A luta do homem é quase sempre em face do próprio homem.
Vivemos, assim, lutando contra a inveja, o preconceito, a vingança, o ódio, a perfídia, o descaso, a prepotência, a arrogância, a perseguição, a maldade, o sentimento mesquinho, e muito mais, do homem em detrimento do próprio homem.
Nenhum animal atemoriza tanto o homem quanto o próprio homem.
É de estarrecer a constatação que quando colocamos a cara na porta da rua passamos a ver em cada transeunte um inimigo em potencial. E isso não e paranóia do articulista. Isso é fato. Basta consultar as pessoas que eventualmente encontremos em nosso caminho.
Em Otelo, de Shakespeare tem um eloquente exemplo do que o homem é capaz. O sentimento de vingança, a traição e desfaçatez de Iago não tem limites. Ardilosamente ele vai envolvendo Otelo no seu projeto de vingança, em face de um interesse contrariado ( tudo por causa de sua preterição em uma promoção).
Bom seria se a sordidez do homem para com o homem ocorresse apenas na literatura. Mas não.Esses sentimentos menores e mesquinhos permeiam a vida todos nós. É por isso que, racionalmente, tememos o nosso semelhante.
É muito raro, em uma corporação, que esses sentimentos não se manifestem, o que é uma pena, pois trabalham contra a harmonia da própria instituição.
Quem vive nas corporações sabe que a sensação que a gente tem, que impregna a nossa alma, é que possam, em algum momento, estar tramando contra algum membro, por pura maldade.
Muitas vezes isso pode até não estar ocorrendo. Todavia, de tão acostumados a testemunhar esse tipo de conduta em outras corporações, ficamos sempre atentos e na expectativa de que em algum momento poderemos ser vitimados por uma maldade.
A verdade é que, como disse no início dessas reflexões, a luta do homem é quase sempre em face do próprio homem; homem que,muitas vezes, para se dar bem, para levar vantagem, na mede as consequências de suas ações. Por isso, são capazes, sim, de fazer o mal ao semelhante, para se dar bem, para auferir vantagens.
Na história pode-se apanhar vários exemplos de até onde pode chegar a maldade do homem na busca da vantagem material.
No porão dos navios negreiros que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta, para servirem à ambição do homem, a possibilitar que impérios fossem erguidos à custa do seu sofrimento.
O capitão da belonave inglesa Fawn, que capturou , na costa brasileira, o navio negreiro Dois de Fevereiro, relatou o que viu nos porões do referido navio, nos seguintes termos: “Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros, esqueletos vivos, arrastando-se com dificuldade, incapazes de suportar o peso dos seus corpos miseráveis. Mães com crianças pequenas penduradas em seus peitos, incapazes de dar a elas uma gota de alimento. Como os tinham trazido até aquele ponto era surpreendente: todos estavam completamente nus. Seus membros tinham escoriações por terem estado deitados sobre o assoalho durante tanto tempo. No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável. Parecia inacreditável que serem humanos fossem capazes de sobreviver naquela atmosfera”(cf. Eduardo Bueno, in Brasil, uma história, fls.121/122, 2012).
Esse fato histórico decerto que confirma as minhas notas preambulares: o homem tem tudo para temer o próprio homem.