Prisão: extrema ratio da ultima ratio

Tenho reafirmado que o processo penal, em qualquer sociedade democrática,  só se legitima se  constituído a partir da sua Constituição.

A uma  Constituição democrática, tenho dito,  deve corresponder, necessariamente,  um processo penal também democrático, a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais do indivíduo.

Essas premissas visam reafirmar que, especialmente no que se refere às prisões provisórias, elas não devem ser implementadas ao sabor das conveniências do julgador, ao sabor das circunstâncias, sem uma base empírica e legal que a legitime.

A prisão preventiva, com efeito, não é um fim em si mesma. E aquele magistrado que, a pretexto de dar uma  resposta imediata à opinião pública, decreta uma prisão, sem que demostre, quantum satis, a sua real necessidade, flerta com a arbitrariedade, pois coloca o sistema penal apenas a serviço do poder punitivo (Direito penal), passando à ilharga  da Constituição, solapando, na mesma balada,  princípios comezinhos de direito, dentre os quais avulta com especial importância o da  dignidade da pessoa humana.

O que tenho testemunhado, com preocupação, é que, muitas vezes, em face mesmo do estrépito do crime, tem-se incrementado as prisões provisórias como supedâneo das decisões condenatórias transitadas em julgado, dando a elas, nesse sentido, contornos de punição antecipada, conquanto se saiba que, sobretudo agora, com as inovações acerca das medida cautelares(cf. Lei 12.403/2001), a prisão, mais do que nunca, constitui-se a extrema ratio da ultima ratio.

Tenho reafirmado que  não se deve fazer cortesia com o direito alheio, mesmo correndo o risco de ser incompreendido.

O juiz, essa tem sido a tônica das minhas decisões, não deve decidir conforme o desejo da maioria.

O juiz, digo mais, não pode quedar-se inerte diante de violações ou ameaças  de lesão a direitos fundamentais.

A juiz, no processo penal – que é o que interessa para essas reflexões –   não deve ter atuação política, mas constitucional, que se consolida à medida  que, com as suas ações, protege direitos fundamentais, ainda que, nesse desiderato, tenha que adotar posição contrária à maioria.

É de Ferrajoli a lição: “o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão”.

Francesco Carnelutti adverte que a  prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasiona-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, que é meio indispensável para o cirurgião, que, no entanto, dela não pode abusar.

Para encerrar, relembro que a dignidade da pessoa humana é o valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica – constitucional e infraconstitucional.

Notícias do STJ

Prefeitura de São Luís tem que adaptar prédio para receber deficientes
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) que determinou ao Município de São Luís o início das obras para adaptar o prédio da prefeitura às necessidades de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. O município tem prazo de 90 dias para começar os trabalhos.

O Ministério Público do Maranhão havia ingressado em juízo com ação civil pública para que o município fosse obrigado a cumprir as normas de promoção da acessibilidade dos portadores de deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida, contidas na Lei n. 10.098/2000. O TJMA, ao julgar recurso contra decisão do juiz de primeiro grau, que havia indeferido o pedido de tutela antecipada, determinou que a prefeitura iniciasse as obras em 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

Inconformado, o Município de São Luís entrou no STJ com pedido de suspensão de liminar. Afirmou que a prefeitura tem “todo o interesse de realizar as adequações com a maior brevidade possível”, mas “não há como dar início a essas obras no prazo de 90 dias, como determinou o TJMA”. O prédio a ser reformado, segundo o município, está tombado pelo governo federal desde 1974 e pelo governo do Maranhão desde 1986, além de integrar o conjunto arquitetônico declarado patrimônio mundial pela Unesco em 1992.

“Nem todas as adaptações poderão ser implementadas, caso haja prejuízo à integridade da estrutura histórica, razão pela qual se faz necessária a elaboração de projeto que será submetido à análise e aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional” , disse o município no pedido ao STJ. “O início das obras sem a realização de um cauteloso estudo e sem a aprovação dos competentes órgãos trará prejuízos irreversíveis à estrutura física do bem já considerado de interesse cultural e de valor histórico-artístico para a humanidade”, acrescentou.

O município lembrou ainda que a legislação exige, em regra, que as obras públicas sejam precedidas de licitação: “A Lei n. 8.666/1993 determina as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, sendo que, para cada modalidade de licitação, há exigências específicas de procedimentos, formalização do processo e prazos.” Além da impossibilidade de cumprir o prazo e dos possíveis prejuízos ao imóvel histórico, a prefeitura alegou que a multa fixada pelo TJMA causaria grave lesão à economia do município.

Em sua decisão, o presidente do STJ reconheceu que “as finanças públicas podem ficar abaladas caso o município, em razão de impedimentos decorrentes do tombamento do prédio da prefeitura, não consiga iniciar as obras no prazo determinado”. Por isso, atendeu parcialmente ao pedido do município e sustou os efeitos da decisão do TJMA em relação à multa diária.

No entanto, o ministro Ari Pargendler manteve a decisão do tribunal estadual no tocante ao início das obras, por considerar que ela não representa lesão tão grave à ordem administrativa a ponto de justificar a intervenção da presidência do STJ, que em tais situações “emite juízo político acerca dos efeitos da decisão impugnada”. Ele lembrou que a suspensão de liminares está prevista na Lei n. 8.437/1992, que só admite a medida em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e também para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Notícias do STF

