O templo e os oportunistas

Uma leitora da Folha de São Paulo, no Painel do Leitor, dizendo se negar a sair à ruas, para novas manifestações, como propôs Elie Gaspari, a propósito da mais uma presepada de Renan Calheiros, aproveita o ensejo para lembrar ao colunista, que os políticos não são os únicos desonestos, ao tempo em que narra que, estando numa igreja e tendo esquecido o seu aparelho de telefone celular no local onde estava sentada, ao retornar, o mesmo já tinha sido subtraído, provavelmente por um fiel que estava rezando e condenando os que agem como Renan Calheiros.

Não deixa de ter razão a leitora. Aliás, ela tem muita razão. É muito estranho mesmo que as pessoas condenam as ações ilícitas dos políticos, para, na primeira oportunidade, fazerem exatamente a mesma coisa. Aliás, essa tem sido a minha cantilena. Tenho dito, nesse sentido, que só pode se arvorar de honesto quem, tendo a oportunidade de praticar uma ilegalidade ou um desvio de conduta, não o faça.

Eu, confesso, conheço pessoas, sim, que invocam a todo momento a palavra de Deus, que são assíduas nos templos religiosos, as quais, no entanto, levam uma vida dissoluta, não respeitam pai, mãe, filhos, amigos e quem mais possa cruzar o seu caminho, e não perdem a oportunidade de fazer uma bandalheira.

A leitora, nesse sentido, tem razão, sim, de condenar a ação de seu ou sua colega de templo, pois num ambiente desses é onde menos se espera que as pessoas sejam capazes de fazer o mal a alguém ou de dilapidarem o patrimônio alheio, ainda que se possa argumentar que, por se tratar de bem perdido, não restasse tipificado nenhum tipo de crime.

O reverso da medalha

thDizem que o que o Brasil tem de melhor é a sua gente; e não tenho dúvidas. O povo brasileiro é mesmo um povo bom. Nós somos, sim, solidários na dor. Estamos disponíveis para ajudar um amigo, um vizinho ou um parente nas suas dificuldades.

Mas nessa constatação há algo que me inquieta, porque parece contrariar a máxima acima: por que, no mundo da política, preponderam os malfeitores, os crápulas e oportunistas?

Acho que não preciso sequer citar exemplos, nominar pessoas. Está tudo aí, à vista de todos, claro como a luz solar. Todos vemos. Todos testemunhamos. Só não vê quem não quer ver.

Em situações recentes e extremas a diferença abissal entre povo e classe política/dirigente se mostra por inteiro. Agora mesmo, vejo, na Folha de S. Paulo, que a presidente Dilma vai liberar recursos, sem projetos, para que os prefeitos possam enfrentar as consequências das chuvas no Espírito Santo.

Até aí, nada demais! Tudo que puder ser feito para minimizar a dor das vítimas deve ser feito mesmo. E a burocracia emperra mesmo; atrapalha, muitas vezes.

Palmas, pois, para presidente, para sua sensibilidade.

Acontece que a própria presidente admite que o óbvio pode ocorrer, ou seja, os recursos podem ser desviados. Todavia, ainda assim, vai liberá-los, e seja o que Deus quiser. E esse temor não é infundado, devo dizer. Assim é que o que a presidente imagina uma  possibilidade, eu tenho como certeza.

Vai acontecer, sim, o que todos tememos, mas entrevemos: os recursos serão mesmo desviados, afinal, eles não têm consciência, não têm pena do miserável. O que puderem levar para os bolsos, levarão, sem o menor constrangimento. Depois, é só esperar o próximo verão, que tudo se repetirá.

No outro extremo, a reafirmar  que o povo brasileiro é um povo bom, vejo o exemplo da balconista Marineia Rodrigues de Coura Dominici e do seu marido Rui Dominici. Eles perderam tudo que construíram, nos 21 anos de casos,  para as chuvas.

Mas não ficaram chorando pelos cantos, lamentando o revés, o que seria mais que natural e justificado. Mas não! Eles se juntaram aos voluntários e estão ajudando as demais vítimas das chuvas, aqueles que, na compreensão deles, estão pior que eles.

Este é um belo e eloquente exemplo de que o povo brasileiro é mesmo um povo bom; aquele, é o reverso da medalha. É o exemplo do Brasil crápula, bandido, oportunista e insensível. É a prova provada de que os homens públicos brasileiros, de regra, veem o próprio umbigo como o centro do universo.

E o resto? Bem, para eles, o resto é resto, e nada mais.

É isso.

Eleitor sem independência

No início da República, sabemos, várias oligarquias se perpetuaram Brasil. Só para ficar num exemplo mais luminoso, Borges de Medeiros, discípulo de Júlio de Castilhos, ficou no poder, no Rio Grande do Sul, por longos 25 anos. Nesse período, constam dos manuais, a fraude eleitoral permeava, definitivamente, as eleições, cujos resultados, obviamente, não retratavam a vontade dos eleitores. Dizem os experts que isso ocorria em face da falta de independência do eleitor, que terminava por votar de acordo com a vontade do “coronel” de plantão; ademais porque  porque o voto era dado a descoberto.

O tempo passou e, ao que vejo, com os olhos voltados para o longínquo ano de 1889, ano da proclamação da República, e para os dias presentes,  pouco mudou no que se refere à independência do eleitor, conquanto tenhamos evoluído para o voto secreto – que, de rigor, não é tão secreto assim, em determinadas circunstâncias.

A verdade é que onde a miséria e o analfabetismo imperam o eleitor –  nos dias de hoje, como no passado – não tem independência. O eleitor, essa é a triste conclusão,  ainda vota premido pelas circunstâncias, daí a minha a constatação de que o voto não é tão  independente como se deseja fazer crer, até mesmo para legitimar o resultado das eleições.

Tendo dito, sem nenhum receio, que enquanto eleitor viver de pequenos favores de algumas lideranças municipais, muitas delas forjadas em face da omissão do Estado, ele, eleitor, continuará votando sem consciência e sem independência, pois o faz apenas em retribuição à ação de quem, numa hora de dificuldades, soube ser solidário com ele.

Tenho para mim que se ao eleitor fossem dadas as mínimas condições, por exemplo, de acesso a uma educação de qualidade  ou se a ele fosse dado condições de acesso a um serviço público que atendesse às suas mínimas necessidade,  ele, eleitor, teria sim condições de decidir acerca do seu voto.

O eleitor, entrementes, que procura o serviço público e não é atendido normalmente, se vê  obrigado a se submeter aos favores dos detentores do poder, que, em troca, exigem fidelidade; e fidelidade, nesse caso, quer dizer, falta de independência para votar.

Vamos a um exemplo prático. O cidadão procura um centro de saúde, mantido pelo poder público, e não recebe atendimento. Diante dessa situação, é obrigado a procurar o médico da cidade, que, não por acaso, é também um líder político. Esse médico o atende com a devida atenção. Pronto! Esse  eleitor, estou certo,  jamais esquecerá o favor, e ficará grato para o resto da vida; gratidão que, como sói ocorrer, retira a sua independência na hora de votar. Ele, doravante, não mais será dono do seu voto; será, para sempre, grato ao médico que lhe socorreu numa hora de aflição.

Poderia aqui citar incontáveis outras situações proporcionadas pela omissão do  Estado, a retirar a  independência do eleitor. Vou deixar de fazê-lo porque desnecessárias e também porque qualquer uma pessoa que tenha o mínimo de bom senso saberá identificar tais situações.

A conclusão a que se pode chegar é que, como no início da República, a situação do eleitor, no que se refere à sua independência, não mudou muito.

Problema de gestão

“Do ponto de vista prático, o novo CPC não vai alterar nada”

Por Elton Bezerra

Divulgado pelos deputados como uma espécie de acelerador dos processos judiciais, o novo Código de Processo Civil não mudará a marcha da Justiça no país. A afirmação é do advogado e professor titular de Direito Processual Civil da USP José Rogério Cruz e Tucci. “O novo CPC não vai alterar nada. A distribuição de justiça vai continuar como está. O problema da demora do processo não é de legislação, é de gestão”, afirma.

