COMO UM GATO

Tenho dito, sem surpresa, para os que me conhecem, que, como um gato, não sou do tipo que se entrega ao primeiro afago, ao primeiro aceno.

Esse é um traço marcante – e, às vezes, incompreendido – da minha personalidade.

Se é certo ou errado não sei dizer.

A vida – pessoal e profissional – me ensinou a ser assim, a ter cautela nas minhas relações, por isso pareço – e sou mesmo! – do tipo ensimesmado, opção de vida a qual fui compelido ante algumas amargas experiências pessoais e depois de quase 40 anos lidando com criminosos dos mais variados matizes.

Por ter vivido intensamente os momentos marcantes que me foram proporcionados pelo meu trabalho – somados à minha história de vida pessoal, claro -, e por ter, nessa lida, me defrontado com personalidades díspares e surpreendentes, é que, como uma defesa, aprendi a agir com prudência excessiva nas minhas relações, cautela comparável a dos gatos, cuja personalidade poucos compreendem.

Para iniciar uma relação, com efeito, reflito intensamente, para, só depois, me entregar; entrega que, muitas vezes, se verifico tibieza na pessoa com a qual me relaciono, não chega a se concretizar definitivamente; se ela se concretiza, entrementes, uma vez rompidas todas as barreiras, explodidas todas as pontes, vou ao extremo, me entrego por inteiro.

Não sou mesmo, admito, do tipo simpático, que se entrega ao primeiro aceno. Aliás, tenho até uma certa restrição ao primeiro aceno; tenho sempre a perturbadora sensação de que ele pode ser meramente protocolar – e, na maioria das vezes, é mesmo -, por isso prefiro primeiro a cautela para, só depois, consolidar a relação.

Às vezes, na ânsia de ser simpático, forço a barra, até tento ser o que não sou verdadeiramente, apenas para parecer fidalgo, conquanto, admito, não venda essa falsa percepção de mim mesmo por muito tempo; logo me revelo por inteiro.

A propósito e para ilustrar, Albert Camus, em A peste, e-book, 23ª edição, Editora Record, 2017, narra o comportamento de um ancião, que, todos os dias, depois do almoço, nas horas em que a cidade inteira cochilava, aparecia numa varanda, chamava os gatos que estavam do outro lado da rua, para, em seguida, manifestar seu desprezo por eles, escarrando sobre os mesmos, até o dia que precisou deles para espantar os ratos, e com eles não pode contar.

A lição que se pode tirar da obra ficcional, é que não se deve julgar as pessoas apenas porque são arredias, ensimesmadas e casmurras, sabido que elas podem não ser exatamente o que aparentam ser, na medida em que, “o que é, é, o que não é, não é” (Parmênides), ou seja, é preciso, antes, refletir, aprofundar, prospectar, enfim, sobre aquilo que os olhos apenas percebem, pois sempre há uma verdade subjacente que precisa ser desvendada e também porque há sempre a possibilidade de, um dia, precisarmos dos gatos para espantar os ratos.

É isso.

ERRAR É HUMANO?

Em face da indagação/título desse artigo, respondo afirmando que o aforismo, quando invocado, está, quase sempre, condicionado às conveniências de quem o proclama.

Importa reconhecer, contudo, ser esse o apotegma presente nas nossas relações com o semelhante; princípio de alcance moral que, não raro, se traduz apenas em um sopro, mera força de expressão, dependente, como antecipei acima, das conveniências de quem dele faz uso.

A sentença moral referida, é verdade, permeia as relações sociais desde sempre; às vezes, reafirmo, apenas como uma banalização da expressão, sem consequência prática nas nossas relações, pois que dita, como tantas outras, ao sabor das circunstâncias/conveniências, na medida em que não são poucos os que, ante ao erro ou a uma ação/reação decorrente de uma falsa percepção da realidade, são implacáveis censores.

Os meus sentidos me alertam que o erro só é reconhecido, como próprio da nossa condição de seres humanos, quando cuidamos dos nossos próprios deslizes, para os quais emprestamos toda a nossa complacência, toda a nossa delicadeza e compreensão. É que, verdade iniludível, quando lidamos com os erros dos outros, a eles emprestamos apenas a nossa repulsa e reprovação.