Notícias STF
Terça-feira, 19 de Julho de 2011

Reserva de plenário para afastar norma anterior à CF/88 tem Repercussão Geral

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de Repercussão Geral em processo que debate se a regra constitucional da reserva de plenário deve ou não ser observada quando um Tribunal afasta a aplicação de norma anterior à Constituição Federal de 1988. A regra constitucional da reserva de plenário está prevista no artigo 97 da Carta da República e determina que os tribunais somente podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público pelo voto da maioria absoluta de seus integrantes.
A análise da repercussão regral ocorreu no Agravo de Instrumento (AI) 838188, interposto pela União contra decisão do vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que impediu o envio, ao Supremo, de recurso extraordinário interposto contra decisão da Corte Regional que dispensou um graduado em medicina de prestar serviço militar obrigatório porque, anteriormente, ele havia sido incluído no excesso de contingente.
A União afirma que a decisão do TRF-4 afasta a aplicação de regra prevista na Lei 5.292, de 1967, que trata da prestação de serviço militar por estudantes de cursos na área de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária. No caso, teria sido afastada a aplicação do parágrafo 2º do artigo 4º da lei, que obriga estudantes de saúde dispensados do serviço militar a prestá-lo após a conclusão do curso. Esse dispositivo legal foi revogado em 2010 pela Lei 12.336.
“A questão (suscitada neste recurso) transcende os limites subjetivos da causa, tendo em vista que é capaz de se reproduzir em inúmeros processos por todo o país, além de envolver matéria de relevante cunho político e jurídico, de modo que sua decisão produzirá inevitável repercussão de ordem geral”, pondera o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, na decisão em que dá status de Repercussão Geral à matéria discutida no processo.
Para a União, a decisão do TRF-4 violou a regra constitucional da reserva de plenário e, consequentemente, a Súmula 10, do STF, que trata do assunto. De acordo com o enunciado, “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte”.
Diante desse argumento, a União propõe que seja cassada a decisão do TFR-4 para que outra seja proferida, mas observando-se a regra da reserva de plenário. Alternativamente, pede que seu pedido seja julgado procedente pelo STF, para que seja reconhecida a constitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 5.292/67.

Aplicação retroativa do art. 33, da 11.343/2006

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 14 de junho de 2011.

Nº Único: 0000790-70.2003.8.10.0051

Apelação Criminal Nº 008720/2011 – Pedreiras

Apelante : M.da P. R. C.
Advogado : J. L. de L. S.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº103035/2011

Ementa. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO DE ENTOPERCENTE. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO. FRAGILIDADE. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 33, CAPUT, E SEU § 4º, DA LEI N. 11.343/2006, AOS FATOS OCORRIDOS SOB VIGÊNCIA DA LEI N. 6.368/76. POSSIBILIDADE, DE ACORDO COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O magistrado, como destinatário das provas, não está obrigado a deferir toda e qualquer produção de prova requerida pelas partes, mas apenas, aquelas que se mostrem necessárias à elucidação de fatos ou circunstâncias relevantes ao processo.

2. A existência de contradições entre os depoimentos prestados na fase inquisitorial e em juízo, da mesma testemunha, não dá ensejo à realização de acareação, que pressupõe, logicamente, a contradição entre depoimentos de pessoas distintas. Inteligência do art. 229, do CPP.

3. A realização de exame de dependência toxicológica é absolutamente irrelevante à apuração de crime de tráfico de entorpecente.

4. Se o conjunto probatório é harmônico e coeso, a indicar a autoria delitiva, não há que se falar em absolvição.

5. Evidenciado nos autos que a droga encontrada era destinada a uma terceira pessoa, não há como sustentar a tese desclassificatória para o crime de uso.

6. Embora o atual art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, comine pena mínima mais gravosa (cinco anos de reclusão) ao crime de tráfico ilícito de entorpecente, é possível a sua aplicação retroativa aos fatos ocorridos na vigência da Lei n. 6.368/76, considerando-se a causa de diminuição de pena prevista em seu § 4º (de 1/6 a 2/3), inexistente na antiga legislação.

7. Não se admite, contudo, a aplicação de normas híbridas, isto é, a incidência isolada da causa de diminuição de pena do § 4º, do art. 33, da atual Lei de Tóxicos, à pena prevista no revogado art. 12, da Lei n. 6.368/76, sob pena do julgador, nesta hipótese, estar legislando.

8. Se, da aplicação integral do art. 33, da Lei n. 11.343/06, aos fatos praticados antes de sua vigência, resultar, concretamente, em pena corporal mais branda, sua retroação é de rigor, posto que mais benéfica ao réu, situação verificada no caso vertente.

9. Inobstante o crime de tráfico de drogas seja equiparado ao hediondo, o atual posicionamento dos Pretórios Superiores admite a substituição de pena privativa de liberdade por restritivas de direito, caso preenchidos os requisitos legais, em homenagem ao postulado constitucional da individualização da pena.

10. Precedentes do STJ e do STF.

11. Apelo conhecido e parcialmente provido, para redimensionar a pena.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, adequado em banca, em rejeitar as preliminares e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso para que seja reformada a sentença condenatória, aplicando, retroativamente, o art. 33, caput, com a causa de diminuição de pena do seu § 4º, em 2/3 (dois terços), ambos da Lei nº 11.343/2006, e, reconhecendo que a pena resultante é mais benéfica, condenou o apelante à pena de 1(um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, substituída por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís, 14 de junho de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº. 008720/2118 – Pedreiras

 

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por M. da P. R. C., contra sentença oriunda da 1ª Vara da Comarca de Pedreiras, que o condenou por incidência comportamental no art. 12, da Lei n. 6.368/76, à pena de 03 (três) anos de reclusão, e ao pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa.

 

Da peça de acusação, colho o seguinte relato:

 

I – que, no dia 22 de agosto de 2003, por volta das 19:00 horas, a apelante dirigiu-se à carceragem da Delegacia de Polícia Civil de Trizidela do Vale, ocasião em que forneceu à presa de justiça de nome E. uma porção de maconha, envolta em um saco plástico, escondida em uma marmita de comida; e

 

II – que o carcereiro não autorizou sua entrada, tendo em vista que o horário de visitas já havia encerrado, mas prontificou-se a entregar a comida, e quando revistou a marmita, encontrou o saco plástico azul com a droga, comunicando o fato à autoridade policial, sendo efetuado a prisão em flagrante da apelante, no dia seguinte.

 

A denúncia foi instruída com os autos do inquérito policial n. 014/2003, notadamente com o termo de apreensão e apresentação, às fls. 10, e laudo prévio de constatação de substância entorpecente, às fls. 20/21.

 

Recebimento da denúncia às fls. 48.

 

A apelante foi qualificada e interrogada às fls. 32/34, ocasião em que negou a imputação delitiva formulada na denúncia.

 

Defesa preliminar às fls. 36/42, ocasião em que postulou a liberdade provisória da apelante.

 

Instado a se manifestar, o Ministério Público manifestou-se, às fls. 44/47, pelo recebimento da denúncia e pelo indeferimento do pedido de liberdade provisória.

 

No curso da instrução, foram ouvidas as testemunhas F. G. D. S. (fls. 55), Antonio Alves da Silva (fls. 56), J.F. de M. (fls. 56) e E. A. de S. (fls. 56/56v.), todas arroladas pelo Ministério Público. Pela defesa, foram inquiridas A. R. de L. (fls. 57), J. H. M. C. (fls. 57) e R. Nonato de S. A. (fls. 57/57v.).

