Não se brinca com os sonhos dos outros

Respeito a decisão. Mas o que o Tribunal de Justiça fez hoje com o colega João Santana não podia ter feito, desde a minha avaliação. Não havia, com efeito, qualquer razão, insignificante que fosse, para que ele não figurasse na lista de merecimento. Aliás, houve colegas que disseram exatamente o que estou dizendo, durante a votação. Portanto, não estou sendo antiético e nem descortês com a decisão da Corte.

O constrangimento a que foi submetido o colega João Santana tocou no fundo da minha alma, me fez revolver o passado, me levou de volta aos caminhos pelos quais não desejo que os meus piores desafetos trafeguem.

Mas, lamentável dizer,  a história insiste em se repetir; com outros personagens, mas, ainda assim, história repetida.

Você, colega João Santana, por mais que tenha errado no passado- e eu acho que não errou, e se errou seu pecado foi venial, por isso mesmo já devia ter sido absolvido -, não merecia ser submetido à humilhação pela qual passou na manhã de hoje. Ninguém pode se dedicar a vida inteira a uma instituição e receber como contrapartida o que você recebeu hoje, como se você não tivesse história, como se não fosse filho de Deus, como se fosse um rebotalho.

Você chegou, hoje, muito cedo ao Tribunal, vestido com a cor que simboliza a esperança, quiçá por entrever que as coisas poderiam não ser como supunha que deveriam. Não custou a decepção Ela veio a galope, passando por cima de tudo, como se de todos os concorrentes só você não merecesse; como se não tivesse, recentemente, integrado duas listas de merecimento.

De onde eu estava, pude ver a sua inquietação, olhando para um lado e para o outro, como se estivesse vivendo um pesadelo; pesadelo que já vivi, que já senti, por isso mesmo me associei a ti, na vã esperança de que não se fizessem com mais ninguém o que fizeram comigo.

De nada adiantou. Mas fique certo: você merecia a promoção – na minha avaliação, claro.

Mas o Tribunal, por sua maioria, não pensou assim. Agora, amigo, é respeitar a decisão.

Mas me permito dizer que, definitivamente, não consigo entender, sinceramente, como é que um colega que figurou em duas listas de merecimento, consecutivas, é, agora, pura e simplesmente, impossibilitado de figurar na 3º lista,  pelo mesmo Tribunal.

Olha, não se brinca com o sonho das pessoas. Eu já fui vítima desse mesmo Tribunal; só que com outra composição. De toda sorte, vítima.

E eu que esperei, sinceramente, não mais testemunhar cenas desse jaez, fui obrigado a me defrontar com ela, para reviver os meus pesadelos.

Não se faz isso com o sonho das pessoas, repito.

O colega  João Santana, com quem eu não trocava uma palavra sequer há mais de 20 anos, mereceu de mim, apesar disso, todo respeito, pela sua história, pela sua dedicação, por isso não hesitei de votar nele. E torci, muito, para que fosse promovido. É que eu compreendia essa promoção como o ato de justiça.

O que posso desejar, agora, é que, se possível, não  se abata. Não dê esse gostinho a ninguém. Você  um dia verá que ser desembargador não é tudo, e que existe vida fora do Tribunal. Aliás, para mim, a minha vida é fora do Tribunal. A vida na corporação é sufocante. 

Não me atrevo a dizer que os colegas que compuseram a lista não merecessem, afinal eu também votei neles; e foram muito bem pontuados por mim,  Mas você, na minha avaliação, merecia tanto quanto eles. Por isso não compreendo como lhe deixaram fora da lista. Como foi possível ao Tribunal esquecer que há poucos meses, concorrendo com os mesmos candidatos, você fazia por merecer uma promoção que agora não merece mais.

Não se brinca com o sonho das pessoas, insisto em dizer.

É preciso compreender que quando um colega chega à situação do colega João Santana, a promoção não mais lhe pertence; ela pertence muito mais aos seus filhos, à família e aos seus amigos. Por isso, nessas condições, a dor da frustração transcende; vai muito além: transborda, lancina, dói na alma.

Eu compreendo a sua dor, e, quiçá, a sua revolta. Mas não esqueça que o tempo sara as feridas e que, mesmo tardiamente, os bons e justos tendem a colher as frutas que semearam.

Se não for assim, então para que serve viver?

