OPORTUNISTAS

Encontro na literatura, com frequência, inspiração para as minhas crônicas, a exemplo desta, inspirada na história do nova-iorquino, operador da Bolsa de Valores, Sherman McCoy, protagonista de A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe.

Sherman McCoy, como os que leram o romance haverão de lembrar, foi buscar sua amante no aeroporto, dirigindo sua luxuosa Mercedes-Benz esportiva, quando, no retorno pelas ruas do Bronx, se deparou com uma barricada com pneus velhos, a impedir a sua passagem, feita por um grupo de adolescentes negros, liderados por um traficante de crack.

Diante do evento, Sherman McCoy desceu do carro para desfazer a barricada feita pelos adolescentes. Sua amante, nervosa, pegou a direção do carro, tendo, na pressa, atingido um adolescente, que morreu em face das lesões. Sherman McCoy, inobstante, omite o caso das autoridades, para que não fosse descoberto o seu caso extraconjugal. Todavia, a polícia, identificando o veículo envolvido no acidente, chega ao autor do fato, que, para proteger a amante, assume a responsabilidade pelo evento.

Em face desse evento, surgem os oportunistas de todos os matizes, os quais têm em comum o nenhum compromisso com a verdade. Um líder religioso, por exemplo, vê no acidente uma oportunidade de promoção política, colocando o tema como uma disputa entre ricos e negros carentes. Um jornalista, alcoólatra e decadente, faz uma matéria sensacionalista. O promotor público encarregado do caso, de seu lado, busca, com o episódio, promoção profissional, visando galgar ascensão.

A vida de Sherman McCoy, por óbvio, se transformou num inferno.

É assim na literatura; é assim na vida real.

Não são poucos, com efeito, os que se valem de um episódio qualquer para tirar algum proveito pessoal, ainda que se trate de uma tragédia, porque o mundo está, sim, povoado de oportunistas, para os quais o Estado, em muitos casos, sem qualquer normativa subjacente, reserva, na maioria das vezes, apenas uma punição moral, infelizmente.

Os exemplos estão por todo parte, à vista de todos, convindo destacar que os oportunistas se revelam mesmo é nas adversidades, seja de que tipo for, seja qual for a sua dimensão e desde que vitimizem o maior número de pessoas, porque, quanto maior for a comoção, mais provável é a lacração, traduzida em likes e monetizações.

Nos dias atuais, não são poucos os oportunistas que se valem da tragédia no Rio Grande do Sul para disseminar fake news, pouco se importando com as consequências da disseminação de notícias falsas.

Tem sido assim desde sempre, situação potencialmente exacerbada em face das facilidades propiciadas pela internet, que, no Brasil, ainda é uma terra sem lei, campo fértil para os oportunistas revelarem o lado mais perverso de sua personalidade.

A propósito, assisti, dias atrás, tomado de apreensão e indignação, um “tiozinho do zap” dizendo que só se informa mesmo pelo seu celular, pois que nele, no smartphone, estão as verdades que a imprensa tradicional omite e/ou deturpa, o que revela o nível de insensatez de muitos fanáticos que pontificam na internet, para os quais o que importa mesmo é confundir a opinião pública, tudo potencializado pela ação nefanda de líderes políticos forjados na mentira e na exacerbação das situações.

E, assim, seguimos convivendo, ainda que indignados/revoltados com os lacradores aboletados nas redes sociais, para os quais a verdade é apenas um detalhe.

As mentiras que os oportunistas têm disseminado, a propósito da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, só encontram paralelo nas mentiras veiculadas quando da epidemia de Covid-19, cujos protagonistas são por todos conhecidos, com seguidores dos mais variados matizes, para os quais a verdade é igualmente irrelevante.

É isso.

MELHOR SEDUZIR

Principio essas reflexões com uma história, a propósito do Selo Diamante de Qualidade alcançado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.

Pois bem. Com o resultado alcançado, sobretudo em face dos nossos índices de produtividade, um colega, de outra unidade da Federação, indagou de mim, no mesmo dia do reconhecimento, qual arma utilizamos para alcançar o destaque.

