O mundo em preto e branco

Há pessoas que, seja qual for os fins que persigam, sejam quais forem as idéias que defendam, só conseguem ver o mundo em branco e preto.

São os, por assim dizer, radicais, do tipo que a todos criticam mas não são capazes de uma elementar autocrítica.

Todavia, é preciso confrontar essa realidade maniqueísta.

Não se pode ver o mundo e as pessoas em duas cores.

As coisas não são bem assim, do tipo  se sou bom os outros não prestam, se sou honesto, tudo o mais é desonesto, se falo a verdade, o que outros dizem é pura mentira, se sou belo, o que não sou eu belo não pode ser.

É preciso analisar o mundo sob outro enfoque.

É preciso que se estabeleça um ponto de equilíbrio.

Se me julgo  correto, tenho de convir que, como eu, há incontáveis pessoas tão ou mais corretas que eu.

Se sou honesto, o meu vizinho não é necessariamente desonesto.

Se sou cumpridor das minhas obrigações, não quer com isso significar que as outras pessoas sejam negligentes.

Se sou pacato, não significa que os demais sejam beligerantes.

E por aí vai.

Essas reflexões são fruta  da constatação de que muitos que criticam o semelhante, de forma acerba e inclemente,  em face de um deslize a que todos estamos sujeitos, assim  o fazem exatamente  em face da  lamentável visão maniqueísta  que têm do mundo.

Os nossos desvios de conduta

É evidente que quando falo em desvio de condutas  dos nossos homens públicos não perco de vista que, entre nós, magistrados, há, sim, os que, da mesma forma que os políticos, desviam a conduta, agindo à margem da lei.

Há notícias, sim, de magistrados que, no poder, enriquecem ilicitamente.

Quando destaco, neste espaço, pois, os desvios de condutas dos políticos, não tento, como pode parecer, esconder os nossos próprios desvios.

Aliás, os nossos desvios de conduta já foram refutados, a mais não poder, neste mesmo blog, incontáveis vezes.

A propósito, concito o leitor a ler o post abaixo, da minha autoria,  publicado há mais de um ano, verbis:

“Os togas sujas.”