Não há mal que dure para sempre

Há pessoas que vivem quase que exclusivamente para fazer o mal, para defender os seus interesses e dos seus apaniguados, esquecidos de que, num determinado dia, tudo se acaba, pois a maldade não pode preponderar sempre – e nem somos eternos, malgrado muitos eternizem a sua maldade.

Essas pessoas eu as denomino de os José Gomes Pinheiro Machado dos dias presentes.

Esses vivem para a perseguição, para a maldade, para se dar bem, ainda que em detrimento da absoluta maioria da população que, em alguns casos, alega, cinicamente, representar e defender.

Esses pensam ser eternos. Um dia, um belo dia, descobrem que se enganaram. Às vezes custa. Mas o dia sempre chega. Nada é eterno; muito menos a maldade, a perfídia.

Um dia, como diz minha mãe, a casa cai e a coisa muda.

Assim como a casa de Pinheiro Machado caiu um dia, depois de ter sido quase tudo.

Até 1914 consta que nunca houve alguém na república brasileira que tivesse tanto poder. Por isso a imprensa da época o nominava de “fazedor de reis” ou “o homem que governa o governo” ou “chefe de terreiro” ou, ainda, o  “terror dos galinheiros políticos”.

Com essa fama, imaginou-se eterno. Esqueceu-se que, para boa parte da população, ele era simplesmente  a encarnação de todos os males que afligiam a nação. Era odiado por isso. Não imaginava. Supunha que o poder, que a tudo – e aos seus – lhe dera, cuidaria de sua eternidade.

Pinheiro Machado, só para lembrar um pouco da história, ascendeu quando  se tornou, em 1902, vice-presidente do Senado.

De 1905 a 1915, se firmou como a pessoa mais poderosa do Congresso, participando de todos os movimentos dos quais resultaram as eleições de Rodrigues Alves e Afonso Pena.

Com Hermes da Fonseca, o poder de Pinheiro Machado tornou-se absoluto.

Certa vez, vaticinou; “É possível que o braço assassino, impelido pela eloquência delirante das ruas, nos possa atingir.

No dia 08 de setembro de 1915, no saguão de um hotel no Rio de Janeiro, foi assassinado com uma facada nas costas.

Resumo da ópera: não há mal que dura para sempre.

PS. Essas reflexões, despretensiosas, servem para todos aqueles que, no poder, não se impõem limites, pensam que tudo podem. Servem, portanto, para políticos, juízes, desembargadores, promotores, delegados, procuradores, etc. Não têm um destinatário, porque, afinal, eu não tenho a capacidade de refletir pensando em alguém especificamente, conquanto admita que, algumas vezes, passo esse equivocada impressão.

Justiça em números

Número de processos em trâmite no Judiciário cresce 10% em quatro anos
15/10/2013 – 09h40

Luiz Silveira/Agência CNJ
Número de processos em trâmite no Judiciário cresce 10% em quatro anos

Relatório da Pesquisa Justiça em Números 2013, divulgado nesta terça-feira (15/10), revela que o número de processos em trâmite no Judiciário brasileiro cresceu 10,6% nos últimos quatro anos e chegou a 92,2 milhões de ações em tramitação em 2012. O aumento no volume de processos ocorre apesar da melhoria da produtividade de magistrados e servidores e resulta, principalmente, do aumento de 8,4% no número de casos novos em 2012 e de 14,8% no quadriênio.

De acordo com a pesquisa, o estoque de casos pendentes de julgamento no início de 2012 era de 64 milhões de processos. Somados aos 28,2 milhões de casos que ingressaram ao longo do ano, chega-se ao total de 92,2 milhões de processos em tramitação em 2012, número 4,3% maior que o do ano anterior.

O relatório indica que houve aumento nos números de processos baixados, sentenças e decisões proferidas, chegando-se a patamares semelhantes à demanda. No ano passado, o número de processos baixados (solucionados) cresceu 7,5% e chegou a 27,8 milhões de processos, e o número de sentenças ou decisões proferidas foi 4,7% maior (24,7 milhões).

No entanto, o crescimento de casos novos desde 2009 (14,8%) é superior ao de processos baixados (10%) e de sentenças (4,7%). Com isso, o estoque de casos pendentes vem crescendo ano a ano (aumento de 2,6% em 2012 e de 8,9% no quadriênio).

