De quem é a culpa?

EXCESSO DE PRAZO

Réus não são levados a audiência por falta de viatura

Por Eduardo Velozo Fuccia

Em São Paulo, um homem e duas mulheres presos com 14,6 quilos de maconha e corréus de processo por tráfico de drogas foram colocados em liberdade pela Justiça por falta de viatura para levá-los a audiências judiciais.

A falta de transporte por duas oportunidades motivou o advogado William Cláudio Oliveira dos Santos a requerer a liberdade da cliente, R.V.S., sob a alegação de “excesso de prazo” no processo. O promotor Marcelo Perez Locatelli concordou com o pedido.

A juíza Débora Faitarone Pereira, da 1ª Vara Criminal de São Vicente, acatou o requerimento da defesa e, por um princípio de isonomia, os estendeu aos demais acusados: K.M.A.C.C. e N.E.P.C. .

Os acusados foram presos em flagrante por policiais militares, na periferia de São Vicente (litoral paulista), no dia 13 de abril deste ano. R., de 29 anos, dirigia um Fiat Palio e não obedeceu à ordem de parada, fugindo pela contramão. Momentos depois, os patrulheiros interceptaram o carro e o vistoriaram.

K., de 33 anos; N., de 18, e uma adolescente, de apenas 14, namorada de K., eram passageiros do carro. No banco traseiro, os policiais acharam uma mochila com 29 tabletes de maconha, totalizando 14,6 quilos. Os acusados teriam buscado o entorpecente em São Paulo.

As audiências 
A juíza marcou para 12 de setembro a audiência de instrução, interrogatório, debates e julgamento. Porém, o ato processual não ocorreu porque R. e N. não foram levadas da penitenciária onde estão, na capital, ao Fórum de São Vicente. A ausência de viatura foi o motivo alegado.

Redesignada para 7 de novembro, a audiência novamente não aconteceu pelo mesmo motivo, justificado por meio de telefonema da secretaria da penitenciária ao Fórum. Mais uma vez, ela teve que marcar outra data para o ato processual, desta vez agendado para 19 de dezembro.

Porém, dois adiamentos por circunstâncias alheias à sua vontade motivaram William Cláudio a requerer a liberdade da cliente. “Em momento algum, a defesa colaborou com o flagrante excesso de prazo. Portanto, o Estado é o único e exclusivo responsável pela não realização das audiências”, justificou.

Para embasar ainda mais o seu pedido, o advogado fez a seguinte projeção: “Neste contexto, a requerente estará presa há 246 dias até a realização da audiência de 19 de dezembro de 2011. Inexplicável que o Estado de São Paulo não possua viaturas suficientes para transportá-la”.

“Realmente, a acusada R.V.S. não deu causa ao atraso no trâmite do feito (…), razão pela qual concordo com o relaxamento de sua prisão”, opinou o promotor. Além de acolher o pedido da defesa, a juíza o ampliou aos demais réus por se encontrarem em situação idêntica.

“De fato, ocorreu excesso de prazo para o qual não deu causa a ré R., razão pela qual defiro o pedido de relaxamento, que estendo aos demais acusados. Expeçam-se alvarás de soltura”, fundamentou a juíza. Uma vez soltos, na hipótese de condenação, os réus podem apelar em liberdade.

Eduardo Velozo Fuccia jornalista de Santos (São Paulo).

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2011

STJ decide

Cancelamento de plano de saúde por inadimplência não exige ação judicial
Operadoras de planos de saúde não precisam ingressar com ação judicial para cancelar contratos de consumidores que estejam com mensalidades em atraso há mais de dois meses. Os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenderam que basta a notificação da empresa aos inadimplentes, com antecedência, para ela poder rescindir o contrato. 
O caso julgado foi de uma consumidora de São Paulo que havia entrado com ação contra a Unimed Araçatuba Cooperativa de Trabalho Médico. Ela pretendia anular a rescisão unilateral do seu contrato, determinada pela operadora sob o argumento de falta de pagamento. 

