O público fazendo a festa do privado – impunemente.

 

O mais grave diante desse quadro é que o povo, anestesiado, parece que já não tem mais forças, provavelmente porque julgue que não tem a quem recorrer, pois até mesmo alguns membros do Poder Judiciário, que deveriam agir de forma exemplar, também exercem o poder de forma predatória, tirando o seu naco e incorporando-o ao seu patrimônio – ou de algum membro de sua família, na tentativa de furtar-se à ação fiscalizadora das raras instituições que ainda atuam eficazmente nessa área.”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

  1. Quando leio notícias acerca de enriquecimento ilícito – dia sim e outro, também – , lembro, inevitavelmente, de Montesquieu, que, no século XVIII, estupefato com desvio de verbas públicas para enriquecer os particulares, asseverou: “outrora a riqueza dos particulares fazia o tesouro público. Agora, porém, o tesouro público se torna patrimônio dos particulares”.
  2. Essa afirmação de Montesquieu é mais que atual. É atualíssima! É o dia-a-dia do noticiário. E, mais grave, sempre – ou quase sempre – envolvendo a classe política, ou seja, os nossos representantes legais, aqueles que escolhemos para, em nosso nome, defender o interesse da coletividade. 
  3. Essa frase parece que concebida no limiar do século XXI. Vendo o quadro atual, penso que foi vociferada ontem, anteontem – agora mesmo.
  4. O tempo passou e o desvio de verbas públicas apenas se sofisticou. E é surpreendente como a cada dia as ratazanas descobrem uma nova maneira de lesar o patrimônio público. E são inescrupulos, insensíveis, descarados. Nada arrefece a sua volúpia. Não há um dia sequer que não se assista ou se leia uma notícia dando conta do desvio de verbas públicas.
  5. Montesquieu, se vivesse nos dias atuais, talvez até postulasse a canonização dos ratinhos de botica que, à na sua época, se apropriavam da coisa pública.
  6. É sabido que não foi somente no século XVIII que os malfeitores se beneficiaram do tesouro público. A diferença, nos dias atuais, é apenas de meios, volume e intensidade. Nunca os colarinhos brancos foram tão sofisticados e tão gananciosos. Eles parecem que têm pressa. Ou melhor, eles têm pressa mesmo, pois as facilidades podem se limitar a um só mandato. É preciso, pois, agir com rapidez, sem titubeio, sem demora e sem enleio, pois a manhã o patrimônio público pode estar sob outro comando, quiçá muito mais feroz.
  7. Nos dias atuais, reafirmo, a coisa corre frouxa, sem controle e sem peias. E vai ser sempre assim. O que se pode, quando muito, é minimizar a ação predatória dos marginais que exercem cargos públicos.
  8. Mas, para isso, as instituições têm que funcionar a plena carga. Como estão, capengas, frouxas e contemplativas, as coisas tendem a piorar, uma vez que os homens públicos dos nossos dias, quase que como regra, não se intimidam se lhes facilitam o acesso aos cofres públicos, sobretudo por saberem inoperantes e discriminatórias as instituições persecutórias.
  9. O que se malversa de verba pública no Brasil de hoje – como, de resto o foi durante toda a sua historia – é uma grandeza – e uma ignomínia, também.
  10. O pobre de agora, se ascende ao poder e, no seu exercício, tem acesso à verba pública, é o rico de amanhã. É o ex-pobre, como gostam de se auto-intitular. No Brasil isso é cultural. Vivo, esperto, perspicaz é o capaz de, exercendo o poder, dele tirar proveito de ordem material. Nessa jornada não existem escrúpulos. Hoje, como no passado, o enriquecimento ainda se faz às escâncaras, sem nada temer, com a omissão e beneplácito das instituições persecutórias.
  11. A verdade é que, hoje, como sempre, ninguém tem receio de ostentar, de demonstrar que enriqueceu no exercício de um cargo público. O dinheiro público faz a festa dos calhordas. Enquanto isso, os pobres continuam morrendo nas filas dos hospitais, pra ficar apenas no exemplo mais eloqüente – e mais revoltante, também.
  12. O mais grave diante desse quadro é que o povo, anestesiado, parece que já não tem mais forças, provavelmente porque julgue que não tem a quem recorrer, pois até mesmo alguns membros do Poder Judiciário, que deveriam agir de forma exemplar, também exercem o poder de forma predatória, tirando o seu naco e incorporando-o ao seu patrimônio – ou de algum membro de sua família, na tentativa de furtar-se à ação fiscalizadora das raras instituições que ainda atuam eficazmente nessa área.
  13. E assim, numa mesma comunidade, os desvalidos e os espertos vão vivendo – aqueles caindo aqui e levantando acolá, para, outra vez, voltar a cair para não mais levantar; estes, amealhando fortunas e vivendo de ostentação, confiantes na impunidade.

