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Todavia, o nível da discussão travada no plenário do Supremo, e o significado das palavras lá proferidas, mancham a dignidade e a serenidade que se espera imperante naquele Sodalício.
O Juiz não é um santo. Ele é um homem. Não um homem comum, mas um homem sábio. A sabedoria é requisito para o cargo, pois não se imagina alguém que tenha o poder de julgar outrem ser desprovido de sabedoria. Com a sabedoria vem a temperança, a discrição, o apego ao raciocínio isento, e o repúdio às paixões desmedidas e à cólera verbal.
O calor das discussões e latinidade da retórica judicial só se justificam quando voltadas para a defesa ardorosa de posições jurídicas e de entendimentos diversos da realidade processual que lhes é posta.
Professor Almir Morgado
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Li no Boletim Jurídico (http://www.boletimjuridico.com.br/fiquepordentro/materia.asp?conteudo=194)
Almir Morgado
Mais uma vez sou surpreendido pelas “incômodas” intervenções de meus alunos durante minhas apaixonadas explanações sobre o Direito e sua beleza; sobre o Estado e sua importância para a vida social; sobre as Instituições Públicas, o Direito Administrativo, os Agente Públicos, a Moralidade, a Ética …
– Professor, segui sua orientação para assistir às sessões de julgamento no Supremo Tribunal Federal, e logo na segunda vez que faço isso, vejo um Ministro quase xingando o outro! Achei que eles fossem rolar no chão do plenário…
Estrondosa gargalhada se fez ouvir na turma de mais de cem alunos, num famoso curso preparatório para concursos públicos no Rio de Janeiro…
Queria tanto que aquele aluno tivesse faltado àquela aula… Ou que sua TV não tivesse funcionado naquela tarde…
Para evitar polêmicas e não ser capaz de dar a resposta que todos queriam ouvir, me limitei a dizer que juízes não são anjos, são homens, e como tais, também estão sujeitos às paixões, à ira e ao destempero. E retomei a já não tão apaixonada explanação sobre a Administração Pública e o Estado, o Direito e coisa e tal… Resolvi deixar a parte da Ética e da Moralidade para outra aula…!
O triste episódio assistido e reprisado, insistentemente, pela mídia nesta semana que passou pode ser analisado sob os mais diversos aspectos. Desde aquele que o considera um incidente relativamente normal da vida pretoriana, que só alcançou destaque pelo fato de ter sido televisado, até aquele que o considera sinal de crise interna na mais alta Corte do País.
Não o considero normal. Não que discussões apaixonadas, intervenções ásperas ou até destemperos de personalidade não ocorram nos tribunais. Ocorrem como ocorrem em qualquer assembléia, em qualquer colegiado, onde se defrontam pontos de vista, posições antagônicas ou opiniões distintas. Não considero normal o episódio recente, pelo fato de que neste, não se discutiu pontos de vista ou posições jurídicas distintas. Acusou-se, ofendeu-se, maculou-se a imagem de serenidade e de sacralidade do Supremo Tribunal Federal.
Os excessos cometidos por um Ministro não foram contidos serenamente pelo outro. O fervor das palavras não foi compensado pela prudência e a presença de espírito do dirigente do órgão que perdeu a chance de poupar os brasileiros de presenciar a falta de comprometimento com a imagem do Supremo Tribunal Federal, simplesmente encerrando antecipadamente a sessão.
A vaidade e o gosto pelos holofotes da mídia parecem que também contaminaram aquelas paragens planaltinas. Todavia, dispensados da necessidade de submeterem-se ao voto popular, os Ministros do Supremo Tribunal Federal deviam sentir-se imunes às tentações midiáticas, tão a gosto de outro Poder, vizinho à Praça dos Três Poderes.
A crise ética que assola o Poder Legislativo, e até a pouco tempo atrás, também assolava o Executivo não pode estender-se ao Judiciário, sob pena dos brasileiros perderem totalmente o respeito pelos poderes constituídos.
Temos um Congresso Nacional totalmente desprestigiado, desacreditado, ensimesmado em suas podridões internas, que não legisla, posto que constantemente preocupado com seu próprio umbigo, alheio a qualquer agenda relevante, imune à crise que nos assola, pois a desconhece, como desconhece qualquer tema que não seja o subsídio dos congressistas, os apartamentos funcionais, ou as viagens familiares.
Temos congressistas que publicamente falam palavrões, xingam outros poderes, fazem pouco de instituições fiscalizadoras, e fazem aparições televisas tecendo comentários que me fazem lembrar passagens protagonizadas por aristocratas franceses nos momentos que antecederam a queda da Bastilha.
A paralisia do Congresso se deve a uma série de razões que vão desde o baixo nível de escolaridade do eleitor, incapaz de fazer escolhas adequadas, até a existência de um processo legislativo incapaz de atender às necessidades da sociedade moderna, pois excessivamente lento. Isso obriga o Executivo, por vezes com certo exagero, a fazer o papel de legislador ordinário, através da edição de medidas provisórias, que por sua vez também colaboram para a paralisia do Congresso, num vicioso círculo, sem sabermos o que causa o que: O congresso para por causa das medidas provisórias, ou o Executivo edita medidas provisórias porque o Congresso está parado?
