Capturada no Consultor Jurídico

JUSTIÇA CRIMINAL

“Índice de concessão de HCs no STF justifica atuação da corte”

Por Pedro Canário

Há um “autismo completo” quando as autoridades brasileiras decidem discutir o sistema carcerário do país. Na análise do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, existe uma infinidade de ideias, que não são difíceis de implantar e podem atenuar o problema, mas que nunca saem do papel. O motivo, dispara, é o “jogo farisaico” do qual participam União e estados: este diz que não tem verba suficiente para tratar do problema como deve; aquela alega que pode ajudar, mas que não tem nada com isso.

Quando foi presidente do Conselho Nacional de Justiça, o ministro pôde ver de perto o tamanho do problema do sistema carcerário e concluiu que, na verdade, não se trata de um problema carcerário. “É um problema de segurança pública, e todos temos que nos envolver”, insiste. E por “todos” quer dizer todos mesmo: Executivo, Legislativo, Judiciário e sociedade.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, do Ministério da Justiça, mostram que o Brasil hoje tem 550 mil presos. Desses, cerca de 220 mil, ou 40%, estão em prisão provisória. Ou seja, estão presos aguardando uma decisão condenatória. Para o ministro Gilmar Mendes, “isso fala mal da Justiça Criminal, e fala que o sistema precisa de reforma”, conforme afirmou em entrevista à revista Consultor Jurídico.

À frente do CNJ, o ministro acompanhou casos de pessoas presas há mais de dez anos ainda sem condenação, ou, pior, pessoas que já haviam cumprido suas penas mas continuavam encarceradas. Por isso criou o Mutirão Carcerário, grupos de servidores do Judiciário que iam, em regime de força-tarefa, aos estados para mergulhar nos processos criminais com réus presos e fazer o acompanhamento da situação.

Hoje, o problema continua. E as soluções apontadas pelo ministro continuam as mesmas: fazer os inquéritos policiais andarem, para que os crimes cheguem aos tribunais e, depois, fazer os processos andarem. Outra medida é ampliar as penas alternativas e investir mais em outras formas de medidas cautelares. Mas o que pode mesmo ajudar é pôr as ideias em prática.

Como avalia o ministro, os estados reclamam que não têm verba, mas o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), do governo federal, já dispõe de R$ 2 bilhões, que não é reclamado pelas administrações estaduais. E “as autoridades do Ministério da Justiça falam como se estivessem falando do sistema carcerário da Bolívia. O Maranhão é no Brasil”. 

Em visita à redação da ConJur, em São Paulo, o ministro falou aos jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso, Marcos de Vasconcellos e Elton Bezerra.

Leia a entrevista:

ConJur  — Anos atrás, quando se falava em ativismo judicial, havia certo entusiasmo, até aplausos. Hoje parece que a coisa está se revertendo, o senhor não acha?
Gilmar Mendes — É preciso ter muito cuidado com isso. A Constituição confere tarefas muito diferenciadas para o Judiciário. Por exemplo, o controle da omissão, que é uma inovação radical da Constituição de 88. Criaram-se dois instrumentos para isso: a ação direta por omissão e o mandado de injunção, que é uma ação de caráter individual. Claro que, aqui, o constituinte está querendo que o Judiciário supra as omissões existentes, ou concite o Legislativo a fazê-lo. Ou mesmo que eventualmente edite normas provisórias. Quer dizer, como não ser “ativista”, por assim dizer, nesses contextos? Diante de omissões, às vezes, históricas, de legislações que nunca se editam. Ao mesmo tempo, sabemos que legislações muito complexas não serão editadas pelo Judiciário.

ConJur — Por quê?
Gilmar Mendes —
 Porque elas envolvem aspectos orçamentários, escolhas e ponderações. São regras de transição que dificilmente poderão ser feitas pelo Judiciário. E quando o Judiciário intervém, acaba provocando problemas. Vide o caso dos precatórios, em que o Legislativo tinha encontrado um modelo de parcelamento, o CNJ regulamentou, veio o Supremo e declarou inconstitucional. Depois se descobriu que os governos municipais passaram a não pagar nem aquele mínimo estabelecido, porque, não podendo pagar o máximo, também não pagavam o mínimo.

ConJur — Isso até que se decida pela modulação.
Gilmar Mendes — 
Até que se decida pela tal modulação. Coube a nós o papel – estranho, para dizer o mínimo – de dizer que, enquanto não vier a definição da modulação, que fique em vigor a regra que declaramos inconstitucional. Então foi um gol contra do ativismo. É aquela coisa de “calcemos as sandálias da humildade”, um caso atípico.

ConJur — Como o senhor avalia esse movimento da classe política procurar cada vez mais o Judiciário para resolver seus problemas, inclsuive os institucionais?
Gilmar Mendes —
 Talvez seja porque não haja instâncias de solução. Talvez os conselhos, conselhos de líderes, comissões de líderes etc. não estejam funcionando a contento, o que leva a um esgarçamento. E aí tudo acaba num mandado de segurança no Supremo. É o que tem acontecido. Falta de um diálogo institucional no âmbito do próprio Congresso. Essa, talvez, seja a causa. Agora, por que é que isso ocorreu? Talvez porque tenhamos muitos partidos, muitas forças políticas, e talvez as próprias lideranças congressuais já não tenham condições de arbitrar muitos desses conflitos.

ConJur  — Mas muito se fala sobre a judicialização da política como um aspecto negativo.
Gilmar Mendes —
 Um dado é inevitável: a possibilidade de impugnar leis em ADI é bastante ampla. No caso do parlamentar, basta o partido com um representante em uma das casas para entrar com a ação. No Congresso, essa voz vale pouco. Então, quem estiver na oposição a um projeto aprovado, obviamente que vai tentar derrubar no Supremo. Agora, fala-se muito em judicialização em relação às questões políticas, desentendimentos quanto a projetos, modelos de regimentos, etc. Nesse caso, me parece que é mais um esgarçamento, uma falta de legitimidade do próprio processo político.

ConJur — O STF caminha para ser uma corte puramente Constitucional?
Gilmar Mendes —
 Isso não existe. O tribunal já é uma corte constitucional do país, mas se olharmos qualquer corte constitucional – a Corte Constitucional alemã, que talvez seja hoje o maior paradigma, por exemplo –, veremos que há competências penais, eles processam seus próprios juízes, o presidente da República etc. Ela tem competências específicas, que não são apenas constitucionais. Alguns conflitos que são de natureza constitucional, como conflitos federativos importantes, mas não existe esse modelo puro. E as questões que realmente ocupam o Supremo hoje são questões constitucionais que vêm nas ações de controle abstrato [ADI, ADC e ADPF] e nos REs. E tem uma linha talvez menos clara, mas que discute questões importantes, que é o Habeas Corpus.

ConJur  — Nos outros países as cortes constitucionais julgam Habeas Corpus?
Gilmar Mendes —
 Não, mas se discutem, às vezes, questões relativas à liberdade num recurso constitucional específico. No Habeas Corpus, muitas vezes são discutidas questões puramente constitucionais, ligadas à liberdade. Mas também muitas vezes discutimos questões processuais importantes. Por exemplo, a aplicação do Código de Processo Penal, ou o uso da prova ilícita, o direito de defesa. Muitos poderiam dizer  que isso não deveria estar no Supremo, mas agora há uma tendência de alguns colegas, e eu tenho muito medo, de fazer uma restrição ao Habeas Corpus.

