Fui juiz da 7ª Vara Criminal de São Luis do Maranhão por longos 18(dezoito) anos. Nesse período amealhei muitos desafetos, como sói ocorrer. No mesmo passo, colecionei muitos amigos. Posso dizer que fiz mais amigos que desafetos.
Julgar, todos sabem, não é uma tarefa fácil, conquanto seja nobre. Julgando, é forçoso convir, tem-se que desagradar. O magistrado que pretende ser simpático e agradar às partes envolvidas no conflito, pode ser qualquer coisa,menos magistrado.
É preciso convir, no entanto, que há muita fantasia acerca da atuação de determinados magistrados. Lembro, nesse sentido, que, algumas vezes, ouvi das mães de acusados que eu era um homem mau e que elas tinham medo de conversar comigo sobre a situação dos filhos.
Pura sacanagem!
Essa fama de mau foi construida por alguns desafetos gratuitos; exatamente aqueles que não suportam o brilho, a diligência, o desvelo e a postura moral do semelhante.
Por homem mau passei e nada pude fazer para desmistificar essa ignomínia. Esse estereótipo também prejudicou a minha ascensão profissional. Foi por essas e outras que fui o único juiz da capital impedido de integrar a terceira lista de promoção por merecimento, consecutivamente, para não ser promovido automaticamente.
Mas não foi só isso que os desafetos fizeram comigo.
Vou contar uma historinha que seria hilária, não fosse pensada apenas como um ingrediente a mais para prejudicar a minha ascensão profssional.
Registro que lembrei-me desse episódio, a propósito do que ocorreu com Maria Antonieta, a quem se atribuiu, sem nenhuma prova, o conselho que teria dado aos pobres sem pão para que comessem brioches.
Pois bem. Determinado dia, estando eu realizando uma audiência, uma testemunha apresentou-se com a boca cheia de goma de mascar. A proporção que tentava responder às minhas indagações, a testemunha colocava a goma de mascar dum lado e outro da boca, a ponto de escorrer saliva pelos cantos da boca.
Percebendo o desconforto da testemunha, puxei um balde de lixo que estava sob a minha mesa, e pedi a ela que jogasse fora a goma de mascar, no que, claro, fui atendido prontamente.
Nessa época, insta anotar, eu era um dos fortes concorrentes à promoção por merecimento para segunda instância.
Pois bem. Esse fato ocorreu numa sexta-feira, pela manhã. Na segunda-feira, quando fui a Tribunal de Justiça, para trabalhar a minha promoção, estando na sala do presidente, Des. Jorge Rachid, entra um desembargador, hoje aposentado, o qual, na frente de todos os presentes, antes mesmo de um bom dia, dirigiu-se a mim, com ar de deboche:
– Dr. José Luiz, o juiz brabo da Comarca.
Em seguida, olhou para os circunstantes e arrematou:
– Com o Dr. José Luiz ninguém tem direito nem de mascar chicletes.
Pronto! Depois disso, ninguém teve mais dúvida: eu não podia ser promovido, pois a minha arrogância faria muito mal ao Tribunal.
Muito pensaram: um homem capaz de proibir o uso de goma de mascar em seu gabinete é capaz de qualquer coisa.
Não tive direito de resposta. Ninguém nunca me indagou se o fato era verdadeiro ou não, afinal, a afirmação tinha sido feita por um desembargador.
Quem ousaria questionar?
Registre-se, por oportuno, que não fui promovido por merecimento. Por essas e por outras, tive que esperar a antiguidade.
A minha luta, a minha dedicação, o meu empenho de nada valeram. O que valia mesmo era a certeza de que eu, sendo arrogante, bem não faria ao Tribunal, como se o Tribunal fosse composto de pessoas humildades.
Hoje, aqueles mesmos que disseminaram que eu era arrogante, são forçados a admitir que tudo não passava de fantasia.
Fazer o quê?
Agora é tarde. A minha carreira foi prejudicada pelo que não fiz.
O meu único consolo é que nunca deixei de ser feliz, nunca deixei de me dedicar ao trabalho, nunca deixei que as injustiças tirassem o meu estímulo, nunca perdi uma noite de sono pensando no mal que me fizeram.
Essas historinhas servem para desmistificar, para deixar claro que, no Poder Judiciário, como em qualquer lugar, também fazem travessuras. E como fazem!