Subjetividade em crise

Muitas vezes, sem que nos demos conta, entramos em crise com nós mesmos; pelo menos, comigo é assim.

Há dias que, sem saber por quê, entro em crise comigo, passo a me questionar e a questionar as minhas posições em torno de determinadas questões, em face, por exemplo, das minhas relações com o semelhante.

No passado essa questão – que eu chamo de  crise de subjetividade  – me afligiu muito mais; cheguei, muitas vezes,  quase à exaustão. Hoje, nem tanto. Hoje, tiro de letra. Aprendi com a vida. Estou maduro, o que não me impede, no entanto, de continuar refletindo sobre essa e outras  questões de caráter subjetivo, como tenho feito em incontáveis artigos aqui mesmo veiculados.

Eu, simplesmente, não compreendia a crise que se instalava em mim, que em mim fazia morada e não manifestava desejo de se mudar. Crise que, muitas vezes, exigia de mim muito mais do que eu podia dar, que ia além da minha capacidade de entender, enfrentar e superar.

Nesse cenário,desci, muitas vezes, próximo ao fundo do poço,  fragilizei a minha alma, prejudiquei as minhas relações; depois, tudo passava, mas ficava a sequela, a grave sensação de não estar bem – e de não compreender – o que era mais grave – por que não estava bem.

Já entrei em crise, no passado, por entender, por exemplo, não ter  me comportado, como devia,  nas minas relações pessoais, familiares e profissionais; é que abomino a grosseria, a descortesia razão pela qual, sempre que me flagrava descortês, me punia interiormente.

Mesmo em crise,  procurava não deixar – às vezes, em vão –  que as pessoas que estavam próximas de mim se dessem conta do que eu estava passando, por compreender não ser justo – o que era um equívoco – compartir  as minhas aflições, muitas das quais  fruto da minha percepção equivocada do mundo.

Uma das minhas maiores aflições sempre foi a decepção com o ser humano, o que era um grave equívoco, vez que eu mesmo, por diversas vezes, decepcionei as pessoas e me decepcionei comigo mesmo. Era, vê-se, uma exigência boba, de quem não tinha noção do mundo, de quem não tinha capacidade de analisar a própria conduta.

Apesar da equivocada análise, continuo exigindo muito das pessoas, e muito mais de mim mesmo.

Claro que, em torno dessas questões,  me refiro às pessoas que gosto, pelas quais tenho apreço; as outras pessoas, bem…quanto a essas, que para mim são indiferentes, pouco importa se me agridem, se me decepcionam, se mentem para mim, se fingem me querer bem; para essas eu reservo o meu desprezo.

Eu sou assim: igual a todo mundo; às vezes complicado; outras vezes, nem tanto.

Como qualquer um, reafirmo, a minha subjetividade também entra em crise.

No momento em que faço essas reflexões, eu posso estar em crise com a minha subjetividade.

E por que não?

Espaço aberto

Crítica à imprecisão da expressão neoconstitucionalismo

Por André Karam Trindade

O que significa neoconstitucionalismo? Esta é uma pergunta cada vez mais frequente nas salas de aula, seja na disciplina de Direito Constitucional, seja na de Teoria ou Filosofia do Direito. Uma coluna não seria suficiente para respondê-la satisfatoriamente, razão pela qual me limitarei a apresentar uma importante crítica à imprecisão semântica que assombra o tema.

Neoconstitucionalismo é uma expressão que surgiu no final da década de 1990 e é empregada, pioneiramente, pelos jusfilósofos de Genova: Susanna Pozzolo, Paolo Comanducci e Mauro Barberis. Na verdade, para ser ainda mais preciso, o termo teria sido utilizado, pela primeira vez, durante a intervenção de Pozzolo no XVIII Congreso Mundial de Filosofia Jurídica y Social, realizado em Buenos Aires e La Plata, entre os dias 10 e 15 de agosto de 1997.

