Impeachment?

Joaquim_BarbosaGilmar_MendesNão almejo ser paladino da moralidade, pois reconheço que, por mais que me esforce, aqui e acolá tenho agido como agem todos os seres humanos: acertando aqui; errando acolá. Nunca movido pela má-fé, inobstante. Não me apraz, ademais, viver julgando a conduta moral de ninguém, muito menos dos meus pares; impedem-me a ética e a elegância.

Acho, sim, pouco recomendável a atitude de colegas que vivem falando mal dos seus pares pelos corredores dos Tribunais ou nas rodas de bate-papo. Aliás, acerca dessa questão, eu vou além: chego a abominar esse tipo de atitude; chamo esse tipo de gentalha, rebotalho, escória ou resto de gente.

Todos nós temos as nossas reservas em face da atuação desse ou aquele colega; as minhas reservas, no entanto, guardo-as para mim. Em face das restrições que fazemos à ação de algum colega, aqui e acolá, circunstancialmente, fazemos comentários despretensiosos, sobretudo se ela, a ação, for do tipo, digamos, heterodoxa. Esse tipo de atitude não é incomum nas corporações; nada, entrementes, que deslustre o par, que o apequene, afinal não é esse o papel de um magistrado.

Quando se lê na imprensa que um jurista da estirpe de Celso Bandeira de Mello aconselha o impeachment de membros da nossa Suprema Corte, ainda que o seja destituído de fundamento – não discuto o mérito -, devemos nos preocupar; eu, cá com meus botões, sou tomado de preocupações, pois que sei o que isso representa para a instituição.

Celso Bandeira de Mello não só tem recomendado o impeachment de ministros do STF – Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, para ser preciso –, como os tem criticado de forma acerba, a recomendar, no mínimo, que reflitamos sobre as críticas, ainda que percebamos nelas uma certa dose de sectarismo, pois ele não faz nenhuma menção a ações de outros ministros que, na visão da nação, também se comportaram de forma pouco recomendável.

Celso Bandeira de Mello, em entrevistas, tem dito que os dois ministros antes mencionados, desmoralizam o STF com as suas falas e suas atitudes, e que, por isso, o seu impeachiment serviria de alerta para comportamentos extravagantes numa Suprema Corte.

Segundo matéria veiculada na revista eletrônica 247, onde apanhei os dados em razão dos quais faço essas reflexões, o comportamento dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, no julgamento da AP 470, foi pautado por interesses políticos, o que, convenhamos, é muito grave, a exigir dos dois uma pronta resposta em face da desmoralizante acusação.

Sobre Gilmar Mendes, o jurista diz que fala e age como político. Sobre Joaquim Barbosa, afirma que age como perseguidor do ex-ministro José Dirceu e não como magistrado, suprimindo-lhe direitos e garantias constitucionais.

Repito que não desejo emitir juízo de valor acerca das críticas assacadas pelo jurista em face do comportamento dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Vejo-as, todavia, com enorme preocupação, pois, confesso, nunca dantes imaginei, nas minhas reflexões mais excêntricas, mais extravagantes, que um dia testemunharia acusações tão deslustradoras, acerbas e contundentes contra dois colegas, sobretudo tratando-se de colegas da Corte Suprema, cuja ação deve servir de referência para todos nós julgadores.

Espaço livre

Ouvidoria judiciária como modelo de ombudsman e princípio republicano

thPaulo Velten, desembargador do TJMA e Ouvidor da Justiça Estadual

O excesso de lisonjas que cerca os detentores de poder não raro tem o efeito de empanar a capacidade de recepção a críticas e reclamações, quase sempre recebidas com desconfiança e equivocadamente interpretadas como ataques injustos advindos de pessoas mal intencionadas.

Esse comportamento defensivo, de quase aversão à crítica e à cobrança por resultados gera o isolamento e a perda de contato com a realidade, faz com que o agente político se afaste da sociedade, deixando escapar uma importante fonte de renovação e uma rara oportunidade de comunicação com o destinatário do serviço público.

