Abaixo, as reflexões publicadas neste blog, na versão encaminhada ao Jornal Pequeno para publicação.
As escolhas que a morte faz
José Luiz Oliveira de Almeida*
Estou retornando, aos poucos, às minhas reflexões quinzenais, depois de um longo período de hibernação, durante o qual compartilhei as minhas angústias e frustrações com poucos amigos e parentes.
Aproveitei esse longo período para aprofundar as minhas reflexões acerca das mais variadas questões, para reavaliar as minhas posições, para refazer alguns conceitos, para mudar a direção, para, enfim, me preparar psicologicamente para as intempéries, para as dificuldades que decerto teria que enfrentar em face das opções de vida que fiz.
Infelizmente, fui surpreendido, no auge das minhas introspecções, com a notícia da morte de um parente muito próximo, que já vinha lutando, fazia algum tempo, para recuperar a saúde. Esse fato me compeliu a direcionar as minhas angústias e inquietações para a inevitabilidade da morte, tema sobre o qual eu sempre relutei refletir.
Depois de detida reflexão, terminei por concluir que a morte, definitivamente, não tem critérios e discernimento nas escolhas que faz, afinal, ela faz opções que, por mais que tente, não consigo compreender. Ela chega, sorrateira e traiçoeiramente, e leva, muitas vezes, quem a gente supunha que ela deixaria entre nós, pelos mais diversos motivos.
Reafirmo que a morte não tem critério nas eleições que faz. Faz escolhas, muitas vezes, que não compreendo, e que, no mesmo passo, abalam a minha fé. Ela vai chegando e vai levando quem entende deva fazê-lo, pouco se importando com o sofrimento, com a dor, com a saudade dos que ficam.
A verdade é que ela, ao que parece, não tem mesmo a quem dar satisfações: age, algumas vezes, por impulso; outras tantas, refletida e maquiavelicamente, dando ao “eleito” um tempo para pensar sobre o que aprontou na vida terrena, quiçá para que possa, ainda em vida, se arrepender dos pecados, pois, afinal, é em face da proximidade da morte que muitos revêem os seus conceitos, que admitem os seus erros, que pedem perdão pelo mal que fizeram.
É claro que os movidos pela fé, que a tudo é capaz de justificar e explicar, devem entender as opções que a morte faz – se é que a fé pode levar o homem a essa dimensão. Eu, de meu lado, conquanto não perca a fé, tenho o direito de contestá-la, de dizer-lhe que não compreendo as suas opções – e que, por isso, quase nunca aceito as escolhas que faz.
A verdade é que a morte é sempre traiçoeira, mal-humorada, temida, vingativa e pérfida. Por isso, não quero conversa com ela; dela quero distância, pois, mesmo quando ela acena antes, anunciando a sua chegada, ela é cortante, não faz concessões, nos impõe um sofrimento que não tem limite.
Por maior que seja a fé do “eleito”, e dos que estão próximos, ela no fim- essa é a sensação que tenho -, sempre vence, ainda que muitos acreditem, pela fé, que, através dela, somos apenas levados dessa para uma vida melhor.
Todavia, repito, eu não consigo, nunca conseguirei entender as opções que a morte faz. Eu sempre me sinto frustrado, decepcionado diante das suas opções. Nunca compreenderei, por exemplo, por que a opção pelos quase trezentos jovens de Santa Maria.
E não adiante argumentar que saímos dessa para uma vida melhor, pois não é disso que estou tratando! Aqui não discuto fé, não discuto religião. Não entro nessa seara! O que estou argumentando é que a “senhora morte”, desde meu olhar, sempre me surpreende com as opções que faz.
A sensação que todos temos é que há muitos entre nós que, levados, não fariam falta. Todavia, passam incólumes: vão ficando por aqui, aprontando, afrontando, roubando, matando, desviando, fazendo toda sorte de traquinagens.
A verdade é que não gosto, definitivamente, dessa “senhora”, afinal, cedo ou tarde, sei que ela me fará uma visita; mas não será bem recebida, eu não hesitarei em enfrentá-la, com todas as minhas forças, conquanto admita a sua inexorável vitória, afinal, ninguém logrou, até hoje, sobrepujá-la; quando muito, ela recebe um safanão, que não altera a sua decisão, afinal, ela sempre volta depois para nos confrontar e vencer a batalha; a vitória, no fim, é sempre dela. Nós apenas, muitas vezes, adiamos a sua vitória. Vencemos algumas batalhas, mas, no fim, quem vence a guerra é ela mesmo.
O tempo passa, e ela, de surpresa, muita vezes, aparece e leva um dos nossos, sem nada explicar, sem nada dizer, como se não tivesse a quem dar satisfações.
Ela, algumas vezes, tem, até, a consideração de mandar um recado; outras, nem tanto. Chega, muitas vezes, sem aviso prévio, e leva o escolhido, pouco se importando com a dor dos que ficam. Outras vezes, apenas para enganar, ela deixa as suas “vítimas” algum tempo conosco, enchem-nos de esperança, para, depois, traiçoeira com é, levá-las consigo, deixando em seu lugar apenas a saudade – a eterna saudade, a lancinante saudade.
Eu, cá do meu canto, muitas vezes incrédulo, importa reafirmar, nunca consigo compreender as escolhas que a morte faz. Não as compreendendo, a mim só me resta, como tem que ser afinal, acatar os seus desígnios e seguir adiante, dela mantendo a distância possível, até o dia em que ela, finalmente, me alcançará, como, de resto, alcançará a todos nós.
PS. Espero que não dêem a essas reflexões a dimensão que elas não têm. Elas são apenas fruto da minha imaginação, sem intenção de fomentar discussões de cunho religioso, tema sobre o qual não tenho condições intelectuais de argumentar.
*É membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
Blog: joseluizalmeida.com
E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com