ConJur — Por que medo?
Gilmar Mendes —
 Até por causa do aspecto estatístico. O índice de concessão de Habeas Corpus é muito alto no Supremo. Chega a 30% nas Turmas, o que é um índice alto e significa que houve algum erro, alguma violação, em 30% dos casos que chegaram até lá. E às vezes são questões básicas, como prisão por crimes famélicos, crimes de pequena monta.

ConJur — E isso demonstra que o HC não pode ser restringido.
Gilmar Mendes —
 Ora, isso mostra que esse é um papel importante do Habeas Corpus, porque hoje há uma discussão no tribunal sobre essa questão. A própria 1ª Turma chegou a sustentar que, para o Supremo, só deveria ir o recurso ordinário e não o Habeas Corpus autônomo. Eu sou contra. Isso vai afetar aquilo que se chama jurisdição constitucional da liberdade.

ConJur — Então a competência para julgar Habeas Corpus não pode ser reduzida?
Gilmar Mendes — 
Se há uma competência que não pode ser reduzida é essa. O Habeas Corpus é exatamente o mecanismo da jurisdição constitucional da liberdade, é uma forma importante de se discutir pelo menos a legalidade da prisão. Isso corresponde a uma tradição antiquíssima, ainda da República Velha. Romper com isso agora é romper com uma tradição já centenária em nome de argumentos estatísticos.

ConJur  — Hoje se fala muito na quantidade de processos que estão no Supremo. Seria o caso de uma redução de competência?
Gilmar Mendes —
 Veja, as cortes em geral — e aí tanto a Corte Suprema dos EUA quanto as cortes constitucionais europeias —, quando elas têm recursos, restringem por um modelo de seleção. Entre nós foi muito difícil aprovar a Repercussão Geral. E a seleção, portanto, é muito restritiva. O que é que se diz na Constituição? Que será rejeitado o recurso se houver oito votos no sentido de sua rejeição. É a Repercussão Geral. É o contrário do que se pratica em todo o mundo. Em geral, com turmas, grupos de três, quatro, já pode rejeitar. Aqui, precisa de oito votos para rejeitar a Repercussão Geral. O que significa, contrário senso, que com quatro votos a favor você manda subir o recurso.

ConJur — E por que ficou assim?
Gilmar Mendes —
 Isso não foi uma opção do Supremo, mas do legislador constituinte. Foi difícil passar a reforma constitucional. Teve a pressão da OAB e da sociedade, dizendo que não pode restringir o acesso à Justiça, que todos têm de ter acesso ao Supremo. Então ficou esse modelo.

ConJur — Passaria uma emenda restringindo?
Gilmar Mendes —
 Ainda mais? É uma conversa que tem que se ter com o Congresso.

ConJur — Para o senhor faz sentido uma emenda como essa?
Gilmar Mendes —
 Pode fazer. Mas teríamos que administrar isso, e temos que testar um pouco todo esse quadro. Nós estamos há um ano e meio, praticamente, com as atividades quase que suspensas, dedicadas ao mensalão.Significa que não estamos julgando os casos de Repercussão Geral, o que legitima a reclamação dos tribunais.

ConJur — De que o STF está parado?
Gilmar Mendes —
 De que está parado. E é um mecanismo de stop and go, porque ficam suspensos os processos semelhantes nas instâncias ordinárias. Isso é muito problemático. Agora precisamos, de fato, retomar as atividades, retomar a vida normal e ver como isso anda. Mas essa conversa de que precisa ser uma corte somente constitucional é bobagem. Em linhas gerais, o que de fato ocupa o tribunal são questões constitucionais.

ConJur — Por que o tribunal parou de editar súmulas vinculantes?
Gilmar Mendes — 
Porque está conexo, basicamente, com a Repercussão Geral. A gente não tem votado casos com Repercussão Geral. Teve um momento em que a gente votava um caso de Repercussão Geral e, em seguida, editava a súmula. Depois isso parou.

ConJur  — Mas por que parou?
Gilmar Mendes —
 Porque nós paramos. O Tribunal, há algum tempo, não tem dado prioridade a isso. Admite muitos casos de Repercussão Geral e não consegue, depois, transformar isso em julgamento. Depois veio o mensalão, e então, quantas sessões com matéria criminal?

ConJur — Ministro, a nossa Constituição tem 200 e tantos artigos, mais os incisos, alíneas etc…
Gilmar Mendes — 
São mil e tantas disposições, mas tem que ser um número condizente com a nossa realidade institucional. Não posso dizer que temos de ter um modelo americano. Nossa realidade institucional é toda peculiar. Giovanni Sartori, um autor italiano da área de Ciências Políticas e de Direito, contou os artigos e concluiu que a nossa Constituição chega ao tamanho de um Código Civil. Ele tem uma obra, até já traduzida para o português, Engenharia Constitucional.

ConJur  — A Lei da Anistia voltou a ser motivo de comentários ultimamente, e muitos têm falado em levar o caso de volta ao Supremo. Falam que a composição mudou, e que o posicionamento da corte também já não é mais o mesmo. Faz sentido o STF rever a posição que ele já adotou? Existe um mecanismo para isso?
Gilmar Mendes —
 A não ser que haja um fato relevante, independentemente da composição pessoal, nesse e em outros casos, não faz sentido proceder a essa revisão. Por outro lado, se o Tribunal sequer consegue apreciar tudo o que está pendente de julgamento, como os casos de repercussão geral, parece sensato revisitar o que já foi decidido? Mas, em suma, nós temos que aguardar. Mas temos de esperar ser provocados. Até porque entre o julgamento e a publicação de um acórdão, às vezes, passam-se vários anos. E isso não significa recomposição do tribunal. É razoável que quem vier, agora, nos embargos da declaração, diga: “Minha opinião é diferente”. Mas o julgamento de mérito já ocorreu. Se quiser preservar a seriedade da Corte, tem que ter certo escrúpulo processual. Do contrário, vira um lance de opinião, o que não é razoável.

ConJur — O número de reclamações que chegam ao STF também subiu bastante, ao ponto de alguns ministros apontarem que é o desejo de se chegar “per saltum” ao Supremo.
Gilmar Mendes — 
É um instrumento que se desenvolveu, inicialmente, na jurisprudência e no Regimento Interno, mas que depois ganhou statusconstitucional. É um mecanismo importante, hoje, em função do efeito vinculante de algumas decisões, termos a súmula vinculante. Mas talvez tenhamos que encontrar um tratamento adequado, como julgar nas turmas, porque o Plenário está inviabilizado. São mais de 700 processos em pauta aguardando julgamento. É preciso ser inventivo. Talvez ter mais sessões, diminuir os pedidos de vista, dar prioridade aos casos com repercussão geral. São medidas que podem ser tomadas.

ConJur — Uma reforma mesmo?
Gilmar Mendes —
 Talvez tenha uma reforma regimental. A reforma que já foi feita, na minha gestão e depois na do Peluso, já deu frutos.

ConJur  — A Emenda 45 vai fazer dez anos este ano. Surtiu o efeito que se esperava?
Gilmar Mendes —
 Tenho a impressão de que sim. Aliviou e deu racionalidade ao Supremo, além de criar órgãos importantes como o CNJ e o CNMP. Agora, a essa altura, teríamos que discutir uma evolução dessa reforma, como essa questão do modelo da Repercussão Geral.