 

A defesa reiterou o pedido de liberdade provisória às fls. 62/64; após manifestação favorável do Parquet às fls. 65/66, a prisão da apelante foi relaxada, conforme decisão acostada às fls. 68/69.

 

Laudo de exame químico em substância vegetal às fls. 71/72.

 

Nas alegações finais de fls. 77/79, o Ministério Público pugnou pela condenação da apelante nas sanções do art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76, reputando estarem suficientemente comprovadas a autoria e a materialidade do crime.

 

As derradeiras alegações da apelante foram apresentadas às fls. 83/87, postulando a sua absolvição, argumentando, em síntese, fragilidade do suporte probatório para uma condenação, afirmando, em suma, que a droga não foi colocada na marmita pela apelante.

 

Sobreveio a sentença de fls. 88/89, na qual o juízo a quo condenou a apelante por incidência comportamental no art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76, à pena de 03 (três) anos de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, e ao pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, na razão de 1/30 do salário mínimo.

 

Irresignada, a apelante interpôs o presente recurso às fls. 93/94, com o arrazoado de fls. 95/101, no qual alega, preliminarmente, cerceamento de defesa, por não ter o juízo apreciado seus pedidos de acareação, entre a apelante e a testemunha El. e de realização de exame de dependência física ou psíquica na referida testemunha.

 

No mérito, assevera a defesa em seu apelo:

 

I – que não há provas suficientes para a condenação, requerendo a absolvição da apelante;

 

II – que a apelante é usuária de entopercente, postulando a desclassificação para a conduta descrita no art. 14, da Lei n. 6.368/76; e

 

III – que deve ser aplicada a causa de diminuição de pena prevista no rt. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em seu patamar máximo, asseverando que se trata de lei penal mais benéfica, cuja retroação é de rigor.

 

Em suas contrarrazões às fls. 106/108, o Ministério Público pugna pelo improvimento do apelo, mantendo-se, in totum, a sentença ora fustigada.

 

O Procurador de Justiça Suvamy Vivekananda Meireles, em parecer lançado às fls. 118/123, opinou pelo conhecimento do apelo, afastando-se a preliminar de cerceamento de defesa; no mérito, manifestou-se pelo improvimento do recurso, asseverando que as provas são suficientes para condenação, e que o pleito de redução da pena é inviável, posto que fixada no mínimo legal.

 

Os autos vieram-me conclusos.

 

É o relatório.


Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação sob análise, dele conheço.

 

Antes de incursionarmos na matéria de fundo, mister o enfrentamento da preliminar de cerceamento de defesa suscitada nas razões do apelo.

 

Nesse ponto, alega a apelante que o magistrado de base sequer pronunciou-se sobre seus pedidos de acareação e realização de exame de dependência de entorpecente na testemunha E., para quem a apelante, em tese, teria levado a droga encontrada na marmita.

 

Após analisar, atentamente, as alegações da defesa, em contraponto com o conjunto probatório coligido, devo dizer que não prospera a preliminar suscitada.

 

Primeiramente, vejamos as questões relativas à acareação, sendo oportuno transcrever o art. 229, do CPP:

 

Art. 229.  A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

 

Parágrafo único.  Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.

 

(sem destaques no original)

 

Com efeito, a dicção legal é clara, ao estatuir que a acareação só será admitida na hipótese de divergência entre declarações acerca de fatos ou circunstâncias relevantes.

 

Ao detido exame dos depoimentos acostados aos autos, tanto na fase inquisitorial como em juízo, não observo, em nenhuma delas, contradições entre os depoimentos da apelante e da testemunha E. A. de S.

 

O que houve, em verdade, foi uma contradição entre os depoimentos prestados pela testemunha E. Al.de S., na fase administrativa (fls. 19), e em juízo (fls. 56/56v.).

 

Na primeira ocasião (fase inquisitorial), a testemunha, de fato, havia solicitado à apelante que lhe trouxesse um pouco de maconha, mas neste mesmo depoimento, ela advertiu que havia feito esse pedido em tom de “brincadeira”, não esperando que a apelante fosse lhe atender. Em juízo, ela realmente infirmou essas declarações, ressaltando que havia prestado aquelas declarações na fase investigativa por suposta sugestão do Delegado de Polícia, as quais iriam “ajudar” a apelante.

 

A despeito das declarações divergentes da testemunha E., a apelante, em nenhum momento, afirma, categoricamente, que ela havia lhe pedido para levar a droga, limitando-se a dizer, em sua defesa, na fase inquisitorial, que “[…] suspeita que alguém que não gosta dela tenha colocada maconha dentro daquela marmita, pois houve um momento em que a conduzida deixou a marmita em cima de um muro e fora pedir uma bicicleta emprestada para poder levar aquela comida para E.; […]”. Tal afirmação foi corroborada em juízo, às fls. 33.

 

O que se vê, portanto, são contradições nas palavras da própria testemunha Eisa, algo que, obviamente, não admite acareação, pois é exigência lógica a contradição entre depoimentos de pessoas diversas, o que, repito, não ocorreu na espécie.

 

Afasto, portanto, a preliminar.

 

Em relação ao pedido de realização de exame toxicológico na aludida testemunha E., ao que vejo, trata-se de providência dispensável, porquanto a constatação de eventual dependência de entorpecente é absolutamente irrelevante ao deslinde da controvérsia nos autos.

 

O transporte, venda, entrega, guarda ou qualquer outra conduta descrita no caput do art. 16, da antiga Lei de Drogas, não exige comprovação de dependência daquele que está adquirindo a droga. Se o traficante pratica uma daquelas condutas, é indiferente que o adquirente da droga seja viciado de longa data, ou que seja sua primeira incursão no odioso e lamentável mundo das drogas.

 

Ademais, verifico que a defesa do apelante, em nenhum momento, declinou as razões daquele exame outrora requerido, ou seja, não explicitou a relevância desse exame para elucidar o caso sob análise.

 

É sabido que o magistrado, destinatário das provas, não está obrigado a deferir toda e qualquer produção de prova requerida pelas partes, devendo indeferir aquelas que reputar desnecessárias ou irrelevantes, conforme art. 156, do CPP, exatamente o que visualizo no caso sob testilha.