Segundo esclarece a autora genovesa, “embora seja certo que a tese sobre a especificidade da interpretação constitucional possa encontrar partidários em diversas dessas disciplinas, no âmbito da Filosofia do Direito ela vem defendida, de modo especial, por um grupo de jusfilósofos que compartilham um modo singular de conceber o Direito. Chamei tal corrente de pensamento deneoconstitucionalismo. Me refiro, particularmente, a autores como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Gustav Zagrebelsky e, em parte, Carlos Santiago Nino”.

Desde então, muito se tem escrito e debatido a respeito do denominado neoconstitucionalismo, que se expandiu pela Europa, sobretudo na Itália e na Espanha, e alcançou a América Latina, onde conta com, cada vez mais, novos adeptos e seguidores, especialmente no Brasil.

Ocorre que, não obstante a crescente produção bibliográfica, resultante das discussões que vêm sendo realizadas no campo da Teoria e da Filosofia do Direito, ainda se verificam incontáveis imprecisões terminológicas e inúmeras divergências sobre o tema. Um exemplo disso é o fato de nenhum dos autores tradicionalmente rotulados de neoconstitucionalistas assumirem uma mesma posição e tampouco adotarem o uso da expressão neoconstitucionalismo.

Neste contexto, aliás, parece adequada e recomendável a cautela adotada por Prieto Sanchís, para quem não existe uma corrente unitária de pensamento, mas apenas uma série de coincidências e tendências comuns que, de um modo geral, apontam para a formação de uma nova cultura jurídica.

Trata-se, com efeito, de uma expressão que ingressou definitivamente no léxico jurídico e de um modo geral, vem sendo empregada para se referir às tentativas de explicar as transformações ocorridas no campo do Direito a partir da Segunda Guerra Mundial, mas cuja amplitude semântica alcança três níveis, conforme adverte Carbonell:

(a)     os textos constitucionais promulgados na segunda metade do século XX, em que se incorporam normas substanciais que condicionam a atuação do Estado na realização dos fins e objetivos estabelecidos;

(b)     as práticas jurisprudenciais assumidas pelos tribunais e cortes constitucionais, cuja atuação implica parâmetros interpretativos compatíveis com o grau de racionalidade exigido pelas decisões judiciais;

(c)     a construção de aportes teóricos para compreender os novos textos constitucionais e aperfeiçoar as novas práticas jurisprudenciais.

Observa-se, neste contexto, que o neoconstitucionalismo — em sentido fraco — parte do surgimento do Estado Constitucional, instituído pelas cartas políticas promulgadas após a Segunda Guerra Mundial; aponta para uma nova prática jurídica, voltada à concretização dos direitos fundamentais; e, por fim, exige uma Teoria do Direito com ele compatível, uma vez que o velho positivismo não seria capaz de explicar as mudanças provocadas por este novo paradigma.

E aqui, precisamente, é onde reside o problema: o neoconstitucionalismo apresenta-se como uma alternativa ao positivismo jurídico.

Todavia, segundo Ferrajoli, a expressão neoconstitucionalismo mostra-se ambígua e, além disso, equivocada, porque o termo constitucionalismo pertence ao léxico político (e não jurídico). Para o renomado jurista italiano, constitucionalismo designa uma ideologia, ligada à tradição liberal, servindo de sinônimo para Estado Liberal de Direito, em cujas raízes se encontram os ideais jusnaturalistas.

Por isto, a expressão constitucionalismo não encontra simetria com as noções de modelo de sistema jurídico e/ou de Teoria do Direito, de maneira que não pode ser contraposta ao positivismo jurídico, sobretudo quando identificado com a ideia de primado da lei.

Assim, para superar a equivocada oposição entre neoconstitucionalismo positivismo jurídico, Ferrajoli propõe uma terminologia diversa e uma tipologia correlata, partindo da ideia de que o termoconstitucionalismo jurídico equivale ao Estado Constitucional de Direito — em contraste com o constitucionalismo político, que corresponde ao Estado Legislativo de Direito — e serve, ao fim e ao cabo, para designar o constitucionalismo rígido que caracteriza as atuais democracias constitucionais.