ConJur  — Há espaço para isso?
Gilmar Mendes —
 Sim. O STJ já fez uma parte disso com os processos similares e idênticos, por exemplo. O TST tem isso autorizado e até agora não tomou nenhuma medida. No Supremo há espaço para a continuação dessa reforma. Eu só não subscrevo teses, por exemplo, de restrição de Habeas Corpus, porque a gente sabe aonde isso vai dar. Com esse grau de concessão, com essa situação de examinar a discussão da prisão provisória lá em 1º Grau, temos um índice de concessão de 30% no Supremo. Se introduzirmos, agora, reservas procedimentais e tentarmos barrar o acesso ao Supremo, via Habeas Corpus, muito provavelmente vamos negligenciar direitos. Podemos reduzir outras competências antes de restringir este importante e eficiente instrumento de liberdade.

ConJur — Sem falar nos casos insignificantes.
Gilmar Mendes —
 Em 2010 ou 2011chegamos a conceder 30 Habeas Corpus na 2ª Turma ligados ao princípio da insignificância. É a prisão por causa do furto do bambolê, do chocolate, da fita de vídeo. Coisas desse tipo.

ConJur  — O CNJ está cumprindo seu papel?
Gilmar Mendes —
 Tenho a impressão de que há mais acertos do que erros. Agora, se a gente considerar a potencialidade, pode ficar frustrado. E há uma visão, muitas vezes da própria magistratura, de que se o CNJ estabelece metas, está interferindo nas funções, nas autonomias estaduais ou coisa do tipo. Mas é um discurso escapista para evitar a prestação de contas. Tanto é que foram flexibilizando as metas, reduzindo a responsabilidade do próprio CNJ para os mutirões etc. Em suma, isso resulta em uma diminuição do órgão na sua atividade principal. A atividade principal do CNJ não é — e esse é que é o equívoco — punir juiz, ficar fazendo estatísticas.

ConJur  — E qual é?
Gilmar Mendes —
 É atividade de planejamento e de gestão das atividades do Judiciário. Essa [a de que o CNJ existe para punir juízes] é uma visão equivocada, mas tem um efeito simbólico. Descobriu-se que há um malfeito, tem que punir. Mas ela não é a atividade central do CNJ.

ConJur  — Mas o foco, ultimamente, tem sido esse.
Gilmar Mendes — 
 E a própria imprensa contribui para isso. Comemora como se fosse um dado altamente promissor. Mas o que tem que se perguntar é: “O Judiciário melhorou?”; “em que ponto melhorou?”; “quais são os pontos de estrangulamento?”; “o que é que tem sido feito em termos de meta?”; “os processos estão mais céleres?”. É isso que precisa ser perguntado.

ConJur  — O que o senhor acha dessa Meta 18 do CNJ, que obriga os tribunais a julgarem os casos de improbidade administrativa?
Gilmar Mendes —
 É importante que o CNJ estimule o julgamento dessas ações. Também há abuso em não julgar, em deixar pendente essas questões, principalmente com relação aos inocentes. E essas ações são usadas politicamente, muitas vezes. Não se ignora, por outro lado que a lei de improbidade precisa de revisão, pois é bastante genérica. Há um tipo, por exemplo, de improbidade administrativa que diz assim: “Deixar de cumprir a lei ou o regulamento”. Então em qualquer caso em que foi concedido um Mandado de Segurança teria que haver uma ação de improbidade administrativa. Veja o absurdo. Fatos corriqueiros, que podem ser resolvidos, por exemplo, com uma ação de indenização, viram ações de improbidade. A não ser que prove que há dolo, que há o propósito de enriquecimento, não há motivo para uma ação dessas. Muitas vezes o promotor quer entrar com uma ação e entra com uma de improbidade, quando poderia ser uma ação de responsabilidade simples.

ConJur  — Mas no caso específico da meta, o que se percebe é quase uma pressão pela condenação. Os informes que chegam às redações comemoram “X condenações”. Alguns juízes têm entendido essa ação como uma tentativa de disciplinar tribunais, para dizer que eles têm de condenar.
Gilmar Mendes — 
Não pode ser assim, mas na verdade é até bom para o réu que o processo seja julgado e ande. Em matéria criminal, por exemplo, e tenho batido muito nisso, há milhares de presos provisórios, sem sentença condenatória. Vemos pessoas presas há 12, 14 anos, sem condenação. Ora, isso fala mal da Justiça Criminal. E fala que esse sistema precisa de reforma. E no sistema criminal, só a ação já é um ônus. É terrível para o cidadão, e levamos um tempo enorme para julgar, 10, 12 anos.

ConJur  — E ainda há os casos do sujeito que, quando é finalmente condenado, já cumpriu toda a pena em regime provisório.
Gilmar Mendes —
 Ou do processo que corre há anos e ele está solto. Imagine o impacto disso numa pequena comunidade. O sujeito cometeu um homicídio e todo mundo sabe, mas ele está solto, obteve Habeas Corpus porque o processo se alongou demais. Ou está solto porque ficou solto. Então se alguém me perguntasse qual é a prioridade hoje, eu diria Justiça criminal. Temos um grande problema aqui. E a ação de improbidade tem um consectário fortemente penal. Às vezes, até mais forte do que a ação penal. Porque se você falar que Fulano responde por ação de improbidade tem um certo viés.

 ConJur  — E isso é usado politicamente.
Gilmar Mendes —
 Politicamente, claro. Tanto é que, nesse contexto, tem feito falta — e tem projetos de lei bons já analisados por comissão no Congresso — uma lei atual de abuso de autoridade. As autoridades cometem abusos a toda hora. Por exemplo, quando oferecem denúncias indevidas: ação de improbidade, ou mesmo uma ação penal ou quando pedem abertura de inquérito quando não deveriam.

ConJur  — Falta responsabilizar o Ministério Público?
Gilmar Mendes —
 Não só o Ministério Público. Pode ser o juiz, o parlamentar numa Comissão Parlamentar de Inquérito, o fiscal por excesso de exação. Em suma, todas as autoridades. O guarda de trânsito! A nossa lei de abuso de autoridade é de 1965, é de autoria do Milton Campos. São tipos genéricos. O país passou por enormes evoluções nesses anos todos e nós não temos uma lei de abuso de autoridade atualizada. Tanto é que ninguém fala hoje em aplicação da lei.

ConJur  — Outro tema muito caro ao senhor é o sistema penitenciário, mas quando se fala nisso, a solução parece sempre ser construir mais presídios. É isso mesmo que deveríamos fazer?
Gilmar Mendes —
 Sim. São indispensáveis novas vagas e estabelecimentos prisionais. Precisamos praticamente construir os sistemas aberto e semiaberto. Porém isso não basta. Quer dizer, por isso é que quando falamos de reforma do sistema prisional, temos é que ter uma estratégia de segurança pública, que é o que tentamos no CNJ, que envolveria a atuação de todos os setores. Temos um grande índice de inquéritos abertos não concluídos e por isso também um grande índice de crimes não descobertos. Chegamos a ter, em Alagoas, 4,5 mil homicídios sem sequer inquérito aberto.

ConJur  — E tudo sem autoria.
Gilmar Mendes —
 Claro! Se nem abriu nenhum inquérito, já está sem autoria a priori. Depois, quando abrem o inquérito, ele não prossegue, porque não tem investigação. Uma das estratégias era fazer concluir os inquéritos, e isso é tarefa da polícia e do Ministério Público. E quando oferecer denúncia, fazer o processo andar.

ConJur — Também há falta de acesso à Justiça.
Gilmar Mendes —
 Temos sérios problemas na área da defesa, da defensoria. Se estamos falando de 550 mil presos, 90% são pobres. Péssima assistência judiciária. Insuficiente. Poucas iniciativas. Precisa ter uma estratégia nesse sentido. Há muita gente que poderia não ser presa.