Na sentença, o pedido havia sido negado, ao fundamento de que a consumidora confessou a inadimplência superior a 60 dias. E, ainda mais relevante, foi notificada previamente sobre a rescisão por inadimplência, conforme determina o artigo 13 da Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde. 
Ao julgar a apelação da consumidora contra a sentença, o Tribunal de Justiça de São Paulo restabeleceu o contrato do plano de saúde, considerando que a notificação não bastaria, sendo necessária a propositura de ação na Justiça. Inconformada, a operadora entrou com recurso no STJ. O relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, afirmou que, ao considerar imprescindível a propositura de ação para rescindir o contrato, o tribunal paulista criou exigência não prevista em lei. 
Em seu artigo 13, parágrafo único, inciso II, a Lei 9.656 proíbe a suspensão ou rescisão unilateral do plano, “salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência”. 
Antonio Carlos Ferreira ressaltou que “a lei é clara ao permitir a rescisão unilateral do contrato por parte da operadora do plano de saúde, desde que fique comprovado o atraso superior a 60 dias e que seja feita a notificação do consumidor”. 
O colegiado acompanhou de forma unânime o voto do relator, para restabelecer a sentença de primeira instância, que havia considerado válido o cancelamento do plano. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ

Em defesa das novas medidas cautelares

O professor Eugênio Pacelli defendeu nesta quinta-feira (24/11) o advento das novas medidas cautelares no Código de Processo Penal. Criadas em maio passado pela Lei 12.403/2011, as medidas cautelares são restrições de direitos que os magistrados hoje podem aplicar a pessoas que estão sendo processadas.

Na palestra inaugural do III Seminário de Justiça Criminal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Vitória (ES), Pacelli afirmou que as novas cautelares se alinham com o princípio da presunção de inocência instituído pela Constituição de 1988. Antes dessa mudança no código processual penal, o juiz só podia determinar a prisão preventiva do réu ou deixá-lo em liberdade até a sentença.

“A Constituição Federal de 1988 diz que não há antecipação de culpa”, disse Pacelli, um dos integrantes da comissão que redigiu o texto da Lei 12.403/2011. A alteração no código processual penal é tema de oficina que começou ainda na manhã do primeiro dia do evento. Amanhã as sugestões elaboradas pelos participantes da oficina serão votadas em plenária. 

Abertura – Representou o CNJ na mesa de abertura do III Seminário de Justiça Criminal do CNJ e do Encontro Nacional de Execução Penal, na manhã desta quinta-feira (24/11), o juiz auxiliar da Presidência, Luciano Losekann. Também participaram o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES), desembargador Manoel Alves Rabelo, e o vice-governador do Estado, Givaldo Vieira.    

O evento reunirá especialistas de todo o país e tem como temas principais as mudanças que a Lei 12.403/2011 – que estabeleceu medidas cautelares alternativas à prisão preventiva –  trouxe para o processo penal, bem como a sua efetividade. Na prática, a Lei 12.403/2011, sancionada em maio deste ano, alterou o Código de Processo Penal (CPP) e ainda provoca debate sobre o uso das medidas cautelares.

Paralelamente ao III Seminário da Justiça Criminal, o CNJ também realiza em Vitória o Encontro Nacional de Execução Penal.

Serviço:

III Seminário da Justiça Criminal do CNJ e Encontro Nacional de Execução Penal

Local: Hotel Golden Tulip, Av. Nossa Senhora dos Navegantes, 635 – Enseada do Suá. Vitória/ES.
Data: Dias 24 e 25 de novembro

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

Sigilo II

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA – Talvez a capivara perdida e depois capturada perto do Supremo Tribunal Federal tenha sido um sinal para as Excelências ali dentro, sede do Poder mais opaco da República.

Desde a volta do país à democracia, a transparência foi avançando. Hoje, quase tudo se sabe sobre deputados e senadores. De passagens aéreas a salários e vantagens obtidas no dia a dia. No Poder Executivo, o Portal da Transparência mostra uma vasta lista de despesas de cada órgão público.

O mesmo não se pode afirmar do Poder Judiciário. Nesta semana, as coisas pioraram. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, limitou o acesso -já pequeno- a processos disciplinares existentes contra seus pares.

