Juiz e tolerância

Uma das maiores qualidades  de um juiz é ser tolerante, é saber ouvir, é ser capaz de refletir em face do que diz – e escreve – um colega ou o representante legal da parte. 

O juiz intolerante, incapaz de ouvir os argumentos de um advogado que assoma à tribuna ou de um colega enquanto expõe a sua linha de argumentação, faz um grande mal ao jurisdicionado e presta relevante desserviço à causa da Justiça.

Dispenso, sempre,  a maior atenção ao que argumentam os advogados, quando assomam à tribuna para sustentação oral, ainda que eu tenha sido o revisor  ou seja o relator do processo.

Da mesma forma, na medida do possível, gosto de ouvir os argumentos do colega, enquanto esgrimem a sua linha de pensamento, ainda que com ela não concorde

Algumas vezes, depois de ouvir, respeitosa e atenciosamente, os advogados, já  encaminhei meu voto em sentido diametralmente oposto ao que tinha concebido antes.

Ouvir o advogado e o colega com a necessária atenção e respeito, é uma homenagem que se presta ao jurisdicionado.

Decisões açodadas, que não sejam do tipo reiteradas, não deve ser a tônica dos julgamentos.

Confesso que se há em mim uma decepção com o julgamento colegiado, foi constatar que, não raro,  não há amor ao debate.

Debater, perscrutar, discordar, expor uma linha de argumentação, parece, aos olhos de alguns, mera exibição, puro espírito de emulação.

Quem assim pensa não evolui e, mais grave ainda, não deixa que o outros evoluam.

Muitas vezes, estudando detidamente – na medida do possível – os processos colocados em pauta, deparo-me com linhas de pensamento que poderiam ser maravilhosamente postas durante o julgamento. Mas, logo, logo, refluo, frustrado, por concluir que poucos teriam a paciência e a atenção necessárias para levar adiante o debate em torno do tema.

Tem sido assim! Não se há de negar!

Juiz preconceituoso

É comezinho que não se condena com base apenas em provas administrativas, id est, em “provas” colhidas apenas na fase policial ( Amilton Bueno de Carvalho: “A única prova hábil a gerar certeza é aquela coletada perante autoridade equidistante, com sóbria fiscalização das partes, no espaço público. Aliás, o inverso, onde vigora o segredo e a busca da verdade máxima a qualquer preço, se situa na sistema inquisitorial vigorante na idade média”), porque, todos sabemos,  produzida sem a observância do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal.

O contraditório é, pois,  indispensável  para própria existência da estrutura dialética do processo.

A audição da parte mais frágil da relação processual em face da juntada de um laudo pericial aos autos e que tenha relevância para o deslinde da questão, por exemplo,  é de suma relevância  para que se possa fazer um julgamento constitucionalmente justo.

Nesse sentido, vislumbrando o magistrado que determinada prova, essencial à resolução do litígio, foi colacionada com afronta aos princípios  do contraditório e da ampla defesa, deve, sim, sem titubeio, anular o processo, para que se repare  a eiva, em tributo, também, à dignidade da pessoa submetida a julgamento, afinal, como ensina o sempre lembrado professor  José  Frederico Marques, o livre convencimento não significa liberdade de apreciação das provas em termos tais que atinja as fronteiras do mais puro arbítrio.

Mas quando eu afirmo que deve o magistrado, diante de uma eiva que macule a defesa do acusado,  anular o processo, reporto-me ao magistrado garantista; não me refiro, portanto, aos que se travestem de justiceiros, aos  que não hesitam em arrostar os direitos do mais débil, para parecer aos olhos dos incautos como arautos do combate à criminalidade.

Tenho dito, com Aury Lopes, que o objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no processo.

Tenho dito, ademais,  que aquele que, sob a toga, se compraz em malferir os direitos de um acusado, por pior que seja a sua vida pregressa ( Amilton Bueno De Carvalho, mais uma vez: “o passado de um cidadão não pode gerar presunção de que tenha praticado o delito, sob pena da adoção do totalitário direito penal do autor que vigorou na Rússia de Stalin e na Alemanha de Hitler. Aqui não interessa o que o apelante tenha feito anteriormente, mas o que fez por agora”),  é, da mesma forma, um marginal; com a agravante de que se trata de um marginal togado.

Não se pode, quando se trata de julgar um réu, esquecer da primazia da dignidade da pessoa humana na nossa arquitetura constitucional.

