Nós todos, todos os dias, todas as horas, fazemos história.
Todos os dias, a cada momento, escrevemos mais um capítulo da nossa história, na condição de protagonistas ou na condição de coadjuvantes de outros personagens que, da mesma forma, vão construindo a sua própria história.
Diante dessa constatação, olho para trás e vejo que, mesmo irrelevante, dentro de um contexto no qual pontificam luminares, vou construindo a minha história. Mas tenho consciência que não é muito, que tudo que eu fiz é quase nada e que, por isso, quase nada do que realizei será legado para a história, no sentido mais amplo do termo.
A verdade é que eu não posso, em face mesmo da minha quase irrelevância, ir além do que já construí, porque tenho a exata noção dos meus limites, da minha importância no contexto no qual realizo a minha produção intelectual.
Em face do pouco que edifiquei, só desejo que a história reserve para mim um lugar de destaque em face das minhas boas intenções e em face de nunca ter usado o poder para fazer o mal a ninguém. Se algo tiver que ser escrito na minha lápide, depois que eu deixar a vida terrena, basta que fique consignado o seguinte: aqui jaz um bem-intencionado.
Conquanto constatemos, por óbvio, que cada um faz a sua história, não se há de obscurecer, com a mesma obviedade, que em torno de cada personagem da história criam-se fantasias, para o bem e para o mal, muitas deles com o claro objetivo de diminuir-lhes a importância. E o mais greve é que, algumas vezes, a fantasia, o lado negativo, enfim, acabo por preponderar no inconsciente das pessoas. O exemplos são inumeráveis.
Por mais que façamos, por mais que realizemos, por mais que nos destaquemos, haverá sempre quem trabalhe para minimizar o nosso valor, a nossa importância. Ainda que reconheçam em nós algum valor, cuidam de destacar um eventual defeito, pelo mórbido prazer de minimizar o valor das nossas realizações. Nesse sentido, todos sabem, seria até despiciendo dizer, que, por muitos anos, fui alijado de promoções para a Corte estadual, ao argumento de que, embora fosse um magistrado correto e trabalhador, era arrogante e incendiário. À conta desse estigma fui sendo preterido.
Um dado apanhado da história ilustra bem essas reflexões. Protágoras *( O homem é a medida de todas as coisas) foi criticado duramente por Sócrates, pelo fato de cobrar pelas aulas que ministrava, e, à conta disso, ter progredido financeiramente, cumprindo consignar que as aulas que ministrava se destinavam aos jovens homens de famílias ricas ou nobres.Esse lado de Protágoras, que bem poderia ter sido relevado, em face do seu legado, acabou servindo de pretexto para críticas acerbas, a reafirmar as conclusões que aqui emolduradas.
Constata-se, no exemplo, que, muito provavelmente, fossem quais fossem as virtudes de Protágoras, fossem quais fossem a sua contribuição intelectual para sociedade, para sociedade em geral e para Péricles em especial, ainda assim, seria criticado- se não fosse por esse motivo, seria por outro, afinal, nenhum de nós escapa da maldade do homem. É dizer: ainda que não tivesse defeito, ter-se-ia que imputar-lhe um, fosse qual fosse, para minimizar a sua importância, como, de resto, aconteceu com o próprio Sócatres, cujo morte sabemos em quais circunstâncias ocorreu.
A conclusão a que se pode chegar, em torno dessa questão, é que, por mais que façamos, por mais que realizemos, sejam quais forem as nossas contribuições para história, haverá sempre quem prefira, ao invés de reconhecer o nosso valor, nos criticar em face de uma ação menor.
*Protágoras, o mais conhecido dos sofistas, nasceu em Abdera, em 483 a.C. Era amigo pessoal de Péricles e foi o responsável pela incumbência de escrever as leis para a colônia de Turi, fundada em 480. Por ter afirmado que ninguém podia garantia a existência ou inexistência dos deuses, foi acusado de sacrilégio, condenado e banido de Atenas, e as suas obras foram queimadas na praça da cidade. Morreu em 410 a.C., em um naufrágio, durante a fuga para Sicília.