 

Ademais, a não realização dessas provas então requeridas pela defesa não acarretaram prejuízo[1] à apelante, posto que tais provas, repito, não teriam o condão de influir, substancialmente, na busca da verdade real[2].

 

O afastamento das preliminares é de rigor, em atenção ao princípio pas de nulité sans grief, que condiciona a decretação de nulidade de determinado ato processual à efetiva demonstração de prejuízo, o que não ocorreu na espécie.

 

Gizadas tais considerações, examinemos o mérito do apelo.

 

Primeiramente, vejamos a tese de fragilidade do acervo probatório para a condenação, cujos argumentos, desde já adianto, não restaram-me suficientemente seguros para o fim precípuo colimado no apelo, qual seja, a absolvição da apelante.

 

A materialidade delitiva, muito embora não censurada no presente apelo, é absolutamente estreme de dúvida, conforme se depreende pelo termo de apreensão e apresentação, às fls. 10, laudo prévio de constatação de substância entorpecente, às fls. 20/21, e laudo de exame químico em substância vegetal, às fls. 71/72, nos quais atestam que a substância apreendida em poder da apelante era canabis sativa linneu, cujo princípio psicoativo é o THC – tetrahidrocanabinol, proscrito na Portaria n. 344/98, da Anvisa.

 

A autoria delitiva, por seu turno, também restou devidamente comprovada nos autos, pois, ao contrário do que alegou a defesa, a narrativa fática dos policiais, ouvidos no curso da instrução é firme e coerente.

 

Nesse contexto, rechaço, de plano, a argumentação tendente a desqualificar o depoimento de agentes vinculados ao sistema de segurança pública, posto que são tão válidos é idôneos quanto qualquer outro depoimento testemunhal, só não o sendo quando efetivamente demonstrada alguma circunstância que afaste a imparcialidade do agente público, algo que não visualizo na espécie.

 

Nesse norte, a jurisprudência já assentou:

 

[…] 3. O depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório, e em harmonia com os demais elementos de prova.[3] […]

 

Com efeito, de inegável importância para o descortinamento da autoria delitiva, são as declarações do carcereiro J. F. de M., testemunha que detectou a droga escondida em meio à comida que estava na marmita, levada pela apelante para a detenta E..

 

Relatou a testemunha na fase inquisitorial (fls. 18):

 

“[…] que às 19:00hs de sexta-feira 22/08, chegou na porta desta Delegacia uma mulher identificada pelo declarando como BONECA, que esta pediu para entrar para levar uma marmita com comida para a presa “E.”, que o declarando disse que esta não poderia entrar pois não era mais hora de visitas, que então a mesma entregou a marmita pedindo que entregasse a “E.” e fora embora, que o declarando antes de entregar a tal marmita para a presa como é de prache fizera uma revista na alimentação contida na mesma, que era arroz e dois peixinhos fritos, que na verificação o declarante em meio ao arroz, um papel de plástico azul em forma de um trouxinha, que ao abrir dentro havia “maconha”, que imediatamente veio até a porta da rua para ver se prendia a mulher conhecida por “BONECA”, mas esta já tido ido embora; […]”

 

(sic – sem destaques no original).

 

Em juízo, corroborou o relato, dizendo (fls. 56):

 

“[…] que no dia do fato delituoso o depoente se encontrava na Delegacia de Polícia, em Trizidela do Vale, exercendo sua função de carcereiro, quando por volta das oito horas da noite chegou a acusada aqui presente pedindo para entrar e levava comida para a presa de Justiça de nome E.; que o depoente não permitiu pois já havia passado do horário de visitas, mas se prontificou em entregar a marmita com a comida; que a acusada saiu e o depoente antes de entregar a marmita foi verificar o seu conteúdo e ao mexer na comida encontrou um pacotinho, enrolado em um plástico azul e ao examinar o conteúdo do pacote, verificou que se tratava de maconha; […]”

 

(sic – sem destaques no original).

 

A própria Elisa Alves de Sousa, testemunha que estava detida na Delegacia de Trizidela do Vale, para quem a apelante teria levado a droga, admitiu que havia solicitado a comida àquela, dizendo: “[…] que no dia do fato delituoso à acusada M. da P. esteve na Delegacia fazendo uma visita a outro preso, quando a depoente pediu uma comida e que a noite M.da P. foi levar; […]” (sic – fls. 56).

 

Embora tenha negado em juízo, a referida testemunha afirmou na fase inquisitorial que havia solicitado a droga para a apelante, mas que o fez, segundo alegou, em tom de “brincadeira”, não acreditando que aquela fosse atender seu pedido.

 

A testemunha de defesa, A. R. de L., embora afirme, às fls. 57, que “[…] viu quando M. da P. pôs comida na marmita, e neste momento não há viu colocar nenhum pacote dentro da mesma[…]” (sic), é de se ressaltar que esta cena ocorreu no interior da residência que ambas moravam, tendo em vista que a testemunha afirmou “[…] a acusada morava atualmente com a depoente e que esta a conhece há mais de quatro anos […].

 

Em sua autodefesa, a apelante afirmou em juízo que deixou a marmita em cima do muro da casa da Sra. A., por cinco minutos, enquanto pedia emprestada uma bicicleta para se dirigir à delegacia, e que durante este tempo, uma terceira pessoa poderia ter colocado a droga no interior da marmita.

 

Este fato é confirmado pela própria A., conforme seu depoimento assentado às fls. 57, citando, inclusive, pessoas que sabiam que a apelante iria à Delegacia naquele dia, e que, portanto, poderiam, em tese, ter colocado a droga na marmita sem a apelante ter tomado conhecimento.

 

Nada obstante, tal circunstância não tem o condão de afastar a autoria do delito atribuída à apelante, pois são alegações circunstanciais, e a defesa, em momento algum, postulou pela oitiva dessas pessoas em juízo, de modo a desconstituir as alegações e provas produzidas pelo órgão acusatório.

 

O que a mim assoma dos autos, portanto, é um conjunto probatório harmônico, que me conduz à necessária certeza que a apelante Maria da Paz Rocha Correa, é, sim, autora do delito em questão, incorrendo nas condutas “transportar” e “entregar”, descritas no art. 16, da antiga Lei de Drogas.

 

Assim, absolutamente inviável o pleito absolutório.

 

Em sequência, afirmo, de plano, que o pleito desclassificatório não merece prosperar.

 

A substância entorpecente encontrada na marmita era destinada à detenta E. A. de S., fato que restou demonstrado, à exaustão, linhas acima, o que mostra a desnecessidade de tecer outras considerações a respeito.