Ouvidoria judiciária como modelo de ombudsman e princípio republicano

O excesso de lisonjas que cerca os detentores de poder não raro tem o efeito de empanar a capacidade de recepção a críticas e reclamações, quase sempre recebidas com desconfiança e equivocadamente interpretadas como ataques injustos advindos de pessoas mal intencionadas.

Esse comportamento defensivo, de quase aversão à crítica e à cobrança por resultados gera o isolamento e a perda de contato com a realidade, faz com que o agente político se afaste da sociedade, deixando escapar uma importante fonte de renovação e uma rara oportunidade de comunicação com o destinatário do serviço público.

No âmbito do Poder Judiciário, essa realidade tem sido profundamente modificada por meio de inúmeras inovações institucionais que contribuem na construção de uma justiça democrática de proximidade, na feliz expressão de Boaventura de Sousa Santos.

Entre essas inovações, destacamos a criação das ouvidorias judiciárias, órgãos de representação da sociedade com competência para, essencialmente, prestar informações, receber críticas e apurar reclamações sobre deficiências na prestação dos serviços judiciais, sugerindo a adoção de medidas tendentes à sua melhoria.

As modernas ouvidorias não se baseiam em suas congêneres do século XVI, que remetem aos ouvidores-gerais, como eram chamados os funcionários encarregados de auxiliar o rei na atividade de administração da justiça perante as colônias. Inspiram-se, verdadeiramente, no modelo de ombudsman da Suécia, desenvolvido a partir do início do século XIX, cuja função era encaminhar as reclamações e críticas da população, atuando como um representante do cidadão perante o Estado. A diferença está no fato de que as ouvidorias coloniais ouviam o monarca. As do modelo sueco, o povo.

Já na segunda metade do século XX, a figura do ombudsman é adotada por alguns órgãos de imprensa, servindo para designar o representante dos leitores dentro de um jornal, de regra um profissional da própria redação dedicado a receber, apurar e encaminhar as reclamações e sugestões do leitor de forma pública, aprimorando o serviço prestado por meio da crítica interna e imparcial.

Derivando desse mesmo modelo de ombudsman, as atuais ouvidorias judiciárias não podem ser concebidas como entidades representantes do Estado junto à sociedade, pois a rigor significam exatamente o inverso, ou seja, são órgãos de representação da população perante o Judiciário, com a função histórica de receber e encaminhar reclamações, críticas e sugestões visando o aperfeiçoamento do Poder.

E é também porque fundadas na ideia de ombudsman, que as ouvidorias, mais do que simples órgãos de encaminhamento de reclamações, devem também ser assimiladas como princípio, como uma postura republicana a ser assumida por juízes e servidores do Judiciário, um comportamento cívico de tolerância e compreensão, de recepção entusiasmada à crítica e à cobrança da sociedade.

Tal como acontece nas relações de afeto, só faz a crítica e cobra resultados quem respeita e valoriza. Por isso devemos receber as críticas e reclamações com maturidade e espírito aberto, sem indisposição, transformando o dever de resposta e informação em oportunidade de comunicação e de prestação de contas à sociedade (accountability). Essa deve ser a postura republicana incorporada às boas práticas do Judiciário.

Quando fala e reclama, o cidadão também participa da vida pública, sente-se integrado e dando sua parcela de contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Quando, de nossa parte, deixamos um pouco de lado as “sólidas opiniões”, abrindo nossas mentes como bons ouvintes, passamos a entender e a também respeitar a opinião do outro, o que é condição fundamental para a vida democrática.

Com isso, ganhamos a chance de descobrir um novo Poder, um Judiciário a partir da visão dos destinatários de nossas decisões. A verdadeira viagem do descobrimento, advertia Proust, não consiste em procurar novas paisagens, mas em ver com novos olhos.