Essas reflexões resultam, portanto, de uma constatação óbvia: nós não encaramos os erros – dos outros, claro – com a naturalidade que o aforismo pretende traduzir, a infirmar outra máxima popular, que complementa a original, segundo a qual se “errar é humano, perdoar é divino”.

Eu mesmo, por diversas vezes, fruto de muita incompreensão, precipitei-me nos julgamentos que fiz em face dos erros dos semelhantes, muitos dos quais menos graves que os deslizes que já cometi, a reafirmar que, se errar é humano, essa constatação/reconhecimento está a depender da posição que nos colocamos diante do erro cometido.

Diante das falhas/desacertos/lapsos dos iguais, para os quais reservamos a nossa avidez punitiva/censória, só somos capazes de refluir, de reavaliar, enfim, as nossas posições, quando, racionalmente, nos colocamos na posição desses mesmos iguais.

A verdade é que tendemos a julgar o comportamento dos congêneres como se fôssemos perfeitos, incapazes de um deslize, como se, na jornada da vida, permeada de vicissitudes, pertencêssemos a uma raça imune ao erro.

Para além de reconhecer que errar é humano, mais importante é ser capaz de perdoar o erro, à luz de uma necessária e inexcedível tolerância, na medida em que, nessa vida, só não erra quem não tentou acertar, por omissão ou covardia.

A questão que se coloca, portanto, e é esse o alvitre dessas reflexões, é saber se, em face do erro do semelhante, que muitos invocam para si como uma decorrência inevitável de nossa condição de seres humanos, somos capazes de, na mesma situação, perdoar quem errou, ou se o perdão é apenas uma manifestação oportunista que depende da nossa avaliação subjetiva e das nossas conveniências pessoais.

A verdade, sabida e ressabida, é que ninguém passa pela vida sem deslizes, pequenos ou grandes, daí por que todos deveríamos, com a mesma sofreguidão e parcimônia com que julgamos/perdoamos os nossos próprios erros, avaliar/perdoar os erros dos semelhantes, sem perder de vista, numa perspectiva filosófica, que o erro, no sentido empregado nessas reflexões, decorre, muitas vezes, apenas de um equívoco de julgamento do espírito.

É isso.

TODOS TEMOS OS DEFEITOS QUE TODOS TÊM

Pode parecer truísmo – e é mesmo: todos temos defeitos, uns graves, outros nem tanto.

De toda sorte, defeitos, a reafirmar a nossa indiscutível imperfeição, a nossa condição de seres humanos, enfim.

Mas o que importa para essas reflexões não é só a constatação dos nossos defeitos, porque, afinal, é apenas a reafirmação de uma ululante obviedade.

O que importa mesmo é a reafirmação de que todos temos os mesmos defeitos que todos têm, daí que apontar/censurar os erros do semelhante é, de rigor, uma hipocrisia, que todos teimamos em praticar.

Mesmo quando, sob a perspectiva da moralidade, insistimos em apontar os defeitos do semelhante – como todos fazem, afinal -, nós o fazemos para reafirmar a sentença, qual seja, de que, efetivamente, ter defeito não é privilégio de alguns, e que, nesse quesito, como em tantos outros, somos todos rigorosamente iguais.

E o que fazer diante dessa obviedade, qual seja, de que, no mundo dos mortais e pecadores, somos mesmo, de rigor, iguais?

Respondo que o que resta a fazer mesmo, diante de tamanha obviedade, é evitar ser hipócrita, ou seja, deixar de agir como se, num mundo habitado por pecados e pecadores, não fôssemos iguais – e somos, sim, nos defeitos, principalmente.

Importante consignar, pois, que reconhecer que temos os defeitos que todos têm, numa perspectiva humanista, pode se traduzir numa evolução transformadora, a reafirmar a máxima segunda a qual virtude também se aprende (Sócrates).

Destacado, à luz do exposto, a importância de reconhecermos que todos temos os mesmos defeitos que os têm os nossos semelhantes, resta, para mim, a óbvia constatação de que, se formos capazes de competir, nos dias presentes, criticamente, com quem fomos ontem, seremos, no presente, com alguma certeza, melhor do que fomos no passado, como consequência natural de um inevitável autoconhecimento.

