O viés patológico da inveja

A inveja que assoma nas corporações é a experimentada pelos que acreditam – mas não admitem -, tem certeza – mas não confessam – não ter a mesma inteligência, a mesma lucidez e competência do colega alvo do sentimento pernicioso. Esses, os invejosos, apesar, de, algumas vezes, até alcançarem maior ascensão profissional, guardam no recôndito da alma, a inveja que sempre nutriram por um congênere que supõe superior a ele. E, convenhamos, ser competente e inteligente, dentro de uma corporação, todos sabem, não é situação fácil de administrar. Da mesma forma, voluntariedade, impetuosidade, obstinação são qualidades que podem, muitas vezes, até, ser óbices à ascensão profissional, porque são qualidades que o invejoso detesta constatar no alvo da sua inveja. Inteligência, competência, desvelo, sofreguidão e dedicação, aos olhos dos invejosos, se confundem com arrogância, prepotência, petulância e coisas que tais.

Juiz José Luiz Oliveira

Titular da 7ª Vara Criminal

A matéria a seguir foi publicada no Jornal  Pequeno, edição do dia 14 de setembro.

Esse mesmo artigo já tinha sido publicado neste blog e teve que ser resumido em face do espaço no jornal.

A seguir, pois, o artigo, na versão publicada na imprensa.

A inveja, todos sabemos, é um sentimento natural. Mas a inveja, não se pode perder de vista, tem um viés patológico. Isso ocorre quando o invejoso já nem pretende realizar seus desejos; o que ele almeja mesmo é que o ser invejado não realize os seus. Aí é doença e como tal precisa ser tratada.

O invejoso, do tipo pernicioso para as relações interpessoais, é aquele que se sente fracassado em determinadas áreas da vida e, para não sentir raiva de si mesmo, transfere esse ódio para o semelhante que alcançou o reconhecimento que ele, o invejoso, não conseguiu alcançar.

A inveja pode se manifestar – e se manifesta, efetivamente – em qualquer ramo de atividade e em qualquer profissional – juiz, promotor, delegado, médico, engenheiro, jogador, jornalista, etc.

Continue lendo “O viés patológico da inveja”

Atipicidade, em face do princípio da insignificância

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
 

 

Os excertos a seguir transcritos foram apanhados numa decisão da minha lavra – processo 160752004, em desfavor de E. L. N. S. – , na qual enfrentei a tentativa da defesa de absolver o acusado, em face do princípio da insignificância.

“(…) A defesa, também em sede de alegações finais, requer, em relação ao crime de furto consumado no dia 09 de setembro de 2006, que seja absolvido o acusado, com a invocação do princípio da insignificância.

Creio que a tese da defesa, no particular, é, também, insubsistente. Não fora o fato de que o valor de uma bicicleta, ainda que usada, não é insignificante para a quase totalidade da população brasileira, não se poderia, ademais, reconhecer, in casu, o crime bagatelar, pois que, assim ocorrendo, estar-se-ia estimulando a prática de crimes desse jaez, vez que é o próprio acusado quem afirmou, por ocasião do seu interrogatório, que já foi preso cerca de quatro vezes pela prática de pequenos furtos.(cf.fls.59/61).

Não bastasse a consideração supra, se pode afirmar, validamente, que a subtração de uma bicicleta não tenha causado nenhuma repercussão no patrimônio do ofendido, daí a inviabilidade de, in casu sub examine, invocar-se princípio da insignificância, para subtrair o acusado de eventual punição.

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.

É bem de ver-se, assim, que, atentando-se para o desvalor da conduta do acusado, contumaz agressor da ordem pública, e para o efetivo prejuízo causado às vítimas, não se pode, de rigor, reconhecer a insignificância das lesões.

Segundo adágio popular, o que é nada pra ti pode significar muito para mim. Nesse sentido, ninguém, em sã consciência, pode afirmar que a subtração de uma bicicleta não cause repercussão junto ao patrimônio de uma pessoa.

O Direito Penal, por sua natureza fragmentária, sabe-se só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. “Não se deve ocupar de bagatelas.” ( Fracisco de Assios Toledo in Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).2

Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (artigo 98, inciso I). Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente irrelevante, não extrapolando a órbita civil. Todavia, não foi o que se deu no caso sob retina.