Eu respondi, brincando, que usei a arma da sedução para unir meus pares em torno do projeto, sobretudo no eixo produtividade, que exigia maior engajamento de um número mais abrangente de pessoas: magistrados de primeiro e segundo graus, Ministério Público e servidores em geral.

Ele, de pronto, disse a mim que precisava aprender comigo, porque não sabia usar a arma da sedução.

Claro que a minha resposta foi apenas uma brincadeira, afinal o que nos conduziu mesmo ao Selo Diamante foi uma soma de circunstâncias, aliada à determinação de todos em fazer o melhor, sendo irrelevante, decerto, qualquer sedução pessoal.

Foi a partir dessa historinha despretensiosa e galhofeira que me vi inspirado para as reflexões de hoje, quanto a arma da sedução, e do quanto ela pode representar nas nossas relações, convindo anotar, para evitar interpretação desvirtuada, que sedução, no sentido aqui empregado, é a que fascina, que encanta, que concita, que conclama e que une.

Tenho reafirmado a propósito, o meu compromisso de ser cada dia uma pessoa melhor, ciente de que só haverá dias melhores se nos comprometermos em ser melhores também, pois que da bondade resulta a sedução consequente.

Pese a obviedade da afirmação, não é isso que todos temos testemunhado.

As redes sociais – e o que habita nela de mais nefasto – estão aí para provar que temos sido – muitos de nós, é forçoso admitir -, todos os dias, um pouco piores; pelo menos é o que constato em face do que vejo e leio.

Apesar dessa constatação, eu, de meu lado, aposto na minha conduta e no meu exemplo, pese todos os meus pecados e equívocos, para dar a minha contribuição para que o mundo seja melhor, tentando, nesse afã, como dito acima, ser melhor todos os dias.

Eu aprendi, com as surras que levei da vida, que a bondade seduz, abre portas, contamina positivamente as relações, contribui para a boa convivência, tornando a vida mais agradável.

Estou convicto de que é, sim, mais fácil seduzir sendo bom, não sendo arrogante; aliás, a arrogância nunca seduziu ninguém, a não ser os próprios arrogantes, para os quais, a estupidez e a incivilidade, acreditam, são uma arma poderosa.

Eu, cá do meu lado, não quero vencer um debate, e nem quero conquistar nada que não seja pela sedução; sedução pela boa ação, pelo bom comportamento, pela palavra respeitosa, pela tolerância, pela capacidade de convencer em face dos bons argumentos.

Nesse sentido e nesse afã, não me apraz, nas minhas relações, a manipulação semântica, o desvirtuamento da palavra, enfim.

Eu me recuso a seduzir fazendo uso da desonestidade intelectual, da artimanha e/ou pela manipulação da verdade, como tenho visto, por exemplo, na ação dos lacradores abrigados nas redes sociais.

O desonesto intelectual, como sabido, se vale de dados ou argumentos que sabe ser falsos ou incompletos, para auferir vantagens que não teria se usasse apenas a arma da sedução/convencimento.

Eu, definitivamente, não almejo vencer um debate de ideias com subterfúgios, fugindo do tema, tangenciando a verdade, manietando os fatos.

Quero vencer, sim, mas à luz de argumentos construtivos, sem artimanhas, sem estratégias e ardis enganosos, sendo essas as armas que me permito usar para seduzir.

A propósito, Arthur Schopenhauer, em Como Vencer um Debate sem Precisar ter razão, ensina que, quando percebermos que o adversário tem razão, devemos nos tornar ofensivos, insultantes e indelicados.

Eu, de meu lado, prefiro seguir o caminho oposto.

Eu não me permito sair do objeto da discussão para usar ofensas pessoais como arma argumentativa.

O melhor mesmo, enfim, em qualquer circunstância da vida, é a sedução; mas não a sedução no sentido mesquinho da palavra. Sedução, sim, pelos bons argumentos, pelo confronto elegante das ideias, e, fundamentalmente, com honestidade intelectual.

É isso.

MONSTROS, SEDUTORES E OPRESSORES

Tendo assumido, recentemente, a Corregedoria-Geral de Justiça, deparei-me com números assustadores envolvendo a Violência Doméstica, para os quais lancei o meu olhar, desde o primeiro momento, buscando maior eficácia do Poder Judiciário quanto à punição dos transgressores, o que, de resto, já vinha sendo uma das minhas grandes preocupações, como magistrado e como cidadão, na medida em que a violência contra a mulher, como todos constatamos, tem números alarmantes/preocupantes, os quais decorrem da ação covarde/abominável dos que nomino monstros, sedutores e opressores.