De acordo com a conselheira e presidente da Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ, ministra Maria Cristina Peduzzi, responsável pelo trabalho, o levantamento feito pelo Justiça em Números cumpre papel fundamental para a melhoria da prestação jurisdicional no país. “Traçar um retrato da Justiça que compreenda suas arrecadações e despesas, a alocação da sua força de trabalho, o volume e as movimentações processuais em cada segmento é, em primeiro lugar, uma forma de cumprir com o dever de transparência e de publicidade que cabe a todos os poderes estatais e permite a responsabilização e o controle social”, afirmou Peduzzi, ao anunciar os números da edição 2013, com dados de 2012, do relatório.

Congestionamento – A taxa de congestionamento – que mede o percentual de processos em tramitação que não foram baixados durante o ano – apresentou leve queda de 1 ponto percentual e ficou em 69,9%, ou seja, de 100 processos que tramitaram, apenas 30 foram baixados no período. O patamar é semelhante ao registrado em 2009. No quadriênio, essa taxa cresceu 0,2 ponto percentual.

O índice de processos baixados por caso novo mostra que, apesar dos esforços, os tribunais não estão conseguindo liquidar nem mesmo o quantitativo de processos que ingressou no Judiciário no período, dada a elevada procura pela Justiça.

Em 2012, para cada 100 processos novos que entraram, 98,5 dos que tramitavam foram baixados. Em 2011 essa relação era de 99,4 para cada 100. A diferença entre os processos que são baixados e os novos é o que se acumula no Judiciário ano a ano. No quadriênio, a queda no índice de baixados por caso novo foi de 4,3 pontos percentuais.

Mais produtividade – O levantamento demonstra que cresceu a produtividade dos magistrados. De acordo com o relatório, cada magistrado proferiu, em 2012, 1.450 sentenças em média, o que representa aumento de 1,4% em relação ao ano anterior. É o terceiro ano consecutivo em que o índice registra crescimento. Também foi maior o número de processos baixados por magistrado: 1.628 processos ou 4,1% de aumento em relação a 2011.

Impacto da Execução Fiscal – O Relatório Justiça em Números 2013 detalha ainda o impacto dos casos de execução fiscal sobre os principais indicadores do Poder Judiciário. De acordo com a pesquisa, 29,2 milhões de processos dessa natureza tramitam no Poder Judiciário, o que representa 32% de todos os processos em tramitação.

Essas ações correspondem a 40% do estoque de processos pendentes e apenas 13% dos casos novos de 2012. A conclusão do estudo é que a principal dificuldade consiste na liquidação do estoque existente, que cresce ano após ano. Na execução fiscal, a taxa de congestionamento é de 89%, ou seja, de cada 100, apenas 11 são baixados ao longo do ano.

O estudo simula que impacto teria a retirada de todos os processos de execução fiscal sobre os principais indicadores do Poder Judiciário. O resultado é que a taxa de congestionamento, mensurada em 69,9% no ano de 2012, cairia para 60,9%. O percentual de processos baixados também sofreria melhora significativa e ultrapassaria os 100%, patamar mínimo para se evitar o acúmulo de processos. O número de processos em trâmite cairia de 92,2 milhões para 63 milhões.

“A estatística cumpre uma função dinâmica de fornecer embasamentos objetivos para definição de estratégias e providências relativas à gestão judiciária e torna possível detectar os pontos de entrave da atividade judicial, criticar e repensar práticas estabelecidas e convocar medidas inovadoras. Por tudo isso, o relatório deve ser tomado como um ponto de partida”, ressaltou a ministra Maria Cristina Peduzzi.

Veja aqui o resumo do relatório.

Veja, por capítulos, a íntegra do relatório:

Capítulo 1 – Introdução
Capítulo 2  Metodologia do Relatório Justiça em Números 
Capítulo 3 – Justiça Estadual
Capítulo 4 – Justiça do Trabalho
Capítulo 5 – Justiça Federal
Capítulo 6 – Justiça Eleitoral
Capítulo 7 – Justiça Militar Estadual
Capítulo 8 – Tribunais Superiores
Capítulo 9 – Poder Judiciário
Capítulo 10 – Considerações Finais
Capítulo 11 – Referências
Capítulo 12 – Cartões de Referência

Tatiane Freire
Agência CNJ de Notícias

Ainda, promoção e acesso

Passei mais o dia de hoje, desde as 7h15 da manhã, com um pequeno intervalo para descanso, analisando os perfis dos candidatos à promoção por merecimento.

Tudo fiz para ser correto com os colegas. Aquele que merece vai levar a melhor pontuação.