 

O rigor formal em detrimento do interesse público

Na minha modestíssima opinião, os juízes formalistas são, muitas vezes, cúmplices inconscientes dos violadores da ordem pública e concorrem, significativamente, para exacerbação da impunidade.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Antecipo, a seguir, dois excertos do artigo sob retina.

  1.  
    1. Muitos de nós, condicionados por uma visão exclusivamente formalística do direito, não nos damos conta que o excessivo apego ao formalismo processual não pode ser o mais importante da função judicial.
    2. Os magistrados fanatizados pela lógica aparente do formalismo jurídico não têm se dado conta de que o excessivo apego às exigências formais impede e/ou dificulta a aplicação da lei a um caso concreto.

 

A seguir, o artigo, por inteiro.

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Homicídio culposo. Absolvição. Culpa exclusiva da vítima

“No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Antecipo, a seguir, alguns fragmentos da decisão.

 

  1. Tivesse a acusada desenvolvendo, no momento do fato, ad exempli, velocidade excessiva, e, em face disse, tivesse atropelada a ofendida, poder-se-ia afirmar que agiu de conformidade com o artigo artigos 302, do CTB
  2. Mas não! O que ocorreu mesmo foi que a vítima, de inopino, provavelmente bêbeda, desceu do canteiro central da pista, provocando, com sua ação, o acidente do qual resultou a sua morte.
  3. Posso afirmar, portanto, que a única responsável pelo acidente foi a própria vítima. E quando tal acontece, não se pode responsabilizar o condutor do veículo atropelador, pois que não agiu com culpa – não foi imprudente, nem negligente.
  4. Não se pode dizer que quem trafega numa avenida de grande movimentação de veículo deve estar esperando que alguém, subitamente, atravesse a rua. Isso, para mim, não seria agir com prevenção. Seria muito mais que isso. Seria pura adivinhação.

 

Segue a decisão, por inteiro.

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O que eles disseram

“Os brasileiros infelizmente atiram uns nos outros a uma taxa maior até do que a dos Estados Unidos, reconhecidamente um país muito violento. Podem também recorrer a ‘quebra-quebras’ e ‘tumultos’ em situações em que os japoneses ou os holandeses permaneceriam calmos e no pleno controle de suas emoções. Mas os brasileiros persistem em se descrever e se ver como ‘o povo mais cordial do mundo1 mesmo quando há índices evidentes apontando na direção oposta”.

Por Larry Rother, in Deu no New York Times.

O Brasil segundo a ótica de um repórter do jornal mais influente do mundo.

Etiquetado! Estereotipado!

“O homem etiquetado, sobretudo em uma instituição, nunca mais se libertará do estereótipo. Daí em diante a sua personalidade, o seu nome, a sua história passará a se confundir com a etiqueta”. 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Uma das mais encenadas peças de Nelson Rodrigues é, seguramente, Beijo no Asfalto. Na peça um pedestre é atropelado por um ônibus e fica agonizando na rua. Nessa hora passa um transeunte, o segura nos braços e o beija nos lábios. O beijo, a maldade humana não percebeu, era apenas um beijo de despedida, de solidariedade. 

Ocorreu, entrementes, que um repórter, inescrupuloso e mal intencionado, sedento por um escândalo, noticia que os homens eram amantes. 

Pronto! Estava feito o estrago. Nem mesmo a mulher do solidário acreditou mais nele. Passou a duvidar de sua masculinidade. O homem, casado, pai de filhos, passou, de repente, a ser homossexual. Estava feito o estrago na vida dele -e da família.

É assim mesmo que se estigmatizam as pessoas. Etiquetam-nas, maldosamente, a partir de uma inverdade; e essa inverdade, fruto da maldade do ser humano, fica grudada na testa como uma etiqueta.

Estereotipado, carimbado pela maldade humana, o homem jamais se livrará da pecha, do apodo. É com se fosse uma daquelas marcas que são produzidas nos semoventes para identificar o proprietário. 

O homem etiquetado, sobretudo em uma instituição, nunca mais se libertará do estereótipo. Daí em diante a sua personalidade, o seu nome, a sua história passarão a se confundir com a etiqueta. 

É como ocorre com os bens de consumo, quando a marca se confunde com o produto. Todos lembram que, outrora, quando se pretendia comprar uma lâmina de barbear se procurava no comércio por gilete, que todos sabem, é a marca de uma lâmina de barbear. 

Não é de hoje, não é de ontem que, à falta de argumento para me diminuir enquanto pai de família e magistrado, alegam, sem nenhum dado concreto, que sou arrogante e criador de caso. Há até os que dizem que, quando chegar ao Tribunal, vou incendiá-lo. 

Não bastava me etiquetarem de arrogante. Agora, desde olhar dos maldosos, passei à condição de incendiário. 

Mas eu encaro tudo isso com equilíbrio. O homem é maldoso mesmo. Eu sou muito exibido. Eu gosto de ler, de escrever e de pensar. E, pra completar, me entrego totalmente ao trabalho. 

Numa corporação, ter independência, ter lucidez, decidir com retidão é muito mais que arrogância, é puro exercício de pirotecnia, daí, quiçá,  a etiqueta de incendiário.

Quando se quer diminuir, desmerecer, desacreditar uma pessoa, é assim que se faz: gruda-se nela uma etiqueta na testa, para que nunca ninguém esqueça que ela pode até ter virtudes, mas também tem graves defeitos que as tornam desinteressantes, desprezíveis, desimportantes. 

Espero poder mostrar, um dia, que estão equivocados e que, no Tribunal, pretendo apenas somar esforços para valorizar a instituição.

Vão-se os anéis – e os dedos, também

Vivendo como somos obrigados a viver nos dias atuais, sem paz de espírito, atormentados pela violência, pela corrupção, pelas injustiças sociais e por tantas coisas mais que nos infelicitam, sou remetido, inapelavelmente, a Confúcio que, mesmo pobre, tinha tanta alegria de viver que chegou a pensar que a vida bem vivida era mais importante do que qualquer vida após a morte. Confúcio, importa lembrar, vivendo num mundo de ambição e traição, exaltava a cortesia e a lealdade, a humildade e a delicadeza. Só podia mesmo ser muito feliz. Quantos de nós precisamos lembrar das lições de humildade de Confúcio?

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Vou publicar, a seguir,  mais uma das muitas crônicas que fiz – e faço – em face da quase insuportável violência que permeia a  vida em sociedade.

Antecipo abaixo um fragmento da crônica em comento:


 

  1. Vejo agora que, conforme parece, não basta entregar os anéis para preservarem-se os dedos. Vejam o que aconteceu no Rio de Janeiro com o empresário Marcelo Viana e com a publicitária Paula Barreto. Foram assaltados, ainda conversaram civilizadamente com os autores do crime, entregaram tudo que tinham aos quatro assaltantes, sem reagir. Todavia, ainda assim, foram jogados num abismo, na Av. Niemeyer. Não morreram por sorte. Contudo, arrasados psicologicamente – para sempre, não tenho dúvidas.
  2. Será que não bastava assaltar? Não bastava a violência? Não era suficiente o abalo psicológico? Não foi suficiente a subtração dos bens e da paz? Não bastava infernizar a vida das vítimas? Não bastava lhes tirar o sossego? Não foram suficientes os anéis? Querem também os dedos?