Por um curto período foi possível conhecer as iniciais dos nomes de juízes processados. Agora, eliminou-se essa brecha. Houve uma justificativa legal, é claro. Um artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional determina que “o processo e o julgamento das representações e reclamações [contra juízes] serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado”.

Na categoria de iniquidade legal, esse artigo concorre como um dos mais indignos. A lei dos juízes está para ser reformada há anos, mas o Poder Judiciário não se move. O próprio Peluso, ao assumir, comprometeu-se a tratar do tema com vigor. Até agora, nada.

Qualquer cidadão em litígio na Justiça tem exposta a sua “capivara”, jargão policial para folha corrida. Deputados, senadores e ministros são escrutinados todos os dias, com suas fotos e declarações publicadas na mídia.

A proteção indevida que os juízes se autoconcedem não serve só para proteger os incompetentes e os corruptos. Quando essa minoria fica escondida, todos têm a imagem prejudicada. Até a capivara que apareceu ontem no STF sabe disso.

fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

Sigilo

ASCOM/AMB
22.11.2011  18:18 
CNJ veta divulgação de iniciais de nomes de Magistrados investigados

 A AMB conquistou importante vitória no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao ser atendida em seu requerimento administrativo contra a divulgação das iniciais dos nomes dos Magistrados investigados. O Presidente do Conselho e do STF, Ministro Cezar Peluso, decidiu vetar a divulgação das iniciais em processos disciplinares existentes contra Juízes e Desembargadores em Corregedorias e Tribunais locais. Antes, era possível saber as iniciais dos nomes dos processados. Agora, não será mais.

A AMB argumentou que esses processos são sigilosos e, com a divulgação das iniciais, seria possível saber exatamente quem estava sendo investigado. Peluso tomou a decisão com base no pedido da AMB.

“Nós, Juízes, somos uma pequena comunidade de protagonistas de poder de Estado, ou seja, pelas iniciais dá para identificar qualquer Magistrado. Divulgado os dados estatísticos pelo CNJ, no dia seguinte, sites divulgam os nomes de todos. O Presidente do CNJ, sensível à petição da AMB, decidiu rever isso. Afinal, quando o CNJ divulga um dado, ele lança uma suspeição de improbidade contra toda a Magistratura”, argumentou o Presidente Nelson Calandra.

STJ decide

DECISÃO

Concessionária de energia tem responsabilidade objetiva em acidente com rede elétrica

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a responsabilidade objetiva da Eletropaulo – Metropolitana Eletricidade de São Paulo em acidente que matou um limpador de piscinas, em 1988. Ele encostou a haste do aparelho de limpeza em fios de alta tensão. A concessionária de energia foi condenada ao pagamento de duas indenizações por danos morais no valor de 300 salários mínimos para a viúva e para o filho da vítima. 

A ação, ajuizada contra a Eletropaulo e os donos do imóvel onde se localiza a piscina, buscava reparação por danos materiais e compensação por danos morais. A Eletropaulo denunciou a lide à Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Cosesp). O juízo de primeiro grau julgou a ação improcedente, por considerar que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva da vítima. 

No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reafirmou a culpa exclusiva da vítima, pois uma manobra descuidada teria feito com que a haste do aparelho encostasse nos fios elétricos. A viúva argumentou que a Eletropaulo não fiscalizou a reforma do imóvel – que não respeitou as regras de segurança estabelecidas pela legislação. Porém, para o tribunal estadual, nenhuma culpa poderia ser imputada à Eletropaulo, pois a empresa não foi comunicada da reforma. Com as alterações, a rede elétrica teria deixado de respeitar a distância mínima do imóvel exigida pela legislação. 

Inconformada, a viúva e o filho do trabalhador recorreram ao STJ, insistindo na responsabilidade objetiva da empresa em razão do risco da atividade exercida, pois a companhia seria “responsável pela rede elétrica e cumprimento da legislação preventiva que, se tivesse sido observada, teria evitado o acidente fatal”. 

A ministra relatora, Nancy Andrighi, explicou que, nesses casos, basta a quem busca a indenização demonstrar a existência do dano e do nexo causal, ficando a cargo da ré o ônus de provar eventual causa excludente da responsabilidade. No entanto, o fato de não ter sido informada da reforma não é suficiente para excluir a responsabilidade da Eletropaulo. A ministra destacou que é dever da empresa fiscalizar periodicamente as instalações e verificar se estão de acordo com a legislação, independentemente de notificação. 