É neste cenário, portanto, que Ferrajoli introduz aquelas que, atualmente, são as duas maneiras de se conceber este novo paradigma — constitucionalismo jurídico—, sobre cujas bases se apresentam uma gama de teorias do Direito: de um lado, o constitucionalismo argumentativo, que visa à superação do positivismo; de outro, o constitucionalismo garantista, que aposta na reformulação do positivismo.

Como se vê, a questão assume novos contornos na medida em que exige uma investigação mais aprofundada acerca do que cada concepção entende por positivismo jurídico. No entanto, esta é uma tarefa que demandaria outras colunas. Trata-se, aliás, do núcleo de um importante diálogo travado entre juristas brasileiros e o mestre florentino, que resultou na publicação do livro Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli (veja aqui).

De qualquer modo, é importante deixar claro, ao menos por ora, que tanto o constitucionalismo argumentativo como o constitucionalismo garantista, ao menos em tese, tratam das transformações provocadas pela experiência histórica do segundo pós-guerra, marcada pelo advento das constituições rígidas, que instituem uma série de limites e de vínculos — não apenas formais, mas também substanciais — a todos os poderes públicos.

André Karam Trindade é doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itália), mestre em Direito Público (Unisinos) e professor universitário.

O artigo foi captura no sitio Consultor Jurídico

Paz e tranquilidade para ser feliz

Os primeiros meses que vivi no Tribunal de Justiça foram os mais difíceis da minha vida profissional. Passei muitos momentos de aflição. Era tudo novo, tudo compartido, tudo fragmentado. Além do mais,  cercado de pessoas que pensavam diferente de mim, sem perder de vista que cheguei  precedido de uma má fama, criada por desafetos gratuitos, por pura maldade. Deparei-me, ademais, em meio a tantas outras diferenças, com julgadores dos mais variados matizes:  uns conservadores, outros, liberais; alguns mais e outros menos radicias;   uns histriônicos, outros, mais contidos; uns tímidos, outros, sem receio da exposição. Tudo muito complicado para uma pessoa da minha personalidade, reflexiva por natureza. Peguei-me, nesse sentido, por diversas vezes, absorto, analisando o colega, tentando traçar o seu perfil como julgador. Daí que fui compreendendo e etiquetando aqueles que entendi mais ou menos positivista, por exemplo. Identifiquei, noutro giro, aqueles cujo pensamento mais se aproximava da minha visão de mundo, com os quais, claro, fui acomodando a minha mente.

Vivi, em face dessas e doutras constatações, momento de intensa ebulição mental; desejei, muito, ter tempo para me aposentar, deixar o proscênio, partir para outras atividades: escrever, ensinar, fazer programa de radio ( minha verdadeira paixão), cuidar de mim e da minha família. Mas, por não ter tempo, tive que perseverar. Hoje, passados três anos, estou mais assentado, mais ajustado com o meio,  razão pela qual posso dizer que estou  feliz, porque estou em paz e tranquilo em relação a muitas das questões que me afligiram.

Com o passar dos dias claro,  fui me adaptando, fui participando mais intensamente dos debates, fui me enturmando, perdendo o receio de que, por ter assumido o desembargo precedido de má fama, pudessem me tratar com indiferença. Hoje posso dizer que já vou para as sessões de julgamento em paz, com tranquilidade, por isso, nos dias presentes, estou, sim,  mais leve e mais solto, disposto a seguir adiante, dando a minha contribuição aos julgamentos, fazendo a minha parte, perseverando nos meus argumentos, defendendo as minhas teses, expondo, com coragem e sem receio, as minhas posições acerca dos temas mais polêmicos, sempre com o necessário equilíbrio e, fundamentalmente, respeitando os que pensam diferente de mim, como tem ocorrido nas Câmaras Criminais Reunidas, onde, em face de alguns temas, tenho permanecido praticamente isolado.