É preciso ter em conta que, nos dias presentes, já não se pode tirar um candidato da cartola e promover, como se fazia antes do advento da Constituição e da fiscalização do CNJ.

Agora, é preciso analisar os critérios objetivos, para pontuar, devendo ser promovido, claro, aquele que tiver maior pontuação entre os concorrentes.

Depois de muita análise, chego à conclusão de que não há como um candidato disparar numa pontuação, pois, de rigor, os cinco primeiros colocados, pelas análises que fiz, ficam muito próximos do empate ou mesmo empatados.

Claro que, nesse caso, havendo empate, deve-se buscar, no RITJMA os critérios para promover o desempate.

Vamos ver o que acontece amanhã.

Estou certo, nas pontuações que fiz, de ter sido correto com os colegas, afinal ninguém mais do que eu, por razões óbvias, se indigna mais com uma promoção sem critérios objetivos.

Acesso ao Tribunal

Passei o dia dedicado à análise dos dados de produtividade dos magistrados que concorrem à promoção por merecimento (acesso) ao Tribunal de Justiça.

Os candidatos estão quase na mesma condição, tanto de produtividade quanto na que se refere á qualidade das decisões.

O que decidirá mesmo, nas anotações que fiz, com muito critério e muito esmero, serão os pequenos detalhes.  Exemplo: Há juízes que produziram muito, todavia não foram bem em outros itens como presteza e qualidade das decisões. Há outros, no entanto, que produziram pouco, mas as sentenças são mais bem elaboradas. Há, ademais, candidatos que, malgrado tenham produzido muito, não se preocuparam com o aperfeiçoamento técnico. Há outros, noutro giro, que se preocuparam com o aperfeiçoamento, todavia produziram pouco. E há, ainda, os que, tendo pouco produzido, ainda produziram sentenças menos elaboradas, sem muita preocupação vernacular.

O certo é que, como anotei acima, detalhes decidirão as minhas escolhas, na certeza de que, como todos têm pontos fortes e pontos fracos, as notas não serão muito diferentes.

Amanhã, pela manhã, fecho as notas e defino, por consequência, os três que serão mais bem avaliados.

ADin

Direito do advogado dirigir-se a juízes sem horário marcado é constitucional, diz PGR

O procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF parecer pela improcedência da ADIn 4330, proposta pela Anamages. A ação questiona o artigo 7º, inciso VIII, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (lei 8.906/94), que trata do direito do advogado de dirigir-se diretamente aos magistrados judiciais, independentemente de horário marcado com antecedência ou outra condição.

Para a Anamages, há inconstitucionalidade formal, pois impõe aos magistrados o dever de receber advogados independentemente de horário marcado com antecedência, o que seria matéria reservada à LC, conforme o artigo 93, caput, da CF. A associação ainda sustenta que a lei apresenta inconstitucionalidade material, por violar os princípios da ampla defesa, do contraditório, da razoabilidade, da duração razoável do processo e da eficiência.

A ação pede a suspensão cautelar da expressão “independentemente de horário prévio marcado ou outra condição“. E, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade formal do dispositivo e, sucessivamente, a de inconstitucionalidade material com redução de texto, para excluir a expressão, no intuito de que os advogados sejam recebidos “mediante prévio agendamento e com comunicação da parte contrária, exceto nas hipóteses que reclamem urgência“.

Para o procurador-geral da República, o pedido é improcedente. Segundo ele, não há vício de inconstitucionalidade formal. Rodrigo Janot explica que o artigo 93 da CF deve ser compatibilizado com outras normas constitucionais que preveem lei ordinária para reger o exercício da advocacia. “Portanto, não é correta a interpretação, pretendida pela requerente, de que seria necessário lei complementar para dispor sobre os direitos do advogado que tenham como contrapartida a imposição de deveres aos magistrados“, comenta.

Rodrigo Janot acrescenta que a exigência do artigo 93 “é de que a lei especial acerca do regime jurídico da magistratura judicial tenha a forma e o rito de lei complementar, mas isso não exclui que outras normas jurídicas contenham preceitos aplicáveis aos juízes“. Ele ainda destaca que a própria Loman prevê que o magistrado tem o dever de “atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência“.

De acordo com o parecer, também não há inconstitucionalidade material. Para o procurador-geral, o direito assegurado aos advogados condiz com a igualdade de tratamento entre os profissionais que atuam no universo judicial, uma preocupação constante do legislador presente em diversas normas, como o Estatuto da Advocacia, a lei orgânica do MPU (LC 75/93) e a LC 80/94.

