Abaixo artigo que será publicado no Jornal Pequeno no próximo domingo.
Esse texto ainda vai para revisão, antes de ser enviado ao jornal.
Abaixo, o texto.
Fui assaltado! E daí?!
José Luiz Oliveira de Almeida*
Nesse texto eu vou deixar o coração falar. Não vou fazer nenhum (re)exame crítico. Vou deixar, pois, por conta do leitor as conclusões, afinal, aqui vou apenas fazer um desabafo; desabafo de alguém que se vê impotente diante da criminalidade – a violenta, sobretudo.
Pois bem. Fui juiz criminal em São Luis por longos dezenove anos. Nunca transigi com a criminalidade violenta. Todos sabiam – advogados, promotores e defensores – que, tratando-se de assaltantes, por exemplo, a regra, na 7ª Vara Criminal, da qual fui titular, era a manutenção ou a decretação da prisão dos meliantes violentos e/ou perigosos.
Sempre entendi – e continuo entendendo – que não se deve tergiversar com a criminalidade violenta. Sempre (re)agi, sim, com o maior rigor, no enfrentamento dessas questões. Nunca, inobstante, perdi o rumo. Nunca deslustrei as garantias constitucionais dos acusados. O rigor da minha ação nunca teve um viés de vingança. Nunca solapei direitos, por pior que fosse o meliante. Mas sempre (re)agi, sim, com muito rigor, por entender que o roubador, é, acima de tudo, um covarde. Nunca fui bem compreendido por isso. Mas todos sabiam a minha posição. Ninguém se surpreendia com as minhas decisões em torno dessa questão.
Por ironia do destino, semana passada fui assaltado, às 17H00, numa das avenidas mais movimentadas de S. Luis. Logo eu que sempre combati os assaltantes, que nunca transigi com eles. Senti na própria carne o que sentiram – e sentem – as vítimas de assaltos. É uma sensação horrível! O sentimento é de impotência! De revolta! A gente se sente um lixo! Pior: somos tratados pelos meliantes como se nós fôssemos rebotalho, material de segunda. Eles não! Eles têm todo direito de nos afrontar, de nos agredir fisicamente e de dilapidar o nosso patrimônio, como se fôssemos responsáveis pelas suas dificuldades, pelas eventuais injustiças sociais em razão das quais se julgam vítimas, quando os verdadeiros culpados, em face dessas questões, estão muito bem protegidos, muitas vezes pelas próprias forças do Estado.
Os meliantes agem como se fôssemos nós, cidadãos comuns, os culpados pelas mazelas do Estado, pela falta de segurança, de educação, de saúde, pela sua situação de evidente abandono pelos órgãos do Estado. É como se fosse pecado ascender, numa sociedade sabida e marcadamente injusta. É como se tivéssemos que pagar o preço pelos erros que os outros cometem no exercício do poder.
As causas da criminalidade são as mais diversas. A sensação de impunidade, não tenho dúvidas, é mais um dos muitos estímulos à criminalidade. Mas não me animo em fazer esse tipo de análise agora. Não é oportuno. Eu quero mesmo é deixar o coração falar. Dizer o que sinto. Dizer da minha revolta. Clamar por segurança. Dizer que cansei, que meus filhos e meus amigos cansaram de ser assaltados, de viver a vida se escondendo como se fôssemos criminosos. O que quero mesmo é externar a minha revolta com a situação de total descalabro a que chegamos, com a criminalidade violenta batendo à nossa porta, nos tirando o sossego, nos encurralando dentro de casa, como se nós fôssemos os verdadeiros criminosos.
A verdade é que eu, você e todos os homens de bem dessa comunidade não temos culpa do caos que se verifica na segurança pública do Estado. Eu não sou o responsável pelas injustiças sociais que todos percebemos. Eu, você e tantos outros somos, sim, apenas vítimas de tudo que está aí. Por isso me revolta! Por isso todos temos que nos revoltar e reagir! Temos que gritar bem alto a nossa indignação! Eu vou gritar bem alto o meu sentimento de abandono e de humilhação, pois não aceito que, como cidadão, não tenha o direito de sair de casa para fazer um exercício, ante o risco de sucumbir em face da ação de meliantes; meliantes que, não se há de negar, tomaram conta da cidade, nos colocaram pra correr, ou melhor, para nos esconder dentro das nossas fortalezas. Eles são os donos do espaço público. A verdade é que os logradouros não são mais públicos; foram privatizados pelos meliantes, que nada temem, que nos roubam e ainda ousam nos chamar de vagabundos.
Que fique claro, para aqueles que nos roubam como uma reação pelo que (não) fazem os nossos dirigentes, que eu, tanto quanto qualquer pessoa honesta, não tenho culpa se surrupiam as verbas da saúde, se tiram a merenda escolar da boca dos infantes ou se usam a coisa pública como se fora propriedade privada. E também não sou responsável pela impunidade. Eu, como você, também sou vítima do que está aí. Eu, como você, também me revolto. Mas não saio por aí vendendo decisões, a propósito de justificar a minha revolta com o que está posto aí diante dos nossos olhos. Nós, tanto quanto qualquer pessoa humilde, somos vítimas da má gestação, do desvio de verbas, das injustiças sociais, da falta de saúde, de educação e de segurança. Estamos, pois, no mesmo barco.
Nós, cidadãos de bem, que não nos furtamos de pagar impostos, não merecíamos viver num ambiente no qual nos sentimos fragilizados pela falta de política de segurança capaz de fazer refluir os índices de criminalidade. A vida em sociedade, nesse panorama, se tornou insuportável. Aonde vamos, dependendo da hora, nos deparamos com pessoas que o nosso inconsciente nos faz crer ser mais um assaltante que pode nos bater a carteira ou nos roubar a própria vida. Não dá pra viver assim! Alguma coisa tem que ser feito!
Retomando ao assalto que me vitimou, depois do fato fiquei algum tempo na avenida, em pé, estupefato, sem ação, absorto, sem saber o que fazer e a quem apelar, olhando para o lado e para o outro, em busca de uma viatura da Polícia. Depois de muito esperar, fui abordado por um advogado amigo e sua esposa, que me levaram à Delegacia do S. Francisco, onde registrei a ocorrência. Feito o B.O., fiquei sabendo que a única viatura estava para o conserto.
Diante desse fato, resta indagar: como pode? Um dos bairros mais violentos de S. Luis não tinha uma viatura para diligências! É desalentador! É revoltante! Como não se indignar? Como aceitar esse descalabro sem nada dizer? Afinal, sou um cidadão que tenho dado a minha contribuição à sociedade. Como qualquer homem de bem, pago meus impostos e tenho o direito de exigir do Estado que cumpra a sua obrigação. E é obrigação do Estado prover a minha, a nossa segurança.
Nos dias presentes, como a maioria dos maranhenses, estou encurralado. Fico trancado no meu apartamento, olhando da janela a vida fluir, impossibilitado de sair de casa para fazer uma simples caminhada, mas essencial à minha saúde, com receio do que me possa ocorrer, em face do abalo psicológico que decorreu da ação marginal, da qual saí humilhado e revoltado, como tantos outros maranhenses, que, como eu, se sentem abandonados pelas agências de controle.
Mas a vida tem que continuar. Logo, logo retomarei as minhas caminhadas, sabendo que, como qualquer pessoa do povo, posso sair perdendo dessa guerra, afinal não se vislumbra uma luz que possa iluminar as ações dos que, podendo, nada fazem.
*Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
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