Renovando e ampliando nossa visão do Judiciário, com a assimilação do princípio da ouvidoria e sua concretização no dia-a-dia, teremos a verdadeira dimensão da importância do nosso trabalho e um novo estímulo na árdua tarefa de assegurar a ordem prometida pelo constituinte.   

Notícias do CNJ

Primeira sessão ordinária de 2014 do CNJ será nesta terça-feira

 

Luiz Silveira/Agência CNJ

Primeira sessão ordinária de 2014 do CNJ será nesta terça-feira

 

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retoma, nesta terça-feira (11/2), o julgamento de procedimentos relativos à administração dos tribunais e à conduta de magistrados. O órgão realizará a sua 182ª Sessão Ordinária – a primeira de 2014. Na pauta, constam 147 itens para apreciação. O encontro será realizado a partir das 9 horas, na sede do CNJ, em Brasília/DF.

Entre os processos previstos para julgamento, destacam-se os procedimentos de controle administrativos e pedidos de providência. Constam também mais de 20 procedimentos de cunho disciplinar – entre processos administrativos, reclamações, pedidos de revisão e avocações.

Estão previstos, também, mais de 10 itens para apreciação dos conselheiros sobre concursos públicos, tanto para a magistratura como para analistas e técnicos judiciários. Pelo menos outros 15 itens tratam das seleções para os cartórios de notas e registro em todo o País.

A pauta traz diversos outros procedimentos – como os de consulta, protocolados por magistrados, operadores do Direito ou mesmo pelo cidadão comum para saber o posicionamento do CNJ sobre determinado assunto. Uma das consultas visa esclarecer se o Poder Judiciário pode firmar parcerias público-privadas. Outra questiona a competência do CNJ com relação aos Tribunais de Conta.

Ainda está prevista, para a 182ª Sessão Ordinária, a apreciação de propostas de atos normativos pelo Conselho. Entre eles, o que visa à regulamentação da emissão de passaporte para crianças e adolescentes, assim como a apresentação de pessoas presas ao juízo competente.

Serviço:

182ª Sessão Ordinária

Horário: 9 horas

Local: Plenário – 2º andar do Anexo I do Supremo Tribunal Federal, localizado na Praça dos Três Poderes, Brasília/DF.

Acesse aqui a pauta da 182ª Sessão

Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias

Democracia no Poder Judiciário

  • É anacrônica a limitação ao voto direto para a composição dos cargos diretivos nos tribunais de Justiça do país

Rossidélio Lopes da Fonte

Quem garante o estado democrático de direito é o juiz. É ele quem assegura o respeito às liberdades civis. Entretanto, em sua própria casa, o juiz de primeira instância não pode exercer a democracia. Nos tribunais de Justiça brasileiros somente os desembargadores têm a permissão de escolher quem governará o Judiciário local — apenas 17% dos magistrados nacionais. Os juízes, que são membros do mesmo tribunal, não têm direito a voto para os cargos de direção, o que provoca uma grande deformidade, em que são criados dois Judiciários diferentes.

Hoje, por terem o direito ao voto, os desembargadores dispõem de maior poder de barganha que os juízes. E como em toda a sociedade, aqueles que votam conseguem mais atenção dos candidatos do que aqueles que não participam do processo eleitoral. A partir da democratização interna do Judiciário, os juízes poderão mostrar a necessidade de se priorizar o primeiro grau de jurisdição, onde há o contato direto com a sociedade. Com isso, os juízes eleitores serão mais exigentes com os investimentos de estrutura do primeiro grau, propiciando a melhora do dia a dia forense e dos serviços prestados ao cidadão.

É completamente anacrônica a limitação ao voto direto para a composição dos cargos diretivos nos tribunais de Justiça. Temos que dar voz aos juízes que atuam na atividade fim do Judiciário, que é a prestação jurisdicional. A democratização é uma reivindicação dos juízes de todo o Brasil, que fortalecerá o Poder Judiciário. Com a participação efetiva dos juízes, todos serão ouvidos democraticamente e haverá a partilha de opiniões para, ao fim, ser tomada a melhor decisão.