Fala-se até em extinção do Congresso. Não vou comentar tamanho absurdo, embora veja com certa simpatia, a possibilidade de ser estudada a extinção do Senado, ou pelo menos, sua radical reformulação.
Trata-se, atualmente, de uma Casa legislativa desprovida de razão de ser, perdida entre as disparidades partidárias entre os Governadores e os Senadores, cuja existência, a meu ver, só se justifica por um apego a uma tradição federativa que só se compreende adequadamente nos compêndios teóricos de Direito Constitucional ou em poucos sistemas jurídicos estrangeiros. A deturpação do Senado Federal, feita pelo nosso sistema eleitoral vigente chegou ao cúmulo de legitimar a existência de senadores “biônicos” que “representam” seus Estados sem ter recebido um voto se quer; ou outros que representam determinado Estado e lá tem suas bases e seus interesses, mas elegeram-se por outro Estado. Ou ainda, senadores eleitos por partidos que fazem oposição ao partido a qual pertence o Governador do Estado, enfim, uma esdrúxula situação, que sustenta um órgão caríssimo aos cofres públicos e uma burocracia que mais nos lembra uma sociedade secreta, tamanha a falta de transparência que existe naquela Casa.
Neste caos institucional que vive a democracia brasileira, o Poder Judiciário, representado pela sua mais alta Corte, ainda conta com a admiração e o respeito de grande parte dos brasileiros. Decisões históricas tomadas recentemente tornaram fácil aos professores de Direito mostrar aos alunos a importância daquela Corte, seu papel como guardião da Constituição e dos valores éticos e morais da civilização brasileira, expressos naquele Texto Maior.
Outras decisões, a meu ver, totalmente equivocadas, pois descompassadas da realidade social que nos circunda, e compromissadas com uma visão romântica do Direito, mais apropriadas se vivêssemos numa sociedade onde não se arrastassem nossos filhos pelas ruas, amarrados pelos cintos de segurança, ou não se pusesse em risco a higidez do sistema bancário, são mais difíceis de explicar e de entender, mas, ainda assim, analisando os votos nela proferidas, percebemos a juridicidade das opiniões, e a relativa fidelidade intelectual dos seus autores.
Percebe-se também, que nos últimos tempos, os Tribunais Superiores, tem suprido uma lacuna deixada pelo Legislativo, na medida em que vem efetivando uma série de direitos constitucionais que permaneciam em latência ante a inércia dos poderes responsáveis. Isso tem sido feito, não só pelo Supremo Tribunal Federal, mas também pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O trabalho feito cotidianamente pelos juízes de primeiro grau também é digno de nota e de aplausos, pois mesmo assoberbados pelo avassalador número de ações ajuizadas, e amarrados por um processo judicial arcaico e muitas vezes inoperante, os magistrados de primeiro grau conseguem dar conta aos anseios básicos daqueles que buscam seu “Day in Court”.
Todavia, o nível da discussão travada no plenário do Supremo, e o significado das palavras lá proferidas, mancham a dignidade e a serenidade que se espera imperante naquele Sodalício.
O Juiz não é um santo. Ele é um homem. Não um homem comum, mas um homem sábio. A sabedoria é requisito para o cargo, pois não se imagina alguém que tenha o poder de julgar outrem ser desprovido de sabedoria. Com a sabedoria vem a temperança, a discrição, o apego ao raciocínio isento, e o repúdio às paixões desmedidas e à cólera verbal.
O calor das discussões e latinidade da retórica judicial só se justificam quando voltadas para a defesa ardorosa de posições jurídicas e de entendimentos diversos da realidade processual que lhes é posta.
O incidente será superado, pois a vitaliciedade dos Ministros do Supremo os obrigará a tanto, já que os forçará a um convívio ainda bastante longo. Se crise de fato houver, ela também será superada, pela rotatividade na ocupação da Presidência.
Brevemente, este será mais um capítulo da triste fase por que passa o Estado brasileiro, centrado numa bela cidade, ainda voltada para si mesma, para seus monumentos, para sua burocracia, para seus interesses, para seus ídolos. Cidade distante do restante do Brasil…
Ao retornar à preparação de minha próxima aula, quando terei necessariamente que abordar o princípio da Moralidade e tecer comentário sobre Ética e decoro no serviço público, sinto saudades da Ministra Ellen Gracie…
Sobre o autor:
Almir Morgado é autor de obras de Direito Administrativo e Direito do Trabalho pelas Editoras Impetus e Elsevier. Atualmente, é Professor de Direito Administrativo na Pós-graduação da UVA, Professor de Direito Administrativo na Pós-graduação da UGF, Professor Titular de Direito Administrativo da FABEC/RJ e Diretor-Geral do CE Nilo Peçanha da SEE/RJ. No Rio de Janeiro, atua na preparação para concursos públicos no Curso Gabarito, no Metta Cursos Jurídicos e na Academia do Concurso Público.