Extinção da punibilidade pela prescrição

No voto que publico a seguir, foi declarada extinta e punibilidade do acusado, em face da ocorrência de prescrição.

O que chama a atenção no voto é a pena encontrada, para fins de prescrição, em face da causa de aumento de pena.

No mais, o de interessante mesmo é a constatação  de que, muitas e muitas vezes, em face da inviabilidade do julgamento a tempo e hora, os feitos restam fulminados pela prescrição, o que há de se lamentar, pois que isso se traduz em impunidade; e a impunidade, todas sabem, á má conselheira.

Veja, a seguir, o voto em comento.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 27 de maio de 2011.

Nº Único: 0000058-67.2011.8.10.0000

Ação Penal n. 000237/2011 – Pinheiro

AutorRéu

Advogado

Incidência penal

Relator

::

:

:

:

Ministério Público EstadualE. B. C.

J. J. da S.

Art. 168, § 1º, III, do CPB

Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº 102327/2011

Ementa. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA EX OFFICIO.

1. Conforme entendimento assente na doutrina e jurisprudência, as causas de diminuição e aumento de pena devem ser consideradas para efeitos de cálculo da prescrição in abstracto, computando-se a respectiva fração ao máximo da pena cominada ao delito.

2. O crime tipificado no art. 168, § 1º, III, do CPB, cuja pena cominada, de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, já acrescida a fração de 1/3 (um terço), prescreve em 12 (doze) anos, a teor do que dispõe o art. 109, III, do Estatuto Penal.

3. Decorrido mais de doze anos, desde o recebimento da denúncia, em 30.03.1998, sem o encerramento da instrução, até a presente data, é de ser reconhecida a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva estatal.

4. Por se tratar de matéria de ordem pública, a extinção da punibilidade pode ser decretada de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, prejudicando a análise meritória.

5. Inteligência dos arts. 107, IV, 109, III,  e 117, I, todos do CPB.

6. Extinção de punibilidade declarada de ofício.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os autos da presente Ação Penal em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores, por unanimidade e de acordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, em declarar extinta a punibilidade do réu, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araújo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Maria dos Remédios Figueiredo Serra.

São Luís (MA), 27 de maio de 2011.



DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Ação Penal N. 000237/2011 – Pinheiro

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público Estadual, em face de E. B. C., pela prática, em tese, do delito previsto no art. 168, § 1º, III, do CPB.

Relata a denúncia, em síntese:

I – que o acusado foi advogado constituído da Sra. T. M. P. L., ora ofendida, na demanda trabalhista C.O. 042/96;

II – que foi expedido um alvará judicial para levantamento da quantia de R$ 14.015,75, (quatorze mil, quinze reais e setenta e cinco centavos) em nome do acusado; e

III – que o acusado, então advogado da vítima, e de posse do alvará judicial, sacou a referida quantia, entretanto, não a repassou para sua constituinte.

A denúncia foi instruída com cópias das peças processuais da C.O. 042/96, que tramitou na Comarca de Pinheiro.

Recebimento da denúncia às fls. 02, em 30 de março de 1998.

Às fls. 45/46, o Ministério Público propôs a suspensão condicional do processo, sendo designada a respectiva audiência admonitória, às fls. 47.

O acusado, em petição de fls. 55/56, arguiu a suspeição do Escrivão do Cartório do 2º Ofício de Notas.

Em manifestação, às fls. 83/84, o Ministério Público pugnou pela revogação da proposta de sursis processual, alegando que o acusado e seu advogado, mesmo intimados, não compareceram à audiência admonitória. O pleito foi acatado às fls. 85, e designada audiência para qualificação e interrogatório do acusado, que se realizou às fls. 92/94, ocasião em que negou as imputações formuladas na denúncia.

Defesa prévia e rol de testemunhas apresentados às fls. 95/96.

Durante a instrução criminal, marcada por pedidos de adiamento de audiências, e expedição de inúmeras cartas precatórias, muitas delas infrutíferas, que demandaram reiteração, foram ouvidas as testemunhas J. E. G. (fls. 162), J. D. P. (fls. 193), B. G. S.L. (fls. 204), J. A. S. da S. (fls. 216/218) e M. E. N. (fls. 224/225).

Às fls. 230, a defesa insistiu na oitiva da testemunha R. B., que não havia sido encontrada. De igual modo, o Ministério Público asseverou que a oitiva da vítima, T. M. P. L., era imprescindível (fls. 232), e requereu sua inquirição em juízo.

Tais requerimentos foram formulados no ano de 2006, e os autos foram conclusos em 17/08/2006, conforme o respectivo termo de fls. 232v.. Todavia, somente no ano de 2009, o feito foi impulsionado por despacho judicial, no qual se deu vista dos autos, novamente, ao Ministério Público, em cuja manifestação, às fls. 234, requereu a remessa dos autos à esta Corte, em razão do acusado ter alcançado a prerrogativa de foro, por ter sido eleito Prefeito do Município de Presidente Sarney.

Em 06 de outubro de 2010, a autoridade judiciária da 2º Vara da Comarca de Pinheiro acatou o pleito Ministerial e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça.

Aportados os autos nesta Corte de Justiça, incontinenti, foram remetidos à Procuradoria Geral de Justiça, que opinou, às fls. 242/243, pela continuidade da instrução, para a oitiva das testemunhas R. B. (defesa) e T. M. (acusação).

Lançado o relatório nos autos, às fls. 245/247, e, em seguida, encaminhados ao ilustre desembargador revisor, este manifestou-se, às fls. 250, para que fossem ultimadas as demais fases procedimentais, a fim de evitar ocorrência de potenciais nulidades.

Vislumbrando, em tese, que a continuidade do feito poderia revelar-se inútil, determinei, às fls. 252, novo encaminhamento dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, em cujo parecer da lavra da Procuradora Maria dos Remédios F. Serra, às fls. 255/256, opinou pela decretação da extinção da punibilidade, pelo advento da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.



Voto – o Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de ação penal instaurada pelo Ministério Público de base, em face de E. B. C., pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 168, § 1º, do CPB.

Consoante relatado, o presente feito teve um intrincado processamento em 1º grau de jurisdição, e, até o presente momento, a instrução sequer se encerrou, pendente a oitiva de duas testemunhas, as quais defesa e acusação reputaram imprescindíveis.

Por tal razão, a Procuradoria Geral de Justiça, num primeiro momento, opinou pela continuidade da instrução do feito, para, em seguida, em parecer conclusivo, opinar pela decretação da extinção da punibilidade, pelo advento da prescrição da pretensão punitiva.

De fato, pude observar primo icto oculi, que o prosseguimento da instrução criminal é medida inútil, vez que o moroso e tumultuado tramitar processual acarretou, lamentavelmente, a extinção da punibilidade do acusado pelo advento da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Senão, vejamos.

O instituto da prescrição concretiza-se como um instrumento de autolimitação do Direito Penal, embasado na noção de que o Estado-juiz não pode exercer o seu poder punitivo indefinidamente[1], sob pena de colocar em xeque a necessária estabilidade e segurança jurídicas, indispensáveis ao convívio social pacífico.

Nas didáticas lições de José Júlio Lozano Jr.[2], com base na doutrina de Damásio E. de Jesus e outros, litteris:

“[…] Podemos então, adotar o conceito de Damásio E. de Jesus, para quem ‘prescrição penal é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo’

Aceito pela generalidade das legislações modernas e pela maioria dos doutrinadores, o instituto encontra seu fundamento no interesse que tem o Estado em não deixar as relações jurídicas indefinidamente suspensas, pois essa incerteza contrasta com a própria natureza humana e é fonte de desordem, não vantajosa à sociedade.

Trata-se, em razão do interesse social que carrega, de matéria de ordem pública, que beneficia muito mais a sociedade do que o criminoso, devendo ser declarada em qualquer momento processual, além de não poder ser renunciada pelo interessado, operando seus efeitos de pleno direito, mesmo contra a vontade daquele que diretamente deles se favorece. […]”

Compulsando os autos, com detença e vagar, de fato, pude constatar que a pretensão punitiva estatal está fulminada pela prescrição.

A imputação formulada na denúncia – art. 168, § 1º, III, do CPB -, comina a pena, em abstrato, de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão, e multa (no tipo básico, previsto no caput), acrescida de 1/3, em razão da causa de aumento prevista no inciso III, do § 1º. Assim:

Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º – A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I – em depósito necessário;

II – na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III – em razão de ofício, emprego ou profissão.

(sem destaques no original)

A pena a ser considerada para o cálculo da prescrição, in casu, é de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, já computada a causa de aumento de 1/3.

Nesse diapasão, oportuno esclarecer que as causas de aumento e diminuição de pena, bem como as qualificadoras, devem ser consideradas para efeitos de cálculo da prescrição em abstrato, conforme anota a jurisprudência do STJ:

HABEAS CORPUS. PENAL. PRESCRIÇÃO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 12, INCISO I, DA LEI N.º 8137/90. ARTIGO 109, INCISO IV, DO CP. ORDEM DENEGADA.

1. Diferentemente das circunstâncias atenuantes e agravantes que possuem índices não fixados previamente, as causas especiais são dotadas de patamares prefixados.

2. Segundo entendimento desta Corte, as causas especiais de aumento de pena devem ser consideradas para fins de contagem de prescrição em abstrato.

3. Ordem denegada.[3]

(sem destaques no original)

A doutrina[4], na mesma senda, em tom didático, explica:

Causas de aumento ou diminuição: com exceção do concurso de crimes (material e formal) e do crime continuado, entende-se que devem ser computadas no prazo as causas de aumento e de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou Especial do CP (ex.: tentativa, repouso noturno etc.). Modo de calcular: tratando-se de causas de aumento ou diminuição em quantidade fixa, essa porção deve ser somada ou diminuída da pena abstrata máxima, para encontrar-se, então, o prazo prescricional. […]”

(destaques do original)

Pois bem.

Cotejada com os prazos previstos no art. 109, do CPB, a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses prescreve em 12 (doze) anos, a teor do que dispõe o inciso III[5], do preceptivo em causa.


Desta forma, considerando o primeiro marco interruptivo da prescrição[6] pertinente ao caso – recebimento da denúncia, em 30 de março de 1998 -, constato que já transcorreram mais de 12 (doze) anos até a presente data, sem que a instrução sequer tenha se encerrado, sendo forçoso reconhecer, lamentavelmente, que a pretensão punitiva estatal resta aniquilada pela prescrição da pena em abstrato.

O crime em questão, portanto, resta prescrito, desde março de 2010.

Por derradeiro, anoto que a prescrição, por se tratar de matéria de ordem pública, pode ser decretada ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição, prejudicando a análise meritória do feito.

Ao lume dessas considerações, declaro, ex officio, extinta a punibilidade do acusado E. B. C., pelo advento da prescrição da pretensão punitiva do delito tipificado no art. 168, § 1º, III, do CPB, o que faço com fulcro nos arts. 107, IV, e 109, III, do mesmo diploma.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 27 de maio 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] À exceção de certos crimes, erigidos á condição de imprescritíveis, pelo Poder Constituinte Originário, conforme incisos LXII e LXIII, do art. 5º da Carta Magna.

[2] LOZANDO jr. José Júlio. Prescrição Penal. Saraiva, 2002, p. 21-22.

[3] HC 45.452/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 30/05/2006, DJ 26/06/2006, p. 206.

[4] DELMANTO, Celso et. all. Código Penal Comentado. 8. ed. Saraiva, 2010, p. 408.

[5] Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

Omissis

III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

[6] Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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