 

Ora, se a droga foi colocada em uma marmita que seria entregue a outra pessoa, como sustentar a alegação de que essa mesma droga seria para uso próprio da apelante?

 

O que observo, na verdade, é que a droga era, provavelmente, destinada ao consumo de E. A. de S., circunstância que não afasta a conduta delituosa da apelante, que, efetivamente, transportou a droga até a Delegacia, para entregá-la à sua destinatária, a Sra. E.Alves de S..

 

Assim, o conjunto probatório coligido nos autos demonstra, à toda evidência, inobstante a singela quantidade de droga, que a apelante praticou uma conduta que se subsume à traficância, na modalidade “transportar” e “entregar”.

 

Por derradeiro, analiso a tese defensiva que pretende reduzir a pena da apelante, mediante a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da atual Lei de Drogas, que a seguir transcrevo.

 

Para um melhor e mais detido exame da matéria, salutar a transcrição do art. 12, da antiga Lei n. 6.368/76:

 

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

 

Pena – Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

 

(sem destaques no original)

 

A atual previsão legal do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, na Lei n. 11.343/2006, nos diz:

 

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

 

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa;

 

Omissis

 

§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

 

(sem destaques no original)

 

Num primeiro olhar, os preceitos secundários das normas apontam para aplicação da Lei n. 6.368/76, aos fatos ocorridos em sua vigência, tendo em vista que a pena mínima ali cominada é mais branda (três anos), quando comparada àquela infligida à conduta descrita na atual Lei n. 11.343/2006 (cinco anos). A irretroatividade, em linha de princípio, seria de rigor, posto que, caso contrário, prejudicaria o réu.

 

Todavia, à despeito da maneira como a questão foi exposta no apelo, não se resolve pela simples aplicação do preceptivo em causa, demandado uma análise mais aprofundada.

 

O aludido § 4º do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, estabelece um percentual de redução de 1/6 a 2/3, o que inexistia na antiga legislação. Todavia, silenciou o legislador a respeito dos critérios que o julgador deverá considerar para determinar o quantum de redução.

 

No entanto, a exegese sistemática da aludida lei nos remete ao art. 42, que estabelece, verbis:

 

Art. 42.  O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

 

(sem destaques no original)

 

Ao tratar de tais critérios para a diminuição de pena, as preclaras lições de Guilherme de Souza Nucci nos ensinam:

 

[…] É lógico que há de existir o cuidado de evitar o bis in idem, ou seja, levar em conta duas vezes a mesma circunstância. Como temos defendido em outros trabalhos, as causas de diminuição de pena são mais relevantes que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, de caráter nitidamente residual. Portanto, se o juiz notar um fator de destaque no crime cometido pelo traficante primário, de bons antecedentes, sem ligações criminosas, como a pequena quantidade de droga, deve utilizar esse critério para operar a maior diminuição da pena (ex.: dois terços), deixando de considerá-la para a fixação da pena-base (a primeira etapa da aplicação da pena, conforme art. 68 do Código Penal). O contrário também se dá. Percebendo enorme quantidade de drogas, ainda que em poder de traficante primário, de bons antecedentes, sem outras ligações com o crime organizado, pode reservar tal circunstância para utilização na diminuição da pena (ex.: um sexto). Se assim o fizer, não se valerá da mesma circunstância por ocasião da eleição da pena-base, com fundamento no art. 59 do CP.[4]

 

(sem destaques no original)

 

Portanto, diante dessas premissas, deve o juiz considerar, sobretudo, a quantidade de droga apreendida com o acusado, e, em seguida, os critérios estabelecidos no art. 59, do CPB, para determinar o quantum de redução a ser aplicado ao caso concreto, sobre a pena prevista no art. 33, da Lei n. 11.343/2006.

 

Se dessa operação resultar uma pena menor que aquela aplicada de acordo com o art. 12, da Lei n. 6.368/76, deve o julgador aplicá-la, porque evidentemente mais benéfica ao réu. Caso contrário, deve manter a condenação de acordo com a lei vigente à época dos fatos.

 

Nesse rumo, o STJ já assentou:

 

HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADA POR TRÁFICO DE DROGAS. PENA CONCRETIZADA EM 3 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. CRIME DE TRÁFICO COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368?76. REDUÇÃO DE 1?6 ATÉ 2?3 DA PENA. RETROATIVIDADE DO § 4o. DO ART. 33 DA LEI 11.343?06 (NOVA LEI DE DROGAS). INADMISSIBILIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. APLICAÇÃO DE UMA OU OUTRA LEGISLAÇÃO, EM SUA INTEGRALIDADE, CONFORME FOR MELHOR PARA A ACUSADA OU SENTENCIADA. VEDAÇÃO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO, POR SE TRATAR DE CRIME DE TRÁFICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTES DA LEI 11.464?07. PROGRESSÃO DE REGIME. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE 2?5 DA PENA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ULTRATIVIDADE DA LEX MITIOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM CONCEDIDA.

 

1. A redução da pena de 1?6 até 2?3, prevista no art. 33, § 4o. da Lei 11.343?06, objetivou suavizar a situação do acusado primário, de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, proibida, de qualquer forma, a conversão em restritiva de direito.

 

2. Embora o referido parágrafo tenha a natureza de direito material, porquanto cuida de regra de aplicação da pena, tema regulado no Código Penal Brasileiro, mostra-se indevida e inadequada a sua aplicação retroativa à aquelas situações consumadas ainda na vigência da Lei 6.368?76, pois o Magistrado que assim procede está, em verdade, cindindo leis para criar uma terceira norma – uma lei de drogas que prevê pena mínima para o crime de tráfico de 3 anos, passível de redução de 1?6 até 2?3, para agentes primários e de bons antecedentes, possibilitando, em tese, a fixação da sanção em apenas 1 ano de reclusão; contudo, essa norma jamais existiu no ordenamento jurídico brasileiro, não podendo ser instituída por via de interpretação.

 

3. Na hipótese, o § 4o. faz referência expressa ao caput do art. 33 da nova Lei de Drogas, sendo parte integrante deste, que aumentou a pena mínima para o crime de tráfico de 3 para 5 anos. Sua razão de ser está nesse aumento, para afastar qualquer possível ofensa ao princípio da proporcionalidade, permitindo ao Magistrado que, diante da situação concreta, mitigue a sanção penal do traficante ocasional ou do réu primário, de bons antecedentes e não integrante de organização criminosa; assim, não há como interpretá-lo isoladamente do contexto da novel legislação.

 

4. A solução que atende ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica (art. 2o. do CPB e 5o., XL da CF?88), sem todavia, quebrar a unidade lógica do sistema jurídico, vedando que o intérprete da Lei possa extrair apenas os conteúdos das normas que julgue conveniente, é aquela que permite a aplicação, em sua integralidade, de uma ou de outra Lei, competindo ao Magistrado singular, ao Juiz da VEC ou ao Tribunal Estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor à acusada ou sentenciada.

 

[…]

 

9. Ordem concedida, em consonância com o parecer ministerial, para que o Juiz da VEC analise a possibilidade de redução da pena com fulcro no art. 33, § 4o. da Lei 11.343?06, aplicando, se for o caso, em sua integralidade, a legislação que melhor favorecer a paciente, bem como para reconhecer a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, após verificar o preenchimento dos requisitos exigidos, notadamente, a satisfação das condições subjetivas para a fruição do benefício (art. 44, III do CPB ) e, ainda, para que o Juiz da Vara de Execuções Penais aprecie o requerimento de progressão de regime do paciente, decidindo-o como entender de direito, atentando para a satisfação dos requisitos objetivos e subjetivos, na forma como disciplinados pelo art. 112 da LEP.[5]

 

(sem destaques no original)

 

A propósito, é de se ressaltar que o entendimento assente no STJ não admite a fusão de leis, criando-se uma terceira norma híbrida, conforme se depreende do v. acórdão supra transcrito.

 

Vale dizer, não é possível a aplicação da aludida causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da atual Lei de Drogas, isoladamente, à pena cominada na antiga previsão do art. 12, da Lei n. 6.368/76. Ou o atual preceito normativo do art. 33, retroage em sua inteireza (juntamente com o § 4º), caso seja mais benéfico ao réu, ou não retroage, conforme já acentuei, sob pena de o julgador estar se arvorando em função legiferante, criando uma terceira norma híbrida, em clara ofensa ao postulado constitucional da separação das funções estatais.

 

Pois bem.

 

No caso sob testilha, observo que a apelante foi condenada à pena de 03 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, ou seja, no mínimo legal, à despeito do magistrado sentenciante ter valorado negativamente algumas circunstâncias judiciais, dentre elas, a culpabilidade.

 

Diante dessas premissas, a questão fundamental que se põe é a seguinte: considerando a pena concretamente imposta ao embargante, de 03 (três) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa, lhe seria mais vantajosa a aplicação da pena prevista no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, com a causa de diminuição de pena do § 4º, do referido preceito?

 

A resposta, a mim, parece positiva, conforme demonstrarei a seguir.

 

A pena-base cominada no preceito secundário do art. 33, da Lei n. 11.343/2006 é de 05 (cinco) anos de reclusão, e este deve ser o parâmetro a ser seguido.

 

Isso porque, conforme orientação do art. 42, da Lei de Tóxicos, a análise acerca da natureza e a quantidade do entorpecente são preponderantes em relação aos critérios previstos no art. 59, do CPB; daí porque a quantidade de droga, in casu, será levada em conta para fins de aplicação do § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006 (terceira fase da dosimetria), sendo desconsiderado na fase das circunstâncias judiciais.

 

No caso sob testilha, a quantidade do entorpecente apreendida foi mínima (massa líquida de 2,018g, conforme laudo de exame químico de fls. 71), e sua natureza (maconha), revela um entorpecente que, lamentavelmente, é de uso comum, mas dentre os existentes, de efeito menos nocivo.

 

Com efeito, me parece que esta especificidade leva a aplicação da causa de diminuição prevista no multicitado § 4º, do art. 33, da Lei de Tóxicos, em seu patamar máximo, ou seja, 2/3 (dois terços).

 

Aplicando-se a aludida causa de diminuição de 2/3 (dois terços) à pena-base de 05 (cinco) anos, prevista no art. 33, atento à inexistência de majorantes ou minorantes, a pena definitiva resulta 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, menos gravosa, portanto que, a reprimenda de 03 (três) anos outrora irrogada à apelante.

 

Quanto à pena de multa, afigura-se inviável a aplicação de todo o preceito secundário do citado art. 33, da Lei de Tóxicos, que comina pena mínima em 500 (quinhentos) dias-multa, vez que se trata de recurso exclusivo da defesa, devendo ser observado, in casu, a vedação da reformatio in pejus indireta, que consistiria na aplicação de pena de multa muito mais gravosa ao réu, diante de novo recurso exclusivo da defesa. Assim, mantenho a pena de multa já fixada, em 50 (cinquenta) dias-multa.

 

Assim, considerando que a análise concreta do caso recomenda a aplicação integral do art. 33, caput, e seu § 4º, retroativamente, por ser mais benéfica, fica a apelante definitivamente condenada à pena de um 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, e ao pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, esta, à razão de 1/30 do salário mínimo, em razão de não incidirem, na espécie, agravantes e atenuantes, nem tampouco causas de aumento ou diminuição de pena.

 

Observo, ainda, ser cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois atendidos os critério objetivos (pena inferior a quatro anos), e subjetivos (circunstâncias judiciais favoráveis), previstos no art. 44, do CPB[6].

 

Ressalto, como reiteradamente venho fazendo, que tal substituição afigura-se cabível, mesmos nos crimes de tráfico de entorpecentes, conforme já me pronunciei nos autos da Apelação Criminal n. 004723/2011, de minha relatoria, cuja ementa transcrevo abaixo:

 

EMENTA. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA NOS AUTOS QUE DEMONSTRA A MATERIALIDADE DO CRIME E SUA AUTORIA. CONDENAÇÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06, APLICADA EM 1º GRAU. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. APELO PROVIDO PARCIALMENTE.

 

[…]

 

3. O entendimento doutrinário e jurisprudencial atual é no sentido de que, embora o crime de tráfico seja equiparado ao hediondo, em havendo merecimento ao apenado, há possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em homenagem ao postulado constitucional da individualização da pena.

 

4. Apelação conhecida e provida parcialmente.

 

(sem destaques no original)

 

Assim, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, o que faço com base no art. 43, IV e VI, do CPB.

 

Com essas considerações, conheço do presente recurso de apelação, para, em desacordo com a Procuradoria Geral de Justiça, dar-lhe parcial provimento, e reformar a sentença condenatória, aplicando, retroativamente, o art. 33, caput, com a causa de diminuição de pena do seu § 4º, em 2/3 (dois terços), ambos da Lei n. 11.343/2006, e, reconhecendo que a pena resultante é mais benéfica, condeno a apelante à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

 

É como voto.

 

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 14 de junho de 2011.

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

 

RELATOR



[1] Art. 563 do CPP: “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.”

 

[2] Art. 566 do CPP: ”não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.”

 

[3] HC 110.869/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 14/12/2009.

 

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. RT, 2009. pp. 361-362.

 

[5] HC 96242/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 09/06/2008.

 

[6] Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

 

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

 

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

 

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Leomar Amorim

“CNJ é grande protagonista da mudança que se opera no Judiciário”

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1), o conselheiro Leomar Amorim teve sua atuação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) marcada pela relatoria de processos referentes a remoção e promoção de magistrados, além de procedimentos administrativos que avaliaram a conduta de juízes e desembargadores. Atuou, também, no âmbito do movimento pela conciliação – que busca o incentivo à cultura da solução de conflitos por meio da pacificação social – tendo, inclusive, tido ampla participação na última campanha nacional sobre o tema. Como o senhor avalia sua atuação nos últimos dois anos no CNJ? Que atividades ou projetos o senhor destaca na sua gestão?

Embora árdua e difícil, foi com lealdade, independência e imenso orgulho que servi neste biênio (2009/2011) ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que extrai sua legitimidade democrática não só por sua composição heterogênea mas, sobretudo, por ser o grande protagonista da mudança de mentalidade que ora se opera no Poder Judiciário. Penso que o CNJ, neste terceiro mandato dos conselheiros (2009/2011), que ora se encerra, por um lado caracteriza-se por colmatar um déficit de controle dos tribunais sob a responsabilidade, a deontologia e a disciplina dos juízes brasileiros, e por outro põe em relevo a importância da atividade-fim do Judiciário.

Era voz corrente que as corregedorias negligenciavam suas atribuições censórias e de fiscalização da eficiência dos serviços judiciários. Uma sociedade aberta e pluralista como a brasileira exige dos seus magistrados, agentes políticos dotados da missão democrática de assegurar o respeito aos direitos fundamentais, um comportamento reto, exemplar, orientado por altos padrões éticos. As punições de magistrados por desvio de conduta, embora inexpressivas numericamente (menos de 1%) nestes dois últimos anos, reflete os novos standards deontológicos reclamados pela sociedade.

O senhor tem alguma sugestão para os novos conselheiros? Qual deverá ser o foco de atuação do CNJ?

Seria pretensioso fazer sugestões aos novos conselheiros. Cada qual traz suas experiências profissionais que lhes orientarão a atuação. Ultrapassados os desafios de autoafirmação jurídico-político, de extinção do nepotismo e fixação do teto do funcionalismo, julgo que o CNJ, neste 4º mandato, deve privilegiar sua atuação na área de planejamento estratégico, de coordenação e supervisão da atividade-meio do Judiciário. Só assim será possível assegurar a real independência e autonomia dos juízes, assim como a celeridade das decisões.

Há que lembrar que o magistrado, como integrante de um órgão unipessoal ou coletivo, é responsável não apenas por distribuir justiça, mas igualmente por gerir o pessoal, os equipamentos e os recursos, tarefa que corresponde à atividade-meio da função jurisdicional  que não pode ser descurada pelos juízes.

Agência CNJ de Notícias

Onde deve sentar o Promotor de Justiça?

STF vai julgar onde senta promotor em audiência

O juiz titular da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Ali Mazloum, pediu ao Supremo Tribunal Federal que seja dado tratamento isonômico entre acusação e defesa nas audiências criminais feitas na Justiça Federal brasileira. Ele propôs uma Reclamação, no STF, para questionar liminar concedida pela desembargadora federal Cecília Marcondes, que determinou que o promotor permaneça sentado “ombro a ombro” com o juiz, durante audiências na Justiça Federal. A permanência, em local destacado e ao lado do julgador, está prevista no artigo 18, I, “a”, da Lei Complementar 75/93, conhecida como Lei Orgânica do Ministério Público.

Mazloum argumenta que para garantir tratamento igualitário entre os representantes do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública ou da Ordem dos Advogados do Brasil, foi editada a Portaria 41/2010. A norma, de caráter jurisdicional, pretendia dar efetividade à Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94 e 132/09).

Segundo ele, como não havia espaço físico na sala de audiência para acomodar ao lado do juiz também o representante da defesa em uma audiência, a exemplo do que ocorria com o representante do Ministério Público, ficou determinada o assento de todos “no mesmo plano, e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa (DPU e OAB), à mesa destinada às partes.”

O Ministério Público Federal contestou na Justiça a validade da portaria. Alegou que a regra violou o Estatuto do Ministério Público, que garante lugar destacado a seus representantes. Ao analisar a ação proposta pelo MPF contra a Portaria 41/2010, a relatora do caso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, concedeu liminar suspendendo a norma. Por isso, Ali Mazloum foi ao Supremo.

Isonomia e suspeição

Na ação, Mazloum alega que está impedido de exercer sua jurisdição por causa da liminar e que cabe ao juiz natural “assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa”. Na avaliação dele, houve uma interpretação equivocada da desembargadora sobre o dispositivo em discussão da Lei Orgânica do Ministério Público. O entendimento da desembargadora, segundo o juiz federal, fere entendimento da 2ª Turma do STF sobre o assunto firmado no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 21.884.

De acordo com Mazloum, “é perceptível a reação diferenciada de testemunhas quando indagadas pelo acusador, sentado no alto e ao lado do juiz, e depois pelo advogado, sentado no canto mais baixo da sala ao lado do réu. É preciso colocar em pé de igualdade, formal e material, acusação e defesa”, acrescentou.

Ao observar que a questão está em discussão no âmbito do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Justiça e que há a possibilidade de decisões divergentes entre os dois, ele pediu a concessão de liminar pelo STF para resolver eventual controvérsia para toda a magistratura.

No mérito, pediu que seja declarado inconstitucional o artigo 18, I, “a”, da Lei Complementar 75/93 e adotado o teor da Portaria 41/2010 da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo como modelo válido para toda a magistratura “com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais”.