 

 

A seguir, a crônica, por inteiro.

Continue lendo “Vão-se os anéis – e os dedos, também”

Liberdade provisória. Indeferimento. Réu recalcitrante. Necessidade de preservação da ordem pública.

Temos todos que, diante de situações desse matiz, lutar com as armas que dispomos para combater a criminalidade.
A ação sinuosa, claudicante das instâncias formais de combate à criminalidade tem fomentado, não tenho dúvidas, a criminalidade, sobretudo a miúda, aquela que inferniza a nossa vida.
O assaltante em liberdade hoje, não tenho dúvidas, voltará a, outra vez, hostilizar a ordem pública. Essa tem sido a regra. Esse tem sido o lugar comum.
Entendo, por isso, que o acusado não pode voltar ao convívio social, máxime porque, colho dos autos, é recalcitrante.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal 

No pedido de liberdade provisória que publico a seguir, enumerei, em determinado excerto, 12 (doze) razões pelas quais entendi devesse manter a prisão do acusado , as quais antecipo a seguir:

  1. “(…)
    1. A uma, porque se lhe imputa o MINISTÉRIO PÚBLICO a prática de crime grave.
    2. O roubador, tenho dito e redito, afirmado e reafirmado, não pode ser agraciado com a sua liberdade provisória, que, para mim, nada mais que é que um passaporte para a criminalidade, com a chancela do Poder Judiciário.
    3. A duas, porque o crime imputado ao requerente é de especial gravidade.
    4. A três, porque, ao que assoma dos autos principais, o requerente age sem peias e sem controle de suas ações, tanto que tentou assaltar as vítimas plena luz do dia, à vista de todos, sem a mais mínima timidez.
    5. A quatro, porque, ao que dimana dos mesmos autos, tem domicílio em outro Estado, tudo fazendo entrever que, em liberdade, a considerar a sua propensão para prática de crimes, se furtará da aplicação da lei penal.
    6. A cinco, porque, como antecipei acima, tem uma vida prenhe de deslizes, reveladoras de sua periculosidade e de sua insensibilidade moral.
    7. Assim é que, ao que vejo às fls.25/28, dos autos principais, responde a outros processos-crime no Estado do Pará, onde tem domicílio.
    8. A seis, porque a liberdade provisória não é direito absoluto.
    9. Como todos os direitos, a liberdade provisória de um acusado deve ceder ao interesse público.
    10. A sete, porque, desde minha visão, em similares, o interesse público deve sublimar o interesse do particular.
    11. A oito, porque a só primariedade e os bons antecedentes, com a abstração de outros dados, não garante o favor legis postulado e
    12. A nove, porque a prisão do requerente, à luz do acima expendido, é uma necessidade para que se preserve a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
  2. (…)”

 

A seguir, o despacho, integralmente.

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Reflexões sobre a vida e a obra de um otário.

“…E o tempo vai passando. O corpo, agora, lhe pesa, literalmente. O tempo é implacável. Não tem mais agilidade. Doem-lhe as juntas. Andar, já é um sacrifício. Mas ele insista! Não muda! Chega cedo ao trabalho, cumpre o pactuado e quase nunca se atrasa. É do tipo ranheta. Continua acreditando que vale à pena ser honesto, pontual, trabalhador. Sabe que, nos dias atuais, esses predicados são uma caretice, estão desuso. Mas… fazer o quê?
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7 Vara Criminal

Antecipo os seguintes excertos:

  1. Ele estava sempre absorto; parecia contemplativo, enlevado, extasiado. Era do tipo que parecia viver voando, desligado dos pecados da terra. Deixava transparecer que, fora do seu ambiente de trabalho, nada mais existia.
  2. O andar, antes frenético, agora é trôpego, vacilante; o olhar, antes fugidio, arredio, agora já não vislumbra, com a nitidez de antanho, o horizonte. Mas ele é duro como pedra; inflexível, não muda nunca – vai adiante com as suas fortíssimas e inabaláveis convicções.

A seguir, a crônica, por inteiro.

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