“No Direito Positivo brasileiro nenhum crime tem os efeitos mais deletérios para o conjunto da sociedade que a corrupção, visto que, é através dela que se esvai o dinheiro da educação, da merenda escolar, da saúde, da segurança e de outras coisas mais, afetando decisivamente a vida em sociedade.
Conquanto seja o crime de efeitos mais deletérios, não tem sido fácil tirar de circulação os corruptos. Eu, por exemplo, com mais de 22 (vinte dois) anos de incessante ação judicante, nunca tive o prazer (?) de julgar um integrante dessa categoria. É que eles são ensaboados, escorregadios e mutantes. Eles sabem, enfim, como escapar dos tentáculos dos órgãos persecutórios.
Batedor de carteira, assaltante de meia tigela, furtador inexpressivo são facilmente alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Basta visitar as cadeias ou as penitenciárias, para perceber que elas estão lotadas de roubadores e furtadores – todos, sem exceção, egressos das classes menos favorecidas. Aqui e acolá se prende um colarinho branco, exatamente para legitimar o status quo, para que os ingênuos imaginem que as coisas estão mudando. Fora essas exceções maquiadoras da realidade, podem procurar corruptos na cadeia, mas não os encontrarão, por certo.
O corrupto não tem o perfil da clientela do direito penal. Ele, via de regra, freqüenta as rodas mais elegantes, costuma andar de terno e gravata, é falante, audaz, cheiroso, cabelos bem penteados e, com a lábia, galvaniza as atenções. Enganar, ludibriar, surrupiar verbas públicas é a sua prática de vida. E o faz sem pena e sem dó dos que morrem nas filas dos hospitais públicos em face da verba que surrupiou. E, tem mais: adoram carrões, de preferência importados, para se diferenciarem de nós outros – os bobos, os otários, os simples mortais, que têm a pachorra de viver somente dos seus estipêndios, sem se dobrar diante dos que tentam fazer mesuras para alcançar vantagens de ordem pessoal e material.
O Brasil, segundo pesquisa recém-divulgada, é a quinta nação mais corrupta do mundo. É uma vergonha! E mais vergonhoso ainda se considerarmos que os corruptos são inalcançáveis pelas instâncias persecutórias. Isso nos diminui como nação. Isso nos apequena. Isso faz de nós protagonistas de uma história imunda.
Essa constatação, essa triste realidade faz lembrar o diálogo sujo havido entre D.Pedro I e o Marquês de Paranaguá. A história registra, com efeito, que em 1831, quando foi obrigado a abdicar da Coroa brasileira, D. Pedro I, antes de embarcar no Warspite, navio inglês que o acolheu, recebeu a visita de um ex-ministro, Francisco Vilela, marquês de Paranaguá, que lhe pedia socorro, em face de sua situação financeira precária. D. Pedro I, com aspereza, disse ao ex-ministro que não podia cuidar dele, que nada podia fazer, porque já estava ajudando muita gente. Diante dessa inesperada manifestação de D.Pedro, o marquês disse, então, que seria obrigado a voltar para Portugal, onde teria direito a uma pequena aposentadoria, no que foi, mais uma vez, rechaçado, desestimulado por D. Pedro I. Diante de mais essa manifestação de ingratidão de D. Pedro, o Marquês de Paranaguá, desesperado, o fez ver que não tinha fortuna, que era um homem pobre e que só tinha o subsídio para viver. D. Pedro, então, pondo em relevo a sua falta de sensibilidade e de caráter, aconselhou o Marquês a fazer o que bem entendesse, pois que isso não era de sua conta. E arrematou: “Por que não roubou como Barbacena?”
É triste essa página da nossa história que, infelizmente, ainda não foi virada.
Mas a verdade é que nenhum país do mundo escapa da ação do corrupto. Ele está em toda parte. Só que, no Brasil, eles são quase imunes às ações persecutórias e, por isso, impunes.
Em outras nações civilizadas, ao que se saiba, prendem-se os corruptos e devolve-se ao erário público o dinheiro subtraído pela ação nefasta destes. No Brasil, quando se consegue alcançá-los, não se consegue reaver a dinheirama desviada. E tudo vai ficando como dantes.
E o que dizer, o que pensar, o que fazer, como escapar, para onde apelar, se o corrupto é um magistrado? Qual a esperança que tem uma sociedade, se aquele que tem o dever de combater a criminalidade é um dos seus protagonistas?
Para mim, o magistrado que se vale do cargo para auferir vantagem financeira é, acima de tudo, um covarde, porque não se limita a amealhar bens materiais. Para consecução do seu intento, precisa negociar o direito de terceiros, precisa fazer chacota das pretensões deduzidas em juízo, tripudiando, zombando do direito dos jurisdicionados.
É por isso que tenho dito que a corrupção praticada por um magistrado é mais do que um crime abjeto – é uma covardia.
Convenhamos, o magistrado que usa o poder que tem para achacar, para enriquecer ilicitamente, para negociar o direito de um jurisdicionado, é um ser imundo, desprezível, digno de repúdio.
Imaginemos o seguinte quadro. Um cidadão honrado, confiando nas instituições, na crença de que elas funcionam a contento, entrega o seu direito nas mãos de um juiz – desses que adoram ser chamados de Excelência. E o meritíssimo, descarado, simplesmente negocia o seu direito com a parte adversa, para tirar vantagem financeira.
É ou não é uma cretinice? É ou não é um menoscabo? Merece ou não merece esse ser sujo, obsceno e imoral o escárnio público? Deve ou não deve ser punido exemplarmente o calhorda? É ou não é indigno da toga que veste o crápula que se vale do poder que tem para fazer trapaça?
Para mim, quem usa a magistratura para enriquecer ilicitamente, é, além de covarde, um ser peçonhento e asqueroso, um bandido maquiado, travestido de magistrado.
Felizmente, não se há de negar, que a maioria, a grande maioria, a quase totalidade dos magistrados, não participa dessa e de outras bandalhas de igual matiz; antes, abomina essas práticas, que deslustram e enodoam toda uma classe. Apesar disso, todos nós [magistrados], corruptos ou não, somos, de certa forma, vistos com reservas, como se fôssemos todos usuários de togas sujas.
Admito que sempre que se publicam notícias, como as recentemente veiculadas, em face da prisão de alguns magistrados do Espírito Santo, sou tomado de tristeza e vergonha. Fico acabrunhado, envergonhado, contristado. É como se um tufão se abatesse sobre as minhas esperanças, tornando-me mais triste e mais descrente ainda com alguns homens de preto.
Quando essas notícias são veiculadas, fico sempre na esperança de que o colega magistrado consiga demonstrar a sua inocência, e torço para que não seja verdade o que estão publicando. Quisera que fosse mesmo um sonho. Mas sonho não é. É, sim, uma triste realidade.
Tenho dito e reiterado, incontáveis vezes, que as pessoas não podem perder a fé no Poder Judiciário. Até mesmo para que se fortaleça a democracia. Nenhuma democracia sobrevive sem um Poder Judiciário forte e respeitado.
Nós, magistrados, em face da nossa relevância para a própria sobrevivência da sociedade, não temos o direito de subtrair das pessoas a pouca fé – pouca, é verdade – que ainda têm em nossa instituição, pois, se essa fé se esvair por inteiro, será o fim.”

Sempre eles

Não há um dia sequer que não seja veiculada alguma notícia dando conta de desvio de verbas públicas por políticos.

Impressionante como eles não têm pena do povo sofrido, que morre sem atendimento nas filas dos hospitais, clamando por um leito, leito que não existe  simplesmente por que as verbas destinadas à saúde são desviadas em proveito próprio.

Impressiona a insensibilidade  desses mesmos políticos com a questão educacional. As escolas, caindo aos pedaços, não os sensibiliza. É que eles preferem, porque lhes é útil, que o povo viva na ignorância.

A insensibilidade deles não tem paralelo, definitivamente.

E assim vão vivendo, descaradamente, enriquecendo às nossas custas, até que um dia a polícia bate à porta.

Para eles, no entanto, isso é irrelevante. Eles confiam na impunidade. Eles sabem que se safam das acusações. Eles sabem que, logo, logo, alcançarão a liberdade.

O enredo é o mesmo: a Polícia Federal prende, cumprindo uma ordem judicial. No outro dia, às vezes no mesmo dia, o político consegue uma Alvará de Soltura na segunda instância.

Depois de presos e expostos ao público, os malfeitores, com a cara lavada, atribuem a prisão a uma perseguição política, a uma armação dos adversários. E o pior é que há quem acredite.

E assim eles vão levando.

Nilo Batista, em Punidos e Mal Pagos, a propósito do tema pena de morte, constata a insensibilidade dos políticos:

“Há até certa coerência deles. Sua cumplicidade com uma sociedade injusta os torna co-autores das milhares de mortes por doença, por falta de alimentação, de assistência, de habitação, e até mesmo de uma ‘morte civil’ por falta de informações sobre seus direitos.”

No pleito seguinte, o eleitor já não se lembra da prisão, das verbas desviadas, dos problemas decorrentes dessas ações deletérias, e volta a votar nos mesmos.

Diante desse quadro, importa indagar, mais uma vez:  o Brasil tem jeito?

Deu no Consultor Jurídico

CNJ equipara benefícios do MP e da magistratura

POR RODRIGO HAIDAR

O Conselho Nacional de Justiça aprovou, nesta terça-feira (21/6), a Resolução 133/11, que dá aos juízes federais as mesmas vantagens que já têm os membros do Ministério Público Federal. A simetria entre as duas carreiras foi reconhecida pelo CNJ em agosto do ano passado, por dez votos a cinco.

Na prática, juízes ganharam o direito de receber auxílio alimentação, terão regulamentado o recebimento de diárias por viagens e poderão vender parte de suas férias não gozadas por motivo de trabalho, desde que acumulem dois períodos de férias seguidos sem descanso.

Também estão garantidas licenças remuneradas para fazer cursos de aperfeiçoamento no exterior e para representação de classe. E, ainda, licença não remunerada para cuidar de assuntos particulares. Assim que a resolução for publicada, os tribunais têm a obrigação de cumpri-la. A íntegra do texto ainda não foi divulgado pelo CNJ.

Não entraram na resolução duas importantes vantagens concedidas aos membros do MP: a chamada licença-prêmio e o auxílio moradia. O relator da resolução, conselheiro Felipe Locke (na foto acima), afirmou à revista Consultor Jurídico que o texto só incluiu os benefícios já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal. O que ainda está em discussão na Corte, o CNJ deixou fora do texto.

Três conselheiros ficaram vencidos nesta terça. Para Milton Nobre e para os ministros Ives Gandra e Cezar Peluso, vantagens só podem ser concedidas ou ampliadas por meio de lei, nunca por uma resolução do CNJ, órgão administrativo.

O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, havia afirmado que a resolução seria contestada. O argumento do ministro de Estado é o mesmo dos conselheiros vencidos. Em entrevista àConJur, publicada em abril passado, Adams afirmou que não se podem criar benefícios sem base legal definida.