ConJur — Isso passaria pelas penas alternativas?
Gilmar Mendes — 
É uma boa ideia, assim como a das medidas cautelares para reduzir o abuso das prisões cautelares, mas, de novo, temos uma lei que não está pegando.

ConJur — Por que não pega? É questão de custo?
Gilmar Mendes —
 Não, é que não tem gestor. Está cheio de caciques, mas ninguém está aplicando isso. Eu venho defendendo, por exemplo, e que está na Convenção Interamericana, a necessidade de internalizar na legislação a apresentação do preso em flagrante ao juiz, que então vai decidir se vai manter o flagrante ou não, mas falando com o sujeito. É claro que isso vai ter embaraços burocráticos, mas evita que o juiz, burocraticamente, referende o flagrante. É o que leva a esses abusos que temos tido. No crime de tráfico: a legislação veio para atenuar a pena por tráfico, mas estamos aumentando o número de presos por esse crime. E muitas vezes é aquela confusão, naquele quadro entre usuário e traficante.

ConJur  — Fica sempre baseado na questão da quantidade.
Gilmar Mendes —
 É. E quem é que decide isso? O policial! Não é o juiz que avalia isso, porque ele só cuida do processo no julgamento. Veja, não são medidas difíceis de serem implantadas, e muitas delas não precisam sequer de legislação. É só a adoção de orientação administrativa. Mas é preciso ter essa visão integrada. É preciso olhar o sistema como um todo. Se falarmos em recursos para o sistema prisional: temos uma massa de dinheiro, o Funpen. Fala-se em R$ 2 bilhões. Todo ano é contingenciado. A lei de execução penal é de 1984, a que criou todos esses regimes. Mas temos déficit de vagas, 25 mil pessoas só no sistema semiaberto e o dinheiro está contingenciado. Em verdade, não temos regime semiaberto. E com R$ 400 milhões resolveria isso, mas tem alguém gerenciando? O Brasil está vivendo um apagão em termos gerenciais.

ConJur  — R$ 400 milhões para resolver?
Gilmar Mendes —
 Sim. É isso. Dinheiro que está aí, disponível. Hoje nós estamos melhores que ontem. Nós temos o CNJ, que tem dados, o CNMP, o Ministério da Justiça tem foco, inteligência para fazer isso, mas um tema totalmente negligenciado. Muita gente tem preconceito: “Ah, isso é tema de direitos humanos”. Não. Esse é um tema de segurança pública. Porque não cuidar dos presídios significa entregá-los às organizações criminosas.

ConJur  — De quem é a falha?
Gilmar Mendes —
 Basicamente, do Executivo, principalmente do Executivo Federal. Mas a responsabilidade é de todo o sistema, inclusive Poder Judiciário e Ministério Público. Por isso é que tinha que ter uma visão integrada, holística disso. O país, na verdade, precisa pensar em termos institucionais e administrativos, num tipo de SUS para a segurança pública.

ConJur  — Como seria isso?
Gilmar Mendes —
 Um modelo integrado de gestão, e parar com esse jogo de culpa recíproca. A União sempre diz “eu posso ‘ajudar’, mas não tenho nada com isso”. Como não tem nada com isso?! Ela é quem legisla sobre Direito Penal, sobre Processo Penal, sobre Execução Penal. Ela é quem tem a Polícia Federal. Em geral, o crime organizado é interestadual, no mínimo. E a União é quem tem as Forças Armadas.Mas fica com esse jogo farisaico de dizer que não tem nada com isso. “Não, isso é problema de segurança pública, é problema estadual”. E os estados membros, com as finanças em pandarecos. Porque o modelo, também, gerou essa concentração de recursos no plano da União — com exceção de algumas poucas unidades, São Paulo incluída. Os estados estão em situação de penúria.

ConJur  — Houve um caso no Maranhão, em que o juiz mandou o estado construir um presídio em até 60 dias. O Judiciário pode fazer isso, ignorando, por exemplo questões orçamentárias do estado?
Gilmar Mendes — 
ConJur publicou uma entrevista com a secretária de justiça do Paraná, Maria Tereza Uille Gomes, em que ela diz que há exigência do Conselho de Política Criminal para verificar a metragem dos novos presídios, da sala do diretor, do número de vagas no estacionamento, quando não tem vaga nem para os presos. Isso está onerando brutalmente o sistema. Ela diz também que um convênio inicial com o estado teria uma contrapartida de R$ 30 milhões, mas, com esses novos critérios, subiria para R$ 90 milhões. Imagine como isso repercute nas finanças do estado. Há um autismo completo. As autoridades do Ministério da Justiça falam do problema prisional como se estivessem falando do sistema carcerário da Bolívia. O Maranhão está no Brasil!

ConJur — Este ano o golpe militar completa 50 anos. Qual a visão do senhor sobre o papel do Supremo durante a ditadura?
Gilmar Mendes — 
Isso comporta uma análise bem mais profunda, que é difícil de resolver numa resposta. O tribunal teve, acho que no começo, um papel de moderação dos próprios exageros do movimento em relação às prisões, por exemplo. Aí entram os Habeas Corpus concedidos ao Miguel Arraes, ao ex-governador lá de Goiás.

ConJur — Mauro Borges?
Gilmar Mendes —
 Isso. Inclusive, esse momento é uma nova fase no Supremo,que empresta nova significação ao Habeas Corpus. A concessão de liminar naquele quadro, me parece extremamente importante. Mas depois o próprio tribunal foi envolto no próprio contexto da crise. Não vamos nos esquecer de que, em 1968, veio o Ato Institucional número 5, que suspende as garantias da magistratura. E, em 1969, temos as aposentadorias dos juízes [o governo militar aposentou compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva]. Já tinham mexido na composição do Tribunal, há o aumento no número de membros, antes, logo numa das primeiras alterações. Em suma, então, o tribunal, ele próprio, padece de vicissitudes. Imagine o tribunal traumatizado, em 69.

ConJur — Era um tribunal já sob intervenção do governo militar.
Gilmar Mendes — 
Sempre cito um caso, de 1971, em que se discutiu se o Procurador-Geral da República estava obrigado ou não a representar ao Supremo. A provocação vinha do MDB e tinha como pano de fundo a lei, ou o decreto-lei, que estabelecia censura prévia a livros, jornais e periódicos. Veja, o tribunal julgou isso em 71, mas em 69 perdera três membros aposentados compulsoriamente. Era um tribunal fragilizado, e esse episódio de 71 foi muito curioso. O único que falou pela aceitação dessa reclamação foi o Adauto Lúcio Cardoso, um homem que fora nomeado ministro pelos militares e obviamente tinha sua interlocução com eles. Ele defendeu bravamente a ideia [de derrubar o decreto-lei], mas o tribunal acabou decidindo que aquilo não era matéria para o Supremo. O Procurador-Geral, então, não entrou com a ação. Era muito difícil o tribunal se manter com toda autonomia naquele contexto, especialmente depois do AI-5, que estabelecia um tipo de segunda ordem que, de quando em vez, era utilizada e estava sempre lá, presente.

ConJur  — Quando interessava, era só acionar.
Gilmar Mendes —
 Era só acionar que se aposentava juiz. As garantias estavam suspensas. Mas eu acho que nem só o Supremo, mas acho que o Brasil deve ao próprio Judiciário, como um todo, um papel de moderação dos exageros cometidos na década de 1970. Inclusive a Justiça Militar. O STM, eu me lembro no meu tempo de estudante, de 75 a 78, era considerado um tribunal de padrão liberal…

ConJur  — É mesmo?
Gilmar Mendes —
  Inclusive nas questões de Habeas Corpus, em relação aos presos políticos, e por conta, talvez, da própria autoridade dos seus componentes, muitos deles generais que, obviamente, percebiam os exageros que estavam sendo cometidos Eu acho que agora é o momento de. Esse é um dado importante, especialmente no momento atual, em que se fala na supressão da Justiça Militar.

