STJ decide

Quinta Turma mantém prisão de José Rainha
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de liberdade feito por José Rainha Juniur e Claudemir da Silva Novais. Eles foram presos por serem suspeitos de integrar organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o meio ambiente, de peculato, apropriação indébita e extorsão. 

Investigações da Polícia Federal apontam que José Rainha, que ficou famoso como líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), seria o chefe de organização criminosa que atuava na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Há indícios de desvio de dinheiro público, com a participação de servidores do Incra. Também há suspeita de coação de testemunha mediante grave ameaça, supostamente praticada por Antônio Carlos dos Santos, a mando de José Rainha. 

Em habeas corpus impetrado no STJ, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que negou pedido de liberdade, a defesa alegou falta de fundamentação e motivação válidas que justificassem a prisão cautelar. Sustentou também que não houve a necessária individualização da conduta atribuída a cada um dos presos e que a restrição de liberdade viola o princípio constitucional da presunção de inocência. 

O relator, ministro Gilson Dipp(foto), considerou correto o acórdão do TRF3 que manteve o decreto de prisão preventiva dos acusados. Para Dipp, o acórdão deixou entrever estar devidamente demonstrado que eles fazem parte de organização criminosa altamente organizada para a prática dos delitos descritos, o que justifica a prisão cautelar como garantia da ordem pública, principalmente considerando o modo de atuação da quadrilha. 

Dipp também considerou necessária a prisão para garantia da instrução criminal, tendo em vista a ameaça sofrida por testemunha. A alegação de que essa ameaça não teria ocorrido não foi analisada pelo STJ porque demandava o reexame de provas, o que é proibido pela Súmula 7. 

Inquérito

Segundo o inquérito policial, para conseguir consumar o desvio de verbas públicas, a organização criava novos assentamentos de sem-terras e mantinha controle de outros já existentes, além de criar associações, cooperativas e institutos administrados por integrantes do grupo. 

Com essa estrutura montada, recursos do Incra eram enviados para o desenvolvimento de projetos sociais em favor da comunidade. Esse dinheiro era creditado nas contas bancárias das entidades administradas pela organização. Ainda segundo o inquérito, quando o grupo de José Rainha perdia o controle de determinado assentamento, essa comunidade deixava de receber recursos públicos. 

O grupo também é acusado de negociar madeira, como eucalipto e pinus, de árvores plantadas em área de preservação permanente, e de comercializar cestas básicas enviadas pelo governo federal às famílias de assentados. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

De acordo, senhora Corregedora

Prioridade da Corregedoria é investigar patrimônio de juízes

 A discussão sobre a competência subsidiária ou não da Corregedoria Nacional de Justiça para investigar magistrados “está superada”, já que a questão se encontra sob apreciação pelo STF, de acordo com a ministra Eliana Calmon, corregedora Nacional de Justiça.

 Agora, segundo ela, o grande debate deve ser sobre a possibilidade de investigação de sentenças e da evolução patrimonial de magistrados suspeitos de práticas ilícitas no exercício da profissão. A declaração foi feita ontem em palestra no IV Congresso Brasileiro de Controle Público, que está sendo realizado em Aracaju/SE.

 “A investigação patrimonial vai dar panos pras mangas”, afirmou. A Corregedoria Nacional, com a ajuda de outros órgãos, está investigando a evolução patrimonial de 62 magistrados suspeitos. As sentenças também devem ser motivo de investigação, quando houver indícios de má conduta do magistrado. “Onde é que o magistrado comete improbidade? É na decisão judicial”, explicou. No caso decisão descabida, ela defende a interferência do órgão de controle.

 “Esses são os dois grandes debates que vamos esperar para os próximos meses”, disse. Segundo a corregedora, “uma pequena parcela” da magistratura nacional, representada pelas associações de classe, resiste às mudanças e à transparência exigida pela sociedade atual do Poder Judiciário. São os mesmos que, durante a elaboração da Constituição de 1988, defenderam a manutenção das prerrogativas dos magistrados e se opuseram à criação do CNJ.

 Novo Judiciário

 A ministra ressaltou, no entanto, que a maioria dos magistrados quer um novo Judiciário, que não se contente em prolatar sentenças “Fico comovida com jovens juízes que querem fazer desta uma nação maior”, afirmou. Eliana Calmon argumentou que a Constituição de 1988 ampliou as competências dos magistrados, que agora precisam ter uma visão mais ampla para interferir em políticas públicas e decidir demandas de massa.

 Antes, explicou, o Judiciário tinha a cultura de repassar a responsabilidade para os outros Poderes: se a lei era ruim era por culpa do Legislativo; se outra coisa não dava certo, a culpa era do Executivo, nunca do juiz já que sua missão era unicamente proferir decisões nos processos. Ao enfatizar que a Justiça moderna exige do magistrado responsabilidade social por suas decisões, ela citou como exemplo os presídios, onde o juiz manda prender, mas quem manda é o carcereiro, o diretor da penitenciária ou o secretário de Justiça.

 De acordo com a corregedora, a criação do CNJ foi um primeiro passo para a modernização do Judiciário, que começou a trabalhar com projetos, com gestão e planejamento. Com o CNJ, foi possível saber o custo, o tamanho e identificar os principais gargalos do Poder Judiciário.

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Do Migalhas Jurídicas

ISSN 1983-392X


Corregedorias e o magistrado de 1º grau

PREVENÇÃO E PUNIÇÃO
“Juiz deve ser fonte de liberdade, não de autoridade”
Por Marina Ito

O Judiciário não é lugar de fazer amigos; é lugar de trabalhar, aplicar a lei e fazer Justiça. À frente da corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, o desembargador André Fontes conta que é possível atuar como corregedor em relação ao juiz de primeiro grau do mesmo modo que o juiz deve lidar com o jurisdicionado. Ao invés de o juiz ser fonte de autoridade, deve ser fonte de liberdade.

Em entrevista concedida para o Anuário da Justiça Federal à revista Consultor Jurídico, Fontes dividiu os juízes em três classes: Os que passam pela magistratura sem que haja uma reclamação contra eles; os que sempre estão na corregedoria por algum motivo, muitas vezes, fruto de mal entendido; e os que têm problemas nas varas. A maioria, segundo o corregedor, enquadra-se no primeiro grupo. No segundo, normalmente, os casos são resolvidos com um telefonema e o terceiro, minoria, necessita de acompanhamento.

Utilizando-se da experiência que acumulou, o corregedor diz que, primeiro, procura saber o que está acontecendo. “Grande parte dos problemas enfrentados é resolvido com uma pergunta ao telefone. Nós abolimos o sistema de tudo ser processado”. Fontes conta que ele mesmo já teve de se explicar ao Conselho Nacional de Justiça. Um advogado entrou com uma reclamação, dizendo que Fontes estava com um processo há 10 anos, ação esta que foi julgada seis meses depois de o desembargador ter recebido, por distribuição, o recurso. “Eu sequer tinha 10 anos de Tribunal naquela época.”

O CNJ, continua Fontes, não se satisfez com a resposta e quis saber do desempenho do desembargador desde que passou a integrar o tribunal. “O que eu tento, na corregedoria, é evitar esse tipo de problema, ou seja, pressupor que uma situação isolada represente a regra. A pergunta que deveria ter sido feita é porque eu levei seis meses para julgar um processo que há tantos anos estava parado com outro magistrado.”

Mas se engana quem pensa que o imbróglio com o CNJ fez André Fontes se virar contra o órgão. Para ele, o CNJ avoca processos por conta da omissão dos tribunais de origem. “O conselho surgiu por uma necessidade e por uma experiência. A necessidade é de um órgão que faça as funções subsidiárias dos Tribunais e a experiência por causa dos números. Raramente, os Tribunais puniam situações em que a censura era necessária. O CNJ faz o que é preciso”, diz, sem hesitar.

Fontes também é incisivo quando o assunto é o sigilo do julgamento de procedimentos contra juízes. “O julgamento fechado leva à ideia de que, se precisou ser sigiloso, é porque, de fato, há algo tão grave a esconder que não possibilitaria que todos tomassem conhecimento.” Nem sempre, conta, é assim. Julgamentos fechados podem levar a distorções, além, claro, de impossibilitar o controle da sociedade.

A Justiça Federal da 2ª Região conta com cerca de 230 juízes. À corregedoria cabe analisar as questões dos juízes federais e não do Tribunal, que fica a cargo da Corregedoria Nacional, especificamente, do Conselho da Justiça Federal. 

“Quando eu vim para o tribunal, o que prevaleceu foi a minha experiência acadêmica, o fato de eu ser professor foi decisivo. Mas, para ser corregedor, prevaleceu a minha experiência de vida: minhas frustrações, meus embates, minhas dificuldades, as reações inoportunas que eu tive”, avalia. Fontes chegou ao TRF-2 pelo quinto constitucional do Ministério Público. Advogou por seis anos, até se tornar procurador do município do Rio de Janeiro. Em 1989, entrou para o MPF e lá ficou por 12 anos, até ser indicado ao tribunal. Tem mestrado e doutorado em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Leia a entrevista no Consultor Jurídico

Nota da AMB

O Presidente da AMB, Nelson Calandra, divulgou nota, neste sábado (26), para manifestar estranheza às declarações da Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, sobre as férias de 60 dias da Magistratura.

“A AMB discorda mais uma vez das declarações da Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, com relação às férias de 60 dias da Magistratura, até porque ela, ao longo de sua trajetória, jamais deixou de usufruir dos dois períodos, e, somente agora, prega a redução desse benefício para aqueles que vão ficar na carreira”, reagiu Calandra, ao reafirmar que a Associação lutará, bravamente, para manter a conquista em função da natureza do trabalho dos Juízes.

Segundo o Presidente da AMB, por conta dessa alta carga processual, 60 dias são uma questão de saúde ocupacional, como forma até de evitar aposentadorias por invalidez e perdas precoces de vidas em razão do esgotamento físico. “Os Juízes brasileiros estão adoecendo nas atuais condições. O CNJ precisa se preocupar com a saúde e a segurança dos Magistrados, que, muitas vezes, são ameaçados e até mortos por conta de suas decisões”.

Leia abaixo a nota na íntegra:

A AMB discorda mais uma vez das declarações da Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, com relação às férias de 60 dias da Magistratura, até porque ela, ao longo de sua trajetória, jamais deixou de usufruir os dois períodos, e, somente agora, prega a redução desse benefício para aqueles que vão ficar na carreira.

Em nome de toda a Magistratura, reafirmamos que lutaremos, bravamente, em todas as instâncias para manter essa importante conquista dos Juízes brasileiros em função da natureza de seu trabalho.

Juízes trabalham em condições e instalações precárias, com falta de pessoal, sem reposição salarial há mais de três anos e ainda são ameaçados de morte pelo crime organizado e por grandes interesses que se veem contrariados.

Afirmar e comparar o trabalho e benefícios dos Magistrados com os de outros trabalhadores é desconhecer a natureza especial do trabalho judicante. Por conta dessa alta carga processual, 60 dias são uma questão de saúde ocupacional, como forma até de evitar aposentadorias por invalidez e perdas precoces de vidas em razão do esgotamento físico.

Os 60 dias de férias dos Juízes, Desembargadores e Ministros são necessários e legais. Primeiro, porque estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman); segundo, porque Juízes não têm hora para começar e terminar o trabalho; sua jornada de trabalho é superior a 60 horas semanais; frequentemente, dão plantões forenses, quando julgam ações de urgência sobre prisões em flagrante e pedidos cíveis; trabalham durante os finais de semana e feriados, sem qualquer compensação financeira; na maioria das vezes, suas férias são dedicadas a colocar o trabalho em dia, de forma mais ágil já que, nesse período, não tem que fazer atendimento público nem audiências.

Ao contrário dos Juízes, os trabalhadores de outras áreas, que também têm seus direitos e reivindicações justas e específicas, não são, frequentemente, ameaçados nem correm risco de morte por tomar decisões que, muitas vezes, enfrentam o crime organizado e grandes interesses que não admitem ser contrariados. A AMB não abrirá mão de seu compromisso com a classe e gostaria de ver o CNJ se preocupando também com a saúde e a segurança dos Magistrados.

Nelson Calandra

Presidente da AMB

Provão para juízes

AULA MAGNA

Barroso sugere criação de exame para magistratura

Por Rogério Barbosa

Em uma das palestras mais fortes de toda a XXI Conferência Nacional dos Advogados, um dos mais importantes constitucionalistas do país, Luís Roberto Barroso, sugeriu — sob aplausos — a criação de um exame nacional para ingresso na magistratura. Uma espécie de provão, como ele mesmo definiu, que habilitasse candidatos a juízes a participar dos concursos. Além disso, durante a Conferência Magna de Encerramento nesta quarta-feira (24/11), Barroso defendeu questões polêmicas como o aborto, plebiscito para escolha de sistema de governo e mudanças significativas na Lei Seca.

Para o constitucionalista, entre as medidas a serem adotadas com relação à correção pessoal e proficiência do magistrado, estaria a implantação de um exame nacional para ingresso na magistratura, que habilitaria candidatos a prestarem concursos para juiz, realizados por tribunais estaduais e regionais. Seria uma espécie de seleção prévia “que minimizaria os riscos de manipulação e favorecimento por oligarquias judiciárias locais, riscos que, infelizmente, não são imaginários”, disse.

Outro ponto a ser revisto, de acordo com o Barroso, é o aprimoramento do sistema de repercussão 

Lei mais no Consultor Jurídico

Sistema carcerário na berlinda

Professor questiona sistema carcerário em encontro do CNJ

25/11/2011 – 14h54

O professor e especialista em Direito criminal Luiz Flavio Gomes questionou a racionalidade do encarceramento no Brasil durante palestra realizada na manhã desta sexta-feira (25/11) no Encontro Nacional de Execução Penal, que está sendo promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Vitória/ES. “É de se questionar porque deixamos as pessoas irem para a prisão, em primeiro lugar. Também é questionável pagar-se uma média nacional de R$ 1,5 mil mensal para se manter um preso em um local onde ele é treinado para o crime”, afirmou.

De acordo com Gomes, que foi responsável pela palestra intitulada “Bomba-relógio com tragédia anunciada” a prisão seria um fracasso enquanto projeto de ressocialização de seres humanos, apesar das exceções. Paradoxalmente, no entanto, o sistema carcerário também seria um sucesso porque dá à sociedade a impressão reconfortante de que abriga todos os criminosos do país. “Segundo (o pensador francês) Michel Foucault, dessa forma, todos os demais abusos e ilegalidades são varridos para debaixo do tapete”, enfatizou.    

Navio Negreiro – O supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF/CJN) do CNJ, conselheiro Fernando da Costa Tourinho Neto, que fez a introdução da palestra do professor Gomes, comparou o sistema carcerário brasileiro ao “navio negreiro de Castro Alves” ou aos “campos de concentração de Hitler”. 

“Hoje nós temos um meio de embrutecer o cidadão que entra na prisão e aquele homem um dia volta para a rua sem ser socializado, como se fosse um animal, uma besta humana, o que é prejudicial para nós”, disse.

Vila Velha – A última atividade do evento será uma visita ao Complexo Penitenciário de Vila Velha, na tarde desta sexta-feira (25/11). Os participantes visitarão o mais recente complexo prisional do Espírito Santo. A primeira das cinco unidades foi inaugurada em setembro de 2010 e a quinta, em agosto passado. 

O Encontro Nacional de Execução Penal está sendo realizado em paralelo ao III Seminário da Justiça Criminal. O evento, que termina neta sexta-feira, reúne especialistas de todo o país e tem como temas principais as mudanças que a Lei 12.403/2011 – que estabeleceu medidas cautelares alternativas à prisão preventiva –  trouxe para o processo penal, bem como a sua efetividade. Na prática, a Lei 12.403/2011, sancionada em maio deste ano, alterou o Código de Processo Penal (CPP) e ainda provoca debate sobre o uso das medidas cautelares.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

Sistema penal discriminador

O Direito Penal fez uma flagrante e discriminatória opção preferencial pelos pobres – para oprimi-los. Disso todos sabemos. Nessa linha de argumentação posso afirmar, pelo que tenho assistido ao longo de minha carreira, que o Direito Penal fez, também, uma flagrante opção pelos que têm amigos no Poder – para protegê-los. Quem tem amigo no Poder, essa é uma triste realidade, tudo pode.
Em tese, o Direito Penal, deveria ter como destinatários todos os súditos que não sejam inimputáveis. A lei, em tese, deveria se destinar, sem distinção, a todos.
É assim que ensinam os manuais. É nesse sentido a melhor doutrina.
O que aprendi nos manuais dos mais ilustrados doutrinadores é que a lei penal se destina a todas as pessoas que vivem sob a jurisdição do estado brasileiro, estejam no território nacional ou estrangeiro.Não é, contudo, o que se verifica na prática.
No dia a dia o que se tem constatado, aqui e algures, é que a lei penal se destina a uns poucos. A norma penal, essa é a ensinança, tem, em tese, valor absoluto e se dirige a todos, o que não significa, no entanto, que a todos alcance. Esse aspecto foge, infelizmente, do âmbito de atribuição de determinados magistrados.
Os magistrados comprometidos lutam, se esforçam para que a lei alcance a todos. Muitas vezes, por mais que se esforcem, não conseguem. Ainda assim, não devem desanimar. Não se pode, em face de um aparente favorecimento a um meliante do colarinho engomado, libertar, irresponsavelmente, os que estão presos e não têm amigos no poder – mas são perigosos e/ou violentos. O magistrado que tenha compromisso com a comunidade, não pode e não deve deixar de aplicar a sanção penal a um determinado infrator, sob o argumento de que esse ou aquele criminoso do colarinho branco permanece impune, malgrado contumaz agressor da ordem pública.
Devo reafirmar que não desconheço que o sistema penal se vale de uma seleção dos setores mais humildes, para, ao invés de sujeitá-los a um processo de criminalização, submetê-los a um processo de fossilização, erigindo-os à condição de bode expiatório para os excessos do sistema, que os expõe, às vezes, até à violência física, com o beneplácito de alguns responsáveis pela persecução criminal.
Essa, infelizmente, é a realidade nua e crua do nosso sistema penal, na sua função selecionadora dos tipos penais, os quais se destinam às pessoas mais humildes da sociedade, com o que assegura a hegemonia do setor dominante, setor que, é consabido, passa, quase que absolutamente, à ilharga da persecução criminal. Isso é impunidade, pura e simplesmente. E impunidade, todos sabemos, estimula violência.
Há, todos sabemos, um segmento privilegiado da sociedade que fica pairando sobre todos nós, imunes a qualquer ação persecutória, como que reafirmando a capacidade selecionadora e discriminatória da lei penal. Nós outros, responsáveis pela persecução criminal, imaginamos, iludidos, que estamos desempenhando um papel relevante na sociedade, sem nos darmos conta de que somos, em verdade, apenas um instrumento de dominação. Enquanto nos limitamos a enfrentar a pequena criminalidade – e devemos fazê-lo, sob pena de estabelecer-se a anarquia – , os grandes criminosos, aqueles que subtraem as verbas destinadas à saúde, ad exempli, permanecem impunes, acima do bem e do mal. Da mesma sorte, permanecem impunes aqueles que, por sorte, têm amigos no Poder.
É claro que essa discriminação do sistema penal, com os seus tentáculos voltados sempre para os menos favorecidos, para aqueles que não têm a felicidade e ter amigo no Poder, faz sedimentar em nós outros a nítida sensação de que o princípio da isonomia nada mais é que uma falácia, uma quimera, pois que se circunscreve em nossa sociedade apenas e tão somente ao seu aspecto puramente formal.
A Carta Política de 1988 adotou, sabe-se, o principio da igualdade de direito, proclamando, de efeito, que todos os cidadãos têm direito a tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. O legislador constituinte pretendeu, com a inserção do princípio da isonomia, vedar, portanto, as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça
A par dessas considerações, devo grafar que o que me inquieta, como inquieta a muitos, são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, como se vê em relação à clientela do Direito Penal – a grande clientela, da qual não fazem parte os amigos do Poder e os criminosos do colarinho engomado.
É claro que, em face dessa flagrante discriminação, não se pode simplesmente deixar de aplicar uma sanção contida em uma norma incriminadora, apenas e tão somente porque esse ou aquele infrator do colarinho branco, passou ao largo da lei,  e prossegue acintosamente assaltando os cofres públicos. O que se deve fazer é, ao reverso, continuar punindo os pequenos delinquentes, mas agindo com pertinácia, no sentido de punir o criminoso de colarinho branco, numa luta incessante e sem trégua, até que se crie uma cultura punitiva que alcance todo e qualquer delinquente, seja ele egresso da classe dominante ou da classe oprimida, tenha, ou não, amigos no Poder.
O cidadão assiste, estarrecido, muito vezes bem ao lado de sua casa, o enriquecimento de muitos, os quais, pouco tempo depois de ascenderam ao Poder, passam, ostensivamente, a desfilar os seus carrões, como que nos chamando a todos de tolos. Esses malfeitores fazem incutir na sociedade um sentimento deletério de impunidade. Eles, de certa forma, estimulam a prática de crimes, gerando violência. Mas eles agem assim, não tenho dúvidas, porque contam com o beneplácito dos órgãos de persecução criminal.
Os órgãos persecutórios e de fiscalização, que são tão ciosos dos seus deveres em relação ao miserável, precisam sair desse estado de letargia, para alcançar, com pertinácia, a elite criminosa, aquela que, por exemplo, não se sensibiliza quando um pobre morre nos corredores dos hospitais públicos, à falta de leito, por ter surrupiado a verba pública a saúde destinada.
Não se pode conceber, definitivamente, que alguém ascenda hoje ao poder, para, pouco tempo depois, ostentar uma riqueza que não herdara, nos afrontando a todos, desfilando a impunidade sob os nossos olhos – e impunidade, não tenho dúvidas, gera violência.

Habitualidade criminosa

Quem vive do crime não se beneficia com penas unidas

Por Jomar Martins

A habitualidade criminosa impede o reconhecimento da continuidade delitiva, como definido no artigo 71 do Código Penal. Logo, quem faz do crime o seu modo de vida não pode se beneficiar da unificação das penas. Com este entendimento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, desconstituiu sentença que reconheceu continuidade delitiva entre roubos praticados por um réu condenado em Caxias do Sul, na Serra gaúcha. O acórdão é do dia 28 de julho.

O Ministério Público estadual interpôs Agravo em Execução contra a decisão do Juízo das Execuções Criminais de Caxias do Sul, que concedeu o benefício da unificação das penas em razão do reconhecimento da continuidade delitiva em crimes praticados pelo apenado. A continuidade delitiva se dá quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, sob condições homogêneas de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Nestes casos, devem os subsequentes ser considerados como continuação do primeiro crime.

Nas contrarrazões ao Tribunal de Justiça, o defensor público pediu a manutenção da sentença agravada, proferida pela juíza Sonali da Cruz Zluhan. E esta foi mantida em juízo de retratação — em função de novo julgamento do mérito, por força da interposição de recurso. O procurador de Justiça que acompanhou o caso na 7ª Câmara opinou pelo provimento do Agravo.

O relator do recurso, desembargador Sylvio Baptista Neto, viu habitualidade criminosa nos atos praticados pelo apenado — o que, na sua visão, impede o reconhecimento da continuidade delitiva. Por isso, julgou procedente o Agravo, acolhendo as razões do MP.

No arrazoado do voto, Baptista citou alguns entendimentos do Superior Tribunal de Justiça. Um Habeas Corpus da relatoria do ministro Jorge Mussi diz ipsis literis: “Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva — mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução — e subjetiva — unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do artigo 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado…”

Apesar de o tema ser pacificado na jurisprudência, o relator fez questão de registrar no acórdão a penca de crimes atribuída ao apenado: porte ilegal de arma, em 10 de julho de 1999; furto, em 21 de junho de 1999; roubo qualificado, em 16 de dezembro de 2000; roubo qualificado, em 24 de novembro de 2000; roubo qualificado, em 18 de julho de 2005; e lesão corporal e resistência, praticados em 24 de julho de 2003. ‘‘São seis condenações por inúmeros fatos criminosos, cometidos por vários anos’’, frisou. O seu entendimento foi acolhido integralmente pela desembargadora Fabianne Breton Baisch.

O desembargador Carlos Alberto Etcheverry entendeu como correta a sentença da juíza. Na sua visão, a prática de vários roubos majorados — em circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução semelhantes — denota a continuidade dos delitos, que não se confunde com habitualidade criminosa. ‘‘Os dois delitos de roubo majorado foram praticados num lapso temporal inferior a 30 dias, na mesma cidade — um em 24 de novembro e o outro em 16 de dezembro de 2000’’, ponderou.

Clique aqui para ler o acórdão.

Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2011