Sob essa perspectiva, não só superaremos alguns dos nossos graves defeitos morais – muitos dos quais não fomos capazes de reconhecer antes -, mas, também, tendemos ser mais tolerantes diante dos defeitos do semelhante, pois, afinal, queiramos ou não, os defeitos do meu vizinho não são diferentes dos meus.

Para encerrar, duas obviedades: i – quando eu reconheço que tenho defeito e cuido dele, tudo tende se amenizar, mas, noutro giro, ii – quando eu nego a existência do meu defeito, aí não pode dar certo, afinal, como diz a sabedoria popular, quando viro as costas para o problema ele não deixa de existir; significa apenas que ele vai me pegar pelas costas.

É isso.

POR QUE TANTA PRESSA?

Eu já tive pressa; muita pressa.

Nesse alvitre, movido pelo desejo – irracional, às vezes – de fazer logo, de fazer hoje o que podia fazer amanhã, fui, muitas vezes, insensível, deixando, até, de manifestar os meus sentimentos mais nobres, contido e premido pelas circunstâncias da vida, como se não houvesse amanhã.

Hoje, passados os anos, já tendo vivido a dádiva da vida longa, me vejo perscrutando as razões de tanta impaciência, se havia mesmo motivos que me levassem a tanto açodamento.

Diante da constatação de que me impus uma urgência desnecessária, de que deixei a vida fluir sem dela usufruir como devia, digo pra mim mesmo, amadurecido e mais contido, repetindo uma passagem de uma bela canção popular (Tocando em frente, de Almir Sater), que, agora, sempre que possível, “ando devagar porque já tivesse pressa e levo um sorriso porque já chorei demais.”

A propósito da azáfama que nos move e que me levou a deixar de viver a vida como devia ter vivido, concluo, agora, quase a destempo, que eu devia, sim, ter compreendido a marcha da vida e simplesmente ter tocado em frente, buscando conhecer “as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maças”, como diz a bela canção popular antes mencionada.

Mas a verdade é que as pessoas têm pressa; todos têm pressa, porque, afinal, reconheçamos, a vida é um sopro, a nos impor a constatação de que tudo é pra ontem, impregnados que todos estamos de uma sensação inquietante de que, se não formos capazes de seguir a correnteza, se não entendermos o sentido da urgência, ficaremos pelo caminho.

Eu mesmo, em face do tempo, conquanto reconheça os equívocos de ter me apressado tanto, me pego pensando e concluindo que deixei de dar ao próximo o melhor de mim, o meu melhor sorriso, a parte doce da minha alma.

Correria maluca, desembestada, desenfreada, todos vivemos. Essa é a realidade da vida, mas injustificável, reconheço, porque, sei, ninguém pode domar o tempo, e ademais porque, afinal, há tempo de plantar e tempo de colher.

Diante de situações que tais, admito que, algumas vezes – ou não raro -, o óbvio precisa ser dito, daí a indagação que me inquieta e que me impulsiona a essas reflexões: para quê tanta pressa?

Não é incomum, diante da minha pressa – embora mais contido nos dias presentes -, as pessoas em meu entorno, simplesmente me advertirem, para me preservar, da desnecessidade da minha agonia.

Sou compelido a reconhecer que muita coisa podia ser diferente, sim, não fosse a minha pressa de fazer logo, de realizar logo; eu, seguramente, teria errado menos.

A propósito, trago a consideração, para ilustrar, uma passagem das reflexões de Amós Oz (Como curar um fanático. Israel e Palestina: Entre o Certo e o Certo, Companhia das Letras, p. 60), sobre a pressa que nos acomete a todos:

“[…] Há muitos anos, quando eu ainda era criança, minha sábia avó me explicou em palavras muito simples a diferença entre um judeu e um cristão – não entre um judeu e um muçulmano, mas entre um judeu e um cristão.

– Veja só, os cristãos acreditam que o Messias já esteve uma vez aqui e certamente voltará um dia.

Os judeus afirmam que o Messias ainda está por vir.

Por causa disso, houve tanta raiva, perseguição, derramamento de sangue, ódio…

Por quê?