In casu sub examine, como dito acima, a ação do acusado lesionou, sim, o patrimônio da vítima, de forma significativa, razão por que a sua conduta é, sim, relevante para o Direito Penal, a considerar o princípio da ofensividade encartado em nossa Carta Magna.

No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). Como a hipótese em comento não cuida de ninharia, não há falar-se em atipia da conduta.

O princípio da insignificância não pode ser utilizado para neutralizar, praticamente in genere, uma norma incriminadora.

A imputatio facti, calcada em dados concretos, permite a adequação típica, daí não se poder falar, validamente, em atipia penal.

Superadas as três primeiras questões preliminares, passo, a seguir a análise do questão atinente ao furto privelegiado.

Impende consignar ser inviável o reconhecimento do furto privilegiado, em face dos antecedentes do acusado, os quais, à exaustão, foram mencionado acima.

Nesse sentido têm decidido os Tribunais, como se colhe da decisão abaixo, do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

Ementa CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRIVILÉGIO. ÓBICE AO BENEFÍCIO DEVIDAMENTE MOTIVADO. MAUS ANTECEDENTES. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO. RECURSO DESPROVIDO.I. Não há ilegalidade na decisão que entende inaplicável o benefício do privilégio ao réu que ostenta maus antecedentes, pois a concessão desta benesse está condicionada não somente aos fatores objetivos ali relacionados – primariedade do agente e pequeno valor da coisa furtada -, como à sensatez do Julgador, a quem cabe – orientado pelos parâmetros previstos no art. 59 do CP – avaliar a necessidade e conveniência da concessão do favor legal. Precedente da Turma. II. O delito de furto, assim como o de roubo, consuma-se com a simples posse, ainda que breve, da coisa alheia móvel subtraída clandestinamente, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima. III. Recurso desprovido. Acórdão RESP 369816 / MA ; RECURSO ESPECIAL 2001/0128947-2 Fonte DJ DATA:15/04/2002 PG:00253 Relator Min. GILSON DIPP (1111) Data da Decisão 13/03/2002 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA (…)”

Poder bolorento, artesanal, burocratizado, ensimesmado, de fachada.

A passos de cágado faz-se mais injustiça que Justiça. Mas como fazê-lo, se ainda somos um Poder artesanal, vivendo no século passado, antiguíssimo, ferrugento, bolorento, fazendo audiências à antiga – com juiz ditando e a Secretária digitando – quando, sabe-se, o PODER JUDICIÁRIO de outros Estados já se modernizaram, fazendo uso da estenotipia ou sistema de gravação, com posterior degravação, ad exempli.?

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

O excerto a seguir transcrito é de uma sentença prolatada em 2007, em face de um crime ocorrido em 1999. Nele manifesto toda a minha indignação com a inoperância do Poder Judiciário.

Acho que vale à pena refletir acerca do que foi dito, à época, porque demonstra toda a minha indignação por julgar um réu em face de um crime ocorrido há quase dez anos. E olhe que minha dedicação é full time. Eu não sou daqueles que não tem compromisso com o trabalho. Mas, ainda assim, não tenho podido decidir a tempo e hora. Mas não deixo, por isso, de expressar a minha indignação. Continue lendo “Poder bolorento, artesanal, burocratizado, ensimesmado, de fachada.”

Violência urbana

Nos dias de hoje, imperando a insegurança, somos compelidos a mudar de itinerário. Sair à noite? Nem pensar. Vivemos cercados de grades e alarmes; os que podem, blindam seus automóveis. Os que não podem, são assaltados nos semáforas, nas praças, nas portas das igrejas. As tertúlias de antanho hoje são uma quimera. Furta-se hoje, para, depois, estimulado pela impunidade, assaltar, matar, cometer, enfim, toda ordem de violência.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Abaixo, excertos das informações prestadas em face do habeas corpus nº 27094/2005, relatado pela desembargadora Anildes de Jesus Chaves Cruz, para reflexão dos meus leitores. Continue lendo “Violência urbana”

O fascínio do poder

 

 