Diante desse cenário, a inquietação, dentre outras, que me levou a pensar na construção dessa crônica, foi a minha incapacidade de conviver num ambiente de hostilidade e/ou de opressão – seja moral, seja física -, pois, nas minhas relações, sublimo a concórdia e a benquerença.

A propósito, trago à colação, para ilustrar, passagem relevante da nossa história, na qual desponta, com especial relevância, D. Pedro I, um dos nossos mais famosos monstros, sedutor e opressor.

Pois bem. A história dá-nos conta do tratamento desumano que D. Pedro I dispensava a Leopoldina, seduzida e, depois, desprezada por ele, que, ao que parece, sentia prazer em expor o lado mais perverso da sedução, em cujo cenário despontava, com especial destaque, como vetor para as agressões/humilhações, o tórrido romance que mantinha com a Marquesa de Santos.

Da última carta que D. Leopoldina enviou para sua irmã, Maria Luísa, ditada no seu leito de morte, apanho as passagens que reproduzo a seguir, pois que nelas está retratada, com tintas fortes, a sua angústia em face da ação opressora do, talvez, mais famoso monstro sedutor que habitou essas paragens.

“Minha adorada mana. Reduzida ao mais deplorável estado de saúde e chegada ao último ponto de minha vida, no meio dos maiores sofrimento, terei também a desgraça de não poder eu mesmo explicar-vos todos aqueles sentimentos que há tanto tempo existiam impressos na minha alma. Minha mana! Não a tornarei a ver! Não poderei outra vez repetir que vos amava e adorava. Pois já não posso ter esta tão inocente satisfação, igual a tantas outras que permitidas me não são, ouvi o grito da vítima que vós reclama não vingança, mas piedade e socorro de fraternal afeto para inocentes filhos que órfãos vão ficar em poder de pessoas que foram autores de minhas desgraças, reduzindo-me ao estado em que me acho, de ser obrigada a servir-me de intérprete para fazer chegar até vós os últimos rogos da minha aflita alma”.

Prossegue a princesa:

“Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, que por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado de maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro. Ultimamente, acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças”.

A propósito, alguns historiadores registram que D. Leopoldina fora tratada a pontapés por D. Pedro I, estando grávida. Mas não há testemunhas desse fato, razão pela qual não se pode afirmar, com certeza, que essas agressões tenham ocorrido, efetivamente.

Digo agora, em arremate, que nós, magistrados, responsáveis por uma relevante instância de controle social, devemos, diante de fatos que tais, com especial determinação, agir para punir, exemplarmente, os transgressores, convindo anotar que o que de pior se pode fazer, em face de uma situação de violência doméstica, é aconselhar a mulher a “baixar o facho”, como sugeriu o promotor de justiça Antônio de Sousa Filho, de uma Vara de Família do Espírito Santo, a Alessandra Sousa, depois de ouvir dela sobre os mais de 23 anos de sofrimento vividos sob o jugo de um desses monstros, sedutores e opressores que habitam entre nós.

É isso.

O JUDICIÁRIO IDEAL E O JUDICIÁRIO POSSIVEL

Assumi a Corregedoria Geral de Justiça determinado a implementar mecanismos que possam ajudar a melhorar a produtividade do Poder Judiciário do Estado do Maranhão. Nesse sentido, há, em elaboração e já implementados, vários projetos sob minha gestão, a partir dos quais, posso afirmar, com alguma segurança, tendemos a melhorar o nosso desempenho.

Impõe-se consignar que, ao assumir, eu não tinha a noção exata das razões pelas quais, em muitas unidades, produzimos aquém do esperado/desejado. Todavia, o fiz consciente de que algo precisava ser feito para melhorar os nossos indicadores.

