Dando tempo ao tempo

As pessoas têm me perguntado por que deixei de escrever aos domingos, no Jornal Pequeno.

Devo dizer, a propósito, que não há uma razão especial. Entendi, simplesmente, que, muitas vezes, a gente tem que guardar as armas, sair da ribalta, dar tempo ao tempo.

Acho que, depois de tudo que já escrevi, depois de tantas incompreensões, depois de ter sido tantas vezes mal interpretado, devo me abster um pouco de expor o meu pensamento.

Claro que vou continuar expondo as minhas inquietações neste blog, afinal, já disse outras vezes, ele é o meu divã. E sabendo que o divido com tantas pessoas, aí, meu amigo, é mão na roda.

Pode ser, sim, que, amanhã ou depois, você se depare com mais um artigo meu publicado na imprensa local. É que, muitas vezes, a minha mente inquieta provoca em mim essas contradições.

Eu sou assim: igualzinho a todo mundo.

Chiclete, brioche e arrogância

Fui juiz da 7ª Vara Criminal de São Luis do Maranhão por longos 18(dezoito) anos. Nesse período amealhei muitos desafetos, como sói ocorrer. No mesmo passo, colecionei muitos amigos. Posso dizer que fiz mais amigos que desafetos.

Julgar, todos sabem, não é uma tarefa fácil, conquanto seja nobre. Julgando, é forçoso convir, tem-se que desagradar. O magistrado que pretende ser simpático e agradar às partes envolvidas no conflito, pode ser qualquer coisa,menos magistrado.

É preciso convir, no entanto, que há muita fantasia acerca da atuação de determinados magistrados. Lembro, nesse sentido, que, algumas vezes, ouvi das mães de acusados que eu era um homem mau e que elas tinham medo de conversar comigo sobre a situação dos filhos.

Pura sacanagem!

Essa fama de mau foi construida por alguns desafetos gratuitos; exatamente aqueles que não suportam o brilho, a diligência, o desvelo e a postura moral do semelhante.

Por homem mau passei e nada pude fazer para desmistificar essa ignomínia. Esse estereótipo também prejudicou a minha ascensão profissional. Foi por essas e outras que fui o único juiz da capital impedido de integrar a terceira lista de promoção por merecimento, consecutivamente, para não ser promovido automaticamente.

Mas não foi só isso que os desafetos fizeram comigo.

Vou contar uma historinha que seria hilária, não fosse pensada apenas como um ingrediente a mais para prejudicar a minha ascensão profssional.

Registro que lembrei-me desse episódio, a propósito do que ocorreu com Maria Antonieta, a quem se atribuiu, sem nenhuma prova, o conselho que teria dado aos pobres sem pão para que comessem brioches.

Pois bem. Determinado dia, estando eu realizando uma audiência, uma testemunha apresentou-se com a boca cheia de goma de mascar. A proporção que tentava responder às minhas indagações, a testemunha colocava a goma de mascar dum lado e outro da boca, a ponto de escorrer saliva pelos cantos da boca.

Percebendo o desconforto da testemunha, puxei um balde de lixo que estava sob a minha mesa, e pedi a ela que jogasse fora a goma de mascar, no que, claro, fui atendido prontamente.

Nessa época, insta anotar, eu era um dos fortes concorrentes à promoção por merecimento para segunda instância.

Pois bem. Esse fato ocorreu numa sexta-feira, pela manhã. Na segunda-feira, quando fui a Tribunal de Justiça, para trabalhar a minha promoção, estando na sala do presidente, Des. Jorge Rachid, entra um desembargador, hoje aposentado, o qual, na frente de todos os presentes, antes mesmo de um bom dia, dirigiu-se a mim, com ar de deboche:

– Dr. José Luiz, o juiz brabo da Comarca.

Em seguida, olhou para os circunstantes e arrematou:

– Com o Dr. José Luiz ninguém tem direito nem de mascar chicletes.

Pronto! Depois disso, ninguém teve mais dúvida: eu não podia ser promovido, pois a minha arrogância faria muito mal ao Tribunal.

Muito pensaram: um homem capaz de proibir o uso de goma de mascar em seu gabinete é capaz de qualquer coisa.

Não tive direito de resposta. Ninguém nunca me indagou se o fato era verdadeiro ou não, afinal, a afirmação tinha sido feita por um desembargador.

Quem ousaria questionar?

Registre-se, por oportuno, que não fui promovido por merecimento. Por essas e por outras, tive que esperar a antiguidade.

A minha luta, a minha dedicação, o meu empenho de nada valeram. O que valia mesmo era a certeza de que eu, sendo arrogante, bem não faria ao Tribunal, como se o Tribunal fosse composto de pessoas humildades.

Hoje, aqueles mesmos que disseminaram que eu era arrogante, são forçados a admitir que tudo não passava de fantasia.

Fazer o quê?

Agora é tarde. A minha carreira foi prejudicada pelo que não fiz.

O meu único consolo é que nunca deixei de ser feliz, nunca deixei de me dedicar ao trabalho, nunca deixei que as injustiças tirassem o meu estímulo, nunca perdi uma noite de sono pensando no mal que me fizeram.

Essas historinhas servem para desmistificar, para deixar claro que, no Poder Judiciário, como em qualquer lugar, também fazem travessuras. E como fazem!

Doação de medula óssea

Publico, a seguir, a guisa de contribuição, a manifestação de uma colega do RS, empenhado numa meritória campanha de doação de medula óssea.

Colega José Almeida:

Conheci o teu site hoje e vou comentá-lo na nossa lista de discussão (juízes do RS).
Aproveito para te pedir ajuda na difusão da campanha de doação de medula.
A campanha nasceu em função da leucemia de Mariana Cuervo Eidt, filha do nosso colega e amigo Breno Cuervo.
Ela precisa da doação de medula óssea.
Ao contrário do que se imagina, a doação da medula é simples, sem dor e a medula se regenera em duas semanas.
Peço que tu divulgues isso no teu site, por favor.
Um abraço.
Newton Fabrício
Obs: primeiro, se faz a coleta de 10 ml de sangue (algo mínimo, menos que a doação) e um cadastro, com nome e telefone.
Depois, se houver compatibilidade, o Hospital liga, solicitando a doação.
Obs 2: isso vai salvar a vida da Mariana e de centenas de outras pessoas.
Obs: sou juiz da Vara de Falências, em Porto Alegre, e também tenho um site – http://www.peleando.net

Espero dos leitores do meu blog engajamento nessa campanha.

De minha parte, farei o que estiver a meu alcance.


Ameaça a juiz é atentado ao estado de direito

POR RODRIGO HAIDAR

(Matéria capturada no site Consultor Jurídico)

A independência dos juízes corre perigo. Falta de reposição salarial por anos seguidos, projetos que restringem a autonomia dos magistrados e abalam sua vitaliciedade e ausência de juízes de carreira em tribunais superiores vêm provocando o esvaziamento da profissão que é o alicerce das liberdades e garantias sociais. Essa é a opinião do presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy.

As reclamações não são bandeiras corporativistas, sustenta o juiz federal, mas um alerta necessário para o fato de que as investidas contra a magistratura podem acabar por enfraquecer o próprio Estado de Direito. “O juiz federal precisa de respaldo do Estado, tem de ser considerado como membro de poder. É necessário resgatar esse conceito em benefício da sociedade. No dia em que o juiz tiver medo, o Estado Democrático de Direito correrá riscos”, afirma.

Wedy tomou posse da presidência da Ajufe há três meses. Mas já levantou tantas bandeiras que parece ter o comando da entidade há anos. Sob sua gestão, os juízes já conquistaram ao menos uma importante vitória para a categoria no Conselho Nacional de Justiça: a equiparação das vantagens e benefícios entre membros da Magistratura e do Ministério Público.

Para o juiz, eleito pela chapa de oposição às administrações anteriores, os magistrados sofrem tantas restrições que se transformam em meios cidadãos. “Nós temos cidadania ativa, podemos votar. Mas não temos cidadania passiva, não podemos receber votos”, diz. Mais um motivo para terem garantias que não se estendem a outras categorias.

Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico na sede da entidade em Brasília, o 14º presidente da história da Ajufe defendeu as férias de 60 dias para a magistratura, voltou a criticar a falta de juízes de carreira no Supremo Tribunal Federal e reforçou o apoio à proposta do presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de impedir que advogados e membros do Ministério Público que tomam posse como desembargadores nos tribunais em vagas do quinto constitucional sejam alçados ao Superior Tribunal de Justiça em vagas destinadas à magistratura.

Leia a entrevista no Consultor Jurídico

Na adversidade as pessoas se revelam

Não tem jeito: é na adversidade que as pessoas se revelam, mostram a sua cara. É na adversidade que as pessoas têm condições de reafirmar o seu valor, o seu caráter, a sua essência.

Na adversidade somos surpreendidos com a solidariedade sincera de pessoas que a gente sequer colocou no rol das que mais prezamos. Nessa mesma adversidade, a gente espera a manifestação de carinho de quem muito prezamos e essa manifestação não vem.

Pessoas muito próximas da gente, surpreendemente, diante dos infortúnios pelos quais passamos, não fazem um único gesto de apreço – mínimo, insignificante que seja. Há pessoas, lado outro, que, sem que a gente espere, mostram-se, nessas circunstâncias, mais do que solidárias, surpreendendo a gente.

É claro que todos nós nos sentimos bem em ser cortejados, em ser amados, em ser protegidos. É por isso que sempre esperamos do semelhante, sobretudo daqueles que muito estimamos, manifestações nesse sentido – na borrasca e na bonança.

Em face do acidente que me vitimou, pude testemunhar, mais uma vez, que a minha mulher mostrou-se por inteiro. Ela, posso reafirmar, é a tradução do que significa solidariedade, dedicação, apreço e carinho.

Essas linhas são, pois, apenas para consignar, mais uma vez, o meu reconhecimento e a minha gratidão por aquela que tem sido a companheira inseparável nos meus momentos de alegria e tristeza; muito mais alegria que tristeza, faço questão de registrar.


Agradecimentos

Tenho recebido muitas manifestações de carinho, em face do acidente no qual me envolvi.

Vários foram os telefonemas, sobretudo, claro, daqueles que não puderam me abraçar pessoalmente.

Muitas têm sido, ademais, as manifestações dirigidas ao meu e-mail.

Dos funcionários do meu gabinete, vários fizeram questão de me abraçar pessoalmente. A esses externo, com renovada manifestação de carinho, o meu especial apreço. Não foi surpresa para mim . Eu sei muito bem o quanto essas pessoas me têm em boa conta. E a recíproca, importa anotar, é mais que verdadeira.

A minha família os meus mais efusivos agradecimentos. Ainda bem que nunca esperei passar por uma dificuldade para compreender a real importância da família.

Inquietação

Estou em casa, quase sem poder trabalhar. É que no último dia 06 sofri um acidente que me tirou da rotina. Fui atropelado por uma Kombi. Digo melhor: atropelei uma Kombi. É que o motorista do veículo não teve culpa. É o caso de culpa exclusiva da vítima. Desatento, absorto em pensamentos, atravessei a rua, ou melhor, tentei atravessar uma rua, sem a devida atenção. Quando dei por mim estava no chão, ensanguentado, ouvindo os gritos de desespero da minha mulher, que, felizmente, estava comigo.

Bem, mas não importa agora o fato. O que me importa, agora, são as consequências do fato decorrentes.

Fui nocauteado. Fui abatido e jogado na lona.

E agora estou em casa, sem poder produzir.

A vida é mesmo assim, tenho dito.

As coisas não são como a gente quer.

Os acontecimentos dos últimos dias tiraram de mim o que me é mais caro: a quietude.

Sinto-me como se tivessem me roubado a paz.

Programei-me para o feriado. Trouxe 12 processos para trabalhar. Não pude fazê-lo, no entanto. O mundo não vai se acabar por isso. Mas fica um gosto amargo na boca.

Estar impossibilitado de fazer o que quero, ficar dependente do tempo para sarar as feridas, literalmente, me tira a quietude.

Fazer o quê?

Aproveito o ensejo para agradecer as manifestações de carinho. Foram poucas, é verdade. Mas foram sinceras, tenho certeza.

Eu não sou homem de muito amigos, daí que as manifestações tinham que ser nessa medida.

Vou ver se volto na segunda-feira.

Viva a liberdade

De Shopenhauer:

“Se não conto o meu segredo, ele é meu prisioneiro. Se o deixo escapar, sou prisioneiro dele. A árvore do silêncio dá os frutos da paz”.

Eu já tinha refletido acerca dessa questão. O segredo compartilhado, não se há de negar, escraviza.

Tenho dito e repetido que quem age, na sua vida pessoal e profissional, sub-repticiamente, com subterfúgios, à calada da noite, fazendo negociações escusas, se corrompendo, vendendo a sua consciência, é escravo do segredo que partilhou.

O segredo compartido escraviza. Algum um dia, inevitavelmente, inapelavelmente, emergirá. Nesse dia, o proprietário do segredo deixará de ser mero escravo para ser, além do mais, desmoralizado. Pena que, às vezes, a desmoralização tarde.

Eu não tenho segredos profissionais partilhados com ninguém. Nem com a minha família. Nada tenho a esconder. Por isso mesmo, não corro o perigo de me escravizar, em face de um segredo.

Tenho dito, reiteradas vezes, que quem leva uma vida de fachada, dúbia, multifacetada, esvaecida e dissimulada, tem sempre muitos segredos guardados, muitos a serem compartilhados, muitos já compartidos com outras pessoas e muitos que, por isso mesmo, o escravizam.

O dono do segredo compartido viverá, sempre, sob o fio da navalha. Viverá, para sempre, escravizado pelo segredo que foi obrigado a comungar.
Por isso, é muito bom não ter segredos a compartilhar com ninguém.

É muito bom ser livre. Livre para agir e dizer o que pensa, sem se preocupar em desagradar, em ser simpático.