Por que cada um não pode simplesmente esperar para ver?

Se o Messias chegar dizendo: Olá, é um prazer revê-los, os judeus vão ter de admitir e reconhecer o fato.

Se, por outro lado, o Messias chegar dizendo: Como vão, é um prazer conhecê-los, todo o mundo cristão terá de se desculpar com os judeus[…]”

Com as reflexões acima, resta indagar, mais uma vez: por que tanta pressa?

É isso.

O “PASSAPANISMO” ENTRE NÓS

“Passapanista”, para quem não sabe, é a pessoa que tem o hábito de defender os seus ídolos de estimação – políticos, líderes religiosos, amigos, patrão etc. – fazendo vista grossa em face dos seus erros ou simplesmente ignorando-os.

A expressão “passapanismo” ganhou contornos preocupantes no Brasil, na medida em que passou a ser considerada em face dos que, fanatizados, têm sempre uma explicação para, incondicionalmente, defender um político de estimação, sejam quais forem os seus erros/desvios de conduta/crimes.

O que tenho testemunhado, desalentado, é que, sejam quais forem as práticas desviantes de algumas destacadas figuras da República, os seus sequazes, cegamente, os absolvem, os aplaudem como se tivessem uma vida imaculada, o que sinaliza para uma parcela da sociedade injustificável tolerância com práticas que, noutros países, fulminam a carreira de qualquer homem público, como se deu, recentemente, em Portugal, quando o primeiro-ministro, tão somente em face de uma suspeita, se sentiu obrigado, em nome da moralidade, a renunciar, na compreensão de ser incompatível o cargo com alguma suspeita de conduta desviante.

Importa reconhecer, pois, que o “passapanismo” institucionalizado entre nós é grave e desalentador, porque incute na sociedade a grave sensação de que os desvios de conduta, desde que sejam dos do lado de cá, devem ser tolerados, na mesma proporção em que são condenados os desvios dos do lado de lá.

A propósito, dia desses assisti, estupefato/incrédulo/desalentado, numa determinada rede social, um desses próceres da nossa República, cheio de imputações por condutas desabonadoras/desviantes/criminosas, sendo abraçado por uma seguidora, que, tomada de emoção, chorava compulsivamente, como se o destinatário de seus efusivos cumprimentos fosse uma pessoa de conduta ilibada/irretocável, o que me leva a questionar os valores morais sobre os quais está assentada a formação moral de parte relevante de nossa sociedade.

Pior que isso é a tendência que os fanatizados têm de acreditar, sempre que são noticiados os maus feitos de seus líderes, que tudo não passa de uma perseguição política, ou que as acusações, como sempre argumentam, num discurso adrede esgrimido, foram tiradas de contexto, ainda que esse argumento, de rigor, seja apenas um sopro argumentativo.

Noutro giro, mas com a mesma relevância e em razão do que também me assusto, não é incomum a tentativa de justificar os desvios de conduta de uns, lembrando dos desvios de conduta do adversário, como se um erro justificasse o outro, a revelar, também sob essa perspectiva, que os valores morais cedem à visão fanática dos que da realidade só absorvem o que lhes convém.

Nesse mesmo cenário, vejo, por outro lado, a malsã e perigosa tendência dos devotos em atribuir à imprensa tradicional – e aqui me refiro, claro, aos veículos de comunicação comprometidos com a informação – a responsabilidade pelo fato noticiado, absolvendo, no mesmo passo e sumariamente, o autor das condutas desviantes, a revelar que muitos de nós precisamos, urgentemente, reavaliar os nossos valores morais.

É isso.

CAIR E LEVANTAR

Não é incomum encontrar leitores das minhas crônicas que me dizem gostar do que escrevo porque, na avaliação deles, falo com o coração e digo, às vezes, o que eles pensam e não falam, ou seja, com as minhas reflexões, vou ao encontro do seu pensamento, daí a conexão que se estabelece.

De outras tantas pessoas ouço, com alguma frequência, depois de minhas falas em alguma solenidade, que se emocionam com o que digo, porque veem nos meus olhos que sou verdadeiro, a reafirmar que os olhos são o passeio da alma, daí a minha convicção de que os olhos se manifestam, tanto quanto as palavras; às vezes, mais que as palavras.