O caminho para a democratização na casa da Justiça requer mudanças nas legislações existentes. É necessário atualizar a Lei Orgânica da Magistratura, para que se respeite o juiz de Direito no Estado republicano. A sociedade espera e, mais do que isso, exige que o julgador de sua causa seja independente, tenha autonomia e isenção. A ninguém interessa um juiz que não tenha essas prerrogativas para decidir qualquer conflito de interesse que seja. Como imaginar uma democracia sem juízes dotados de autonomia e independência?

O juiz é o agente político que sustenta a segurança da sociedade, dirimindo conflitos em todo o território nacional. Somente um Judiciário forte garante a saúde do Estado republicano e uma democracia plena. Para que isso aconteça, é necessário democratizar de forma imediata o processo eleitoral do próprio Poder Judiciário.

Artigo a ser publicado

Antecipo a publicação, neste blog, do artigo que enviei ao Jornal Pequeno, para ser publicado no próximo domingo.

A CAMINHO DA BARBÁRIE

José Luiz Oliveira de Almeida,

desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

blog: www.joseluizalmeira.com  

Voltaire dizia que a tolerância nunca provocou guerras civis, nem cobriu a terra de morticínios. Contudo, os tempos são outros e, em razão disso, convenhamos, está muito difícil ser tolerante nos dias atuais, com tanta violência e tantos desvios de conduta. Vivemos dias de quase escuridão, de descrença, de desamor, de revolta – e de muito medo; medo de tudo, às vezes, da própria sombra.

Nesse cenário, não é possível, por exemplo, ser tolerante com a criminalidade que nos constrange, com a impunidade que nos apequena e com o enriquecimento ilícito que nos revolta, à mercê das ações ímprobas dos que não são capazes de distinguir o público do privado.

É preciso ser muito frio e insensível para não reagir diante desse quadro de perversão dos valores morais. Não há como, no panorama que se descortina sob os nossos olhos, a desafiar a nossa paciência, deixar de abominar os desvios de conduta, o caradurismo dos que estão no comando, cujas ações são direcionadas, prioritariamente,  para defesa dos seus interesses pessoais.

Descrente, o povo vê diante dos olhos a gravíssima e perturbadora situação de degradação moral das instituições a estimular-lhe a revolta, tudo por culpa de quem as comanda, dos que deveriam envidar ações para consolidá-las, fazê-las respeitadas, para o bem de todos, para consolidação de uma sociedade civilizada, justa e fraterna.

A verdade é que o cidadão, pelos nossos próprios erros e pelas nossas omissões, pelo desiderato que não somos capazes de cumprir a contento, não acredita em mais ninguém.  Nessa perspectiva, as propagandas eleitorais, por exemplo, são um desfile de promessas vãs, um escárnio, um desalento; são, muitas vezes, uma agressão, um acinte, um menoscabo à nossa inteligência e capacidade de discernimento.

Por isso e por muito mais, ninguém acredita mais nos nossos representantes, que nunca foram capazes de materializar as promessas com as quais embalaram – e embalam – os nossos sonhos, que nos fizeram acreditar no porvir, que nos fizeram sair de casa, num domingo qualquer, para depositar o nosso voto, ou melhor, a nossa crença numa urna eletrônica, tão insensível e tão fria quanto os que nos convenceram a sufragar os seus nomes para, no exercício do poder, malbaratar, fazer soçobrar a nossa esperança.

Estamos todos cansados de tudo que está aí; por isso, as reiteradas manifestações públicas, muitas delas descambando para a irracionalidade; por isso, os “justiçamentos”; por isso, a revolta, pois, definitivamente, cansamos de conversa fiada, de promessas vãs.

Todos nós queremos ação, prestação de serviços públicos de qualidade e instituições que funcionem a contento. Daí por que não aceitamos mais a discriminação, o favorecimento a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, afinal, somos todos cidadãos e exigimos ser tratados nessa condição.