Para Tucci, um exemplo acabado de falta de planejamento está no Processo Judicial Eletrônico. Como o Conselho Nacional de Justiça estuda unificar os sistemas de todos os tribunais, algumas cortes que já têm seus programas desenvolvidos temem ter de dar um “reset” e começar tudo do zero, com mais custos. “Isso é falta de planejamento”, resume.

Em seu escritório, ele afirma que tem de colocar mais pessoas para transmitir um documento do que para confeccionar uma peça processual. “É um verdadeiro drama”, desabafou. Para Tucci, um dos problemas no sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo está na pesquisa de precedentes. “É horrível”, diz. “Pesquise, por exemplo, o vocábulo ‘responsabilidade’. Aparecem todos os julgados com palavras assemelhadas, tornando-se absolutamente confuso o resultado.”

Apesar das críticas ao novo CPC, Tucci vê com bons olhos o incidente de demandas repetitivas. “O juiz tem que se curvar àquilo que o tribunal, em causas idênticas, já decidiu”.

Integrante da Comissão de Juristas para a reforma da Lei de Arbitragem, defende ampliar a aplicação do instituto para relações de trabalho, consumo e nos contratos da administração pública. Algumas exigências, contudo, devem ser respeitadas.

No caso das relações de trabalho, apenas em contratos de altos funcionários das empresas, como diretores estatutários ou equivalentes. “Um CEO, ou uma pessoa que tenha condições de se submeter a uma arbitragem, no âmbito dos contratos individuais de trabalho.”

Nas relações de consumo, para compras de bens ou serviços de elevado valor. “Evidente que não é na compra de um liquidificador. Nós estamos falando de um consumidor que comprou um avião”, exemplifica.

Já os contratos da administração pública devem ser transparentes, mesmo a arbitragem sendo caracterizada pela confidencialdiade. “Na esfera da Administração Pública, a transparência é inarredável”.

O professor falou também da carreira docência. Mesmo dando aulas em uma das faculdades mais tradicionais e concorridas do país, diz que os alunos estão chegando com um formação deficiente. “Os alunos de 5º ano, em geral, não têm atingido um grau de dedicação que se espera”, lamenta. Bem-houmorado, defende que o estudante faça estágio apenas quando estiver na metade do curso. “A partir do 3º ano ele já tem condição de saber onde se localiza a Praça da Sé ou o Fórum João Mendes” diz, rindo.

Leia entrevista no Consultor Jurídico

Heróis esquecidos

Há muitas pessoas, algumas até muito próximas, que, até hoje, não engolem o meu discurso de posse. Por causa dele, nunca me perdoaram. Sei disso. Sinto isso.

Desde o discurso – ou mesmo antes deles, por eu ser uma pessoa muito convicta na defesa das minhas ideias – atraí a antipatia de muitos.

Eu sei perfeitamente disso. Eu sinto isso. Eu respiro isso. Sei que não foi fácil assimilar a minha, digamos, ousadia. É que, sem que as pessoas tenham sofrido na carreira os reveses que sofri, elas jamais compreenderão as razões que me levaram a fazer aquele discurso. Todavia, espero que tenham percebido, não ataquei ninguém. Fiz um discurso limpo, me limitando a narrar fatos. Nada mais que isso.

O certo é que, se é verdade que muitos não engolem a minha ousadia, consegui, sem perceber, galvanizar a simpatia de parte da população. Por todos os lugares por onde ando tenho sido bem recebido, e há sempre alguém a dizer que me admira, que gosta do meu trabalho e que sou um cidadão respeitado.

Que bom que seja assim! É bom, sim, ser reconhecido, ser respeitado, considerado…

Mas, atenção!, eu não sou herói. Não nasci pra ser herói.

Digo isso porque, desde que cheguei ao Tribunal, tenho recebido cartas anônimas, denunciando pessoas importantes, e pedindo providências. E muitos são os que dizem que fazem isso porque confiam em mim. Há muitos que, inclusive, fazem menção ao meu discurso de posse, porque a partir dele teria nascido a admiração.

Contudo, repito: não sou herói e não sou inconsequente. Eu jamais adotarei qualquer providência, contra quem quer que seja, sem que a denúncia se apresente com pelo menos indícios da prática de um crime ou de um ilícito administrativo, e com a identificação do seu autor.

Dizem, jocosamente, que o inferno está cheio de bem-intencionados e de heróis. Eu não pretendo me juntar aos heróis inconsequentes.

Por falar em herói, pergunto se algum dos senhores já ouviu falar do Marechal Carlos Machado Bittencourt?

Pois saiba que Carlos Machado Bittencourt, em 1897, evitou que o presidente Prudente de Morais fosse assassinado, se interpondo entre ele e seu algoz, Marcelino Bispo. Resultado, recebeu as facadas que se destinavam a Prudente de Morais, morrendo em seguida.

Carlos Machado Bittencourt, como se vê, é mais um daqueles heróis que sucumbem e sobre o qual a história silencia.

Definitivamente, não tenho vocação suicida.

É isso.

Açúcar e café para velório

Há mais de vinte anos venho lidando com questões criminais, especificamente. Primeiro, em Imperatriz, na 2ª Vara Criminal, por mais de dois anos; depois, em São Luis, na 7ª Vara Criminal, por 19 anos, mais ou menos. Ao assumir  a  segunda instância, passei a integrar uma Câmara Criminal, onde estou desempenhando o meu ofício há mais de três, disso tudo inferindo-se que pelo menos experiência tenho bastante para fazer as reflexões que faço a seguir.

Com a experiência e o conhecimento acumulados durante tanto tempo  em face das questões criminais, posso afirmar, sem hesitação e sem surpreender, que uma das causas da criminalidade – quiçá a mais relevante – é, sim, a quase certeza da impunidade, no que se refere aos, digamos, pequenos transgressores (assaltantes, especialmente),  e a convicção dela, em face da criminalidade do colarinho branco.

Não é por outra razão que os assaltos se multiplicam, muitos dos quais à luz do dia, à vista de todos. Não é por outra razão, outrossim, que os meliantes das classes mais favorecidas continuam “assaltando” os cofres públicos, a inviabilizar programas essenciais de interesse da coletividade.

Todos sabem – do pequeno ao grande meliante – que punição é uma loteria e que só mesmo por falta de sorte um assaltante será punido pelos crimes que eventualmente cometa, daí o seu destemor, daí a sua ação descontrolada a infernizar a nossa vida.

As estatísticas em torno da questão, para a qual concito a reflexão do ilustrado leitor, não deixam mentir. É dizer: a possibilidade de um meliante vir a ser preso, processado e condenado em face de um roubo ou de um furto é remotíssima, daí a estonteante estatística de vítimas desse tipo de crime.

Lado outro, a possibilidade de um gangster de colarinho branco, desses que assaltam os cofres públicos, sem pena, sem dó e sem pudor, vir a ser preso e devolver o que subtraiu chega muito perto de zero.

Dessa constatação resulta que o meliante, seja de qual coloração for, não teme um revés. Quando eles, os transgressores, se decidem pela prática de um crime, sabem que a chance de virem a ser processados e punidos é, por assim dizer, nenhuma. Daí pensam: se é mais fácil adquirir dinheiro para consumir droga e/ou comprar um bom par de tênis e/ou um celular de última geração assaltando, por que vou trabalhar?  Os seus iguais de colarinho branco, do mesmo modo, concluem: se beltrano e sicrano, todos sabem, assaltaram os cofres públicos, estão ricos e vivem esbanjando, sem a mínima possibilidade de virem a ser molestados pelas agências de controle, por que eu, que agora tenho a chance de fazer o mesmo, certo de que também não serei alcançado,vou dar uma de otário?

Nesse cenário, não adiante exacerbar as reprimendas penais. Da mesma forma, não adiante criar novas figuras penais, se elas não saem, em face da maioria dos crimes, de sua abstração.

O ideal seria que todos que cometessem crimes tivessem a certeza de que, em face deles, seriam punidos. Não é o que ocorre, entrementes, sobretudo para os egressos das classes mais favorecidas, onde a impunidade é a regra.