Rodrigo Janot sustenta que a pretendida igualdade busca preservar adequada defesa, em juízo, dos direitos e interesses representados por esses profissionais, cujo ofício é essencial à defesa da democracia e dos direitos individuais. “Nesse contexto, justifica-se a previsão legal de que o advogado tenha direito de dirigir-se diretamente ao magistrado, sem condicionamentos que dificultem indevidamente seu mister“, afirma.

O procurador-geral ainda argumenta que a norma não viola os princípios da razoabilidade, da duração razoável do processo nem da eficiência. Para ele, “o dispositivo impugnado privilegia o princípio da oralidade e possibilita maior celeridade processual“.

Por fim, Rodrigo Janot conclui que a garantia prevista no artigo 7.º, inciso VIII, justifica-se “pelo fato de que é dever do juiz estar nas dependências de sua unidade judiciária no horário habitual de expediente – ressalvadas, naturalmente, necessidades diversas, do próprio ofício, que podem levá-lo a outros locais“. Por outro lado, Janot esclarece que esse direito dos advogados não lhes permite deixar os juízes à sua disposição todo o tempo, pois muitos atos processuais e o próprio trabalho judicial podem impedir o atendimento imediato aos advogados.

Matéria apanhada no site Migalhas Jurídicas

Artigo veiculado na edição de ontem, do Jornal Pequeno

‘A LUTA DO HOMEM É EM FACE DO PRÓPRIO HOMEM

José Luiz Oliveira de Almeida*

A luta do homem é quase sempre em face do próprio homem. Nesse sentido, vivemos lutando contra a inveja, o preconceito, a vingança, o ódio, a perfídia, o descaso, a prepotência, a arrogância, a perseguição, a maldade, o sentimento mesquinho e, muito mais, do homem em detrimento do próprio homem.

Nenhum animal que habita a terra atemoriza tanto o homem quanto ele próprio. Confesso que tenho medo do homem. Aliás, todos nós temos medo dessa espécie.  E, imagino, todos sabem do que estou falando e em qual dimensão coloco essas reflexões. E não pensem que é paranoia. É apenas a constatação de quem milita na área criminal há mais de vinte anos, lidando com os mais diversos instintos.

Impregnado desse sentimento, penso que ninguém que se depare com uma pessoa desconhecida em lugar ermo deixa de se dominar pelo medo. Eu tenho medo, tu tens medo, nós temos medo, eles têm medo. É assim que, nos dias atuais, conjugamos o verbo. Apesar de se poder afirmar que os bons são a infinita maioria, não dá pra esquecer que os maus, os que nos apavoram, são uma minoria destemida, ousada, perniciosa, audaciosa, poderosa e violenta, porque usa os expedientes que os homens de bem não ousam fazer uso.

Dessa forma, o homem já não vê no homem um irmão, mas um desafeto, um inimigo em potencial. E se esse homem for um dos etiquetados pelo sistema, aí não tem apelo: se possível, sempre de acordo com as circunstâncias, mudamos a direção para não ter que cruzar, que nos defrontar com o (des)igual, com receio do que pode ocorrer.

Portanto, é de estarrecer a constatação do quanto nos precavemos contra o homem, pois, quando colocamos o rosto na porta da rua, quando deixamos o recôndito do nosso lar, passamos a viver a obsessão de, a qualquer momento, sermos vitimados pela violência, praticada pelo homem, em detrimento do próprio homem.

Na rua, mesmo nos lugares bem habitados, é triste constatar que, por temermos o homem, sentimos em cada transeunte um inimigo em potencial. E isso também não e paranoia, convém repetir. Isso é fato. É uma lamentável realidade, triste realidade.

Evitamos a escuridão e o lugar ermo porque tememos o homem, e pelo mesmo motivo nos trancamos em nossa casa. Na rua, evitamos conversar com um desconhecido, porque tememos o homem, que já não vê como irmão o seu semelhante, que deixou de ser solidário para ser solitário, que é muito mais sozinho do que vizinho (Mougenot).

Por essas e outras razões, quando os nossos filhos saem para se divertir, ficamos em casa a torcer para que não se deparem com um malfeitor; e o malfeitor que tanto tememos é o próprio homem que, muitas vezes, a pretexto de se defender da violência, sai armado de casa, para, na primeira oportunidade, atacar o semelhante – na maioria das vezes, quase sempre, injustificadamente.

