Atipicidade, em face do princípio da insignificância

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
 

 

Os excertos a seguir transcritos foram apanhados numa decisão da minha lavra – processo 160752004, em desfavor de E. L. N. S. – , na qual enfrentei a tentativa da defesa de absolver o acusado, em face do princípio da insignificância.

“(…) A defesa, também em sede de alegações finais, requer, em relação ao crime de furto consumado no dia 09 de setembro de 2006, que seja absolvido o acusado, com a invocação do princípio da insignificância.

Creio que a tese da defesa, no particular, é, também, insubsistente. Não fora o fato de que o valor de uma bicicleta, ainda que usada, não é insignificante para a quase totalidade da população brasileira, não se poderia, ademais, reconhecer, in casu, o crime bagatelar, pois que, assim ocorrendo, estar-se-ia estimulando a prática de crimes desse jaez, vez que é o próprio acusado quem afirmou, por ocasião do seu interrogatório, que já foi preso cerca de quatro vezes pela prática de pequenos furtos.(cf.fls.59/61).

Não bastasse a consideração supra, se pode afirmar, validamente, que a subtração de uma bicicleta não tenha causado nenhuma repercussão no patrimônio do ofendido, daí a inviabilidade de, in casu sub examine, invocar-se princípio da insignificância, para subtrair o acusado de eventual punição.

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.

É bem de ver-se, assim, que, atentando-se para o desvalor da conduta do acusado, contumaz agressor da ordem pública, e para o efetivo prejuízo causado às vítimas, não se pode, de rigor, reconhecer a insignificância das lesões.

Segundo adágio popular, o que é nada pra ti pode significar muito para mim. Nesse sentido, ninguém, em sã consciência, pode afirmar que a subtração de uma bicicleta não cause repercussão junto ao patrimônio de uma pessoa.

O Direito Penal, por sua natureza fragmentária, sabe-se só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. “Não se deve ocupar de bagatelas.” ( Fracisco de Assios Toledo in Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).2

Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (artigo 98, inciso I). Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente irrelevante, não extrapolando a órbita civil. Todavia, não foi o que se deu no caso sob retina.

In casu sub examine, como dito acima, a ação do acusado lesionou, sim, o patrimônio da vítima, de forma significativa, razão por que a sua conduta é, sim, relevante para o Direito Penal, a considerar o princípio da ofensividade encartado em nossa Carta Magna.

No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). Como a hipótese em comento não cuida de ninharia, não há falar-se em atipia da conduta.

O princípio da insignificância não pode ser utilizado para neutralizar, praticamente in genere, uma norma incriminadora.

A imputatio facti, calcada em dados concretos, permite a adequação típica, daí não se poder falar, validamente, em atipia penal.

Superadas as três primeiras questões preliminares, passo, a seguir a análise do questão atinente ao furto privelegiado.

Impende consignar ser inviável o reconhecimento do furto privilegiado, em face dos antecedentes do acusado, os quais, à exaustão, foram mencionado acima.

Nesse sentido têm decidido os Tribunais, como se colhe da decisão abaixo, do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

Ementa CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRIVILÉGIO. ÓBICE AO BENEFÍCIO DEVIDAMENTE MOTIVADO. MAUS ANTECEDENTES. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO. RECURSO DESPROVIDO.I. Não há ilegalidade na decisão que entende inaplicável o benefício do privilégio ao réu que ostenta maus antecedentes, pois a concessão desta benesse está condicionada não somente aos fatores objetivos ali relacionados – primariedade do agente e pequeno valor da coisa furtada -, como à sensatez do Julgador, a quem cabe – orientado pelos parâmetros previstos no art. 59 do CP – avaliar a necessidade e conveniência da concessão do favor legal. Precedente da Turma. II. O delito de furto, assim como o de roubo, consuma-se com a simples posse, ainda que breve, da coisa alheia móvel subtraída clandestinamente, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima. III. Recurso desprovido. Acórdão RESP 369816 / MA ; RECURSO ESPECIAL 2001/0128947-2 Fonte DJ DATA:15/04/2002 PG:00253 Relator Min. GILSON DIPP (1111) Data da Decisão 13/03/2002 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA (…)”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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