ConJur — O STM também teve um ministro aposentado, não é?
Gilmar Mendes —
 Sim, o general Peri Bevilacqua, em 79. O STM teve um papel importante, e muitos advogados dessa época hão de se lembrar.

ConJur — Faz sentido acabar com a Justiça Militar?
Gilmar Mendes —
 Não acredito que seja essa a solução correta. Tenho a impressão de que talvez algumas competências para julgar civis possam ser revistas, mas me parece que a Justiça Militar tem uma função especialmente no que diz respeito ao quadro organizatório e disciplinar das próprias Forças Armadas. Nesse sentido, o tema precisa ser visto com cuidado. A gente tem que ter muito cuidado com modismos. Tem que respeitar a cultura histórica e ter certa moderação nas invencionices.

*Texto atualizado às 19h35 da segunda-feira (3/2).

STF em ação

STF deve retomar casos “represados”

POR FREDERICO VASCONCELOS

03/02/14  08:59

Barbosa e Janot

O Supremo Tribunal Federal retoma suas atividades nesta semana, acumulando questões relevantes “represadas” em 2013 pelo longo julgamento do mensalão, revela reportagem publicada nesta segunda-feira (3/1) naFolha.

Hoje será realizada a  solenidade de abertura do ano judiciário, conduzida pelo ministro Joaquim Barbosa. A sessão deverá contar com as presenças dos presidentes da República, da Câmara e do Senado ou seus representantes, que deverão proferir discursos.

Em seu pronunciamento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá enfatizar o combate à corrupção, a grave situação do sistema prisional do país e a necessidade de desafogar a pauta do Supremo.

A expectativa é que sejam retomados no STF processos na área da economia cuja decisão final orientará os tribunais sobre milhares de ações ajuizadas nas instâncias inferiores.

É o caso, por exemplo, das alegadas perdas nas cadernetas de poupança com os planos econômicos nas décadas de 80 e 90. A Corte deverá decidir se os bancos terão que indenizar poupadores que se sentiram prejudicados.

Aguarda-se também a definição sobre os prazos para pagamento de precatórios [determinação da Justiça para que um órgão público pague indenização devida].

Outros processos relevantes que deverão voltar ao plenário:

– a constitucionalidade das doações de empresas e pessoas jurídicas para campanhas eleitorais e partidos;

– o julgamento de embargos infringentes na ação penal do mensalão;

– a ação sobre os supostos desvios de dinheiro público na campanha de reeleição do então governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB);

– a ação que questiona a proibição da publicação de biografias não autorizadas.

 

Nossas excentricidades

O Brasil é, definitivamente, um país, digamos, excêntrico. Aqui ocorre, por exemplo, de o eleitor trocar o voto por uma garrafa de cachaça ou por uma dentadura. Mas isso tem explicação na miséria do povo, na falta de cultura e de educação. Pode ser inusitado. Pode alimentar o folclore. Poder alimentar a inspiração de um cronista. Mas é uma excentricidade que encontra justificativa  na miséria, no estado de necessidade de um povo.

A verdade é que a necessidade, como a falta de educação, compele. Não há cidadania com a barriga vazia. O eleitor carente é suscetível de se submeter a essa, digamos, troca bizarra, a solapar a própria cidadania. Cidadania, para essas pessoas, não representa nada.

Imagino que o eleitor faça a seguinte reflexão: “tu me ajudas a mastigar com a dentadura ou a me entorpecer com álcool e eu, em troca, te dou meu voto. O que farás depois de eleito a mim não me importa, afinal, todos roubam, e a minha vida não vai mudar mesmo; tu pelo menos me destes alguma coisa em troca do meu voto.”

Essa a cultura. Por enquanto, nada se pode fazer. Educação ainda é preocupação de uma minoria.

Vê-se, assim, que não surpreende, de rigor, essa troca entre o eleitor e o candidato, sobretudo porque há algo muito mais relevante e subjacente que condiz  a nossa falta de educação; educação que, afinal, é o que pode libertar as pessoas, dar a elas a dignidade que a ignorância lhes nega.

Até aí não tá tudo bem, mas é assim mesmo que as coisas funcionam. E quando é um ex-presidente que diz a um ex-ministro, acusado de corrupção, para que não se preocupe, pois a acusação sai na urina (Jornal Folha de S. Paulo de hoje, na matéria ‘Lula me falou: esquece, isso sai na urina, diz Lupi sobre denúncia)*? Aí, meu amigo, é de estarrecer. É estupefaciente mesmo. É desanimador, sobretudo se a afirmação é feita por um dos mais festejados líderes políticos que o Brasil já teve em qualquer época, e que construiu a sua carreira pregando moralidade e retidão. É como se dissesse: “fui presidente deste país e sei que isso é natural, pois no Brasil grassa a impunidade. Fica na tua, não se desespera, que, nesses casos, as instância persecutórias não funcionam.”

A gente pensa que já viu de tudo, mas cada dia mais os políticos no nosso país nos conduzem à conclusão de que eles não merecem a nossa confiança. É uma pena, pois ainda há os que pensam de forma diferente. Mas esses são poucos… De tão poucos, a sua ação não é sequer notada. Não passam de uns radicais, na visão dos oportunistas e inescrupulosos.

*Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho do governo Lula e presidente do PDT, um dos partidos da base de sustentação do governo, foi acusado pela empresária Ana Cristina Aquino de ter recebido R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em propina.

Versão para o jornal

Abaixo, artigo da minha autoria, publicado neste blog, na sua versão, revisada, para o Jornal Pequeno

Naturalmente bom

José Luiz Oliveira de Almeida*

Principio essas reflexões partindo da afirmação de Jean-Jacques Rousseau de que o homem é um ser naturalmente bom, cuja bondade restaria corrompida pela sociedade. É claro que, até onde vai a minha percepção, não dá pra dizer que todo homem é naturalmente bom, como não dá pra dizer que a sociedade necessariamente o torne mal. A experiência mostra, a contrariar a tese, que há pessoas que parecem ter nascido para fazer o mal; há outras tantas que, a despeito dos reveses da vida e das injustiças a que são submetidas, só disseminam o bem.

Dia desses, saí para dar as minhas habituais – e necessárias – pedaladas na Av. Litorânea, mantendo distância da Lagoa da Jansen, onde recentemente fui assaltado. A certa altura,  o pedal da bicicleta caiu. Fiquei desarmado com o inusitado do ocorrido.Tentei, em vão, colocar o pedal no lugar. Constatei logo a minha incompetência para resolver um problema que, desde a minha visão, parecia muito simples.

De repente, ao tempo em que eu insistia em recolocar o pedal, apareceu um rapaz  que, ao se aproximar, de súbito, me assustou. Pensei: meu Deus, outro assalto! O coração, claro, disparou. Apreensivo, cuidei de analisar o desconhecido por inteiro, como se essa análise boba – e precipitada, claro –, feita por conta apenas da aparência, me levasse a alguma conclusão sobre o desconhecido.