Foi-se o tempo em que a maldade do homem, conquanto existisse, estava mais circunscrita à ficção que à realidade. Foi-se o tempo em que era possível dormir com as janelas abertas, sem temer a ação dos meliantes.

 A verdade é que, como disse no início dessas reflexões, a luta do homem é quase sempre em face do próprio homem; homem que, muitas vezes, para se dar bem, para levar vantagem, não mede as consequências de suas ações. Por isso, são capazes, sim, de fazer o mal ao semelhante, para se dar bem, para auferir vantagens.

Na história podem-se apanhar vários exemplos de até onde pode chegar a maldade do homem, na busca da vantagem material. No porão dos navios negreiros, por exemplo, que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta, para servirem à ambição do homem, a possibilitar que impérios fossem erguidos à custa do seu sofrimento.

O capitão da belonave inglesa Fawn, que capturou, na costa brasileira, o navio negreiro Dois de Fevereiro, relatou o que viu nos porões do referido navio, nos seguintes termos: “Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros, esqueletos vivos, arrastando-se com dificuldade, incapazes de suportar o peso dos seus corpos miseráveis. Mães com crianças pequenas penduradas em seus peitos, incapazes de dar a elas uma gota de alimento. Como os tinham trazido até aquele ponto era surpreendente: todos estavam completamente nus. Seus membros tinham escoriações por terem estado deitados sobre o assoalho durante tanto tempo. No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável.  Parecia inacreditável que serem humanos fossem capazes de sobreviver naquela atmosfera”(cf. Eduardo Bueno, in Brasil, uma história, fls.121/122, 2012).

Esse fato histórico decerto que confirma as minhas notas preliminares: o homem tem tudo para temer o próprio homem. Por isso, a afirmação mais que contemporânea de Mougenot, de que se o homem não vivesse o instinto de dominação, poderíamos beber água do mesmo rio, mesmo um sendo lobo e o outro, ovelha (Edilson Mougenot Bonfim).

Mas é preciso admitir que só chegamos a essa situação de total descalabro, em face da descrença nas instâncias persecutórias, fruto de nossa própria omissão e dos desvios éticos dos que estão encarapitados no poder. E quando o cidadão descrer da ação ética do Estado, pouco adianta o recrudescimento ou a exacerbação das leis penais, porque ele tende ao descumprimento, adotando atitude individualista e destemida, canalizando a sua força mental para subtrair-se dos mecanismos de coerção.

*É desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

Blog: www.joseluizalmeida.com

Esgotado

Congestionamento de processos prejudica julgamentos no 1º grau

Luiz Silveira/Agência CNJ
Congestionamento de processos prejudica julgamentos no 1º grau

O grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para encontrar soluções para o congestionamento de processos na primeira instância do Judiciário brasileiro enfrenta desafio significativo. Apenas umem cada quatro processos foi julgado por juízes do primeiro grau de jurisdição em 2011, de acordo com o levantamento do CNJ Justiça em Números. Dos 79,9 milhões de processos que tramitavam na primeira instância, apenas 21,8 milhões de ações foram julgadas e baixadas (resolvidas), o que equivale a 27% do volume processual e a uma taxa de congestionamento de 73%, segundo o relatório.

No segundo grau, o índice é de 50%. Das 5,9 milhões de ações que tramitavam naquele ano, 3 milhões foram baixadas (resolvidas). A Justiça Estadual é o ramo do Poder Judiciário com a taxa de congestionamento mais crítica, 75%. De acordo com os dados de 2011 do Justiça emNúmeros, apenas 25% das demandas foram resolvidas, o que corresponde a 15,9 milhões dos 65,2 milhões de processos que tramitavam na primeira instância naquele ano – o percentual de processos julgados e baixados pelo segundo grau é mais que o dobro, 52%.

A taxa de congestionamento no primeiro grau, em 2011, atingiu 68% na Justiça Federal, 59% na Justiça Militar Estadual e 50% na Justiça do Trabalho. O único ramo de Justiça que conseguiu julgar e baixar mais da metade dos processos que tramitavam em 2011 foi a Justiça Eleitoral. Nesse ramo, a taxa de congestionamento foi de 48%.

Para mudar o quadro grupo de trabalho formado por conselheiros e juízes do CNJ discute estratégias para atacar as causas dos problemas enfrentados pela primeira instância e que possam subsidiar uma política permanente para a melhoria desse segmento do Judiciário.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias