Tribunal de Justiça de Minas na berlinda

Deu na Folha de São Paulo

Tribunal de MG é acusado de promover juízes ilegalmente

Ao julgar o caso, CNJ pode anular a nomeação de 17 desembargadores

Entidade afirma que as promoções não foram publicadas em edital nem seguiram critérios como produtividade

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está julgando o pedido de anulação das promoções de 17 juízes ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, entre 2006 e 2009.

As promoções foram denunciadas ao CNJ por uma entidade nacional que representa juízes.

Segundo a Anamages (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais), o tribunal privilegiou parentes de desembargadores e ex-dirigentes de outra entidade de classe em detrimento de juízes mais antigos.

Além de não observar critérios como antiguidade e produtividade, as promoções foram feitas às escuras, sem a publicação de edital, sustenta a Anamages.

Por meio de sua assessoria, o tribunal mineiro informou que vai aguardar a decisão final do CNJ e cumprir o que for determinado.

VOTAÇÃO

Dois conselheiros do CNJ já votaram. Ambos consideraram ilegais as promoções, mas divergiram sobre a providência a ser tomada.

Jorge Hélio Chaves de Oliveira pediu a anulação das promoções por considerar que os atos “não podem ser convalidados com o tempo”.

O relator, Fernando Tourinho Neto, votou pela manutenção das promoções, somente se aplicando a resolução em casos futuros.

O julgamento foi suspenso em dezembro, após pedido de vista (tempo para análise do processo), e deve ser retomado em fevereiro.

O tribunal tem 130 cargos de desembargadores e dez vagas a serem ocupadas.

A acusação foi feita em 2009 ao CNJ. Entre os promovidos, há sete ex-dirigentes da Amagis (Associação dos Magistrados Mineiros), entre os quais Nelson Missias, atual secretário-geral da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

A AMB, maior entidade de juízes do país, é pivô da mais recente polêmica envolvendo o CNJ. A pedido da entidade, o Supremo Tribunal Federal tomou duas decisões que desidrataram o poder de investigação do conselho, impedindo que ele abra investigação por iniciativa própria.

CRITÉRIOS

Além de Missias, também consta da lista Doorgal Andrada, promovido quando era vice-presidente da AMB.

Segundo o pedido de anulação, a promoção de Andrada preteriu 41 juízes mais antigos do que ele.

Por sua vez, ao ser promovido, Missias era o 46º na lista de antiguidade e não atuava como juiz -no período, dedicava-se à Amagis e, por isso, não poderia ter sua produtividade analisada.

Nas sessões que decidiram pelas promoções, há desembargadores que justificam sua escolha ao elogiar a atuação dos juízes no comando das entidades de classe, sem levar em consideração sua atuação como magistrados.

“Não se fala em produtividade, assiduidade ou qualquer outro critério, apenas se dá ênfase ao compadrio pessoal ou associativo”, acusa a Anamages em documento enviado ao CNJ.

Andrada e Missias classificam o caso como uma retaliação, fruto de disputas no Judiciário mineiro.

Pensar é estar vivo

O alemão, ao noticiar a morte de Fernand, esperou que Rachel recebesse a notícia com lágrimas, gritos e palavrões. Qual não foi a sua decepção quando se limitou a dizer: “Não acredito que Fernand não pense mais!”.

Da reação de Rachel Zalkinof pode-se inferir que há pessoas, em face de sua racionalidade, que são capazes de construir frases de enorme significado para humanidade – mesmo  diante de uma situação absolutamente adversa.

À luz da verdadeira dimensão da exclamação de Rachel, pode-se afirmar, sem reinventar a roda, que o que de mais grave se pode impingir ao ser humano é, verdadeiramente, impedi-lo de pensar. E só se pode impedir alguém de continuar pensando, definitivamente, tirando-lhe a vida. É que, com a morte, nem Fernand,  e nem ninguém, pode pensar. 

Reafirmo, nessa senda, que quem em vida não é capaz de pensar – e existem muitos, não tenho dúvidas – , não sabe o que é viver. Aliás, não vive: vegeta!

É que o homem, sem pensar, sem refletir sobre as coisas do mundo, é um nada! É pura matéria! É coisa nenhuma! É bicho bruto! É a corporificação do irrelevante! É um amontoado de carne e osso, sem nenhuma importância! 

Pensar é a certeza da existência racional.

É essa racionalidade que nos distinguem dos demais animais que há sobre a terra.

Se pensamos, é porque temos consciência.

Se temos consciência do que pensamos, é porque existimos, verdadeiramente. Quem pensa tem consciência de si mesmo.

Quem pensa pode questionar, pode duvidar, pode argumentar, pode criar, pode fazer e acontecer.

Quando deixamos de pensar é porque já não existimos.

Quando, ao reverso, nos damos conta de que estamos pensando, estamos reafirmando a nossa existência. 

Pensar é poder se opor, é poder contestar, é poder se afirmar, estabelecer a contradita, externar a simpatia, a antipatia, o preconceito, aderir, combater, se contrapor, enfrentar o inimigo, etc.

Pensar, ainda que de forma equivocada, esquecer do que disse em face do que pensou, repetir as mesmas coisas algumas vezes, é, simplesmente, viver.

E viver, não se há de negar,  é, muitas vezes, pura contradição mesmo. 

O pensamento que me faz rir é o mesmo que pode fazer chorar o semelhante.

O pensamento que me ergue, que me faz voar, que me conduz a caminhos nunca dantes trilhados, é o mesmo que pode levar o meu semelhante à pura prostração.

Mas isso é viver!

E pensar é viver!

É crer!

É ver e discernir.

Depois de tudo que foi exposto nestas reflexões, fruto de minha capacidade de pensar – de forma equivocada, não raro, devo admitir -, o leitor, irreverente, pode concluir, até, que tudo que pensei não passa de uma bobagem de quem tem a mente desocupada.

Mas ninguém pode negar que, mesmo para dizer asneira e para criticar quem a exterioriza, é preciso estar vivo.

E que bom que estamos vivos: eu e o leitor. O articulista para dizer bobagens e o leitor,  para criticá-las.

Para reafirmar e ilustrar o que acima expendi, lembro das palavras de Victor Hugo, escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país, para quem “O pensamento é mais que um direito; é o próprio alento do homem.”

Na mesma senda as reflexões de Emilio Castelar y Ripoll, Político e escritor espanhol, penúltimo presidente da Primeira República Espanhola, para o qual, “Pensar é viver; o pensamento tudo abrange, tudo contém, tudo explica.”

Na mesma direção a célebre “Cogito, ergo sum”, de René Descartes, que, nada mais, nada menos, numa análise mais do que simplista e superficial, significa dizer: penso, logo tenho consciência de mim mesmo, logo sei de algo, de alguma coisa – sei da vida. Existo, enfim.

De tudo o que expus, despretensiosamente, devo reafirmar o óbvio: para pensar é preciso estar vivo.

Todavia, estar vivo e não ser capaz de pensar, não ser capaz de nada edificar, a partir de um pensamento racional, é o mesmo que não ter existência.

Quem tem medo do CNJ?

Abaixo, fragmentos de uma entrevista concedida pelo ministro Marco Aurélio ao sítio Consultor Jurídico.

ConJur — O senhor acha que os juízes temem o CNJ?

Marco Aurélio — Vou contar, apenas para revelar, um exemplo doméstico. Minha família tem base no Rio de Janeiro. Tenho meus irmãos, meus sobrinhos, duas filhas e um único neto no Rio. Minha mulher [desembargadora Sandra De Santis] tem os pais ainda vivos no Rio, tem um irmão que é pai de trigêmeas. Então, eu disse a ela: “Sandra, vamos pelo menos uma vez por mês ao Rio”. Ela disse: “Eu não posso”. Eu perguntei: “Por que você não pode?”. Ela respondeu: “Tenho meus processos”. Aí eu indaguei a ela: “E os meus?”. Resposta que ela me deu: “Você não tem o CNJ no calcanhar”. Se isso ocorre com ela, ocorre com outros juízes. Claro, a responsabilidade dela é maior por ser casada com um ministro do Supremo crítico dessa atuação quase que policialesca do CNJ. Mas o CNJ tem um papel importantíssimo, que é pensar na estruturação do Judiciário, no Judiciário de amanhã. Ele não pode pretender substituir-se a mais de 50 corregedorias. Mesmo porque teria que ser um órgão muito grande — quem sabe até expulsando o Supremo do prédio do próprio Supremo.

ConJur — O senhor critica até mesmo o fato de a sede do CNJ e do Supremo serem no mesmo prédio, não? 
Marco Aurélio — Sim. Eu estou lutando para ver se um anexo do TSE fica com o CNJ. Estou tentando estimular o presidente do Supremo a conseguir que o anexo onde está a informática, que é um prédio de 4.700 metros quadrados independente, que fica em outro lote, seja destinado ao CNJ. Por quê? Porque o CNJ foi instalado aqui no Supremo e eu acho que é prazeroso para aqueles que o integram dar como o endereço o Supremo Tribunal Federal. E há essa mesclagem que não é boa, inclusive com a expulsão de órgãos administrativos do STF para outros prédios em Brasília, para abrir espaço para o CNJ.

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Em defesa do CNJ

Dias Toffoli: “O CNJ tira poderes das elites estaduais”
O ministro do Supremo defende as investigações do Conselho Nacional de Justiça sobre os Tribunais dos Estados

 EUMANO SILVA E LEONEL ROCHA

SEM PRECONCEITOS O ministro Dias Toffoli, na biblioteca de sua casa em Brasília. Ele diz que o Supremo agora se preocupa mais em garantir os direitos dos cidadãos (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)

Aos 44 anos, o ministro José Antonio Dias Toffoli é o mais jovem integrante do Supremo Tribunal Federal. Sua presença na mais alta corte de Justiça do país se tornou um dos símbolos das mudanças no Judiciário que tornaram possíveis decisões, impensáveis no passado, como a aprovação da união civil entre pessoas do mesmo sexo. “O Supremo não tem preconceitos”, diz Dias Toffoli. Na polêmica em torno dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli se alinha com os defensores da atuação do órgão no combate a abusos cometidos por juízes e desembargadores. Ele diz que é a única maneira de evitar que as cúpulas dos Judiciários locais barrem as investigações das omissões e irregularidades. Toffoli se sente à vontade ao falar sobre a questão, sem parecer que está antecipando o voto, por já ter tomado uma decisão sobre o assunto no julgamento de um mandado de segurança. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixou
o supremo mais à vontade para debater se o consumo de droga é ou não crime”

ÉPOCA – O que estará em jogo no julgamento que o Supremo vai fazer em fevereiro sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça?

Dias Toffoli – O CNJ foi criado para trazer para o âmbito da nação a análise do funcionamento dos Judiciários estaduais. Há duas grandes questões a ser decididas em razão das liminares proferidas (pelos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski). A primeira é se a gestão do Judiciário e a investigação de seus quadros devem ser feitas pelo Judiciário local ou, também, pelo CNJ. Sobre esse tema, fico à vontade para falar sem parecer que estou antecipando meu voto, porque já me manifestei na decisão de um mandado de segurança. Penso que o CNJ subtrai das elites judiciais locais a decisão final sobre a administração, a gestão e a correição do Poder Judiciário. O CNJ pode atuar se houver, por exemplo, suspeita de venda de voto. A outra decisão diz respeito a acesso a informações de caráter sigiloso: se podem ser transferidas de uma instância pública para outra instância pública ou se elas só podem ser transferidas com a mediação de um juiz.

ÉPOCA – A corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, disse que existem “bandidos de toga”. O que o senhor acha disso?

Toffoli – Vejo nessa frase o uso da retórica para chamar a atenção para algo que pode existir. Já fui advogado, hoje sou juiz e posso dizer que nunca deparei em minha vida profissional com um juiz desonesto. Atuei em situações adversas. Por exemplo, atuei em casos contra advogados filhos de ministros (do Judiciário) e ganhei as causas. O que resolve o problema é investigar, fazer o devido processo legal e punir de modo que as decisões depois não caiam na (instância superior da) Justiça. O importante não é sair alardeando “fiz isso, vou fazer aquilo”. O importante é fazer e fazer bem feito. Frase de efeito não resolve nada.

ÉPOCA – A Constituição diz que o CNJ deve agir “sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos Tribunais”. Isso não limita a atuação do CNJ?

Toffoli – Penso que a competência é concorrente. Pode haver a investigação simultânea da Corregedoria local e do CNJ. O CNJ atua nos casos mais sensíveis, quando eventualmente o Judiciário local estiver envolvido.

ÉPOCA – O ministro Luiz Fux trabalha numa proposta intermediária, em que os Judiciários locais teriam um prazo antes de o CNJ começar a investigação. Essa ideia não resolve o problema?

Toffoli – Não acho necessário. O que o CNJ não pode é deixar de proceder dentro das regras do jogo. Não pode fazer um processo administrativo que não respeite o devido processo legal.