“Se abrirmos espaço para criar benefícios mediante interpretações, se abrirá um dique incontrolável. No que diz respeito a benefícios, é indispensável, importantíssimo, o papel, moderador que o Congresso Nacional exerce nesse processo”, afirmou o AGU na ocasião. Nesta terça, Adams informou que tem de ter acesso ao teor da resolução para decidir se irá impugná-la de fato. Mas disse que se o texto manteve os termos da decisão tomada pelo CNJ em agosto, ele irá recorrer da concessão dos benefícios.

Para o conselheiro Felipe Locke, um possível recurso ao STF não deve prosperar porque os direitos decorrem diretamentre da Constituição, que é a lei maior. Logo, não dependem de lei complementar para regulamentá-los. Ainda de acordo com Locke, o impacto no orçamento do Judiciário “será mínimo”.

O pedido de equiparação foi feito pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). Recentemente, a Ajufe respondeu à possibilidade de a resolução do CNJ ser contestada. O juiz Fabrício Fernandes de Castro, vice-presidente da 2ª Região da entidade, criticou a reação do AGU. Para Castro, “a Emenda Constitucional 45, promulgada em 2005, dispôs claramente que existe a comunicação entre os regimes jurídicos do Ministério Público e da magistratura. A decisão do CNJ apenas tornou efetivo um mandamento constitucional, que não depende da aprovação de lei”.

Nesta terça-feira, o presidente da Anamatra, Renato Henry Sant’Anna, declarou que a entidade “confia na fundamentação técnica do CNJ ao reconhecer a chamada simetria. Os juízes não lutam, nem jamais lutarão, por qualquer benefício que seja legal ou eticamente questionável”.

O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, entende que “a implementação da simetria nada mais é do que cumprir a Constituição Federal, os precedentes do STF e uma forma de defesa da independência do Poder Judiciário, que atualmente está sofrendo com a defasagem e o desestímulo, chegando a perder bons juízes para outras carreiras públicas consideradas mais interessantes”.

Nulidade da sentença, por falta de defesa técnica

No voto abaixo, fui compelido a votar pela anulação do decisum, por falta de alegações finais.

Ocorreu o seguinte.

O advogado do acusado, regurlarmente intimado, deixou de ofertar as alegações finais.

O que fez, então o juiz de base?

Antecipou o julgamento, antes de suprir a omissão, em tributo aos postulados da ampla defesa e do contraditório, corolários do devido processo legal.

A seguir, o voto, integralmente.

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Decadência. Ação Penal Pública. Impossibilidade

No voto que publico a seguir a questão inusitada condiz com a pretensão da defesa no sentido de que seja declarada a extinção da punibilidade do acusado, pela ocorrência de decadência, em face da denúncia ter sido ofertada a destempo.

No mesmo voto convém destacar, mais uma vez, a necessidade de redimensionamento da pena, em face de equívoco no exame das modeladoras do artigo 59, do CP.

A seguir, o voto, por inteiro.

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Extinção da punibilidade pela prescrição

No voto que publico a seguir, foi declarada extinta e punibilidade do acusado, em face da ocorrência de prescrição.

O que chama a atenção no voto é a pena encontrada, para fins de prescrição, em face da causa de aumento de pena.

No mais, o de interessante mesmo é a constatação  de que, muitas e muitas vezes, em face da inviabilidade do julgamento a tempo e hora, os feitos restam fulminados pela prescrição, o que há de se lamentar, pois que isso se traduz em impunidade; e a impunidade, todas sabem, á má conselheira.

Veja, a seguir, o voto em comento.

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Inversão de valores

A crise moral se abateu sobre nós, à toda evidência;  como um tufão, provoca na sociedade devastações morais que nos entorpecem, enrijecendo o nossa capacidade de discernir o certo do errado, o bom do ruim, o bem do mal… Pelo menos essa é a impressão que fica, em face das notícias veiculadas na imprensa.

Ao que vejo – e ao que sinto – nunca os homens públicos – sobretudo os nossos representantes legais –  estiveram tão desgastados, tão desacreditados – alguns desmoralizados, até; o caradurismo, a desfaçatez e  o nenhum pudor  de proeminentes homens públicos é algo que precisa ser melhor estudado, porque impressiona.

Ao lado, pari passu, disputando o pódio nessa crise,  vejo,  levadas a reboque, por via de consequência,   as instituições.

Muitos cidadãos, diante desse quadro de incredulidade, de cinismo e descaramento,  indagam, estupefatos – quase com rebeldia; parecendo issurretos, às vezes -, para que servem o Congesso Nacional, as Assembléias Legislativas, as Câmaras de Vereadores, o Ministério Público, o Poder Judiciário, os Tribunais de Conta  e  as Polícias?