Os números resultantes de uma avaliação do nosso desempenho pela Fundação Getúlio Vargas, pelo cidadão e pelos próprios advogados (35% da população brasileira avalia a atuação do Poder Judiciário como ruim ou péssima e quando se soma esse índice aos que o avaliam como regular, chega-se ao impressionante índice de 76%, enquanto apenas 21% da população considera que essa atuação é boa ou ótima), reforçaram essa crença, ou seja, de que algo precisava ser feito, para modificar, ou, pelo menos, para tentar modificar o quadro.

Diante de tudo que já perscrutei, de todos os dados de que disponho, dos problemas estruturais que detectei no Poder Judiciário, cheguei a uma óbvia constatação: é uma ilusão imaginar um Poder Judiciário ideal, me levando a concluir que temos que conviver, aqui e alhures, numa perspectiva de Brasil, com o Judiciário possível.

É dizer: com o que temos, fazemos o possível, conquanto admita que o possível, em determinadas circunstâncias, ainda é muito pouco frente a demanda ordinária excessiva, decorrência natural do acesso facilitado ao Judiciário nos dias atuais, e em vista da extraordinária (demanda predatória, por exemplo) com a qual somos compelidos a conviver, sem que saibamos que solução oferecer em face do impacto que ela produz nas nossas taxas de congestionamento.

Fazendo apenas o possível, distante, portanto, do Judiciário que ao menos se aproxime do ideal, estamos fadados a ser mal avaliados, como temos sido, efetivamente, sobretudo pelo cidadão comum, que, descrente, reprime, muitas vezes, a litigiosidade, para buscar, como ultima ratio, uma solução negociada (mediação ou conciliação), sem que se possa descartar a possibilidade, sempre real, do exercício da autodefesa, que, de rigor, deveria ser reservada apenas a situações excepcionais.

Essa constatação revela que tudo que pudermos fazer para melhorar o desempenho do Poder Judiciário ainda será pouco, a impor a todos nós que temos real preocupação com o jurisdicionado a redobrar os nossos esforços no sentido de, na medida do possível, caminhar na direção do Judiciário ideal, distante, ainda, do Judiciário possível que hoje está a serviço da sociedade.

É isso.

PRODUTIVIDADE EXTRAORDINÁRIA

Quando fui honrado com a escolha dos meus pares para conduzir a Corregedoria-Geral de Justiça no biênio 2024/2026, elegi a produtividade como prioridades 1, 2 e 3, com o que deixei claro que o meu objetivo, precípuo e definitivo, nos próximos dois anos é melhorar os nossos indicadores, traduzidos, claro, numa resposta judicial menos morosa para as demandas em curso e as que eventualmente venham a ser distribuídas, na medida em que a razoável duração do processo é uma previsão constitucional que, infelizmente, pelos mais diversos motivos – dentre os quais excessiva demanda, com destaque para as predatórias, e problemas estruturais de todos conhecidos -, se transformou em uma quase quimera.

Para que eu pudesse, com a minha equipe, desenvolver projetos que nos conduzam a uma melhora nos nossos indicadores, foi necessário, por óbvio, que fizéssemos um diagnóstico da nossa situação, numa visão tão ampla quanto possível, para que, a partir desse diagnóstico, pudéssemos implementar ações que nos levassem a, por exemplo, alcançar as metas do Conselho Nacional de Justiça, para, de consequência, melhorar a nossa posição no ranking nacional.

Nesse afã, a Central de Análise e Desempenho coligiu números que traduzem bem a nossa realidade, ao lado, claro, de muitos outros indicadores mais específicos, como o tempo médio de duração dos processos nas mais diversas unidades, donde se infere que o nível de desempenho das nossas unidades – num total de 297 – reclama a adoção de medidas tendentes a melhorar o nosso desempenho, o que já está sendo gestado pelo nosso Planejamento Estratégico, as quais serão mais adiante mencionadas.

Os dados colacionados pela Central de Análise e Desempenho, com base nos resultados alcançados no ano de 2023 – do total de 297 (duzentas e noventa e sete) unidades, há 25 (vinte e cinco) delas com desempenho MUITO BAIXO, 35 (trinta e cinco) com desempenho BAIXO, 54 (cinquenta e quatro) com desempenho MÉDIO, 69 (sessenta e nove) com desempenho ALTO e 114 (cento e quatorze) com desempenho MUITO ALTO – traduzem uma realidade iniludível: estamos aquém do que gostaríamos de estar, pelos mais diversos motivos, dentre os quais destacam-se falta de juízes e problemas estruturais graves como, por exemplo, ausência de analistas e número de funcionários abaixo do necessário, situação que nos leva, ao lado de tantas outras, aos níveis de produtividade que reclamam uma urgente tomada de posição, que é o que estamos fazendo na Corregedoria Geral de Justiça, utilizando a força de trabalho que temos, a partir de projetos pensados por todos nós, alguns dos quais faço menção adiante.