O que posso afirmar, ademais, é que, em face do poder e em nome do poder, muitas foram as arbitrariedades, as iniqüidades cometidas. É que muitos não se dão conta de que o exercício do poder não é um folguedo, uma patuscada. Muitos ascendem ao poder sem a mais mínima convicção, sem idealismo, sem preparo moral e psicológico. E, uma vez ascendendo, tendem mesmo a do poder abusar, em seu benefício pessoal, sem se dar conta da relevância do cargo que exerce.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Por que o poder fascina tanto as pessoas? Por que se diz que fora do poder não há salvação? Por que há pessoas capazes de vender a própria alma em face e pelo poder? Por que o homem, uma vez no poder, tende a abusar? Por que as pessoas que ascendem, tendem a tomar posse do poder como se fosse uma propriedade privada? Por que as pessoas, uma vez no poder, tentam nele se perpetuar? Por que há pessoas capazes de qualquer expediente para alcançar o poder?

Ninguém tem resposta precisa para essas e outras indagações em face do exercício do poder, a não ser, obviamente, de que tratando-se do ser humano dele tudo se pode esperar; e é verdade mesmo que tudo isso decorre da nossa condição de seres humanos, da nossa falibilidade, das nossas imperfeições, das nossas idiossincrasias.

A verdade, a grande verdade, é que o poder embriaga, envaidece, entontece, faz revelar a face oculta de uma personalidade.

O que posso afirmar, fruto das minhas convicções e da minha experiência de vida, é que o homem, efetivamente, por causa do poder, é capaz de vender a própria alma; pelo poder o homem é capaz de trair, de corromper, de ser corrompido, de apunhalar pelas costas, de não reconhecer pai e mãe, etc.

O que posso afirmar, ademais, é que, em face do poder e em nome do poder, muitas foram as arbitrariedades, as iniquidades cometidas. É que muitos não se dão conta de que o exercício do poder não é um folguedo, uma patuscada. Muitos ascendem ao poder sem a mais mínima convicção, sem idealismo, sem preparo moral e psicológico. E, uma vez ascendendo, tendem mesmo a do poder abusar, em seu benefício pessoal, sem se dar conta da relevância do cargo que exerce.

Confesso que tenho medo dos que querem ascender de qualquer forma, que querem enfaixar sob as mãos um naco relevante do poder, porque, desde meu olhar, esses, sem escrúpulos, são capazes de qualquer coisa.

Eu, de minha parte, já deixei muito claro que não troco a minha dignidade pelo poder. E, ademais, não pretendo ascender de qualquer forma, atropelando os interesses de ninguém, por pura vaidade, apenas para tirar do poder aquilo que ele tem de bom a oferecer.

É verdade, sim, que, numa determinada época, pouco tempo depois da vigência da atual Constituição, alguns magistrados – dentre eles o signatário – tiveram a sua promoção questionada no Poder Judiciário, o que pode transparecer que as minhas afirmações são um contra-senso, um despautério. Mas que não se deslembre que, na época, não havia ninguém com os dois pressupostos para ser promovidos por merecimento: I) integrar a primeira quinta parte da lista de antigüidade e II ) dois anos de exercício na entrância, daí por que fomos promovidos e nossa promoção foi questionada; tudo da forma mais democrática e legítima como deve ser num Estado de Direito.

Mas o que importa mesma é consignar que o poder embriaga, entontece, muda a personalidade das pessoas, sobretudo daquelas que querem o poder pelo poder e que não têm nenhum ideal que não seja usufruir do que de bom tem a oferecer esse mesmo poder.

Sublimando o interesse público

Um eventual constrangimento, que ainda não existe concretamente, só poderá ocorrer em face do descumprimento da norma. Isso não ocorrendo, constrangimento ilegal não haverá, sabido que vivemos em um Estado de Direito, onde as normas jurídicas são postos à observância de todos, sem distinção.
Juiz José Luiz  Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Sou dos tais que entende que o interesse público deve ser sublimado, se entra em conflito com o interesse privado. Assim é que, ao defrontar-me, por exemplo, com uma prisão provisória, não hesito em mantê-la, se vislumbrar, quantum satis, que da soltura do acusado poderá advir prejuízos à ordem pública. Da mesma sorte e no mesmo passo, ainda que o acusado seja primário, possuidor de bons antecedentes e coisas que tais, se da sua mantença liberdade poderá resultar a profanação da ordem pública, prejuízo à instrução criminal e à aplicação da lei, não hesito em decretar a prisão.

A propósito do tema sob retina, ainda recentemente, na esteira de judiciosas decisões que pululam aqui e acolá, defrontei-me com um habeas corpus preventivo em face da famigerada Lei Seca. Diante do pleito, não hesitei em denegar a ordem, assentado nas minhas firmes convicções de que, in casu sub examine, o interesse público deve preponderar sobre o interesse individual.

É cediço que a minha decisão, como tudo o mais em direito, é controvertida e, decerto, receberá acerbas críticas daqueles que adotam posições antípodas acerca do tema em comento. Mas, ainda assim, decidi nessa alheta, na certeza de estar decidindo em favor da comunidade em que vivo.

A seguir, a decisão, verbis:

Continue lendo “Sublimando o interesse público”

Mais um dia vivendo a fantástica experiência de ser magistrado

Eu faço os acusados acreditarem que sou magistrado, mas também sou pai, sou marido, sou irmão, tio, filho, etc. Esse olho no olho tem sido altamente benefício. Eu faço os acusados se sentirem comprometidos com a ordem e comigo. Pode parecer tolice, mas não é. Dificilmente os acusados com os quais converso, francamente, voltam a delinqüir. Eles passam a confiar em mim.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

É puro truísmo, mas devo redizer que cada dia mais estou convencido que uma das causas mais evidentes da criminalidade é a (quase) certeza da impunidade. Hoje mesmo, numa audiência que realizei a tarde, em face de crime contra o meio-ambiente ( poluição sonora), as testemunhas que depuseram foram unânimes em afirmar que desde que o réu teve conhecimento da ação penal, em face de sua citação, reduziu, significativamente, a poluição sonora que atormentava a vida dos vizinhos da igreja protestante onde o réu faz as suas pregações.

Essa atitude do acusado demonstra o que já se sabe: as instituições formais devem estar atentas e, nesse sentido, devem demonstrar, com sua ação, que o cometimento de um crime importa na contrapartida punitiva. O que não pode é o infrator confiar e agir na certeza de que nada lhe acontecerá, pois, isso ocorrendo, recalcitra e incute na cabeça das pessoas a sensação de que vale à pena afrontar a ordem.

É por essas e outras que tenho agido, obstinadamente, para dar credibilidade, respeitabilidade â Justiça Criminal do meu Estado.

A propósito, no dia hoje, pela manhã, tive uma conversa franca com os acusados que condenei por extorsão mediante seqüestro. Fiz ver-lhes que a sua liberdade para recorrer não significa absolvição, nem impunidade. Demonstrei a eles, ademais, que estava lhes dando uma oportunidade que não costumo dar a criminosos violentos e que só o fazia porque me convenci, durante toda instrução, que não são perigosos e que o fato foi episódico em sua vida.

É, é assim mesmo que me comporto. Quando dou liberdade a um acusado, converso, em seguida, com eles, olhando nos olhos, orientando como devem proceder, doravante. Tenho alcançado muito sucesso com esse comportamento. Eu faço os acusados acreditarem que sou magistrado, mas também sou pai, sou marido, sou irmão, tio, filho, etc. Esse olho no olho tem sido altamente benefício. Eu faço os acusados se sentirem comprometidos com a ordem e comigo. Pode parecer tolice, mas não é. Dificilmente os acusados com os quais converso, francamente, voltam a delinqüir. Eles passam a confiar em mim. Eles passam a crer que, diferente do que se fala, juiz é um ser humano como outro qualquer. É claro que não converso com todos os acusados as quais dou liberdade. Eles são escolhidos a partir do que observei ao longo da instrução. Eu dou atenção especial, por exemplo, ao relacionamento familiar, por acreditar que a família é a base de tudo.

Hoje, para mim, foi, definitivamente, mais um dia em que vivi a fantástica experiência de ser magistrado.