Antecipo a publicação, neste blog, do artigo que enviei ao Jornal Pequeno, para ser publicado no próximo domingo.
A CAMINHO DA BARBÁRIE
José Luiz Oliveira de Almeida,
desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com
blog: www.joseluizalmeira.com
Voltaire dizia que a tolerância nunca provocou guerras civis, nem cobriu a terra de morticínios. Contudo, os tempos são outros e, em razão disso, convenhamos, está muito difícil ser tolerante nos dias atuais, com tanta violência e tantos desvios de conduta. Vivemos dias de quase escuridão, de descrença, de desamor, de revolta – e de muito medo; medo de tudo, às vezes, da própria sombra.
Nesse cenário, não é possível, por exemplo, ser tolerante com a criminalidade que nos constrange, com a impunidade que nos apequena e com o enriquecimento ilícito que nos revolta, à mercê das ações ímprobas dos que não são capazes de distinguir o público do privado.
É preciso ser muito frio e insensível para não reagir diante desse quadro de perversão dos valores morais. Não há como, no panorama que se descortina sob os nossos olhos, a desafiar a nossa paciência, deixar de abominar os desvios de conduta, o caradurismo dos que estão no comando, cujas ações são direcionadas, prioritariamente, para defesa dos seus interesses pessoais.
Descrente, o povo vê diante dos olhos a gravíssima e perturbadora situação de degradação moral das instituições a estimular-lhe a revolta, tudo por culpa de quem as comanda, dos que deveriam envidar ações para consolidá-las, fazê-las respeitadas, para o bem de todos, para consolidação de uma sociedade civilizada, justa e fraterna.
A verdade é que o cidadão, pelos nossos próprios erros e pelas nossas omissões, pelo desiderato que não somos capazes de cumprir a contento, não acredita em mais ninguém. Nessa perspectiva, as propagandas eleitorais, por exemplo, são um desfile de promessas vãs, um escárnio, um desalento; são, muitas vezes, uma agressão, um acinte, um menoscabo à nossa inteligência e capacidade de discernimento.
Por isso e por muito mais, ninguém acredita mais nos nossos representantes, que nunca foram capazes de materializar as promessas com as quais embalaram – e embalam – os nossos sonhos, que nos fizeram acreditar no porvir, que nos fizeram sair de casa, num domingo qualquer, para depositar o nosso voto, ou melhor, a nossa crença numa urna eletrônica, tão insensível e tão fria quanto os que nos convenceram a sufragar os seus nomes para, no exercício do poder, malbaratar, fazer soçobrar a nossa esperança.
Estamos todos cansados de tudo que está aí; por isso, as reiteradas manifestações públicas, muitas delas descambando para a irracionalidade; por isso, os “justiçamentos”; por isso, a revolta, pois, definitivamente, cansamos de conversa fiada, de promessas vãs.
Todos nós queremos ação, prestação de serviços públicos de qualidade e instituições que funcionem a contento. Daí por que não aceitamos mais a discriminação, o favorecimento a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, afinal, somos todos cidadãos e exigimos ser tratados nessa condição.
O povo cansou, nós cansamos, e tudo agora é motivo de revolta. Foram-se a sensatez, a prudência e a tolerância. Só não vê isso quem não quer. Para o povo, somos todos iguais, farinha do mesmo saco. Depois de tanta desilusão, lamentável dizer, o povo radicalizou e não vê mais exceção.
A verdade é que ninguém mais consegue vê nos olhos do vizinho um irmão; solidariedade, nos dias de hoje, de tanta competição e desfaçatez, é artigo de luxo. E por aí vamos, todos na mesma direção, no caminho que nos leva à descrença, ante a constatação de que, na vida pública, hoje em dia, tudo parece ser resultado de uma mescla de podridão e degradação, a nos impor, nesse panorama, como última trincheira de fé e esperança, a família, a sublimação da família.
Diante desse quadro de quase descalabro, o povo se revolta e faz justiça com as próprias mãos, sempre que for possível, pois, desestimulado e desassistido, constata que vivemos num país de faz de conta, sob a enganosa expectativa do que virá amanhã; de um amanhã que nunca chega.
A verdade é que o povo já não tem nenhum apreço pela ação do Estado. Ninguém acredita que ele, Estado, por suas instituições, tenha condições de sair em defesa da sociedade ou que seja capaz de cuidar das pessoas.
No ambiente que acabo de descrever, está pavimentado o caminho para a barbárie. E a culpa, importa reconhecer, é dos que estão no poder, muitos dos quais sempre agiram em defesa dos seus interesses mais mesquinhos, pois pensam ser possível enxergar o mundo por um espelho, quando, na realidade, vêem refletida apenas a sua própria imagem, numa abominável e narcísica afeição descartável.