Fruto da realidade antes mencionada e da necessidade da adoção de medidas que possam melhorar os nossos indicadores foi que nasceu o Programa de Redução dos Tempos Médios dos Processos composto por diversos eixos, todos voltados para a razoável duração do processo, com destaque para os seguintes projetos: a) Projeto Prioridade no Tempo Certo, b) Projeto Executando Prioridades; c) Projeto de Olho no Feminicídio, d) Projeto Proteção no Tempo Certo; e e) Produtividade Extraordinária, propriamente dita, sobre os quais falarei mais amiúde oportunamente.

Com a implementação desses projetos, e tantos outros que estão sendo gestados na Corregedoria Geral de Justiça, esperamos melhorar os nossos indicadores, de cuja melhoria resultarão decisões judiciais mais expeditas.

É isso.

OS NÚMEROS REVELAM

Perguntaram, certa feita, a Leonardo da Vinci quando anos ele tinha. Ele respondeu: “já tive 60”, o que significa que, na visão dele, os anos já vividos, não mais lhe pertenciam.

Se me perguntarem, hoje, quantos anos tenho, respondo, da mesma forma, sem titubeio e sem lamentações, que já tive 71 anos e que, hoje, por óbvio, não os tenho mais, daí que o que me restam são os anos a ser vividos.

Sob outra perspectiva, o que importa mesmo, para quem, como eu, “perdeu” tantos anos de vida, é saber o que fiz com tempo vivido; o que construí com o tempo de vida que me foi destinado, qual será o meu legado, que exemplos, enfim, deixarei para as gerações futuras.

A verdade é que o que passou é passado, e que, em face do passado, nada podemos fazer, pois sobre ele não temos nenhum controle (visão estoicista), daí a relevância do que foi feito, do que foi construído, dos exemplos que deixamos.

Se é relevante perquirir sobre o que fizemos no passado (sobre o qual, repito, não temos nenhum controle), mais importante ainda é saber o que podemos fazer em face do porvir, que planos temos para o futuro e como esses planos, se realizados, vão impactar na vida das pessoas.

De minha parte, vou tentando acertar, vou tentando fazer o que me propus a fazer, vou tentando, ademais, ser um pouco melhor, na vida pessoal e profissional.

Os desafios em ambas as frentes – pessoal e profissional – são enormes, na medida em que, como seres humanos, vamos errando aqui e acertando acolá, cujas consequências são de dimensões variadas, dependendo de onde se verificam os acertos e os erros, ou seja, se no campo pessoal ou no campo profissional.

É que, no campo pessoal os erros, na maioria das vezes, atingem um número diminuto de pessoas, restrito, quase sempre, às relações interpessoais. No campo profissional, nada obstante, os erros, as nossas ações e omissões têm repercussão na vida de um sem número de pessoas, máxime se condizem com a atuação de um magistrado.

Sob essa perspectiva é que tenho envidado esforços para, na condição de Corregedor-Geral de Justiça, não me omitir, objetivando fazer o melhor pelo jurisdicionado, especialmente em face da nossa produtividade, eleita como prioridades I, II e III para o biênio, contando, para tanto, com a ajuda dos nossos valorosos magistrados e do nosso igualmente valoroso corpo funcional.

Na busca de melhoria dos números, temos trabalhado, com sofreguidão, em diversas frentes, objetivando diagnosticar, com a precisão possível, as nossas deficiências, para, a partir daí, tentar buscar soluções que possam nos levar a superar alguns indicadores que nos causam desalento.

Nesse afã, tenho dito que, por mais dolorosa que seja a verdade, ela não pode ser desconsiderada. Nesse sentido, temos que, à luz da razão e do intelecto, perscrutar sobre as nossas deficiências, para, à luz de um diagnóstico tão preciso quanto possível, tentar mudar a realidade que teima em se impor.