ÉPOCA – A composição do Supremo teve muitas mudanças nos últimos anos. Qual a importância dessas alterações nas decisões tomadas pelo Tribunal?

Toffoli – A Constituição de 1988, feita na transição democrática depois da ditadura, era uma Constituição nova com um  Supremo velho. O contraponto foi aumentar os poderes do Ministério Público de uma forma jamais vista em qualquer país. Só que o MP, da maneira como se organizou, com cada membro sendo uma instituição, não se mostrou apto a dar efetividade à Constituição. O Supremo vindo da época dos militares tinha a visão de que o Judiciário não podia entrar nas áreas do Executivo e do Legislativo. Isso só mudou com as nomeações de ministros do Supremo pelos presidentes eleitos pelo povo. O Supremo julgou, por exemplo, que a Justiça pode decidir que o Estado deve garantir a pacientes acesso a tratamento de saúde ou a medicamento, em caso de omissão. Isso, na época dos militares, era interpretado como uma invasão do Judiciário no orçamento de outro Poder. Podemos dizer que o Supremo agora é mais garantista e social, no sentido de garantir os direitos dos cidadãos.

ÉPOCA – O STF vai decidir neste ano se o uso de drogas é crime ou se deve ser tratado como um direito individual. O Supremo pode autorizar o consumde drogas hoje consideradas ilegais?

Toffoli – Ainda não firmei convicção sobre o tema. Algumas questões como aborto e uso de drogas ainda são tabus na sociedade, mas o Supremo não tem preconceitos. Do ponto de vista do Estado, a grande questão é refletir se as políticas do Executivo e do Legislativo para combater as drogas são eficazes. Ao Judiciário cabe analisar se essas políticas são compatíveis com os direitos individuais do cidadão. A criminalização é compatível com o direito individual de alguém usar ou não uma substância entorpecente? É compatível ou não com uma mãe não querer ter uma criança?

ÉPOCA – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lidera uma campanha pela descriminalização do uso da maconha. As opiniões dele podem influenciar a decisão do Supremo?

Toffoli – É evidente que isso ajuda a quebrar o tabu. O tema entrou na pauta, deixou o Supremo mais à vontade para debater se o consumo de droga é ou não crime.

ÉPOCA – Deixou de ser assunto de maconheiro, então?

Toffoli – Deixou de ser uma maluquice.

ÉPOCA – Foi isso que aconteceu no caso da aprovação da união civil entre pessoas do mesmo sexo?

Toffoli – Sim. O voto do relator do caso, o ministro Ayres Britto, mudou a opinião de alguns ministros, e a decisão foi unânime.
ÉPOCA – As trocas de governo provocam mudanças nas relações com o Judiciário?

Toffoli – Sobre o governo Dilma, não posso falar muito porque ainda está no início. Mas posso dizer que os presidentes Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula demonstraram enorme respeito pelo Judiciário. Collor cumpriu todas as decisões do Judiciário e saiu por um impeachment sem recorrer a alguma tentativa de se manter no poder que não fosse da regra do jogo. Então, desde a Constituição de 1988, há uma tradição no Poder Executivo de dar cumprimento às decisões judiciais.

ÉPOCA – O que mudou em sua vida depois que entrou para o Supremo?

Toffoli – É evidente que o cargo limita muito a vida pessoal. Hoje, penso duas vezes antes de ir a certos lugares, porque você está sempre sujeito a críticas.

ÉPOCA – O senhor foi criticado por ter ido ao casamento do advogado Roberto Podval na Itália (com as despesas de hotel pagas). O senhor tirou alguma lição desse episódio?

Toffoli – Ele é meu amigo há mais de 20 anos, de meu tempo de faculdade. Essa amizade não influencia em nada em meus julgamentos em que ele é advogado. Tanto que houve um caso, defendido por ele e julgado na primeira turma, em que votei com a maioria, por três a dois, que negou o habeas corpus para o cliente dele. Isso não interfere nas convicções, porque, senão, o juiz não poderia ter família, não poderia ter amigos, teria de ficar recluso num convento de Carmelitas Descalças.

A trindade política das cúpulas do Judiciário

Por   João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul

A crise instaurada no Poder Judiciário nacional, sem sombra de dúvidas, resulta da conjunção de três instituições de cúpula do Judiciário: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Supremo Tribunal Federal (STF) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O embate estabelecido em torno dos poderes investigatórios do CNJ, até o momento, somente atingiu a credibilidade do Judiciário, aliás, o que mais deveria ser preservado. Os representantes da tríade institucional protagonista de tanta perplexidade não tiveram a percepção de cuidar da imagem da magistratura nacional. Ao que tudo indica a credibilidade do Judiciário é uma questão secundária nessa disputa de forças.

