Abaixo, a crônica que enviei ao Jornal Pequeno para publicação, na qual faço algumas reflexões sobre discriminação.
Refletindo sobre discriminação
José Luiz Oliveira de Almeida*
O ser humano, tenho testemunhado, é assim: em vez de sublimar, de valorizar, de elevar e enaltecer as virtudes das pessoas (colegas de confraria, por exemplo), prefere apontar-lhes os defeitos para, a partir deles, discriminá-las, movido por sentimentos menores.
Em face das discriminações que se verificam nas confrarias, se não é possível o alijamento do confrade, tenta-se, noutro giro, pelos meios sempre condenáveis, diminuí-lo, reduzir a sua importância, numa abominável, febril e equivocada percepção de mundo.
Numa confraria, essas tentativas de menosprezar o colega, pelo que as pessoas (ou desafetos) imaginam (ou almejam) que tenha de negativo, é uma evidência atroz, daquelas que, algumas vezes, até desestimulam, tendo em vista que há algozes que, nesse desiderato, vão ao extremo,
É claro que não estou inventando a roda. Eu apenas constato o óbvio. Mas o óbvio, algumas vezes, também precisa ser destacado. Por isso reafirmo a obviedade: todas sabem que é assim mesmo a vida nas corporações. Todos percebem que tem sido assim, que sempre foi assim, e que assim sempre será.
Mas não custa reafirmar, pelo menos para que saibam que sabemos, que todos percebemos, enfim, a discriminação que se faz em face dos defeitos que o discriminado muitas vezes não tem, e que, no mesmo passo, são relegadas as suas virtudes a plano secundário, por matreirice, esperteza ou má-fé.
Nas corporações, constatamos que o congênere pode ser discriminado pelas mais diversas razões, menos pela sua bondade, pelo seu caráter, pela sua dedicação e inteligência. Esses bons predicados, infelizmente, ficam, quase sempre, como anotei acima, relegados a plano secundário. É mais ou menos como ocorre no mundo da política, segundo vetusta máxima popular, em relação ao inimigo: se não tem defeito, arruma-se um – ou uns.
O que importa mesmo, nessa linha reflexiva, é discriminar, criticar, diminuir as virtudes das pessoas, pois que, assim agindo, imaginam os algozes que as trazem para a planície, “fabricando-as” à sua imagem e semelhança (dele, algoz). É como se dissessem: posso não ser virtuoso, mas ele, que pensa ser virtuoso, que age como um virtuoso, que as pessoas pensam ser virtuoso, é igualzinho a mim, somos em tudo iguais.
Numa corporação, sobretudo nas corporações de poder, é um pecado ser diferente, sair do centro, transitar pelo incomum, fugir dos clichês, seguir noutra direção que não a óbvia, ou seja, a que todos esperam e almejam.
Mas, sejamos realistas, não é preciso fazer parte de uma corporação para ser discriminado. Nós todos vivemos discriminando as pessoas. É próprio do ser humano discriminar, diminuir, vilipendiar, escarnecer, ridicularizar, zombar do semelhante, sobretudo se vislumbra nele um competidor; competidor na imaginação do zombeteiro, claro.
Discriminam-se as pessoas pela beleza, pela feiúra, pela inteligência, pela falta dela, pela cor da pele, pelo tipo de cabelo, pelo andar, pelas roupas que veste, pelo tom da voz, pela timidez, pelo exibicionismo, pela posição social etc. O que importa mesmo é discriminar!
Do que vejo e sinto, o que menos importam são as realizações daqueles que discriminam, a sua capacidade de discernir, seu bom-senso, sua bondade, o respeito que têm pelo ser humano, a forma cortês com que tratam às pessoas, o sentimento de solidariedade, as relevantes realizações etc.
É mais cômodo discriminar, apontar os defeitos. É como se fosse um bálsamo para alma de quem discrimina. Se posso discriminar e, de consequência, diminuir os feitos do confrade, por que razão deveria elogiá-lo, encher a sua bola?
Um exemplo capturado na história do Brasil: D. João VI, todos sabemos, era destacado mais pela sua feiúra que em face de suas realizações, convindo anotar que, pelo mesmo motivo, e outros mais picantes,também era discriminada D. Carlota Joaquina.
Além da pouca,ou nenhuma, atração física, D. João VI também era discriminado pelo descuido com a higiene pessoal e pela fama de glutão sem escrúpulos e sem limites.
Os destaques aos defeitos de D. João são um contraponto muito relevante – e muito sublimado, também – às suas realizações: abertura dos portos, remodelação do Rio de Janeiro, permissão para instalação de indústrias, aparelhamento das forças armadas, criação das Academias da Marinha e Militar, construção do Jardim Botânico, de um observatório astronômico e um museu mineralógico, além da biblioteca pública e da tipografia real, cuja primeira publicação foi A Riqueza das Nações, de Adam Smith.
*É desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com
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