Envolto nos últimos meses com o estudo da filosofia, anoto, com Epicuro ( 341-270 a.C.), que a paz e a tranquilidade que tenho hoje sedimentadas em mim, são a razão maior da minha felicidade, sob o ponto de vista profissional, vez que, na minha vida pessoal, eu nunca deixei de ser feliz.

Agora, alcançando esse nível de tranquilidade, sinto-me em condições de seguir adiante. Vou até não sei quando. Quando eu tiver tempo de me aposentar, conversarei com a minha família para tomar uma decisão. Se tiver com que empregar o meu tempo, sendo útil à sociedade em outra atividade, acho que o caminho será a aposentadoria, inexoravelmente.

Mas, como Heráclito ( viveu por volta de 500 a.C), vou deixar fluir, vou seguindo a onda, vou construindo o que posso construir, na certeza de que não deixarei nenhum retrato na galeria dos imortais, mas vou deixar a minha história construída e sedimentada com base na dignidade e no destemor com que sempre emoldurei as minhas posições.

Belo exemplo

Juíza interdita carceragem em delegacia do interior do Maranhão

Juíza Samira B. Heluy/TJMA

Juíza interdita carceragem em delegacia do interior do Maranhão

Carceragem da Delegacia da Polícia Civil de Miranda do Norte/MA.

A juíza titular da 2ª Vara da Comarca de Itapecuru-Mirim/MA, Samira Barros Heluy, determinou a interdição da carceragem da Delegacia da Polícia Civil de Miranda do Norte, município a 138 quilômetros ao sul de São Luís/MA. De acordo com a decisão da última quinta-feira (10/1), a Polícia Civil do estado fica proibida de manter presos nas celas da delegacia até que sejam feitas as “adaptações necessárias para adequá-las às exigências legais”, pois “não apresentam qualquer condição para a saudável sobrevivência humana”, segundo a magistrada. Os presos terão de ser transferidos para outras unidades prisionais do estado.

Em inspeção realizada no fim do ano passado, a magistrada responsável pela execução penal no município encontrou um cenário de horror. “A carceragem fica no fundo do quintal da delegacia. Parece mais um canil. É uma situação deprimente”, afirma. Dentro da cela, foi difícil ver os quatro homens que a ocupavam, pois não havia luz alguma, mesmo com o sol a pino. Acima da cela, havia um grupo de urubus. Tampouco havia camas, colchões ou redes no lugar. Todos estavam acomodados no chão. A água fornecida aos presos vinha da torneira e ficava armazenada em caixas d’água destampadas, expostas ao sol, à chuva e aos insetos. A cor da água era bastante escura. A mesma água servia para matar a sede e para todas as outras necessidades fisiológicas dos encarcerados. “Os presos reclamaram que, muitas vezes, nem tal tipo de água era fornecido, chegando a passar até três dias seguidos sem água para beber e para a realização de higiene pessoal”, relembra a magistrada.

O forte cheiro de urina e de fezes e a sujeira no local eram generalizados, de acordo com a juíza. O lixo estava espalhado pelo chão. Quando doentes, os presos precisam gritar até que alguém dentro da delegacia ouça, por causa da distância que separa a cela da parte administrativa. “Fui titular da Vara de Execuções Penais de Imperatriz (segunda maior Comarca do Maranhão) e nunca vi situação igual”, conta.

De acordo com a lei, o preso só deve permanecer na delegacia durante 24 horas, no máximo, apenas enquanto é lavrada a prisão em flagrante. A decisão da magistrada determina que a carceragem deixe de abrigar qualquer pessoa, mesmo os presos que aguardam a lavratura de flagrante.

Fantástico – Dois anos atrás, reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, exibiu as precárias condições de delegacias no interior do Brasil, inclusive a de Miranda do Norte. À época, a reportagem denunciou a superlotação das celas (havia 27 presos), o atendimento precário da delegacia e a insegurança da carceragem, além da insalubridade do local.