A verdade é que, como está, de nada valerá a reforma penal que se limitar a criar novas figuras típicas ou que exasperem as penas, em face, repito, do sentimento, da sensação da impunidade; sensação que, não raro, desestimula as próprias vítimas de noticiarem a prática de crimes, cientes de que tudo pode ficar como dantes.

Eu mesmo, tendo sido assaltado recentemente, registrei a ocorrência por insistência de um conhecido, ciente de que as instâncias persecutórias nada fariam para a devolução do bem subtraído e para o processamento do meliante, que deve andar por aí praticando crimes do mesmo jaez, consciente de que nada lhe ocorrerá.

A propósito,até hoje não tenho notícia de nenhuma ação que tenha sido desenvolvida para identificar o meliante que me assaltou, convindo consignar que a câmara de segurança, que filmou o assalto que me vitimou, não capturou detalhes da ação criminosa, porque não havia ninguém na operação.

Recordo que, ao tempo em que atuava na 7ª Vara Criminal, condenei um assaltante que havia roubado,  várias vezes –  por cinco ou sete vezes, não me recordo bem –  a mesma vítima, no mesmo lugar, nas mesmas condições – à luz do dia, à vista de todos, sem enleio, sem receio, descaradamente, sem sequer se preocupar em esconder o rosto.

Lembro de ter ouvido da dona do comércio que quando avistava o meliante à distância, dirigindo-se ao seu comércio, se limitava a pedir a Deus que ele se decidisse apenas pela subtração dos bens materiais, e lhe poupasse a vida.

Intrigado com a petulância do assaltante, indaguei-lhe, no interrogatório, por que assaltar a mesma vítima tantas vezes, ao que me respondeu, candidamente, que o fazia por que, até então, não tinha sido punido, mas que, doravante, pretendia mudar de vida, em face da informação que tivera, ainda na Delegacia, de que, estando em minhas mãos, dificilmente escaparia de uma punição.

A dona do comércio reconheceu o meliante, que, claro, foi condenado. Só que, infelizmente, ela não teve mais condições de trabalhar, abalada psicologicamente em face dos crimes que a vitimaram durante tanto tempo; resolveu fechar o comércio, e partiu para outra atividade menos perigosa.

Esse fato serve para reafirmar a minha convicção de que a criminalidade não refluirá se os criminosos não tiverem a certeza de que serão punidos.

Os gestores públicos, da mesma forma, enquanto tiverem a certeza de que podem usar o dinheiro público como bem lhes aprouver, sem risco de punição e de devolução ao erário, também não refluirão. A certeza que eles têm  de que nada lhes acontecerá é o estímulo que precisam para continuar promovendo desvios de verbas públicas, sendo relevante anotar que desses desvios se beneficiam poucos em detrimento de muitos, que são exatamente os pagadores de impostos.

No caso dos gestores públicos municipais, o que é mais lamentável é que, culturalmente, a população acha normal que ele – e  grande parte dos acólitos –  enriqueça no exercício do cargo, ainda que, em face dos desvios de verbas, receba apenas as migalhas, traduzidas numa garrafa de cachaça, numa passagem de ônibus, no café e no açúcar para um velório ou no  aviamento de uma receita.

Horrendo espetáculo

É claro que não se deve viver antecipando um sofrimento que não se saber ao certo se ocorrerá, afinal, há, sim, os que, por sorte ou seja lá o que for, passam pela vida e não sofrem.

Mas ninguém sabe o futuro. E é preciso estar preparado – e tentar preparar – para o futuro, afinal o que a gente pode fazer é trabalhar para que, no futuro, não tenha que pagar pelos erros e pelos excessos do presente.

Ainda que não se deva viver a vida antecipando um sofrimento que pode não vir, ainda assim, sem paranoia,  aos 60 anos, tenho me preocupado com o meu futuro, com o que me aguarda quando chegar, definitivamente,  à velhice; falo da velhice incapacitante, que causa dependência.

Tenho, sim, medo da invalidez, da dependência, da dor, do abandono, da solidão, da tristeza que acompanha a velhice.

Tenho medo, sim, de sentir-me só pela ausência dos meus filhos, de ver chegar a hora; a minha hora e a hora das pessoas que amo.

Não deve ser fácil, por isso não me furto de refletir sobre essas questões, porque, pior que refletir, é negar a realidade, como se fôssemos eternos ou feitos de um material  não perecível.

Mas, importa dizer, não sou do tipo obsessivo e nem paranoico. Prefiro admitir que sou realista. Todavia, por ser realista, me cuido. Faço dieta. Faço exercício. Não abuso de bebidas alcoólicas ou de fumo.

Tudo isso, sim, porque espero ter uma velhice saudável, para não ter que sofrer e infligir sofrimento aos meus filhos, que têm o direito de viver a sua vida, de construirem a sua história, de se dedicarem aos seus filhos e às suas conquistas pessoais.

Essas reflexões me ocorreram ao conhecer uma página da História do Brasil, que condiz com a expulsão da família real, depois de proclamada a República.

Uma das passagens que me fizeram refletir condiz com a tentativa de D. Pedro II de, chegando em Portugal, encontrar o romancista Camilo Castelo Branco, por quem tinha uma profunda admiração.

Camilo Castelo Branco vivia  no andar térreo de uma casa em ruínas, no centro da cidade, cego, doente, empobrecido, surdo e sentindo muitas dores.

D.Pedro II, também passando por momentos difíceis, depois de ser expulso de sua terra natal,  mandou perguntar se poderia visitá-lo. O escritor, no entanto, recusou a visita, dizendo que, naquelas condições, preferia não rever o amigo.

Eis excerto da correspondência:

“A visita de Vossa Majestade, na dolorosa situação em que me encontro, seria para os meus cruéis padecimentos uma exacerbação”, para concluir: Além das nevralgias que me forçam a gritar, estou febril, cego e surdo. Não queira Vossa Majestade presenciar esse horrendo espetáculo”.

Mas D. Pedro II insistiu e foi visitar o amigo.

Trecho do diálogo, presenciado por Ana Correia, sobrinha do escritor:

-Meu Camilo, console-se, Há de voltar a ter a vista.

-Meu senhor, a cegueira é a antecâmara da minha sepultura.

-Perdi o trono, estou exilado, e não voltar à pátria é viver penando.

-Resigne-se Vossa Majestade. Tem luz nos seus olhos.

-Sim, meu Camilo, mas falta-me o sol de lá.

PS. Camilo Castelo Branco suicidou-se no primeiro dia de junho de 1890, com um tiro de revólver na têmpora direita.

Fonte: 1889, de Laurentino Gomes

Engenharia do mal

Esse final de semana dediquei-me à leitura de um tema específico, sobre o qual pretendo escrever um artigo para ser publicado, no próximo final de semana, na minha coluna, no Jornal Pequeno. Li Reinaldo Azevedo, Jânio de Freitas, Roberto Pompeu de Toledo, André Singer, dentre outros. Uns, claro, a favor da decisão do Supremo que já se delineia; outros, por evidente, contra. Nesse sentido, devo dizer que há argumentos sedutores numa e noutra direção.

O que me chamou a atenção nos diversos artigos é que ninguém disse, às claras, que a sangria dos cofres públicos decorre, inevitavelmente, em face das doações de campanha. Com efeito, quem doa um, almeja amealhar quatro ou cinco. É dizer: quem doa, por exemplo, um milhão de reais, o faz ante a perspectiva de, pelo menos, quadruplicar ou quintuplicar esse valor, subtraindo, pelos mais diversos meios, dos cofres públicos. É nessa engenharia do mal que está o sumidouro das verbas da educação e da saúde, para ficar apenas em dois exemplos.

Importa dizer, ademais, que doador, de regra, não tem ideologia. Doador de campanha tanto doa à esquerda quanto à direita. Aliás, ele nem sabe mesmo o que estar à direita ou à esquerda, porque, afinal, o que lhe estimula mesmo é a possibilidade alcançar o dinheiro público. E, registre-se, não há um único político que não saiba como se dá essa subtração. E digo mais: nessa questão não há santos, não há inocentes. Todos são iguais.

Mas vou deixar para aprofundar a questão no artigo em comento. Fico, pois, por aqui.