Como se propõe a Alegoria da Caverna, de Platão, temos que nos libertar do mundo da ilusão para nos deter na realidade factual, que revela, por exemplo, que, no Poder Judiciário do Estado do Maranhão, há 25 (vinte e cinco) unidades com nível de desempenho muito baixo, 35 (trinta e cinco) com desempenho baixo, e 54 (cinquenta e quatro) com desempenho médio, a exigir de todos nós redobrado esforço para melhoria do quadro.

Todavia, e aqui o alento, há 69 (sessenta e nove) unidades com desempenho alto e 114 (cento e quatorze) com desempenho muito alto, o que representa 61% das 297 unidades do Poder Judiciário do Estado do Maranhão, conclusão a que chegamos levando em conta as Metas 1 e 2 do CNJ, a quantidade de processos aguardando movimentação ou comando judicial há mais de 100 dias, e taxa de congestionamento, a revelar que não é impossível alcançar o nível de excelência que tanto buscamos.

É isso.

O VIDA DO OUTRO IMPORTA

Ninguém tem dúvidas de que vivemos dias mais que estranhos; estranheza que se revela por inteiro quando encaramos com naturalidade o massacre de inocentes nos mais diversos conflitos pelo mundo.

Dúvidas não há, ademais, que, nos dias presentes, as pessoas parecem ter deixado de se importar com as outras, como se fôssemos objetos de descarte.

Nesse sentido, pelo que vejo e sinto, fruto das observações diárias que faço, cada um parece cuidar apenas de si.

A verdade é que, hodiernamente, a sensação que todos temos é que deixamos de ver o próximo como um irmão, e isso me constrange, porque fica em mim a sensação de que vivemos para cuidar apenas das nossas vidas, pouco importando a vida do semelhante.

A propósito, vou trazer à colação uma história real para ilustrar e para que sobre ela reflitamos, porque ela dá bem a dimensão do quanto é relevante a gente pensar no próximo, cuidar do próximo, se importar com o próximo, na medida em que um simples gesto de solidariedade e de cuidado pode mudar a história de vida de alguém.

Pois bem. Montgomery Cliff, ator americano de ‘Um Lugar ao Sol’ (1951), ‘A Um Passo da Eternidade’ (1953) e ‘Deuses Vencidos’ (1958), dentre outros, destacado pela sua estonteante beleza física, sofreu um grave acidente de carro e teve seu rosto deformado, após sair bêbado de uma festa na casa de Elizabeth Taylor, uma de suas melhores amigas.

Em face desse evento, ficou dois anos escondido num quarto de hospital sem querer ver ninguém, em virtude das graves deformações que sofrera no rosto, um dos mais belos do cinema.

Tem-se notícia de que, mesmo depois de ter sido submetido a uma cirurgia plástica, não se sentia bem consigo mesmo, tendo proibido a visita de qualquer pessoa, optando por se isolar, vivendo a angústia pelas consequências do grave acidente.

Apesar da sua determinação em não receber ninguém, um garoto insistia em vê-lo; insistência tenaz que só terminou quando, finalmente, foi recebido pelo ídolo, cumprindo anotar que, depois dela, tudo mudou na vida de Montgomery Cliff, que, acreditem, até voltou a atuar.

O menino que insistia em visitar o ator era ninguém mais, ninguém menos, que Marlon Brando (Omaha, 03/04/1924 – Los Angeles, 1 de julho de 2004); o grande, o eterno e incomparável Marlon Brando, que, tempos depois, seria festejado e reconhecido como o maior ator de todos os tempos, tendo protagonizado filmes marcantes como ‘O Poderoso Chefão’ e ‘O Último Tango em Paris’.

O que se depreende dessa história é que a vida dos outros importa, e que uma simples visita, um abraço aconchegante, um carinho sincero, um gesto revelador de apreço e de solidariedade, em determinados momentos/circunstâncias da vida, podem, sim, com muita probabilidade, mudar a vida de qualquer pessoa.

Não é isso, entrementes, o que se vê nos dias presentes.

Tendemos, sim, ao isolamento.