Segundo o coordenador em exercício do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (GMF/TJMA), Douglas Melo Martins, a falta de vagas para presos provisórios (ainda sem julgamento) é generalizada em todo o interior do estado. “Temos, atualmente, cerca de 1,3 mil presos em delegacias no interior do estado, em situação totalmente ilegal. Além disso, ainda há mais 600 presos provisórios do interior mantidos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas (único do estado, localizado na capital)”, afirma.

Manuel Carlos Montenegro 
Agência CNJ de Notícias

Se a moda pega por estas paragens

Band e jornalista são condenados por afirmar fato sem provas

O juiz da 5ª vara Cível de SP, Francisco Carlos Inouye Shintate, condenou a emissora de rádio Band e o jornalista Agostinho Teixeira a indenizarem em R$ 100 mil uma empresa fabricante de corantes por reportagem que a apontava como vendedora de produtos para adulteração de combustível.

A emissora divulgou notícias de que a empresa teria praticado o ilícito sem identificar quem deu a informação ou ter outros meios de prova que comprovassem o divulgado.

O magistrado, ao analisar o caso, ponderou que “o direito de personalidade prevalece sobre o sigilo da fonte e a liberdade de informação. Ao afirmar fato sem ter provas, o órgão de imprensa divulgou fato falso”. E concluiu, ao fixar os danos morais, “ilícita a ação, que causou gravame à imagem da autora dada a grande circulação em âmbito nacional e na internet”.

 Leia matéria completa aqui

Pharmakon

platao1Lendo Platão (Fedro) detive-me, para essas reflexões, na passagem em que ele diz que a linguagém é um pharmakon, palavra grega que em português quer dizer remédio, veneno e cosmético. É dizer: a palavra tanto pode ser um remédio para o conhecimento, como um veneno, pois, algumas vezes, nos fazem acreditar e aceitar como verdadeiras coisas que não vemos ou não lemos, sem sequer contestar. A palavra, da mesma forma, pode ser apenas um cosmético, uma maquiagem, uma máscara para dissimular.

O que se pode deduzir, à luz das ponderações de Platão, é que se deve sempre ter muito cuidado com as palavras. Aliás, sobre essa questão já tive oportunidade de refletir aqui mesmo, neste mesmo blog.

Prossigo.

É preciso, ademais, sempre à luz dos argumentos de Platão, muita prudência em face do que dizemos ou ouvimos dizer. Não se pode, sem exame crítico, acreditar em tudo que lê e se diz. Não se pode, de mais a mais, perder de vista que o Ministério da Verdade, nos dias presentes – ou desde sempre – , não é apenas uma ficção, sabido que todos os dias, todas as horas, a todo instante somos bombardeados por inverdades que são divulgadas por uma facção midiática, com o claro objetivo de ludibriar,  dissimular, escamotear, enganar.

A propósito, Sócrates, opondo-se aos sofistas, afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas que primeiro deveríamos afastar as ilusões dos sentidos e  as das palavras ou das opiniões e alcançar  a verdade apenas  pelo  pensamento, pois que os sentidos nos dão as aparências das coisas e as palavras, meras opiniões sobre elas. Conhecer, pois, segundo Sócrates, é passar da aparência à essência, da opinião ao conceito, do ponto de vista individual à ideia universal de que cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e política ( Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p.111/112)

A palavra tem, sim,  um poder mistificador muito grande, daí a reafirmação de que devemos ser prudentes diante de uma informação, que, muitas vezes, objetiva apenas confundir.

Quando nos colocamos diante da nossa televisão, na busca de informação, fica-se sempre com a sensação de que a obra de Orwel conqaunto seja ficcional, mas parece não sê-lo.

Tem sido sempre assim

Eu não tenho revisor dos meus textos. Disso decorre que somente depois de publicá-los, mais precisamente no dia seguinte, quando volto à sua leitura, dou-me conta dos erros neles incrustrados. É nessa hora que – ainda não definitivamente – faço as correções. Invariavelmente, tem sido assim. Com um detalhe: todas as vezes que leio o texto deparo-me com novos erros, até que, finalmente, desisto. Com o publicado abaixo ( Às favas a consciência moral) não deve ser diferente. Peço ao leitor que os releve, pois.