“O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo, necessária, pois, a manutenção e fiscalização rotineira das instalações exatamente para que os acidentes sejam evitados”, asseverou a ministra. Como a responsabilidade da empresa é objetiva, a verificação da culpa é desnecessária. Assim, a ministra reconheceu o direito ao ressarcimento de danos materiais, pensão mensal para o filho (até 25 anos) e para a viúva da vítima (até quando o marido completasse 65 anos) no valor de um salário mínimo para cada, e indenização por danos morais fixada em 300 salários mínimos para cada um. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

É como penso

CNJ e o princípio republicano da fiscalização externo

 Risco de um “default democrático” na ação da AMB

Sob o título “A importância do CNJ”, o artigo a seguir é de autoria do advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (*):

Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) não se pronunciar sobre os limites da competência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), questão da maior relevância para o futuro do Poder Judiciário, prevalecerão as dúvidas e polêmicas em torno da atuação do órgão responsável por fazer o controle externo. Consequentemente, haverá maior e crescente insatisfação da magistratura e da cidadania.

O debate sobre os limites de atuação do CNJ ganhou corpo com a proposição de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) questionando exatamente a extensão do papel e competência do conselho.

De início, alguns equívocos turvaram o foco real da questão. O primeiro deles foi vislumbrar na ação da AMB mera tentativa corporativista, uma defesa incondicional de seus pares, com intuito de proteger a magistratura e ensejar proteções a eventuais desvios dos togados. Ora, esqueceremos a preocupação e empenho históricos da AMB, verificáveis no Regime Militar (1964-1985), com a defesa da jurisdição? O fato de haver discordância com o sentido da Adin não nos autoriza a supor que a AMB esteja agindo em defesa do interesse particularista dos juízes. Logo, é preciso refutar tal interpretação. Até porque colabora para ampliar as dúvidas sobre o que está realmente em discussão.

E o que está em jogo? Em linhas gerais, saber o que diz nossa Constituição Federal sobre a competência do CNJ.

Na Adin, a pretensão é que a competência disciplinar do CNJ seja subsidiária. Isso quer dizer que, na interpretação da AMB, o Conselho tem caráter de instância derivada de controle disciplinar. Nesse sentido, não tem prerrogativa de realizar investigações paralelas às conduzidas pelas corregedorias dos tribunais. Nem atuar de forma imediata e plena a partir de uma denúncia direta do cidadão.

De acordo com o artigo 130-B, parágrafo 4º e incisos, da Constituição, o CNJ deve “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso” (inciso III).

Do dispositivo constitucional, depreende-se que o CNJ pode “avocar processos em curso” e “receber e conhecer” as queixas, portanto, tem prerrogativa para agir paralelamente às corregedorias estaduais bem como o dever de conhecer e decidir sobre denuncias diretamente opostas pelos cidadãos. Em linguagem jurídica, a Constituição prevê a possibilidade de competências concorrentes, ou seja, tanto o CNJ, como as corregedorias podem processar e julgar administrativamente integrantes do Judiciário —funcionários e juízes. Em suma, cabe ao CNJ realizar de forma plena a atividade de controle administrativo e disciplinar da jurisdição.

Posto isso, na minha avaliação, se for o STF fixar entendimento de que a competência do CNJ é subsidiária, estaremos retornando a um momento anterior à criação de um controle externo do Judiciário, quando este era o único dos três Poderes a se submeter apenas aos controles internos. Retroceder na criação do CNJ, instituído pela Emenda Constitucional 45/04 (Reforma do Judiciário), é ignorar que o controle externo surgiu não em decorrência da insatisfação com o trabalho das corregedorias, mas porque se fazia necessário estender o princípio republicano da fiscalização externa ao âmbito do Judiciário.

Após a reforma, Executivo, Legislativo e Judiciário se colocaram em pé de igualdade, submetendo-se a um duplo controle administrativo: os mecanismos internos e o controle externo, que valorizam os princípios republicanos e o Estado Democrático de Direito.

Ademais, se for acolhida a pretensão da AMB na Adin, estaremos subtraindo do cidadão o direito de requerer diretamente ao CNJ investigações sobre abusos ou desvios que partam de magistrados. Esse acesso direto e imediato da cidadania à instância que realiza o controle externo é extremamente valioso e caminha na direção de aproximar Justiça e cidadão.

O argumento de que algumas investigações conduzidas pelo CNJ desrespeitam o direito fundamental, resguardado pela Constituição, de ampla defesa dos investigados não pode anular a importância que um controle externo tem para o desenvolvimento da Justiça. Se muitas vezes a ação do CNJ é imperial e autoritária, possuímos condições de corrigir tais abusos, no âmbito individual de defesa de direitos. Vale destacar que o próprio STF tem, em diversos casos, garantido o respeito a esses direitos fundamentais —do contraditório e da ampla defesa— em decisões tomadas não apenas quando a vítima é um cidadão comum, mas também quando é um magistrado.

Em suma, os percalços na consolidação do CNJ requerem correções e ajustes ao seu funcionamento, não a limitação de seu crucial papel de apurar irregularidades no interior do Judiciário com a independência que a Constituição lhe confere.

Se não identifico na Constituição dispositivos que sustentem a pretensão da AMB, tampouco posso desprezar que é legítimo o eventual debate sobre as funções do CNJ. Contudo, o local adequado para travar esse debate é, indubitavelmente, o Congresso Nacional. Afinal, o STF não tem competência para legislar, mas para aplicar a Constituição e as leis. Nesse sentido, corremos o risco de experimentarmos um “default democrático” caso aceita a ação da AMB, posto que juízes não são eleitos pelo povo, nem podem inaugurar ou inovar primariamente a ordem jurídica.

Por essas razões, reputo inestimável perda à sociedade caso o Supremo dê guarida à demanda da AMB. Uma perda de duplo sentido: um desrespeito ao texto constitucional que define as competências do CNJ; e um desvio de função do Poder Judiciário para atuar no âmbito legislativo.

(*) O autor é professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP e autor dos livros “Região Metropolitana e seu regime constitucional” (Verbatim) e “Desvio de Poder na Função Legislativa” (FTD).

Capturada no blog do Frederico Vasconcelos.

Estupefação

Causou-me estupefação, sinceramente,  a reiteração da ameaça do Deputado Manoel Ribeiro de representar contra o Desembargador Jamil Gedeon, em face de não ter “respeitado” a Pec da Bengala.

A decisão do ilustrado Deputado de  representar contra o presidente do TJ/MA é inusitada e causa estupefação, pois que, pela primeira vez na vida,  desde que aprendi a discernir as coisas,  vou assistir  alguém ser “processado” porque tenha feito valer a Constituição do seu país.

E olha, eu já vi de tudo na vida!

Já vi culpado ser absolvido, e   inocente  ser condenado.

Já assisti a vitória da ignomínia e do embuste sobre a retidão e a nobreza de caráter.

Já vi pai desconhecendo filho,  e filho desconhecendo pai.

Já  vi a borrasca,  e testemunhei a chegada da bonança.

Já noite virar dia,  e dia virar noite.

Já testemunhei a verdade ser sobrepujada pela mentira.

Já senti dor lancinante, e prazer reconfortante.

Já senti saudade,  partindo,  e a alegria, chegando.

Já vi rico ficar pobre trabalhando, e  pobre ficar rico apenas tripudiando.

Já vi filho desonrando pai, e pai abandonando filho.

Já vi  sorrisos  na tristeza e, contraditoriamente, prantos na alegria.

Repito, pois, que de tudo já vi um pouco.

Cada dia, no entanto, me surpreendo mais com a capacidade do ser humano de se superar no inusitado.

Apesar de tudo que já vivi e testemunhei, confesso, todavia, que é a primeira vez que vejo alguém ser ameaçado de representação  por decidir cumprir a Constituição do seu país.

Não sei, sinceramente, onde vamos chegar.

Doravante, se a graça pega, qualquer um de nós que ousar, diante de uma antinomia, decidir pela aplicação de uma lei em face da outra, poderá ser representado por essa petulância.