Todavia, para captar as mensagens que os olhos mandam, é preciso ter sensibilidade, porque, muitas vezes, eles não são capazes de traduzir ao interlocutor, com alguma clareza, o que sentimos verdadeiramente.

Admito, todavia, que, numa ou noutra situação – nas crônicas que escrevo ou nas palestras que faço -, não é improvável que as avaliações que fazem de mim sejam fruto de um equívoco, afinal a capacidade que temos de estar equivocados em face do semelhante é imensurável, a reafirmar o apotegma popular, segundo o qual, “quem vê cara não vê coração”.

A verdade é que há uma porção enigmática em cada um de nós.

Mas admito que, no meu caso, em face sobretudo do que escrevo, acabo mesmo por desnudar um pouco a minha alma, contribuindo, com efeito, para compreensão de quem eu sou verdadeiramente.

Tenho procurado, sim, como uma necessidade mesmo, ser verdadeiro nas minhas reflexões, sobretudo porque não me apraz o autoengano – e muito menos enganar os que em mim confiam -, pois não incorporo na minha vida como verdade aquilo que sei se tratar de um embuste, ciente que sou de que mentir para si mesmo é uma das grandes armadilhas da mente.

Eu não suportaria falar e/ou escrever sobre o que não sinto ou sobre o que não conheço, pois me incomodaria ter que mentir para mim mesmo, fingindo sentir o que não sinto, escrevendo sobre o que não acredito, expressando um sentimento que não seja verdadeiro, razão pela qual tudo que exponho, tudo que escrevo, decorre de uma realidade vivida e sentida.

Eu sou, portanto, o que escrevo e o que falo, sem tirar nem pôr, daí que posso concluir, na esteira do que disse Graciliano Ramos, em uma passagem de Memórias do Cárcere, a propósito da capacidade criativa de José Lins do Rego: eu só me “abalanço” para falar do que sinto e vivo.

Por me permitir escrever apenas em face de uma realidade sentida e vivida é que reside, imagino, a receptividade dos meus escritos; que nada mais são que escritos sobre questões singelas, sobre as emoções vividas e sentidas, sobre as muitas decepções que experimentei, sobre as alegrias e as tristezas que permearam toda minha trajetória de homem público, filho, marido, pai e avô.

Tenho lembrado aos que questionam a minha insistência em escrever – em razão do que, por óbvio, me exponho a críticas, elogios e incompreensões -, inspirado no poeta Alberto da Cunha Melo, “que viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem”.

Dito isso, à guisa de introdução, decidi refletir hoje sobre as pedras que aparecem em nosso caminho e nas quais todos haveremos de tropeçar, caindo aqui e levantando acolá.

Diante dessa realidade, inefável e iniludível, é preciso ter em conta que, muito mais que a certeza de que tropeçaremos nas pedras que atravessarão a nossa caminhada, é a convicção que todos devemos ter que, para cada tropeço, deve corresponder a determinação, a vontade, a perseverança, enfim, de nos levantar para prosseguir na jornada da vida.

Sejam quais forem as pedras que se coloquem em nosso caminho, é preciso seguir adiante, não importando o tamanho do tombo, afinal, prosseguir na insólita jornada da vida é um desafio em razão do qual não podemos nos acovardar.

É cair e levantar, no mesmo passo e com o mesmo faina, porque é assim a vida.

Eu mesmo sucumbi muitas vezes.

Sei que a vida ainda me reserva outras tantas quedas.

Todavia, em face das quedas que levei, eu me levantei, ainda que fragilizado.

Levantei-me abatido, sim, sufocando o gemido, duramente atingido, a ponto de quase desistir; mas não desisti, dei a volta por cima e aqui estou refletindo, mais uma vez, agora inspirado exatamente nas quedas que levei.

Todavia, é preciso ter em conta que, na vida, há tombos e tombos.

Uns nos levam à lona e, em face deles, imaginamos não mais levantar; e há mesmo os que não levantam.

Inobstante, seja qual for a dimensão da queda, é preciso determinação e perseverança para seguir adiante.

Diante dos reveses da vida, o que nos resta mesmo, com fé e sofreguidão, é encarar de frente a realidade.

A vida é uma eterna competição em face da qual perdemos ou ganhamos.

Ganhar é fácil; perder não é fácil não.

Cair e levantar são faces da mesma moeda.

Para encerrar e a propósito, um provérbio chinês: Fracassar não é cair, é recusar-se a levantar.

É isso.

ENCONTROS E DESPEDIDAS

Difícil falar de mim mesmo, porque, diferente de muitos, eu sou o meu maior crítico, sou um quase sensor de mim mesmo.

Mais fácil, portanto, falar do outro, conquanto reconheça os riscos que corremos nas nossas avaliações, as quais partem, quase sempre, das nossas pré-compreensões e dos valores que incorporamos à nossa vida, os quais, muitas vezes, nos levam a julgamentos e avaliações preconceituosas/equivocadas.

Conquanto admita as dificuldades inerentes às avaliações que fazemos do comportamento do semelhante, insisto em fazê-lo, na medida em que o ser humano é a minha fonte de inspiração, por excelência, nesses quase 40 anos de crônicas.

Tenho dito, nesse sentido, fruto de uma justificável arrogância de quem pensa que sabe da vida, que, passados tantos anos de judicatura, convivendo de perto com o ser humano e suas aflições/idiossincrasias, me especializei em gente, conquanto admita que, não raro, me surpreenda com uma atitude qualquer, me compelindo a retroceder na minha avaliação, para admitir, sem originalidade, que a alma do ser humano é algo imperscrutável, impenetrável mesmo.

Mas, ainda assim, é mais fácil, reconheço, falar dos outros que de mim, ainda que, de rigor e verdadeiramente, sejamos incapazes de fazer um julgamento justo do semelhante, pela nossa indiscutível incapacidade de, reconhecer, por má-fé, maldade e/ou falta de descortinamento, as virtudes dos outros.

Mesmo admitindo os riscos que corro ao falar de mim, tenho sensatez suficiente para reconhecer que uma das minhas características é ser sensível em face das coisas da vida, na medida em que, reconheço, uma vida irrefletida é uma vida sem sentido, que não vale a pena ser vivida, leva a alma a ficar confusa e aturdida, como se estivesse bêbada (Sócrates, Fédon).

Nesse sentido, tenho pensado muito, nos últimos anos, nos encontros e nas despedidas com os quais temos que conviver.

A minha vida – a vida de todos, enfim – tem sido, desde sempre, marcada por encontros – alguns breves, outros definitivos – e despedidas – muitas definitivas e dilacerantes, para as quais eu nunca estive/estou preparado.

Os encontros, no sentido que empresto a essas reflexões, renovam as nossas esperanças, dão uma nova dimensão à vida de cada um de nós, nos convencem que, por eles e em face deles, vale a pena prosseguir a maravilhosa e desafiadora jornada da vida.

As despedidas, o outro lado da moeda, muitas das quais vivenciei dilacerado, deixam uma sensação de vazio que, no meu caso, me fragiliza, ainda que ela seja apenas uma possibilidade futura, dada a minha capacidade de sentir antes o que muitos só sentem depois.

Assim é a vida; é assim que encaro a vida e o que dela dimana.

A gente vai vivendo, deixando a vida nos levar, e, quando menos esperamos, quando tudo se revela apenas uma mesmice, uma rotina enfadonha, ocorre o encontro, renovando os nossos sonhos, dando uma nova dimensão à nossa vida.

Aos muitos encontros que a roda da vida me proporcionou me entreguei sem pudor, para, depois, na dor, sofrer as consequências das despedidas.

Nos encontros que a vida nos proporciona, há pessoas, sim, que vieram pra ficar – e ficaram; há outras que, infelizmente, vieram, mas não puderam ficar, porque a vida é assim. E das que se foram, pelos mais diversos motivos, ficou apenas a saudade, as boas recordações.

Nada se pode fazer para mudar o que está feito.

Quando vem a despedida, antítese do encontro, o que fica mesmo é saudade do que foi sem que pudesse ter sido o que suponhamos que poderia ter sido.

Os encontros e despedidas já levaram o poeta popular a dizer que todos os dias é um vai e vem, tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais voltar, sendo que tudo isso são os dois lados da mesma viagem, ou seja, o trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também de despedida; despedida de gente que vem e quer voltar, de gente que vai e quer ficar, de gente que veio só olhar, de gente a sorrir e a chorar (Fernando Brant e Milton Nascimento).

É isso.

RECONHECER O ERRO

Para quem gosta, como eu, de refletir sobre o comportamento do ser humano, a internet, pelas suas redes sociais, é, definitivamente, o local ideal para esse desiderato, na medida em que, nelas, podemos testemunhar, também, o inusitado, o esquisito e o bizarro, resultado da mistura refinada do insólito com o surreal, na medida em que muito do que é mostrado nas redes causa em todos nós estupefação e, não raro, constrangimento, a receber, por isso mesmo, um olhar não somente contemplativo/indiferente.

Nas redes sociais, a propósito, eu já vi de tudo um pouco. E, mesmo já tendo visto muita bizarrice/esquisitice, ainda me surpreende a predisposição de muitos internautas à exposição pessoal e familiar, muitas vezes em situações singulares/vexatórias – leito de hospital, por exemplo -, agindo sem controle e sem limites, na busca dos famigerados likes, ainda que, no mesmo passo, se submetam a críticas tenazes, muitas das quais ultrapassam o umbral da racionalidade, permeadas, quase sempre, de toxidade, próprias dos dias atuais, de muita intolerância e de pouca ou quase nenhuma complacência.

É preciso admitir, no entanto, que as redes sociais vieram para o bem e para o mal e que, em face dessa realidade, quase nada podemos fazer, daí que, em vez de demonizá-las, o que se deve mesmo, como faço, é preservar, tanto quanto possível, o a nossa privacidade em face delas, usando-as moderadamente, evitando, no mesmo passo, e por consequência, exposições desnecessárias, domando a porção narcísica que habita em cada um de nós.

Feito o registro, destaco que, há alguns dias, assisti a um “corte” de uma entrevista dada por uma famosa, recém-separada, a um Podcast badalado, no qual, dentre outras coisas, afirmou, depois de expor detalhes da relação, que, quando toma uma decisão, não recua, enfatizando que é sempre definitiva, ainda que venha a se arrepender depois.

Não penso assim. Aliás, me recuso a pensar assim.

Diferente da famosa, incontáveis vezes retrocedi em face de uma decisão equivocada, ciente da minha falibilidade, ou seja, da minha condição de gente, decorrência natural de uma evolução que me levou ao necessário e inexcedível autoconhecimento, ciente, ademais, fruto da maturidade alcançada, que a assunção de um erro não me torna menos digno e nem atenta contra a minha credibilidade.

Nesse cenário, não me constrange assumir que determinada posição foi equivocada, por isso, não raro e sendo o mais prudente a fazer, recuo, sim, dou a mão a palmatória, sem constrangimento, sem falsos pudores, pois o que a mim me constrange mesmo não é o recuo, o reconhecimento do erro, mas a prepotência, a arrogância e a incapacidade de admitir que errei.

Quando ouço alguém dizer, depois de uma decisão ou de uma atitude equivocada, que não recua, mesmo admitindo o erro, a conclusão que chego é que, se a vida é uma escola, como me reportei noutra feita, não são poucos os que se recusam a aprender.

Na mesma entrevista a que me referi acima, a mesma entrevistada, com milhões de seguidores – algo que não se compreende racionalmente -, com ares de deboche e regozijo, concluiu, sempre arrogante e despreparada para a vida, que não daria a ninguém o gostinho de assumir que errou, do que posso inferir que, diante do erro, há dois grupos de seres humanos: a) os humildes/evoluídos, que, reconhecendo-o, costumam refletir sobre o que poderiam fazer para evitá-lo; e b) os arrogantes, que se recusam a admitir que erraram, preferindo permanecer na escuridão em que estão mergulhados, daí a conclusão de que, se errar é humano, a propensão a se manter no erro é um sintoma claro da falta de evolução espiritual e, também, de caráter, pois, pior que errar, é se recusar a assumir o erro e, nesse passo, evoluir como ser humano.

É isso.