O povo cansou, nós cansamos, e tudo agora é motivo de revolta. Foram-se a sensatez, a prudência e a tolerância. Só não vê isso quem não quer. Para o povo, somos todos iguais, farinha do mesmo saco. Depois de tanta desilusão, lamentável dizer, o povo radicalizou e não vê mais exceção.

A verdade é que ninguém mais consegue vê nos olhos do vizinho um irmão; solidariedade, nos dias de hoje, de tanta competição e desfaçatez, é artigo de luxo. E por aí vamos, todos na mesma direção, no caminho que nos leva à descrença, ante a constatação de que, na vida pública, hoje em dia, tudo parece ser resultado de uma mescla de podridão e degradação, a nos impor, nesse panorama, como última trincheira de fé e esperança, a família, a sublimação da família.

Diante desse quadro de quase descalabro, o povo se revolta e faz justiça com as próprias mãos, sempre que for possível, pois, desestimulado e desassistido, constata que vivemos num país de faz de conta, sob a enganosa expectativa do que virá amanhã; de um amanhã que nunca chega.

A verdade é que o povo já não tem nenhum apreço pela ação do Estado. Ninguém acredita que ele, Estado, por suas instituições, tenha condições de sair em defesa da sociedade ou que seja capaz de cuidar das pessoas.

No ambiente que acabo de descrever, está pavimentado o caminho para a barbárie. E a culpa, importa reconhecer, é dos que estão no poder,  muitos dos quais sempre agiram em defesa dos seus interesses mais mesquinhos, pois pensam ser possível enxergar o mundo por um espelho, quando, na realidade, vêem refletida apenas a sua própria imagem, numa abominável e narcísica afeição descartável.

 

Intolerância nossa de cada dia

O meu artigo do próximo domingo, no jornal Pequeno, tratará de intolerância. Mas um artigo nunca é capaz de esgotar as reflexões de um articulista. Serve, todavia, para instigar, provocar etc. Ao leitor cabe continuar refletindo sobre os temas que são propostos.

Nessa linha de pensar e a propósito, ainda, de intolerância, vou expor alguns dados que traduzem, sem exaustão, a que ponto nós chegamos na nossa convivência com os digamos, “diferentes” de nós, ou seja, dos que pensam e agem diferente de nós outros.

Pois bem. O Brasil registrou, em 2013, o assassinato de 312 gays, travestis e lésbicas, o que significa a média de uma morte a cada 28 horas. Esse número, apesar de absurdo, sob todos os aspectos, ainda é menor que os 388 assassinatos que ocorreram em 2012.

Ainda recentemente, li que os gays que transitam pela Rua Augusta, em São Paulo, tentam, de todas as formas, parecerem, digamos, “normais”, com receio de serem alvo da ação dos intolerantes.

E assim vamos. E assim a humanidade vai caminhando, sem que se saiba aonde vamos parar com tanta intolerância.

Caminhamos, celeremente, na direção da barbárie. Hoje são os gays, ontem foram os mendigos, anteontem foram os índios as vítimas da intolerância. Amanhã, quem sabe!, os intolerantes podem decidir que é chegada a hora de “livrar” a sociedade dos idosos ou dos deficientes físicos, por exemplo.

Diante dessa perspectiva, resta indagar: aonde vamos parar?

Cultura anciã

STF deve mudar cultura jurídica egocêntrica e individualista

Por Joaquim Falcão

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta segunda-feira (10/2)]

Ao criar a TV Justiça, o ministro Marco Aurélio, e os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ricardo Lewandowski ao maximizarem seus efeitos no mensalão, deram passo sem precedentes para a democratização das relações entre Supremo Tribunal Federal, mídia e opinião pública. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, envelheceram muitas das práticas decisórias do próprio tribunal.

Como qualquer colegiado ou conselho, judicial ou não, o Supremo tem procedimentos de governança, hoje definidas na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, no regimento interno de 1980 (mesmo atualizado), nas sucessivas resoluções administrativas e na sua cultura, informal, não escrita, detida pelo estável corpo administrativo.

Muitos desses procedimentos compõem uma cultura jurídica patrimonialista, individualista e isolacionista incompatível com o ator político, relevante e legítimo que o Supremo quer hoje ser.

Não basta ser presidente do Supremo nomeado na democracia. Os ministros sabem disso.

Todos os últimos presidentes da corte, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, propuseram-se a mudar a lei orgânica da cultura jurídica do passado, a Loman. Não conseguiram.

Não tiveram em si próprios suficiente força política interna para enfrentar interesses corporativos ali petrificados. Interesses oriundos de uma época na qual o Judiciário tinha privilégios, mas não tinha poder nem responsabilidade.

Mas não é necessária lei nenhuma para enfrentar essa cultura jurídica do passado. As associações de magistrados, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério da Justiça, universidades e os próprios ministros –como Luís Roberto Barroso– já ofereceram milhares de sugestões. Só depende do colegiado.

Cito medidas como exemplos. Cada ministro distribuir seu voto antes, para que os outros possam focar, melhor preparar e encurtar os julgamentos. Publicar 30 dias antes as pautas, para não haver surpresas. Assegurar melhor a defesa. Produzir votos mais sintéticos. Abandonar citações pantagruélicas. O povo não é barroco. Na comunicação, demais é menos.

Exercitar a grandeza da humildade e dizer apenas: acompanho o voto dos meus colegas. Não precisam dar aulas repetidas de argumentos. Como disse recentemente o ministro Stephen G. Breyer da Suprema Corte dos Estados Unidos: “Não estamos aqui para fazer doutrina. Mas para decidir casos”.

A ementa do acórdão deve ser o principal objeto da votação. Nela reside o poder. Nela deve-se democratizar as palavras, torná-las palpáveis e entendíveis. Sair da cultura judicial isolacionista e arquivística para a cultura democratizante comunicativa digital. Nada disso depende do Congresso Nacional ou do Poder Executivo. Por que, então, não se promovem mudanças?

Essa nova geração de ministros do Supremo Tribunal Federal já deve ao Brasil a mudança da cultura jurídica anciã, cheia de personalismos e privilégios sem responsabilidades. Essa deve ser a prioridade política e o consenso mínimo entre os ministros.

A anciã cultura jurídica egocêntrica valoriza em excesso o poder individual de veto a iniciativas coletivas. Como está hoje, com alma de novato e movimentos de ancião, o Supremo Tribunal Federal caminha com dificuldades.

Essa nova geração de ministros não poderá culpar ninguém — nem o Congresso Nacional, o Poder Executivo, a mídia, ou a opinião pública — se antes não completar o caminho interno da democratização de sua própria governança.

LIBERDADE INDIVIDUAL E SEGURANÇA PÚBLICA

Estou republicando esse artigo em face dos últimos acontecimentos, sobretudo em face da morte do repórter cinematográfico da TV Bandeirantes.

“Vamos refletir em face de duas situações hipotéticas, concebidas em razão da decisão da Polícia Militar de Pernambuco de não permitir mascarados em manifestações públicas naquele Estado, e das divergências de entendimento acerca da questão.

Num Estado Democrático de Direito, a dignidade humana orienta tanto o legislador quanto o aplicador da lei, e, por extensão, as demais agências de controle, daí que, como ensina Guilherme de Souza Nucci, nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade da pessoa, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados.

Todos os operadores do Direito têm consciência de ser impensável uma sociedade sem a ação das agências de controle social – formais ou informais. Até os chamados minimalistas, os que pregam um enfraquecimento do Direito Penal, concordam que elas (as agências) são um mal necessário.

Todos nós temos consciência de que das relações que se consolidam em face da vida em sociedade,  sempre haverá uma disputa entre liberdade individual e segurança pública. Essa tensão entre princípios constitucionais é constitutiva de todo o direito estatal que tenha por objeto relações de natureza jurídica entre o Estado e seus administrados (Eugênio Pacelli).

O princípio da dignidade da pessoa comporta graus de realização, e o fato de que, sob determinadas condições, com um alto grau de certeza, preceda a todos os outros princípios, isso não lhe confere caráter absoluto (Gilmar Mendes).

Assim postas as notas introdutórias, passo, finalmente, ao objetivo dessas reflexões, à luz das duas situações hipotéticas que fiz menção no primeiro parágrafo deste artigo.

Primeira situação hipotética. A polícia de segurança, pelo seu serviço de inteligência, colhe a informação de que 20 (vinte) homens, armados e com antecedentes criminais em face de crimes contra o patrimônio, estão reunidos, num determinado local da cidade, objetivando assaltar uma agência bancária. O que devem fazer a agência de segurança do Estado diante dessa informação? Deve agir preventivamente, se antecipando à execução do crime, ou, ao reverso, deve aguardar a prática de atos executórios para legitimar eventual prisão?

Segunda situação hipotética. Numa manifestação pública, vê-se, à frente de milhares de pessoas, pelo menos 20 (vinte) homens mascarados – coturno, calças, mochila, camiseta e jaquetas pretas – a indicar, em face de outras manifestações, que atentarão contra os patrimônios público e privado. O que devem fazer as forças de segurança nesse caso? Esperar os primeiros atos de execução, para, só então reagir? Ou, ao reverso, devem agir, preventivamente, para evitar que os crimes ocorram?

Do meu ponto de observação, com a Constituição diante dos olhos, entendo que as forças de segurança devem intervir, nas duas hipóteses, para prevenir a prática de crimes. Nesse contexto, conquanto não seja possível prendê-los pela prática dos crimes que só cogitaram, pode – e deve – a polícia intervir para evitar que os crimes ocorram, razão primeira da sua existência. Nas duas hipóteses, à luz das evidencias – não confundir evidências com verdade -, os indivíduos, ainda que não tenham praticado atos de execução, pois que, tudo faz crer,  apenas cogitaram a prática de crimes, legitimaram a (re)ação preventiva das forças de segurança.

No caso específico das manifestações de rua, contextualizado o fato  e assomando pelo menos indícios de que os mascarados objetivam atentar contra os patrimônios público e privado, em vista das ações antecedentes, devem, sim, ser instados a se identificarem e, no mesmo passo – e aqui é a razão maior dessas reflexões -,  impedidos de participar das manifestações com os rostos sob máscaras ou similares, em tributo à ordem pública.

Digo mais, a conta de reforço. Se, circunstancialmente, eu – como qualquer outro cidadão de bem – posso ser submetido a uma constrangedora revista e a exibir a carteira de identidade, como ocorreu recentemente no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, como argumentar que um indivíduo, mascarado, numa manifestação pública, que pode descambar para a violência e atos de vandalismo, não possa ser revistado e identificado, e, até, impedido de participar da mencionada manifestação?

A polícia de segurança não pode, sob qualquer argumento, diante de um crime ou de uma potencial ação criminosa, transigir ou sublimar o interesse de um grupo em detrimento do interesse público. Transigir com os mascarados, que, sob o manto do anonimato, depredam os patrimônios público e privado, a pretexto de preservar a sua intimidade e à invocação da dignidade de quem não respeita a dignidade e privacidade alheias,  é flertar com a desordem.É, de rigor, a negação do próprio Estado Democrático de Direito.

Aquele que comete crimes, ou se prepara para praticá-los, tem que compreender, por um raciocínio lógico-jurídico, que, em face dos crimes cometidos ou cogitados, pode ter que suportar a violação ou privação de determinadas direitos – que, todos sabemos, não são absolutos -, em face da ação das agências de controle, ainda que em aparente afronta à sua dignidade, valor-guia que, todos sabem, irradia os seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, mas que não pode ser invocado como um escudo protetor para quem faz mau uso da liberdade para protestar e fazer reivindicações.”