Às favas a consciência moral

dinheiroTodos temos acompanhado, com preocupação, a proliferação de assaltos a mão arma, os quais têm feito sucumbir pessoas inocentes, muitas das quais no limiar da sua juventude, destruindo sonhos e espargindo pesadelos. Mas os assaltantes não escolhem as vítimas; tudo depende das circunstâncias. Nessa volúpia eles assaltam novos e velhos. Pouco importa, pois, a idade da vítima. Só destaquei, inicialmente, os jovens, em face da primeira lembrança que me veio à mente, em face das últimas notícias veiculadas acerca do assunto.

Nenhum de nós que saia de casa,  nos dias presentes,  pode afirmar que para casa voltará. Nós não temos a mais mínima noção do que será da nossa vida, tão logo saímos  à rua, pois podemos ser assaltados – e perder a vida – ainda na porta de casa.

Mas os assaltos não ocorrem somente da porta da rua para fora, afinal, a ousadia dos meliantes não tem limites; eles ousam muito, e, nesse sentido, se necessário, invadem o nosso lar, sem receio de nada.

Esse é o quadro. Essa a situação; situação de extrema gravidade, que muitas vezes não nos afligem, a menos que sejamos nós mesmos as vítimas ou pessoas da nossa mais estreita relação.

Noutro giro, vê-se, agora, a proliferação de linchamentos, o que, na minha avaliação, só era questão de tempo, vez que a população, agastada, maltratada e espezinhada, já não suporta tanta violência, sem que sinta a reação do Estado no sentido de coibi-la ou de punir os criminosos.

Além dos linchamentos, testemunhamos, ademais, a reação a mão armada em face dos assaltos. Nos últimos dias os jornais têm dado destaque a essa questão. O grave é que com todos que conversamos sobre o fato ouve-se a mesma exclamação: ” bem feito. Se fosse comigo faria a mesma coisa”.

A verdade é que quem pode se defender, cuida logo de fazê-lo, sem esperar pela (re) ação da polícia de segurança, que, claro, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Esse tipo de constatação é gravíssimo. É que quando o homem decide fazer a sua própria Justiça, descambamos para selvageria, cujas consequências não são difíceis de mensurar.

Diante desse cenário desolador,  é forçoso perscrutar as razões pelas quais os crimes  proliferam dessa forma e por que as pessoas reagem, fazendo justiça com as próprias mãos.

É necessário perquirir, ademais, por que os assaltos restaram banalizados e por que as vítimas agora reagem na mesma proporção.

Atrevo-me a responder essas questões  à luz das minhas convicções pessoais e em vista da minha experiência de juiz criminal.

Pois bem. Desde a minha compreensão a prática disseminada de assaltos decorre do consciência moral dos meliantes.

Explico. Há muito tempo,  parte dos excluídos – aquele a quem o estado tudo nega –  sedimentou na sua consciência  a convicção de que se a nossa elite “rouba” o dinheiro público e nada acontece, ele, também, tem o direito de subtrair bens de terceiros, ainda que o faça mediante violência e ainda que, em relação a ele, haja  maior probabilidade de eventualmente ser  alcançado pelas instâncias persecutórias.

Simples assim, na concepção do excluído. Ora, se a elite dirigente faz todo tipo de tramoia  com o dinheiro público e nada acontece, ele, cidadão comum, alijado de tudo, conclui que também pode fazer as suas travessuras.

O meliante, com essa consciência moral deturpada,  avalia os riscos, sabe que pode ser preso e que, uma vez preso, pode, sim, ser condenado ( diferente da elite dirigente, que tem certeza da impunidade). Todavia, ainda assim,  correndo todos os riscos, ele arrisca. Na concepção dele, vale arriscar, mesmo porque, diferente do colarinho branco, ele não tem a chave dos cofres públicos, ele não tem nenhum canal que lhe favoreça o acesso aos cofres públicos. Para o roubador,  à luz da sua consciência moral, ainda que correndo riscos, vale a pena tentar, afinal, ele é apenas mais um no mundo do crime, segundo a sua consciência moral.