É necessário analisar as responsabilidades de cada um dos atores desse processo que atinge de forma tão negativa a Justiça brasileira.

Nelson Calandra, presidente da AMB, tomou posse em dezembro de 2010. Teve como maior bandeira eleitoral a realização de uma forte campanha de valorização da magistratura. Um ano após a posse, chegamos a um descrédito jamais visto. Ao optar pelo corporativismo reducionista, a associação deixou de ter êxito em transmitir à sociedade a importância das prerrogativas da magistratura. Questões nacionais de extrema relevância para sociedade, como a Lei da Ficha Limpa, apoiada pelos juízes brasileiros por intermédio da entidade nacional, deixaram de ser pauta do movimento associativo. Abandonamos o espaço público e buscamos uma migração interna. Estrategicamente um equívoco, principalmente em momentos de crise como a que estamos vivendo, promovido pela Corregedora Nacional de Justiça.

Aliás, o papel desempenhado pela ministra Eliana Calmon somente se prestou, até aqui, para ferir a institucionalidade do Poder Judiciário. Dos raros magistrados de postura desviante, poucos foram punidos. Mas a maioria honesta sangra em praça pública e serve de escudo aos desonestos. Seus métodos de lançar suspeitas no atacado mediante investigações generalizadas e desprovidas de fatos concretos, postando-se como o baluarte da coragem e da decência, atende apenas aos padrões exigidos pela mídia pasteurizada, que garante o espetáculo e o sucesso de público.

E sobre os propósitos da Corregedora Nacional na sua gestão no CNJ a sociedade bem que poderia ter mais curiosidade em saber. A magistratura ainda não vislumbrou algum encaminhamento de sua administração para enfrentar os problemas estruturais do Judiciário. Não observamos até agora, ou por falta de informação ou pela inexistência de projetos, qualquer direcionamento da Corregedoria Nacional em desenvolver políticas efetivas para o Poder Judiciário: ações voltadas para o melhoramento da prestação jurisdicional. A capacidade do órgão de somar esforços com os Tribunais está reduzida à reedição das surradas metas, hoje protocolares, e utilizada mais para dar satisfação à sociedade e criar a falsa impressão de atuação efetiva do CNJ.

Problemas complexos, como a morosidade processual, exigem o empenho articulado e coletivo de todos os atores envolvidos na prestação dos serviços judiciais. A criação do CNJ atende principalmente uma demanda organizacional e sistêmica da Justiça, para que coordene e dirija as políticas nacionais que visem à superação das insuficiências. A magistratura brasileira, nesta gestão, ainda espera por alguma iniciativa. A ministra corregedora não tem um projeto.

Também não vislumbramos dentre as virtudes da ministra, tão exaltadas pelos meios de comunicação, a sua determinação e preocupação com o grave congestionamento judicial e o anacronismo de seus métodos legislativos de solução de conflitos. A distribuição de justiça – essência da obrigação constitucional do Poder Judiciário – parece ser secundária na sua administração.

É até compreensível a dificuldade das associações de magistrados em estabelecer uma comunicação livre de ruídos com a sociedade, especialmente quando se postam a criticar o CNJ. O senso comum produzido guindou o Conselho como panaceia às mazelas endêmicas do Judiciário. Eis a questão. Não menos compreensível é a necessária noção do importante papel das associações no tensionamento com o Conselho, notadamente porque é um órgão novo com atribuições gerais sobre o sistema judicial nacional. Assim, a AMB, AJUFE e ANAMATRA assumem um papel decisivo no aprimoramento da atuação do CNJ, que não limitado à crítica ou à resistência, mas na parceria, na elaboração e na execução das políticas nacionais para o Judiciário.

Concomitante à incapacidade da ministra Eliana Calmon de construir um ambiente de cooperação, que sempre existiu com as entidades de classe, estas optaram por uma reação desprovida de estratégia, como se desconhecessem a concepção da grande imprensa nacional no trato da informação, associado com o evidente manejo midiático em relação às posturas espetaculares de agentes públicos. O resultado é o que está se vendo: um grave desgaste das instituições perante a opinião pública. Para o incauto, os juízes, por suas Associações nacionais, estão obstando a apuração das irregularidades no Judiciário.