Muito simpático e solícito, o rapaz colocou o depósito de queijo que trazia consigo  (todos cortados em cubos, para venda) no chão, ao lado de um fogareiro já apagado, e passou a tentar colocar o pedal da bicicleta, me deixando em posição de absoluta reflexão. Nas primeiras tentativas, como não alcançasse êxito, tratou logo de, despojadamente, sentar no chão – absolutamente desprendido e à vontade.  Muito tranquilo, muito simpático, risonho, do tipo que não metia medo. Fui, nesse cenário, me acostumando com a situação, passando a dialogar com ele sobre o problema.

Fiquei a pensar com meus botões: de onde vem essa que me parece uma boa alma? Quem são os pais desse bom rapaz?  Seus amigos, quem são? Onde mora? De onde vem? Por que está me ajudando? Exigirá ele, depois, algo em troca? E o queijo? Pelo visto, ele se desinteressou de vendê-lo, certamente porque espera ser bem recompensado, pensava eu.

Um dado curioso. O desconhecido, muito à vontade, viu a tampa do depósito voar para longe, mas não largou o que estava fazendo. Continuou tentando colocar o pedal no lugar, com inaudita boa vontade. Um transeunte viu a tampa voando, correu atrás, trazendo-a de volta. A partir daí, eu próprio cuidei do depósito do desconhecido, atento para que a tampa não voasse mais. Ele, enquanto isso, lutava, embalde, para repor o pedal.

A certa altura, levantou-se e saiu correndo. Pediu que eu o aguardasse, pois iria procurar uma chave. Fiquei, ao lado da bicicleta, olhando para um lado e outro, enquanto aguardava o desconhecido, e persistia fazendo  questionamentos sobre a sua atitude e a pensar onde ele encontraria uma chave. Mas pensava positivamente: trata-se de uma boa alma, dessas que os reveses da vida não corrompem.

Em dado momento me dei conta dele saindo de um bar, com um alicate na mão, saltitante, alegre vislumbrando a possibilidade de resolver o meu problema. Ao se aproximar de mim, deu um sorriso, para, otimista, sentenciar:

– Agora vai!

Não foi! Mais uma tentativa debalde. A rosca estava estragada. Não havia mais o que fazer. Desanimado, olhei para um lado e para o outro, perdido. Ele percebeu o meu desânimo, e lamentou a minha frustração. Parecia que já me conhecia há muito tempo. Não! Ele não me conhecia! Não sabia de onde eu vinha, e nem para onde eu ia. Mas, ainda assim, procurou me ajudar, sem pedir nada em troca – por bondade.  Pelo desejo de servir ao próximo.

Decidido que não resolveríamos o problema, deixei a bicicleta em um bar e saí andando, desnorteado, pela Litorânea, apenas com as luvas nas mãos, decidido a voltar para casa a pé. No trajeto inicial, Chagas me acompanhou, lamentando o insucesso da empreitada. Ele seguia com o queijo no depósito, e o fogareiro,  apagado. Mas nada disso parecia preocupá-lo. O que ele lamentava mesmo era não ter podido me ajudar. Eu disse a ele, então:

– Amigo, não tenho nenhum trocado para te dar. Todavia, passo amanhã e deixo um dinheiro para você, no bar do Deusimar – onde a minha bicicleta ficou guardada, ao que ele objetou:

– Não se preocupe com isso. O que eu desejo mesmo, se fosse possível, é um emprego. Se o senhor puder me arranjar um, eu fico agradecido. Tá tudo muito difícil, doutor. O mais fácil seria roubar, como faz a galera, mas eu não quero isso pra mim. Eu quero mesmo é trabalhar.

Eu, lamentando, disse a ele que não tinha como lhe arrumar um emprego, ao que ele respondeu, sem mudar o tom e sem perder o sorriso, que não tinha problema, e que eu não me preocupasse com dinheiro, pois sabia que um dia a gente se encontraria e, nessa ocasião, eu daria a ele o que entendesse devesse dar. Não pediu mais nada. Seguiu o seu caminho e eu, segui o meu.

Ele partiu quando o fim de tarde ia chegando, para tentar vender  queijo assado na brasa. Seguiu com o depósito sob o braço esquerdo, e o fogareiro rodando com a mão direita, para atiçar o fogo. E sumiu da minha vista.

Chagas, para mim, é um ser naturalmente bom. As dificuldades da vida, o mundo, enfim, não o corrompeu, e quiçá não o corromperá jamais. Pena que eu não possa ajudar Chagas a conseguir um emprego. Fico te devendo essa, Chagas! Mas o mundo dá muitas voltas. Nós vamos nos encontrar novamente, em outra situação. E quando isso acontecer, quero, mais uma vez, agradecer-te e dizer-te que, mesmo as pessoas naturalmente boas como você, nesse mundo de pura competição e de ambição desmedida, podem ter que levar a vida desempenhando uma atividade menor, por falta de oportunidades. Mas o importante mesmo, em tudo aquilo que fazemos, é ter dignidade, fazer com dignidade; e dignidade você tem de sobra, pouco importando o tipo de trabalho que faça.

É desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

blog: www.joseluizalmeida.com

Juiz critica périplo de Barbosa

POR FREDERICO VASCONCELOS

30/01/14  07:39

Sob o título “Por trás dos holofotes“, o artigo a seguir é de autoria do juiz Fernando Ganem, que exerce a presidência da Associação dos Magistrados do Paraná até sexta-feira (31/1), quando haverá troca de comando na entidade.

A imprensa destacou nesta última semana o fato de o Presidente do Supremo Tribunal Federal ter saído de férias sem ter assinado o mandado de prisão de João Paulo Cunha, condenado do mensalão.

Não fosse esse fato, ainda ele teria suspendido as férias para viajar a Paris e Londres, aonde proferiria palestras, recebendo diárias de aproximadamente catorze mil reais.

Evidentemente que isso aborreceu outros ministros da Corte, os quais afirmaram que o seu Presidente também poderia ter interrompido as férias para assinar o mandado que lhe competia.

O mandado de prisão é uma simples folha de papel, digitada por funcionário do Judiciário, onde o magistrado lança a sua assinatura, determinando seja ele cumprido.

Não é um instrumento de difícil confecção, nem de complexidade tal a demandar tanto tempo a impedir o gozo das férias de quem assina.

Juízes de primeiro grau, em sua grande maioria, estão obrigados a cumprir plantão cível e criminal em sua jurisdição, e, em casos de repercussão, estão sempre alertas, saindo efetivamente de férias após vencidas as pendências existentes em sua vara ou juízo.

O Presidente do Supremo deveria fazer o mesmo: férias somente depois de assinados os mandados de prisão e iniciada a execução do julgado.

Mas não o fez. Preferiu tirar uns dias de descanso e, depois, viajou ao exterior para proferir palestras, ganhando diárias, sem contar o valor que teria cobrado por cada palestra, como é de praxe acontecer.

Nada contra a percepção de diárias, nem de cachê em palestras, aliás, entendo seja direito de qualquer pessoa que trabalha.

Porém, causa estranheza as circunstâncias em que isso ocorre, sendo o protagonista o Presidente do STF e do CNJ, justamente aquele que sob os holofotes defende a ética e a moralidade, formulando nervosos discursos contra benefícios (inclusive alguns que ele próprio recebeu como ex-integrante do Ministério Público) e vantagens específicas de magistrados, como no caso do direito a sessenta dias de férias, da percepção de auxílios alimentação e saúde.

Se fosse um juiz de primeiro grau que tivesse ido ao exterior proferir palestras mediante paga, e recebendo diárias, esquecendo-se de assinar um mandado de prisão em processo clamoroso sob seu jugo, com certeza o tratamento seria outro, principalmente se isso fosse comunicado ao CNJ, quando então o colega correria o risco de, sob o beneplácito do próprio Presidente do Supremo, ser exposto à mídia, e, com o pescoço à prova, passar toda espécie de dissabores e constrangimentos perante a sua família, seus pares, seus subordinados, e o que é pior, seus jurisdicionados; isso sem contar na desestabilização de sua autoridade e credibilidade, algo que só um tempo muito grande é capaz de apagar.