Não pense você, não pense ninguém, que esse tipo de meliante não tenha consciência do que está fazendo. Ele sabe que é errado. Ele tem consciência que corre riscos. Mas não desiste. Ele agora está envolvido pelo sensação de que se os outros podem ele também pode. E assim pensando, vai em frente, parte para o ataque, na esperança de que  não venha a ser alcançado pelos tentáculos persecutórios do Estado, conquanto tenha certeza de sua fragilidade em face desse mesmo Estado, cujas instâncias têm os olhos voltados apenas para pequena criminalidade.

Simplificando: o meliante, o  criminoso do colarinho amarrotado, se sente estimulado a praticar crimes, porque testemunha, todos os dias, o enriquecimento ilícito dos colarinhos engomados, sem que nada lhes ocorra – a não ser, claro, excepcionalmente.

Diante desse quadro ele indaga, do alto de sua consciência moral: se o bacana pode, por que eu não posso? Se meu vizinho vive de roubos e ninguém nunca o puniu, por que eu também não posso?

Ao cidadão de bem – aquele que não desvia dinheiro público e nem se atreve a assaltar -, abandonado pelos órgãos de segurança, só resta, diante desse tenebroso quadro, reagir; e tem reagido, daí os linchamentos e as defesas pessoais que proliferam.

Os linchamentos e a reação armada em face dos assaltos decorrem, ademais, da falta de credibilidade das nossas instituições.

A verdade é que as pessoas não suportam mais ser assaltadas, para, depois, deparar-se com o meliante em liberdade, à conta da sua presunção de inocência.

Da mesma forma, as pessoas já não suportam, mas não podem reagir da mesma forma, em face da roubalheira do dinheiro público. Todavia, ainda que mais contidas em relação a essas questões, têm reagido defenestrando do poder os larápios do dinheiro público, pela via convencional e democrática que são as eleições.

É necessário que olhemos essas questões à luz de um juízo de valor acurado. A continuar assim, não tenho dúvidas, o cidadão comum passará, doravante, ao exercício da sua defesa, sejam quais forem as consequências, com mais sofreguidão. Se essa reação se disseminar, ainda será uma verdadeira guerra civil.

Do acima relatado a constatação, é obvia: o cidadão comum só reage em face de um assalto, porque descrê das nossas instituições, porque delas faz um péssimo juízo de valor.Da mesma forma, em relação aos assaltantes dos cofres públicos, o cidadão só não tem reagido com violência porque a situação não favorece. Mas, com certeza, a vontade de reagir é muita, em face de sua indignação com tantos desvio de dinheiro público, em detrimento, por exemplo,  dos serviços públicos primários que sequer são fornecidos.

As pessoas sabem, sim, o que é certo e o que é errado. As pessoas  – excluídos os meliantes a que me reporto nessas reflexões – têm senso e consciência moral normais. Mas sentem que não podem mais aguardar.

As pessoas não têm esperança que o roubador que atentou contra o seu patrimônio possa vir a pagar pelo que fez, nem tampouco restituir o que roubou ou lhe ressarcir pelos danos causados, mesmo porque o roubador é, sobretudo, um miserável; diferente do colarinho branco que vive e convive nas mesmas rodas sociais que vivemos, esnobando o resultado dos desvios que protagonizou, sem a mais mínima cerimônia.

Os meliantes do colarinho branco, diferente dos roubadores, são, sobretudo, uns esnobes e debochados, pois não fazem a mínima questão de esconder o patrimônio que amealharam com as verbas desviadas. Para eles o bom mesmo é ostentar. E às favas a consciência moral, afinal, pensam, não vieram à terra para consertar o mundo.