Em janeiro deste ano, o juiz Ali Mazloum arguiu a suspeição da desembargadora federal Cecília Marcondes, como noticiou a revista Consultor Jurídico. A desembargadora acolheu, provisoriamente, pedido de 16 procuradores da República para que o Ministério Público Federal voltasse a sentar imediatamente à direita do juiz na sala de audiência. Ela determinou que fosse reinstalado o tablado de madeira que coloca procuradores e juiz um degrau acima de advogados, réus e testemunhas.

De acordo com o juiz, Cecilia Marcondes não tem isenção e imparcialidade para julgar o Mandado de Segurança apresentado contra ele. Ele afirmou que desde 2003 foi alvo de seis acusações falsas do MPF e que em todas elas a desembargadora votou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região pela abertura das investigações. Procurada, na ocasião pela revista ConJur, a desembargadora Cecília Marcondes não se manifestou.

O juiz chegou a ser afastado de suas funções. Voltou a trabalhar depois que os procedimentos foram trancados pelas instâncias superiores do Judiciário (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça). “A suspeição afeta a serenidade do juiz, despoja-o da independência e compromete a exatidão de suas decisões”, afirma Ali Mazloum.

No pedido de suspeição, o juiz aponta três ações penais, dois procedimentos administrativos e uma Ação Civil Pública em que foi acusado pelo MPF e que tiveram voto favorável da desembargadora no Tribunal Regional Federal. “Errar uma vez seria até admissível, mas aqui se está diante de mais de seis casos concretos de injustiça clamorosa, visível a olho nu, repelidos com contundência pelas instâncias superiores”, argumentou. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo.


Direito em movimento

Provas

STJ – Recusa de novas perícias não caracteriza cerceamento de defesa

A simples recusa, pelo magistrado, de produção de novas provas periciais não caracteriza cerceamento de defesa, pois cabe ao juiz avaliar a real necessidade das diligências para formação de sua convicção. Esse foi o entendimento da 6a turma do STJ ao julgar habeas corpus em que a defesa de um acusado de homicídio qualificado sustentava faltar fundamentação à decisão do juiz de primeiro grau, que negou pedido de produção de novas provas periciais. O crime ocorreu em abril de 2009, em Castro/PR, e teria sido motivado pela suposta agressão que o irmão do acusado sofreu de seguranças da vítima, o empresário e instrutor de taekwondo F. Z..

No habeas corpus ao STJ, alegou-se que houve constrangimento ilegal, pois o juiz teria agido como um “filtro probatório”, já que “ele pode considerar irrelevante algo que os jurados podem considerar importante”. A defesa do réu também argumentou que as diligências solicitadas não seriam desnecessárias, inconvenientes ou procrastinatórias, e que o juízo de primeira instância não teria fundamentado suficientemente sua decisão.

Em seu voto, o relator, ministro Og Fernandes, observou que as novas perícias, entre elas a retrospectiva técnica do crime, o exame da trajetória do projétil pelo Instituto de Criminalística e a exumação do cadáver, foram negadas com fundamentação. O ministro destacou que, nos autos, ficou registrado que várias perícias já foram realizadas, inclusive o exame necrológico e o exame da munição. “É entendimento pacífico no STJ que o deferimento de diligências é ato que se inclui na discricionariedade regrada do juiz, cabendo a ele aferir, em cada caso, a real necessidade da medida”, esclareceu o ministro.

Para Og Fernandes, diante desse quadro, não há ofensa ao princípio da ampla defesa. O juízo de primeiro grau agiu em harmonia com o princípio da persuasão racional e afastou a produção das provas consideradas desnecessárias, concluiu o ministro. Por fim, ele apontou que o STJ não pode substituir o juiz natural da causa na análise e utilização devida das provas. Com essas considerações o ministro negou o pedido de habeas corpus, no que foi acompanhado pelos demais integrantes da 6a turma.

Juiz eunuco

Para Zaffaroni é insustentáve pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideias, que não tenha compreensão do mundo, uma visão da realidade.

Para o insigne penalista, o juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica.

O Juiz não pode ser alguém “neutro” porque não existe neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência de pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um juiz, conclui.

Desde que ingressei na magistratura que exponho a minha visão de mundo.

Eu nunca pretendi mesmo ser alguém que não se sabe o que pensa, que não diz o que pensa, que se acomoda apaticamente sob as talares.

Eu sempre mostrei a minha cara – algumas vezes até a alma.

Já fui compreendido e incompreendido.

Todavia, ainda assim, me recuso a não ser um ser que pensa – e que diz o que pensa.

Confesso que tenho certo receio do juiz “netro”, do juiz que acha que só deve falar nos autos.

Eu sou do tipo tagarela, que diz o que pensa, sem temer  a incompreensão.

Em incontáveis crônicas e artigos publicados na imprensa local e neste blog eu já me mostrei por inteiro.

Eu sou exatamente o que digo, sem tirar nem pôr.

Não me apraz o conforto do silêncio, com receio de desagradar.

Mas não sou inconsequente, conquanto reconheça que, por ser assim, nunca tenha sido muito bem compreendido.

Eu sou um ser que pensa, que diz  o que pensa, muitas vezes com veemência; veemência que, não raro, tem sido  confundida com arrogância.

Eu só sei ser intenso, forte nas minhas inabaláveis convicções.

Tenho a mais empedernida convicção, por exemplo, que não serei presidente do Tribunal de Justiça  do Maranhão.

Tenho testemunhado, desestimulado, as incompreensões que envolvem, por exemplo, a administração do nosso atual presidente, que, ao que vejo, é movido pelas mais lídimas e escorreitas intenções de fazer o melhor. Todavia, ainda assim é incompreendido muitas vezes.

Definitivamente,  essa não será a minha praia, mesmo porque, intenso como sou, certamente reagiria, com  extremado vigor,  a uma injustiça.

Mas a veemência, registro com prazer,  não é predicado apenas dos homens pouco  inteligentes  como eu.

Certa feita, no STF, em debate com o relator Aliomar Baleeiro, este comentou a intensidade de Evandro Lins e Silva na defesa do seu ponto de vista.

Evandro, diante do comentário, anotou, como eu o faria:

“Não veja V. Exa. na minha veemência outro motivo que não seja o natural ardor na defesa do meu ponto de vista. É uma convicção firmada como juiz,  sobretudo como juiz da Corte Suprema,encarando também o interesse público que está em causa”.