Justa é a polêmica gerada sobre o ministro Presidente da Suprema Corte e do Conselho Nacional de Justiça, este último o maior órgão censor da justiça brasileira, guardião da ética, da moralidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário.

Afinal de contas, ninguém está acima da lei, nem de qualquer suspeita, mas é preciso que a pessoa pública, vitrine que é, seja atrás dos holofotes justamente aquilo que prega sob eles.

Ainda a Lei Anticorrupção

Como todo brasileiro, estou todo prosa com a vigência da Lei Anticorrupção. Todos esperamos que, sobretudo em face da multa dissuasória, que chega a 60 milhões de reais, e da inserção da responsabilidade objetiva, consigamos das um basta nessa promiscuidade entre o público e o privado.

Importa anotar, nessa expectativa, que esta é a primeira lei brasileira direcionada à punição de empresas, muitas das quais são exatamente aquelas que fazem doações de campanhas, onde está a gênese da promiscuidade que fiz referência acima, afinal, tenho dito, ninguém faz doação pelos belos olhos do candidato ou em face de uma ideologia; há sempre, por trás, o claro objetivo de, de alguma forma, tirar proveito da res publica, que, no Brasil, tem servido muito mais aos interesses privados, como é da sabença geral.

A lei foi inspirada em congêneres do mundo civilizado, onde o combate à corrupção é um objetivo a ser alcançado, daí, ademais, as alvíssaras que decorrem do estabelecimento da chamada responsabilidade objetiva, a que me reportei acima, da qual dimana inegável reforço no combate a essa chaga chamada corrupção.

A responsabilidade objetiva decerto que estimulará a que os mecanismos de controles internos das empresas se esmerem ainda mais no sentido de evitar o seu envolvimento com a prática de atos de corrupção, vez que, pela novel legislação, pouco importa, por exemplo, se os diretores de determinada empresa  tenham ou não autorizado o comportamento ilícito, bastando, tão somente, que resulte provado que a pessoa jurídica tirou proveito da ilicitude.

Outro aspecto que deve ser registrado, a desestimular a prática de ilicitudes, é que a empresa envolvida em ilicitudes, além de ser compelida a ressarcir os cofres públicos, deverá ser incluída no Cadastro Nacional de Empresas Punidas.

O bicho vai pegar mesmo é quando as empresas punidas resolverem – e decerto o farão –  recorrer ao Judiciário para rediscutir eventuais punições e os efeitos dela, como, por exemplo, o registro do seu nome no chamado Cadastro Nacional de Empresas Punidas. Aí, meu amigo, tudo pode ficar como dantes. Vai ser um guerra de liminares e uma demora tão grande, que, não tenho dúvidas, as punições poderão se tornar letra morta.

De qualquer sorte, já não era sem tempo. O Brasil precisava de uma lei como essa. Só a perspectiva de punição pode ter o efeito desestimular a prática de ilicitudes.

O que se espera, agora, que as instâncias persecutórias, quando provocadas, ajam com eficiência no combate a essas práticas que tanto mal têm feito a todos.

Vamos ver!

É, sem dúvidas, um avanço.

Lei de combate à Corrupção

ACORDO DE LENIÊNCIA

Inicio essas reflexões narrando um fato pitoresco, a propósito de sigilo.

Pois bem. Eu era juiz em Presidente Dutra, quando recebi, vindo do Tribunal de Justiça,  uma pasta, com as fotografias e o histórico de vários candidatos ao concurso para ingresso na magistratura, com o carimbo de confidencial.

A pasta vinha acompanhada de um ofício, onde o Tribunal pedia que eu informasse se, dentre os candidatos, havia algum cuja conduta não fosse compatível com o exercício do cargo de Juiz de Direito.

Sonhador, vi naquele pleito uma mudança de direção. Resolvi, por isso, prestar as informações solicitadas, cuidando, pois, de denunciar alguns candidatos que conhecia e que sabia não ter condições morais de ingressar nos nossos quadros.

Resultado: poucas dias depois todos os que denunciei foram informados da minha denúncia; e as informações saíram de dentro do Tribunal. Ganhei vários inimigos, alguns dos quais até hoje não me perdoaram.

Prometi a mim mesmo que jamais entraria numa canoa furada dessas.

Conto essa história apenas para dizer que nós não temos o hábito do sigilo nas instâncias públicas. Tudo vaza; nada se mantém no anonimato, daí o receio que tenho de que o chamado Acordo de Leniência, previsto na Lei de Combate à Corrupção não pegue, anda que seja um dos aspectos mais relevantes da nova lei, em face das dificuldades que se tem para esclarecer crimes desse jaez.

Ainda assim, estou, como todos estamos,  ávido para ver os efeitos da Lei de Combate à Corrupção (Lei 12.846/2013), para moralizar as práticas deletérias de promiscuidade entre o público e o privado.

A corrupção, definitivamente, é uma doença contagiosa, de efeitos danosos para o conjunto da sociedade, pois com ela se esvai o dinheiro da saúde e da educação, para ficar apenas em dois exemplos.

Sistema penitenciário

Regime semiaberto praticamente não existe no Brasil

quarta-feira, 29/1/2014

Casas do albergado deveriam ser estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena em regime aberto, assim como penitenciárias deveriam ser estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena em regime fechado. Na prática, porém, esses estabelecimentos também abrigam detentos condenados ao regime semiaberto.

Pesquisa realizada por Migalhas evidencia que o regime semiaberto descrito no CP está longe de ser realidade em muitos Estados brasileiros. Veja a tabela abaixo.

Em 11 capitais, os apenados ficam reclusos exclusivamente em colônias agrícolas, industriais ou similares (institutos penais ou albergues), conforme prevê o CP e a lei de execução penal (7.210/84). São elas: Rio Branco/AC, Salvador/BA, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Recife/PE, Teresina/PI, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Porto velho/RO, Porto Alegre/RS e Palmas/TO.

Nas demais, a ausência de estabelecimentos prisionais desse tipo ou a falta de vagas nesses lugares fazem com que os detentos cumpram suas penas em penitenciárias comuns, casas do albergado, em prisão domiciliar ou até mesmo livres, com uso de tornozeleira eletrônica ou mediante comprovação de trabalho.

UF

Capital

Dorme e passa o dia em colônia agrícola, industrial ou similar

Trabalha durante o dia e dorme em colônia agrícola, industrial ou similar

Dorme e passa o dia em penitenciária

Dorme em penitenciária e sai para trabalhar durante o dia

Fica em prisão domiciliar

Fica livre, mas com tornozeleira eletrônica

Fica livre mediante comprovação de emprego

AC

Rio Branco

X

X

AL

Maceió

X

AM

Manaus

X

X

AP

Macapá

X

X

X

X

BA

Salvador

X

X

CE

Fortaleza

X

X

DF

Brasília

X

X

ES

Vitória*

GO

Goiânia

X

X

MA

São Luís

X

X

X

X

MG

Belo Horizonte

X

X

MS

Campo Grande

X

X

MT

Cuiabá

X

PA

Belém

X

X

X

X

X

PB

João Pessoa

X

X

PE

Recife

X

X

PI

Teresina

X

X

PR

Curitiba

X

X

RJ

Rio de Janeiro

X

X

RN

Natal

X

X

RO

Porto Velho

X

X

X

RR

Boa Vista

X

X

RS

Porto Alegre

X

X

SE

Aracaju

X

X

X

SC

Florianópolis

X

X

SP

São Paulo

X

X

TO

Palmas

X

X

 

Informações válidas para detentos homens.