Tendemos, sim, ao individualismo; cada um cuidando de sua vida, cada um cuidando de si.

Tenho certeza, nada obstante, que o mundo poderia ser outro se nos importássemos mais com o semelhante, daí que não consigo entender por que algumas lideranças, por exemplo, parecem não se importar com as vidas de inocentes que são ceifadas na Faixa de Gaza e na Ucrânia, para ficar apenas nos dois exemplos mais presentes nos noticiários.

É isso.

PERDOAR É ARREBATADOR

Principio essas reflexões com uma afirmação/constatação comezinha, qual seja, de que todos vacilamos na vida.

É impossível, pois, viver sem cometer erros – alguns graves; outros, nem tanto.

A afirmação/constatação decorre de uma obviedade: o verbo vacilar sempre foi conjugado na primeira, na segunda e na terceira pessoas, porque, afinal, somos seres humanos e, nessa condição, viver sem vacilar (rectius: errar) é uma inviabilidade antropológica.

É dizer: eu vacilo, tu vacilas, eles vacilam.

Se é verdade que todos vacilamos, então por que não perdoar o vacilo de outrem?

Por que, na concepção de alguns, uns merecem perdão e outros não?

Por que as pessoas têm tantas dificuldades em perdoar, se o perdão, dentre outras vantagens, contribui para a nossa saúde mental?

Por que, sendo o perdão um ato de amor que transforma, que redime e nos faz melhor, há muitos que ainda se recusam perdoar?

É sobre isso que quero refletir.

E o faço em face das incontáveis vezes que a mim me fizeram – e continuam fazendo – a mesma e inquietante indagação: Por que você perdoou fulano (permitam-me omitir o nome), se ele fez tanto mal a você e a sua família?

A essa insistente/persistente indagação eu respondo com outra, para a qual não me dão resposta satisfatória: Por que não perdoá-lo?

Digo em adição: Por que guardar mágoas se posso delas me libertar pelo perdão?

Vou adiante.

Se o vacilo faz parte da vida, por que as pessoas resistem em perdoar os erros de outrem, conquanto almejem que os seus sejam perdoados?

Nessa toada, importa fazer outra indagação: Há níveis diferenciados de vacilos, de modo que uns devam ser perdoados e outros não?

Se vacilo é vacilo e se perdoar é humano, por que perdoamos uns e não perdoamos outros?

Prossigo questionando.

Para perdoar temos, necessariamente, que passar por um processo de evolução espiritual ou o perdão independe de condições?

Em face dessa indagação, respondo, simplesmente, que perdoar, desde a minha compreensão, é apenas um ato de vontade que leva à libertação, razão pela qual ele não está condicionado a nada a não ser à determinação de perdoar, na medida em que o perdão é, também, um remédio eficaz para a cura da alma.

Nesse sentido, é forçoso compreender que, para além de eliminar ressentimentos, o perdão traz leveza ao coração, a considerar que elimina os sentimentos negativos que eventualmente tenhamos em face de determinada(s) pessoa(s).

Creio, nessa linha de pensar, que não se deve, pois, questionar alguém porque tenha perdoado outrem, na certeza de que o perdão revela um natural e benfazejo amadurecimento do ser humano.

Claro que perdoar não é, pura e simplesmente, esquecer o que passou, todavia, é somente em face dele que nos libertamos das mágoas que inviabilizam a cicatrização das feridas abertas em face dos nossos sentimentos/ressentimentos.

Compreendo que a cura da alma só se dará em face do perdão, ainda que para alcançá-lo passemos por um processo doloroso e, até mesmo, por incompreensões, sobretudo dos que não conseguem entender a dimensão do que significa perdoar o vacilo de outrem.

Para ilustrar, lembro que muitos vacilaram na vida pessoal – Paulo, Cipriano, Margarida, Cássio, Sebastião etc. – e que, ainda assim, foram canonizados pela igreja, são cultuados como santos e a eles são dedicadas festas, altares e procissões, a reafirmar que todos vacilamos e que o perdão, em face dos erros cometidos, antes de causar estupefação, deve ser enaltecido, na medida em que, perdoando, eliminamos os rancores e as mágoas que, admitamos, tornam a vida, também sob essa perspectiva, um fardo difícil de carregar.

É isso.