COMO UM GATO

Tenho dito, sem surpresa, para os que me conhecem, que, como um gato, não sou do tipo que se entrega ao primeiro afago, ao primeiro aceno.

Esse é um traço marcante – e, às vezes, incompreendido – da minha personalidade.

Se é certo ou errado não sei dizer.

A vida – pessoal e profissional – me ensinou a ser assim, a ter cautela nas minhas relações, por isso pareço – e sou mesmo! – do tipo ensimesmado, opção de vida a qual fui compelido ante algumas amargas experiências pessoais e depois de quase 40 anos lidando com criminosos dos mais variados matizes.

Por ter vivido intensamente os momentos marcantes que me foram proporcionados pelo meu trabalho – somados à minha história de vida pessoal, claro -, e por ter, nessa lida, me defrontado com personalidades díspares e surpreendentes, é que, como uma defesa, aprendi a agir com prudência excessiva nas minhas relações, cautela comparável a dos gatos, cuja personalidade poucos compreendem.

Para iniciar uma relação, com efeito, reflito intensamente, para, só depois, me entregar; entrega que, muitas vezes, se verifico tibieza na pessoa com a qual me relaciono, não chega a se concretizar definitivamente; se ela se concretiza, entrementes, uma vez rompidas todas as barreiras, explodidas todas as pontes, vou ao extremo, me entrego por inteiro.

Não sou mesmo, admito, do tipo simpático, que se entrega ao primeiro aceno. Aliás, tenho até uma certa restrição ao primeiro aceno; tenho sempre a perturbadora sensação de que ele pode ser meramente protocolar – e, na maioria das vezes, é mesmo -, por isso prefiro primeiro a cautela para, só depois, consolidar a relação.

Às vezes, na ânsia de ser simpático, forço a barra, até tento ser o que não sou verdadeiramente, apenas para parecer fidalgo, conquanto, admito, não venda essa falsa percepção de mim mesmo por muito tempo; logo me revelo por inteiro.

A propósito e para ilustrar, Albert Camus, em A peste, e-book, 23ª edição, Editora Record, 2017, narra o comportamento de um ancião, que, todos os dias, depois do almoço, nas horas em que a cidade inteira cochilava, aparecia numa varanda, chamava os gatos que estavam do outro lado da rua, para, em seguida, manifestar seu desprezo por eles, escarrando sobre os mesmos, até o dia que precisou deles para espantar os ratos, e com eles não pode contar.

A lição que se pode tirar da obra ficcional, é que não se deve julgar as pessoas apenas porque são arredias, ensimesmadas e casmurras, sabido que elas podem não ser exatamente o que aparentam ser, na medida em que, “o que é, é, o que não é, não é” (Parmênides), ou seja, é preciso, antes, refletir, aprofundar, prospectar, enfim, sobre aquilo que os olhos apenas percebem, pois sempre há uma verdade subjacente que precisa ser desvendada e também porque há sempre a possibilidade de, um dia, precisarmos dos gatos para espantar os ratos.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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