*Dados não informados.

Penitenciárias

Manaus/AM, Fortaleza/CE, Brasília/DF, Belo Horizonte/MG, João Pessoa/PB, Boa Vista/RR, Florianópolis/SC e São Paulo/SP abrigam seus detentos do semiaberto em alas específicas para esse tipo de regime em penitenciárias comuns.

Na capital paulista, os Centros de Ressocialização são unidades mistas para presos em regime fechado e semiaberto de baixa periculosidade e os Centros de Progressão Penitenciárias “amparam” presos em regime semiaberto. A população carcerária do Estado de SP triplicou em 16 anos, alcançando 180 mil detentos em 2011. Isso equivale a 40% da população do sistema penitenciário do país.

Algumas penitenciárias possuem estrutura para que os presos trabalhem intramuros, como o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II, em Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza, e o Centro de Internamento e Reeducação, no DF.

No caso daquelas que não têm áreas destinadas ao trabalho, os apenados que não trabalham fora acabam cumprindo sua pena em regime fechado, uma vez que o que diferencia o semiaberto do fechado é o “trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar” ou o “trabalho externo” ou ainda a “frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior”, nos termos do CP.

Prisão domiciliar

Em Maceió/AL, Belém/PA e Aracaju/SE, a prisão domiciliar pode substituir o cumprimento da pena em colônia agrícola, industrial ou similar.

No AL, não existe unidade prisional de semiaberto, por isso, os juízes deferem prisão domiciliar aos condenados em semiaberto.

Já na região metropolitana de Belém existe uma colônia agrícola no município de Santa Isabel para os detentos que não trabalham fora. Por sua vez, os apenados que trabalham ou estudam fora se recolhem à noite e nos finais de semana no Centro de Progressão Penitenciária de Belém. Não havendo vagas em ambos os lugares, os juízes tendem a concluir que o sentenciado não pode ser onerado pelo Estado, motivo pelo qual deve cumprir a pena em casa.

Na região metropolitana de Aracaju também existe um estabelecimento prisional em Areia Branca para cumprimento de pena em regime semiaberto, mas o juiz de Direito Helio de Figueiredo Mesquita Neto, da 7ª vara Criminal de Aracaju/SE, interditou parcialmente o local em 30/8/13 devido às condições degradantes a que os presos são submetidos.

Em ruína, o prédio, a toda evidência, não possui condição sanitária mínima para o acolhimento de seres humanos e por lá são sonegadas dos internos correta assistência material, à saúde, educacional e social“, afirmou o magistrado na decisão. E acrescentou: “nunca identifiquei no estabelecimento penal algo que lhe aproxime de uma colônia agrícola, industrial ou similar“. (Processo: 201220700338)

Tornozeleira e “liberdade”

Apenas Porto Velho/RO “libera” o preso e determina o uso de tornozeleira eletrônica no caso de falta de vagas na colônia agrícola da cidade.

Quanto à possibilidade de o detento ficar livre mediante comprovação de trabalho, essa situação é observada somente em Cuiabá/MT. O apenado tem o prazo de sete dias para conseguir um emprego e, dessa maneira, recolher-se em sua residência para o repouso das 19h às 6h do dia seguinte. Expirado o prazo, o condenado deve se dirigir à casa do albergado, também das 19h às 6h.

Para se recolher em casa no período da noite, o apenado não pode frequentar lugares inapropriados (casa de prostituição, casa de jogos, bocas de fumo ou lugares similares; portar armas, nem brancas (faca, canivete, estilete etc.) nem de fogo (revólver, espingarda, explosivos etc.); ingerir bebida alcoólica ou fazer uso de qualquer espécie de substancia entorpecente; e se ausentar da comarca por mais de três dias sem autorização do juízo da vara de Execução Penal.

O apenado tem a obrigação de comprovar sua ocupação no prazo de 30 dias e comparecer mensalmente no juízo para assinar termo, justificar suas atividades e comprovar o seu endereço.

Violência

As torturas mais bestiais de que tive notícia não foram praticadas por carcereiros, mas pelos próprios presos contra os que caíram em desgraça, na maioria das vezes por motivos fúteis, vingança ou mera disputa de poder. A perversidade no mundo do crime não conhece limites“. A frase é do médico Drauzio Varella, autor dos livros “Estação Carandiru” e “Carcereiros”. Ele, que foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) por 13 anos e hoje atende na Penitenciária Feminina da Capital, já constatava a violência nos presídios brasileiros desde antes de 2002, quando o Carandiru foi implodido.

Drauzio Varella tem outras frases como “o vírus da violência contamina o ambiente prisional” e “cadeia é um lugar povoado de maldade“, ambas refletindo que o sistema prisional brasileiro é um sistema falido.

Nada que os brasileiros não saibam. Em dezembro do ano passado, o juiz auxiliar da presidência do CNJ Douglas de Melo Martins elaborou relatório sobre a situação desumana do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís/MA. O juiz apontou que, pelo menos, 60 presos morreram no estabelecimento prisional em 2013. A principal causa da violência é a disputa de poder entre presos oriundos do interior e os da capital, divididos em facções.

Martins também destacou a ocorrência de abuso sexual contra mulheres que visitam presidiários no local e apontou indícios de atos de tortura que teriam sido praticados por agentes públicos contra presos.

Neste mês, o jornal Folha de S.Paulo publicou vídeo gravado por presidiários mostrando três homens que foram decapitados dentro do complexo.

O juiz Roberto de Paula, da 1ª vara de Execuções Penais de São Luís, relata que os presídios no Maranhão são “depósitos de presos” e que a política de ressocialização é praticamente nula. Segundo ele, “os presos são tratados como objetos” no Estado.

O magistrado conta que, em São Luís, tanto a Unidade Prisional de Ressocialização do Monte Castelo quanto o Complexo Penitenciário de Pedrinhas amparam detentos do semiaberto. Em Monte Castelo ficam os apenados com trabalho externo e, em Pedrinhas, os que não trabalham fora. Mas os dois estabelecimentos estão superlotados, informa Roberto de Paula.

Mensalão

No julgamento da AP 470, o processo do mensalão, José Genoino, Delúbio Soares, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry, Bispo Rodrigues, Romeu Queiroz, Roberto Jefferson, João Cláudio Genu, Breno Fischberg, Enivaldo Quadrado e Jacinto Lamas foram condenados ao regime semiaberto.

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares está trabalhando na CUT – Central Única dos Trabalhadores; o ex-deputado Pedro Henry foi autorizado a trabalhar no Hospital Santa Rosa, em Cuiabá/MT; o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas foi admitido como assistente administrativo em uma empresa de engenharia em Brasília; o ex-deputado Romeu Queiroz já começou a trabalhar em sua própria empresa, a RQ Participações; e o ex-deputado Bispo Rodrigues também vai trabalhar fora, mas ainda não se sabe onde.

O ex-deputado Valdemar Costa Neto ainda não apresentou pedido de trabalho externo e o ex-presidente do PT José Genoino está em prisão domiciliar em razão de problemas de saúde.

O presidente do PDT, Roberto Jefferson, e o ex-assessor do PP João Cláudio Genu ainda não estão cumprindo suas penas.

Em relação aos sócios da corretora Bônus Banval Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado, eles terão que prestar serviços à comunidade.