Tenho dito que não há juiz neutro. Mas tenho dito, no mesmo passo, que, conquanto não possa ser neutro (uma inviabilidade antropológica, segundo Zaffaroni),  o juiz deve, além de imparcial, ser independente; e o juiz que não se liberta dos seu próprios  preconceitos, na hora de julgar, não é independente.

Assim agindo, digo melhor, assim julgando, faz mal à sociedade,  pois as suas decisões serão, sempre,  marcadamente preconcebidas, preconceituosas – injustas, enfim.

O juiz, num Estado Democrático de Direito, tem que marcar a sua atuação pela correção de suas decisões. E decidir corretamente é decidir sem perder de vista a intangibilidade dos direitos fundamentais.

Independente não é o julgador que pensa que, em nome dessa independência, tudo pode.  Independente é o magistrado que, seja qualquer for a repercussão de sua decisão, decide com esteio tão somente nas provas produzidas nos autos.

Lembro, com Ferrajoli, que a validade da sentença está calcada na verdade processualmente obtida.  Ou, como preleciona  Aury Lopes,  no mesmo passo: a legitimação do poder do juiz decorre do vínculo estabelecido pela verdade processualmente obtida, a partir do caráter cognoscível da atividade jurisdicional.

A função do juiz no processo, tenho reiterado, é atuar como garantidor; mas garantidor, sim,  da eficácia do sistema de Direito e Garantias Fundamentais do acusado no processo penal.

De nada adianta o juiz dizer-se independente, se ele julga com os olhos voltados para a repercussão positiva ou negativa de sua decisão.

O juiz que assim pensa e age, não evolui, porque a sua atuação, é destituída da necessária autocrítica.

Para finalizar essas reflexões, anoto, com Guilherme de Souza Nucci, que  nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade humana, base sobre a qual todos os direitos e garantias  individuais são erguidos e sustentados. Ademais, inexistia razão de ser a tantos preceitos fundamentais não fosse o nítido suporte prestado à dignidade humana.

Empréstimo consignado

Cade determina o fim da exclusividade do BB no consignado

Em julgamento realizado ontem, o Cade exigiu que o Banco do Brasil suspenda imediatamente todos os contratos assinados desde 2006 com prefeituras e governos estaduais com cláusulas de exclusividade na concessão de crédito consignado.

O processo em questão é o 08700.003070/2010-14, que trata de denúncia feita pela FESEMPRE – Federação Interestadual dos Servidores Públicos dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá e outros.

O Conselho decidiu ainda abrir uma investigação contra a instituição para apurar possível conduta anticompetitiva.

Para o conselheiro relator Marcos Paulo Veríssimo, há inação tanto da Secretaria de Direito Econômico quanto do Banco Central sobre a questão.

Veríssimo também concedeu Medida Preventiva destinada a:

“(a) determinar ao Representado a cessação imediata da assinatura de quaisquer novos contratos contendo cláusula de exclusividade de consignação em pagamento, ou de cláusulas que exijam dos órgãos responsáveis pelo pagamento dos vencimentos de seus potenciais clientes dessa modalidade de crédito quaisquer benefícios concedidos a si que não possam ser também estendidos a todos os seus demais concorrentes, especial mas não exclusivamente no que diz respeito a prazos, margens e custos, ou que de qualquer forma restrinjam o acesso de tais clientes às operações de crédito ofertadas por outras instituições;

(b) determinar ao Representado a suspensão imediata quaisquer acordos atualmente vigentes que tenham ou possam vir a ter os escopos referidos no item (a), acima;

(c) determinar ao Representado que comunique o teor da presente decisão, individualmente, a todos os servidores públicos que com ele tenham, atualmente, contratos vigentes de crédito consignado, informando-os, ainda, da possibilidade de quitação antecipada de seus contratos, na forma dos normativos do Banco Central do Brasil atualmente em vigor, atinentes à chamada “portabilidade” de créditos;

(d) determinar ao Representado que apresente ao CADE, no prazo de 20 dias contados da apresentação de sua defesa, cópias de todos os contratos envolvendo práticas coincidentes com aquelas referidas no item (a), acima, assinados desde 2006, especificando, em relação a cada contrato, o número e volume total de operações de crédito consignado delas decorrentes, incluindo tanto as operações atuais quanto as já liquidadas, bem como seus respectivos valores e prazos médios, além das taxas de juros nelas praticadas;

(e) determinar que o Representado faça publicar, em 2 (dois) jornais de grande circulação do territ rio brasileiro, no prazo de 15 dias contado de sua intimação desta decisão, o teor do item 143 da presente medida preventiva.”

Na hipótese de descumprimento da Medida Preventiva concedida, o conselheiro fixou multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), equivalente a aproximadamente 0,000002% da carteira atual de crédito consignado a servidores públicos.

Capturada no Migalhas Jurídico

Crimes perdoados

A colunista Monica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, conta que “o Ministério da Justiça estuda sugerir mudanças na lei que permitam que pessoas que cometam crimes contra o patrimônio, mas que restituam os bens que surrupiaram às vítimas, não sejam punidas. Pela proposta em estudo, só crimes sem violência ou grave ameaça, como furto ou estelionato, poderiam ser “perdoados”. O primeiro é punido hoje com até quatro anos de prisão e multa. O estelionato, com até cinco anos e multa”.

Honrando a palavra

Disse,  no meu discurso de posse, que, para os cargos de direção do Tribunal de Justiça do Maranhão  e para o TRE/MA, votaria sempre no mais antigo, como o faz o Supremo Tribunal Federal.

E por que penso assim?

Por entender que, com esse critério, evitam-se as disputas que, ao longo dos anos dividiu o Tribunal de Justiça do Maranhão, afinal, se somos todos desembargadores, não há entre nós nenhum melhor que o outro. É dizer: estamos todos em condições de dirigir o TJ/MA e o TRE/MA.

Digo mais:  os magistrados de entrância final, igualmente, estão todos credenciados para, na condição de juízes, compor a Corte Eleitoral, razão pela qual, independentemente de quem seja o mais antigo, será sempre ele a receber o meu voto.

Na votação de ontem, para escolha do juiz de direito para compor a corte de justiça do TRE/MA, votei em Jorge Figueiredo, pela singela razão de que, dos candidatos, era o mais antigo.

Antes da votação, com a candidatura de Marcelino Ewerton posta, eu estava decidido que, sendo o mais antigo, ele receberia meu voto.

Minutos antes da sessão, inobstante, fui informado que o mesmo tinha desistido, razão pela qual, votei em Jorge Figueiredo.

Com essas colocações, o que pretendo deixar claro, de uma vez por todas, é que, nessas disputas, ninguém precisa me pedir voto, pois votarei, sempre, no mais antigo.

É o melhor critério?

Não sei. Mas concito o leitor a apontar outro que evite as dissenções e que seja mais justo.

Condenação com base em prova administrativa

Na sessão da 1ª Câmara Criminal, da última terça-feira, fui voto vencido numa apelação, em face do crime de roubo.

No voto-vista, demonstrei, com todas as letras, que não havia prova judicializada apontando o apelante como autor do crime.

Deixei consignado, ademais, que, conquanto estivesse a vítima na sala das audiências com o acusado, ao tempo da instrução, o juiz e o representante do Ministério Público se preocuparam em fazer o reconhecimento do acusado; e bastava, para tanto, que fosse indagado da ofendida se aquele cidadão, colocado à sua frente, tinha, ou não, participado do crime.

A despeito dessa gravíssima omissão, o acusado foi condenado e a decisão mantida em segundo grau. E, o que é mais grave, com base, exclusivamente, em provas produzidas em sede administrativa, numa total e flagrante afronta aos mais comezinhos princípios que disciplinam a espécie.

Um dos argumentos que serviu de base para manutenção da decisão de primeiro grau foi  que o acusado tinha o passado de crimes, numa invocação perigosa do Direito Penal do autor. 

Eu ainda fiz ver aos meus pares que o réu deve ser julgado pelo que fez, em face do fato que praticou e não em razão do que é ou do que tenha feito no passado.

Nada disso adiantou! A decisão de primeiro grau foi mantida. Fui vencido, mais uma vez. Todavia, somo Sísifo, não sou de desistir.

Não perco o estímulo de continuar pregando a necessidade de que se respeite as franquias constitucionais dos acusados, ainda que venha a ser alvo de críticas vindos do que supõem que garantismo  só vale para os criminosos de colarinho branco.

Na apelação  nº 003985-2011, o fato quase se repetia, pois o apelante foi condenado com base em prova extrajudicial, com a agravante de que a prova administrativa foi adulterada.

Felizmente, os meus pares compreenderam a gravidade do fato e seguiram o meu entendimento.