Diante desse quadro, salta aos olhos que os valores estão invertidos. Essa inversão de valores, sobreleva anotar, nos atinge  a todos, nos fulmina de forma inclemente –  faz a muitos parecer (?) otários, sobrevivendo num mundo de espertalhões.

Nessa linha de pensar importa dizer, sem perder o foco, que, ao que vislumbro do meu ponto de observação,  a absoluta maioria dos cidadãos,  infelizmente, como que entorpecida, se deixa quedar, num mutismo perigoso  – parecendo, às vezes, cúmplice -, limitando-se, nesse conexto, muitas vezes, a  apenas exteriorizar a sua indignação, com certa acomodação, sem convicção – contemplativamente, até –   nos rodas de bate-papo.

Diante dessa triste realidade, tem-se, até – lamentável dizer –, a sensação de que não tem mais jeito. Pensamos, aturdidos, que é assim mesmo que tem que ser. Imaginamos,  certamente  equivocados, que, entre nós, o que prepondera mesmo é a velha máxima segundo  a qual “quem pode mais chora menos”.

À luz desse quadro, diante dessa lastimosa inversão de valores,  tenho constatado, assaz contristado, que  arrogante, por exemplo,  não é o funcionário público  que, “esperto” e “inteligente”,  ganha sem trabalhar e não perde a oportunidade de tirar vantagem do cargo que exerce; arrogante – e, quiçá,  babaca – é quem  se dedica ao trabalho, quem não se deixa corromper,  num pais que parece valorizar a pachorra, a distribuição de  propinas, o jeitinho, o levar vantagem, o apotegma segundo o qual os fins justificam os meios.

Atrevido, ao que vislumbro,  nos dias presentes,  não é quem faz do exercício do poder um instrumento para obtenção de vantagens de ordem pessoal – e familiar -,  achando que tudo pode; atrevido é quem desfralda a bandeira da retidão e da honestidade, num país  onde, ao que parece,  prosperarem os mendazes, os salafrários.

Despótico, observo no dia a dia, não é quem usa de  expediente imoral para burlar a lei, agindo como quem está imune os  mecanismos de controle das instituições; despótico  é quem tem a coragem de condenar esse tipo de conduta, é quem prefere a lisura ao ganho fácil.

Insolente – ve-se a todo instante, em qualquer lugar, a qualquer hora –  não é quem usa o poder em benefício pessoal; insolente é quem, no exercício do poder público,  busca servir tão somente à comunidad,  e condena, no mesmo passo,  as práticas nocivas ao conjunto da sociedade.

Prepontente, salta aos olhos de quem quer ver,  não é quem enriquece no exercício do poder, supondo que nunca será alcançado pelos órgãos persecutórios; prepotente é quem, podendo, não faz uso dos mesmos expedientes, supondo que vai, com essa postura, reparar o que não tem conserto.

Tirano, é lamentável dizer,  não é que quem se esconde atrás da toga para fazer traquinagens; tirano é quem tem a coragem de assumir que o exercício da judicatura  não é para exercitar a bandalha, mas para cumprir e fazer cumprir a lei.

Ousado não é quem não tem compromisso com a hora; ousado é quem insiste em ser pontual, num país que se distingue pela falta de pontualidade.

Autoritário não é quem costuma dar murros na mesa para, na marra,  se fazer respeitar; autoritário  é quem pensa que se fará respeitar à luz do equilíbrio e da sensatez.

Digno reprovação não é o agente público que mente, que ludibria, que faz qualquer coisa que esteja a seu alcance para lograr uma vitória; quem merece reprimenda é quem pensa que, sendo verdadeiro e honesto, conseguirá, por exemplo, sobrepujar o adversário numa pugna eleitoral.

Censuráveis  não são os que, para se manterem no poder, mentem, escarnecem, vendem a alma e a dignidade, se preciso; merece censura  é quem pensa que  alcancaçará algum êxito vivendo honestamente, falando a verdade, honrando a palavra assumida.

Arrogantes, atrevidos, insolentes, prepotentes, despóticos  e autoritários  são, enfim, à luz dessas reflexões, os cidadãos brasileiros que insistem em fazer apologia da retidão e da honradez, condenando, no mesmo passo,  os espertalhões que não perdem a oportunidade de tirar um naco da coisa pública  para seu deleite pessoal.

Diante de tudo isso, calha indagar,outra vez: o Brasil tem jeito: