Homem bom

O lado bom do ser humano também se manifesta nas tragédias. Exemplo: Gilson da Silva perdeu a mãe, dois irmãos e três sobrinhos em Nova Friburgo, mas não parou para chorar. Ao lado de outros voluntários, foi ajudar a recolher corpos de outras vítimas da tragédia. Não tenho dúvidas de que, depois de tudo, ainda via encontrar tempo para chorar e lamentar a morte dos seus.

Depois da tragédia, a roubalheira

Não tenho  dúvidas: do dinheiro que será destinado aos municípios em face da tragédia fluminense, grande parte será desviada pelos abutres que estão no poder e pelos que, próximos do poder, se especializaram em malversar verbas públicas. E pode aguardar: ano que vem tem mais, infelizmente. É que essa gente  não tem sensibilidade. Disso todos temos ciência. Apesar do óbvio da questão, me permito fazer o registro, a guisa de indignação.

De quem é a culpa?

Quanto mais aprofundo o exame acerca do que ocorreu no estado do Rio de Janeiro  mais me convenço de que os responsáveis são os nossos homens públicos. Diversos são os artigos e editoriais que reafirmam essa minha convicção.

Da folha de São Paulo de hoje capturo o artigo seguinte, de Eliane Cantanhede, a propósito do desastre:

Desleixo assassino

BRASÍLIA – Como mostrou ontem o repórter Evandro Spinelli na Folha, o risco de um desastre de grandes proporções na belíssima região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foi detectado há dois anos por um estudo técnico encomendado pelo próprio governo do Rio.
E o que o governo fez com o resultado? Largou às traças, deixou pegando poeira na burocracia, empurrou para a gaveta ou simplesmente jogou no lixo -junto com o dinheiro público que o pagou.
Horas antes, as autoridades tiveram nova chance de não dar asas ao azar: o novo radar da Prefeitura do Rio e o Instituto Nacional de Meteorologia identificaram previamente a formação da tempestade.
E o que foi feito? Nada. Os órgãos atuaram isoladamente, não como um sistema integrado, em que o alerta se reproduz entre as várias instâncias, tem consequências e salva vidas. Mas não. É como se o radar fosse de enfeite, e o Inmet, só para inglês ver.
Num ótimo artigo, o colega Marcos Sá Correa defendeu que o remédio é responsabilizar homens públicos -e não abstratamente o Estado- pelos crimes que cometem contra a vida. É crime dar levianamente alvará de construção e “habite-se” para imóveis em encostas, fechar os olhos para casas em áreas de risco, desprezar alertas de tempestades e de outras intempéries.
Para complementar a sugestão do Marcos, a Polícia Federal deveria investigar também esse tipo de crime que pode resultar em 500, 600 mortes, famílias inteiras destruídas, casas despedaçadas, bilhões de prejuízos aos bolsos particulares e aos cofres públicos.
Se não vai por bem, vai por mal -na base da ameaça. Mais ou menos como no caso do cinto de segurança: todo mundo só passou a usar depois de criada a multa.
No rastro da Satiagraha, da Sanguessuga, da Castelo de Areia, fica aí a sugestão para o novo diretor-geral da PF, Leandro Coimbra: a operação “Desleixo Assassino”.

Capturo, ademais,  no mesmo jornal,  o artigo de Clovis Rossi:


O emergente submergiu

SÃO PAULO – No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.
Primeiro 1 – O “Jornal Nacional” de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente superior.
Segundo 1 – O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito.
Terceiro 1 – A manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas.
O que foi feito? Nada.
Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer, deslizamentos formidáveis também -e, até aí, a culpa é só da natureza-, mas falta, no Brasil, acontecer a prevenção.
Já nem digo a prevenção original, a de proibir construções em áreas de risco. A incompetência do poder público impediu que essa providência fosse tomada e, se fosse, seria inócua. Falta fiscalização.
Refiro-me à prevenção de, diante da iminência da catástrofe, minimizar os danos ou, ao menos, as mortes, os danos mais terríveis, mesmo nesta era de predominância da finança sobre a vida.
Posto de outra forma, o poder público não está presente nem antes, nem durante e nem depois da tragédia. Chama a atenção, pelo menos de longe, o fato de repórteres chegarem a locais aos quais, segundo informam, nenhum socorro conseguira chegar.
Em vez de emergente, o Brasil parece mais país em construção. Precária, muito precária.

A dor de uma mãe obstinada

A verdade é que os nossos irmãos do Rio de Janeiro são vítimas da incompetência do Estado. Essa afirmação ganha realce quando vejo na imprensa que as autoridades públicas foram alertadas em 2008 para o que viria e nada fizeram. Com essa constatação apenas reafirmo o que tenho dito: eles, os políticos,  são os responsáveis pela dimensão da tragédia. O mais grave é que eles não têm sensibilidade. Para quem a tem,  é muito difícil não sofrer diante do desabafo de uma mãe, que viu o filho morrer soterrado, sem nada poder fazer.

“Se não encontrarem meu filho, eu passo o resto da minha vida tirando aquela lama de lá”.

Palavras da lavradora Patrícia dos Santos, 24, de Sumidouro, Rio de Janeiro.

Ela sabe que nada devolverá a vida do seu filho. O que ela quer é, tão somente, resgatar o seu corpo sem vida.

Dois homens; dois exemplos

Aproveito a manhã de sábado, depois de ter sofrido – na medida da minha racionalidade -,  em face da tragédia que se abateu sobre os  nossos irmãos do Rio de Janeiro, para destacar dois exemplos de superação e otimismo: José Carlos Martins e José de Alencar.

O pianista João Carlos Martins,  depois de perder os movimentos da mão,  foi condenado a nunca mais tocar piano. Mas tocou, superando todas as profecias negativas – aliás, o pai do pianista, diagnosticado com câncer de estômago, aos 36 anos, foi condenado a morrer dentro de seis meses. Morreu aos 102 anos, de acidente.

João Carlos Martins é, sim, um exemplo de superação. À indagação da repórter Carol Vaisman, da revista Lola Magazine,  acerca dos momentos mais gloriosos e mais lamentáveis de sua vida, respondeu:

” O mais lamentável foi o erro de me envolver em política. O mais difícil foi em 2003, quando os médicos disseram que eu nunca mais tocaria piano. O glorioso foi em setembro passado, quando fui aplaudido de pé por 2800 pessoas no Lincoln Center, em Nova York. E a grande virada aconteceu em 1978, quando, depois do primeiro acidente na mão, voltei a tocar.”

Outro exemplo de superação e de otimismo é o ex-vice-presidente José Alencar, que luta contra um câncer há vários anos. Numa recente entrevista a jornalista Cristiane Seghatto, repórter especial da revista Época,  ao ser indagado se pensou em parar o tratamento, respondeu:

“Às vezes isso vem à cabeça. Mas a gente tem que ter fé em Deus porque você não pode fazer isso. Está errado. Tem que fazer a sua parte. O dia que você vai morrer quem sabe é Deus e não você. Isso não significa que você não tenha que lutar pela vida. Por outro lado, peço a Deus que não me dê nem um dia a mais de vida do qual eu não possa me orgulhar.”

Tragédia fluminense

Para que não se diga que exagero ao culpar os políticos pelo ocorrido no Rio de Janeiro, destaco, a seguir, excerto do editorial de hoje, do Estadão:

“[…] Foi graças à imprevidência das autoridades – para não dizer descaso – que se repete em 2011 a tragédia de 1967. Além de afetar dolorosamente a vida das famílias, a falta de projetos e ações destinadas a evitar a ocorrência de desastres naturais em áreas ocupadas  por residências tem um forte impacto financeiro. Por não aplicar o que pode em prevenção, o governo acaba tendo de gastar muito mais em obras de recuperação[…]”.

De Marcos Sá Correa, no Jornal o Globo, de hoje, apanho o seguinte fragmento, acerca da inação dos homens públicos, a propósito da tragédia fluminense:

“[…]Não adianta ameaçá-los com ações contra o Estado ou a Administração Pública, porque o Estado e a administração pública, na hora de pagar a conta, somos nós, os contribuintes. O remédio é responsabilizar os homens públicos como pessoas físicas  pelos crimes que cometem contra a vida[…]”

Da Folha, edição de hoje, apanho o seguinte excerto, do editorial “A maior tragédia”.

“..Mas a expressão “causas naturais” é enganosa quando se fala em acontecimentos deste tipo. Se a violência das chuvas foi excepcional, não se deve a nenhum fenômeno atmosférico o fato de que encostas tenham sido ocupadas descontroladamente -a exemplo, aliás, do que acontece em muitas outras cidades do país.

Não depende da meteorologia a ausência de mapeamento adequado das áreas de risco. Não constitui, por fim, culpa de são Pedro (para usar o clichê das autoridades nesta época do ano) que menos da metade das verbas federais para prevenção de desastres tenha sido aplicada em 2010.
Segundo o Ministério das Cidades, de 99 municípios com histórico de tragédias apenas 45 apresentaram projeto que os habilitasse a receber dinheiro para obras de prevenção. Isso não justifica desvios políticos do governo federal, como os praticados pelo ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira, que destinou metade das verbas a seu Estado, a Bahia, em 2009. Tampouco explica os atrasos ou a retenção de recursos -já escassos- prometidos quando ocorrem os desastres.
Não se trata apenas de incompetência técnica nem de falta de recursos. Por motivos políticos, autoridades nas mais diversas regiões do país não se dispõem a pagar o preço de remover os habitantes das áreas ameaçadas. Facilitaram, muitas vezes, a sua ocupação, criando redutos eleitorais em terrenos predestinados à tragédia. Ignoraram normas de edificação, consideraram dispensáveis os cuidados com a cobertura florestal e com a impermeabilização do solo.
Soluções técnicas podem ser diferentes, no vale do Itajaí (SC) ou na região metropolitana de São Paulo, em Pernambuco ou no Rio de Janeiro. Igual, entretanto, em toda parte, parece ser a omissão das autoridades -que só pode ser chamada de criminosa, quando suas vítimas, mais uma vez, se contam às centenas nestes dias.”

Um dado preliminar confirma a conclusão do editorial  do jornal o  Estado de São Paulo: a reconstrução de Teresópolis custará R$ 590 milhões. Com esse dinheiro dava, sim, para construir muitas moradias populares  para retirar as pessoas humildes das encostas do morros.

Claro que só a ação das autoridades não evitaria o desastre. Mas, com certeza, minimizaria o número de mortes.

A verdade é que, passado o clamor, as autoridades ( rectius: políticos) voltam a situação de antes, ou seja,  voltarão a cuidar dos seus próprios interesses e nada farão, até que sobrevenha mais uma tragédia.

É claro que há, sim, exceções. Mas elas existem só para confirmar a regra.