese os judiciosos fundamentos expostos no aresto hostilizado, o qual mesmo admitindo que houve a inversão apontada pelo Ministério Público, não anulou a audiência procedida em desacordo com o art. 212 do Diploma Processual Repressivo, resta suficientemente demonstrada a nulidade decorrente do ato em apreço, em razão de evidente ofensa ao devido processo legal, sendo mister reiterar que contra o paciente foi proferida sentença condenatória, édito repressivo que encontra suporte nas declarações colhidas em desacordo com a legislação em vigor, bem demonstrando que, a despeito de tratar-se ou não de nulidade absoluta, houve efetivo prejuízo, quer dizer, é o que basta para se declarar nulo o ato reclamado, assim como os demais subsequentes, e determinar-se que outro seja realizado dentro dos ditames legais.

Diante do exposto, confirmando-se a medida liminar deferida, concede-se a ordem para anular a audiência realizada em desconformidade com o contido no art. 212 do Código de Processo Penal e os atos subsequentes, determinando-se que outra seja procedida, nos moldes do referido dispositivo.

É o voto.

Jorge Mussi

Relator

Em virtude de se tratar da primeira decisão sobre o tema no âmbito do STJ, além de publicar seu teor, trazemos abaixo duas anotações de nossos colaboradores a fim de enriquecer o debate. Fica aqui, mais uma vez, o convite para que todos façam seus comentários à jurisprudência mais relevante e recente. Sintetize sua participação em 3.000 toques, em trabalho inédito.

Jurisprudência Anotada

É a primeira vez em que o STJ analisa a aplicação da alteração perpetrada pela Lei n.º 11.690/2008 no art. 212 do CPP. A reforma foi de grande valia, e almejou inserir elementos do sistema acusatório no processo penal brasileiro. Ocorre que alguns juristas, contagiados pelo conhecimento sobre o sistema anglo-saxão, realizaram interpretações praeter legem, criando, para a letra da lei, significados além de seu conteúdo estrito.

Na nossa opinião, é o caso deste acórdão. O rel. min. Jorge Mussi entendeu que o art. 212 adotou o sistema do exame cruzado e considerou nulo o julgamento em que as perguntas são iniciadas pelo julgador, mas interpretação diversa e mais literal é possível.

De fato, a afirmação de que o novo art. 212 inseriu o cross-examination no direito brasileiro tem sido constante na doutrina. No entanto, o estudo do sistema inglês nos revela que o exame cruzado é muito mais do que a mera possibilidade de formulação de perguntas diretas pelas partes como fez o art. 212. O cross-examination é a imposição de que a acusação faça a inquirição das testemunhas e após, obrigatoriamente, a faça a defesa, com a possibilidade de reexame pelo inquisidor originário. O objetivo é afastar inconsistências dos depoimentos. Ao juiz é resguardada apenas a função de manutenção da ordem e realização de perguntas suplementares. (Spencer, John R., O Sistema Inglês, in Mireille Delmas-Marty (org.), Processos Penais da Europa, trad. Fauzi Hassan Choukr, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris, 2005).

Nesse contexto, temos que, ao prevalecer o entendimento do julgado em comento, não estaremos diante de qualquer equívoco, mas tão somente de uma interpretação além da lei. Assim, para instigar a reflexão, chamamos atenção para a possibilidade de entender que não se impediu o juiz de formular perguntas antes das partes, tampouco se determinou que essas inaugurassem a inquirição ou estabeleceu-se a necessidade do exame cruzado. Apenas se garantiu a possibilidade de as partes formularem perguntas pessoalmente, o que já é uma evolução.

Fernanda Regina Vilares

O STJ, em lapidar e recentíssimo julgado, mais uma vez demonstrou a preocupação com o respeito ao devido processo legal e aos preceitos garantistas previstos na Constituição Federal, todos tão caros ao Estado de Direito.

Nesse momento de ingresso ainda recente da reforma processual penal, a 5.ª Turma, ao examinar o alcance da nova redação do artigo 212 do CPP, não titubeou em demarcar importante posição, à unanimidade, segundo a qual deve ser assegurada às partes a prerrogativa de fazer perguntas diretamente às testemunhas nos moldes da cross-examination oriunda do sistema anglo-saxão.

Com efeito, a decisão apenas deu voz ao posicionamento de vários processualistas que foram uníssonos em reconhecer o avanço significativo da mudança legislativa para a consolidação do modelo acusatório no processo penal. Não à toa o julgado, até mesmo diante da novidade da matéria, teve o cuidado de destacar o escólio maciço da doutrina, figurando entre eles lúcidos constitucionalistas — o que revela a profundidade da questão.

A despeito de opiniões em contrário, não há qualquer sombra de dúvida sobre a melhor exegese do referido art. 212 do CPP — cuja redação, aliás, não poderia ser mais clara: inicia-se a questionar a testemunha a parte que a arrolou, abrindo-se a oportunidade para as perguntas da parte contrária (cross-examiner), seguindo-se com esclarecimentos judiciais apenas e tão-somente dos pontos obscuros.

Ao Juiz permanece a função de fiscalizar a lisura da colheita do depoimento, podendo indeferir perguntas impertinentes ou que possam exercer pressão indevida sobre a testemunha. Com isso, busca-se garantir a imparcialidade do Julgador, evitando-se, assim, uma indesejável atividade “investigativa” por parte do Estado-Juiz. No entanto, caso o Magistrado inove em seus “esclarecimentos”, aprofundando-se na tese acusatória — como, infelizmente, é fato corriqueiro no cotidiano forense —, entendemos possível a formulação de outras questões pela defesa, sob pena de nulidade.

Um último detalhe do precedente analisado chama a atenção: trata-se de habeas corpus impetrado por Promotor de Justiça — que havia protestado contra a atitude do Juízo de origem —, com parecer do MPF pela concessão do writ, o que demonstra o grau de maturidade dessas instituições. Afinal, a luta contra o crime não pode nunca atropelar as garantias individuais.

Assim, em nosso sentir, oxalá o conteúdo desse julgado reverbere nas demais instâncias judiciais do país — até porque, o TJRS já havia decidido caso análogo no mesmo sentido, em v. acórdão também divulgado neste Boletim (n. 198, jurisprudência, p. 1257AP. 7002834984-3, 5.ª Câm., rel. Amilton B. de Carvalho, DJ 24.04.2009) —, sempre tendo em vista o devido processo legal e o direito ao contraditório.