O STF é outro elemento institucional que agrava mais os fatos.

Parece necessário lembrar que o CNJ é presidido pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso. Essa constatação torna evidente que as divergências e contradições sobre a forma de atuação do Conselho estão no próprio CNJ. A falta de consenso interno do órgão sobre as suas atribuições levou à judicialização da questão, o que poderá ensejar solução (ou agravamento do problema) legislativa casuísta, embalada pelo calor dos acontecimentos. O produto disso poderá ser a transformação do CNJ em um órgão com poderes totalitários e unificados em contraposição a um consagrado e não efetivo pacto federativo. Um lamentável retrocesso na democratização da Justiça.

O STF também está com a sua imagem abalada, no momento em que não consegue dar uma resposta à sociedade em questões que vicejam do tecido social. O certificado inquestionável reside na sua incapacidade de retirar da vida pública brasileira seus maiores corsários. A Corte Suprema não teve a dimensão de perceber que a Lei da Ficha Limpa é fruto do desespero de uma sociedade que não suporta mais a corrupção. É o significado das milhares de assinaturas que possibilitaram a segunda lei – nesta República – oriunda de iniciativa popular. De saudosa memória, recordemos a importância da AMB de então, nesta iniciativa, ao liderar a campanha Eleições Limpas.

O desprezo à institucionalidade muito bem se revela com a total apatia das cúpulas do Judiciário, em relação à postura antidemocrática da Presidenta Dilma, que congelou as nomeações dos juízes promovidos aos Tribunais Federais, causando sérios prejuízos na prestação jurisdicional e na organização judiciária das respectivas cortes.

Não podemos qualificar como pleito injusto exigir das lideranças das instituições envolvidas nesta crise que repensem as suas posturas. A AMB que assuma a cobrança pública dos Tribunais que não estão cumprindo seu papel correcional. O CNJ que cumpra o seu papel de coordenar políticas públicas para o Judiciário, construindo uma parceria efetiva com toda a Magistratura, e também promova a necessária democratização dos Tribunais, e não atente mais contra as suas autonomias. E que o STF olhe nos olhos e, se possível, na alma da sociedade brasileira para perceber o que está acontecendo em nosso País.

Enquanto isso, o único consenso que podemos observar dessas lideranças é no sentido de somar esforços para acabar com a nossa institucionalidade.

Resta esperar o termo da autoridade concedida ao triunvirato envolvido nessa crise, porque, na atual composição de quadros, não vislumbramos solução institucional.

O Poder Judiciário na berlinda

A tentativa de esvaziamento do Poder Judiciário por alguns destacados membros da magistratura pode ser um tiro no pé.

Veja, a propósito, matéria  capturada no Jornal Folha de São Paulo, que, para mim, é um indicativo de que haverá manifestações mais açodadas em face da tentativa de esvaziar o CNJ.

PAINEL

FÁBIO ZAMBELI (interino) – painel@uol.com.br

 Júri popular

Em defesa do poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil mobilizará a Igreja Católica e artistas em nova campanha contra a corrupção no Judiciário. Movida pela ameaça de esvaziamento do papel do CNJ, catalisada por processos de associações de juízes em curso no STF, a entidade promoverá ato público no dia 31, em Brasília.

À ocasião, dirigentes da OAB pretendem integrar a CNBB a movimento análogo ao da Lei da Ficha Limpa, que desaguou no Congresso com um milhão de assinaturas. A ideia é levar para além dos tribunais a discussão sobre privilégios e desvios da magistratura.


Caixa-preta 1 Do presidente nacional da Ordem, Ophir Cavalcante, que já havia capitaneado frente em prol da corregedora Eliana Calmon em março do ano passado: “O CNJ é fundamental para dar mais transparência à Justiça brasileira, que, entre todos os poderes, ainda é o mais fechado”.

Caixa-preta 2 Sob nova direção, a Corregedoria Geral de Justiça de SP usará redes sociais para colher denúncias contra juízes via internet.

O que eles disseram

Do ministro Marco Aurélio, sobre o julgamento dos mensaleiros:

“Como sempre, votarei baseado na Constituição. A cadeira vitalícia que ocupo não serve para atividades de relações-públicas”

Do mesmo ministro, sobre a colega Eliana Calmon:

“A atitude dela de generalizar acaba provocando o que nefasto, a fragilização do Judiciário”

Fonte  ISTOÉ