PERDOAR É ARREBATADOR

Principio essas reflexões com uma afirmação/constatação comezinha, qual seja, de que todos vacilamos na vida.

É impossível, pois, viver sem cometer erros – alguns graves; outros, nem tanto.

A afirmação/constatação decorre de uma obviedade: o verbo vacilar sempre foi conjugado na primeira, na segunda e na terceira pessoas, porque, afinal, somos seres humanos e, nessa condição, viver sem vacilar (rectius: errar) é uma inviabilidade antropológica.

É dizer: eu vacilo, tu vacilas, eles vacilam.

Se é verdade que todos vacilamos, então por que não perdoar o vacilo de outrem?

Por que, na concepção de alguns, uns merecem perdão e outros não?

Por que as pessoas têm tantas dificuldades em perdoar, se o perdão, dentre outras vantagens, contribui para a nossa saúde mental?

Por que, sendo o perdão um ato de amor que transforma, que redime e nos faz melhor, há muitos que ainda se recusam perdoar?

É sobre isso que quero refletir.

E o faço em face das incontáveis vezes que a mim me fizeram – e continuam fazendo – a mesma e inquietante indagação: Por que você perdoou fulano (permitam-me omitir o nome), se ele fez tanto mal a você e a sua família?

A essa insistente/persistente indagação eu respondo com outra, para a qual não me dão resposta satisfatória: Por que não perdoá-lo?

Digo em adição: Por que guardar mágoas se posso delas me libertar pelo perdão?

Vou adiante.

Se o vacilo faz parte da vida, por que as pessoas resistem em perdoar os erros de outrem, conquanto almejem que os seus sejam perdoados?

Nessa toada, importa fazer outra indagação: Há níveis diferenciados de vacilos, de modo que uns devam ser perdoados e outros não?

Se vacilo é vacilo e se perdoar é humano, por que perdoamos uns e não perdoamos outros?

Prossigo questionando.

Para perdoar temos, necessariamente, que passar por um processo de evolução espiritual ou o perdão independe de condições?

Em face dessa indagação, respondo, simplesmente, que perdoar, desde a minha compreensão, é apenas um ato de vontade que leva à libertação, razão pela qual ele não está condicionado a nada a não ser à determinação de perdoar, na medida em que o perdão é, também, um remédio eficaz para a cura da alma.

Nesse sentido, é forçoso compreender que, para além de eliminar ressentimentos, o perdão traz leveza ao coração, a considerar que elimina os sentimentos negativos que eventualmente tenhamos em face de determinada(s) pessoa(s).

Creio, nessa linha de pensar, que não se deve, pois, questionar alguém porque tenha perdoado outrem, na certeza de que o perdão revela um natural e benfazejo amadurecimento do ser humano.

Claro que perdoar não é, pura e simplesmente, esquecer o que passou, todavia, é somente em face dele que nos libertamos das mágoas que inviabilizam a cicatrização das feridas abertas em face dos nossos sentimentos/ressentimentos.

Compreendo que a cura da alma só se dará em face do perdão, ainda que para alcançá-lo passemos por um processo doloroso e, até mesmo, por incompreensões, sobretudo dos que não conseguem entender a dimensão do que significa perdoar o vacilo de outrem.

Para ilustrar, lembro que muitos vacilaram na vida pessoal – Paulo, Cipriano, Margarida, Cássio, Sebastião etc. – e que, ainda assim, foram canonizados pela igreja, são cultuados como santos e a eles são dedicadas festas, altares e procissões, a reafirmar que todos vacilamos e que o perdão, em face dos erros cometidos, antes de causar estupefação, deve ser enaltecido, na medida em que, perdoando, eliminamos os rancores e as mágoas que, admitamos, tornam a vida, também sob essa perspectiva, um fardo difícil de carregar.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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