Em determinado fragmento do voto, anotei:

“[…]Embora a magistrada faça alusão ao termo de reconhecimento fotográfico positivo de fls. 37, e as imagens das cenas do assalto arquivadas no CD assentado às fls. 247, como provas que, supostamente, robustecem o conjunto probatório que dá suporte à condenação pelo crime de formação de quadrilha, o certo é que nem mesmo a confissão do apelante na fase inquisitorial (prova principal), se presta para sustentar a condenação.

Digo isso porque, ao analisar o referido depoimento, pude notar uma gravíssima adulteração, uma rasura no depoimento, para ser mais preciso, na parte em que o apelante afirma: “[…] QUE é verdadeira a imputação que lhe é feita, ou seja, de ter participação no assalto ao Banco do Brasil na cidade de Santa Luzia do Tide, levado a efeito no dia 30.06.09, por volta das 14:30 horas; […]”. (fls. 17) (sem grifos no original).

Com efeito, é notória, aliás, grotesca, a tentativa de “correção” deste depoimento, onde se vê, claramente, que no texto original estava grafado “[…] QUE não verdadeira […]”, sendo o “não” apagado, usando-se um corretivo, e inserido o verbo “é”, manuscrito em caneta, resultando numa informação manipulada, de que o apelante estava confessando a prática delitiva[…]”

A seguir, o voto, por inteiro: Continue lendo “Condenação com base em prova administrativa”

Habeas corpus. Falta de fundamentação idônea

Não é incomum  magistrados, descurando de sua condição de garantista, decretarem prisões preventivas exclusivamente em vista da gravidade do crime, com desprezo pelas circunstâncias que envolveram a ação criminosa.

É verdade que, ao tempo em que judiquei na primeira instância, agi com muito rigor em face dos roubares. E se voltasse à primeira instância agiria da mesma forma, por entender que, ao lado das drogas ilícitas e  do desvio de verbas públicas, o roubo é o flagelo do nossos  dias. Com a agravante de que os roubadores, de arma em punho, saem sempre dispostos a matar ou morrer; e podendo matar, claro, eles não morrem. Por isso, em face deles,  sempre agi com muito rigor, sem descurar, claro, das peculiaridades de cada caso, pois nem sempre a capitulação do crime condiz com a perigosidade do autor. Cada caso, pois, sempre mereceu de mim, com de resto deve merecer de todos nós,  analise particularizada, levando em conta todas as circunstâncias que envolveram o atuar reprochável.

Mas voltando ao tema central dessas reflexões, é preciso, de uma vez por todas, deixar claro que somente a gravidade do crime, isoladamente considerada, à míngua de qualquer outra circunstância, não autoriza, desde o meu olhar, a prisão cautelar, tida e havida, nos regimes garantistas, como extrema ratio da ultima ratio.

Inobstante, os magistrados de primeiro grau ainda insistem, repito, em decretar prisões, com esteio, tão somente, na gravidade do crime, a autorizar,  por isso, a  restituição da liberdade do paciente, via do habeas corpus.

No voto que publico a seguir, em determinado fragmento,  anotei, verbis

“[…]A prisão cautelar, como é cediço, é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos na legislação de regência, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação definitiva[1].

Ressalta-se, ainda, que o juízo valorativo da gravidade genérica do crime imputado ao paciente, desvinculada de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312, do CPP, não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar[…]”.

Mais adiante, já agora refletindo em face da Lei, consignei, litteris:

“[…]Importante registrar, ademais, que, após a vigência da Lei 12.403/2011, a necessidade da prisão preventiva deve passar por um filtro de ponderação e análise escalonada, só sendo cabível quando as demais medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP não se mostrarem idôneas[…].

A seguir, o voto, por inteiro. Continue lendo “Habeas corpus. Falta de fundamentação idônea”

Tribunal colocado no eixo pelo CNJ

Pela antiguidade

O jornal O Globo noticia que o Conselho Nacional de Justiça contrariou decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo e determinou que o juiz Roberto da Fonseca Araújo seja promovido ao cargo de desembargador. Em dezembro do ano passado o TJ-ES negou o pedido de promoção alegando que o juiz tinha sérios problemas pessoais, mas o magistrado recorreu ao CNJ. O juiz também responde a dois processos administrativos. Ele é acusado de ameaçar a secretária de um médico e xingar colegas do próprio Judiciário. Os processos ainda estão em tramitação no Judiciário.

Síntese  capturada no Consultor Jurídico