Avalanche de processos

Judiciário já recebeu mais de 9 milhões de novos processos neste ano

11/09/2013 – 11h19

Luiz Silveira/CNJ

Judiciário já recebeu mais de 9 milhões de novos processos neste ano

A Justiça brasileira recebeu, até o dia 24 de julho deste ano, 9,168 milhões de novos processos e julgou 8,073 milhões, segundo relatório preliminar sobre o cumprimento das metas de 2013, realizado pelo Departamento Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esses números significam que o Poder Judiciário cumpriu o correspondente a 88,06% da Meta 1 de 2013, que prevê o julgamento até o final do ano de número igual ao de processos novos distribuídos no ano. Confira aqui os dados do levantamento.

Com a Meta 1, a expectativa é que o Judiciário julgue maior número de processos do que recebe, de forma a inverter a tendência de crescimento constante do estoque de processos em tramitação. Em 2011, tramitaram em torno de 90 milhões de processos na Justiça, de acordo com o relatório Justiça em Números. Entretanto, mesmo com o esforço do Poder Judiciário, o resultado preliminar indica aumento de mais de um milhão no estoque, se até o final do ano não for revertida a tendência de a Justiça resolver menos processos que recebe.

Para enfrentar o grande volume de ações judiciais, são necessários mais investimentos em tecnologia, ampliar o uso de formas opcionais de solução de conflitos, além do empenho dos servidores e magistrados, comenta Ivan Bonifácio, diretor do Departamento de Gestão Estratégica, do CNJ.

Duração – No combate à morosidade da Justiça, os juizados especiais e suas turmas recursais demonstraram ser o ramo mais rápido: o processo não excede três anos. De acordo com o relatório, o processo na Justiça do Trabalho não supera quatro anos em cada instância. Nos tribunais estaduais, a duração sobe para cinco anos em cada grau de jurisdição.

O relatório destaca, no entanto, a dificuldade na fase de execução das sentenças, principalmente na Justiça do Trabalho. “A execução trabalhista é considerada um dos grandes gargalos da justiça, o que justifica a priorização de ações tendentes a dar maior impulso aos processos executórios”, diz Ivan Bonifácio. Para ele, a Justiça do Trabalho, para ser efetiva, tem de aumentar em pelo menos 15% a quantidade de execuções encerradas.

Em números globais, o estoque de processos de execução fiscal aumentou de 23,5 milhões para 23,7 milhões neste ano. Já as execuções não fiscais registraram redução de 17,12%, de 7,4 milhões para 6,1 milhões de processos.

Além de estabelecer metas para aumentar a celeridade na tramitação dos processos, como as citadas acima, o Poder Judiciário determinou prioridade ao julgamento em 2013 de processos por improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública. O compromisso é julgar, até o final do ano, todos os processos relativos a esses dois assuntos distribuídos até 2011, conforme determina a Meta 18.

Até o início de setembro, os tribunais cumpriram 45,91% da Meta 18 – julgaram 54.909 processos. Para atingir a meta, eles teriam de julgar mais 64.689 ações. Ivan Bonifácio ressalta que o resultado registrado até o momento está aquém do desejado, já que o objetivo é julgar todas as ações distribuídas até 2011. Entretanto, ele ressalta que, com o estabelecimento da meta, houve aumento na quantidade de processos de improbidade e contra a administração pública julgados, de 41,5 mil, no ano passado, para 54,9 mil até setembro deste ano.

Gilson Luiz Euzébio
Agência CNJ de Notícias

 

É preciso priorizar os feitos criminais

Devo levar a julgamento, na próxima sessão da 2ª Câmara Criminal, um habeas corpus, cujo paciente alega estar submetido a constrangimento ilegal, em face do excesso de prazo para conclusão da instrução criminal.

O crime praticado pelo paciente é roubo duplamente qualificado, pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma.

Tudo está a indicar que há mesmo o excesso de prazo, disso resultando a iminência de ter-se que colocar em liberdade um meliante que, de rigor, deveria permanecer preso.

Infelizmente, é quase rotineira a concessão de habeas corpus em face do excesso de prazo.

Propus, na última sessão administrativa, que se introduzisse  nos mapas de produtividade um item acerca dos processos criminais, para que fosse possível aferir a assistência que têm sido dada aos mesmos pelos nossos magistrados.

E por que fiz isso? Porque, sinceramente, causa-me revolta colocar em liberdade um perigoso marginal, em face da atenção menor que tem sido dispensada aos feitos criminais.

Vivemos todos constrangidos em face da ação dos meliantes. Os assaltos têm infernizado a nossa vida. E, mesmo assim, há uma certa desatenção para com os feitos criminais.

Acho que um magistrado pode, até, deixar de decidir um inventário, por sobrecarga de trabalho. Não pode, todavia, desprezar, sob qualquer hipótese, os processos criminais, porque segurança pública a todos interessa.

Ou os meliantes sentem a presença do Estado-Juiz nessas questões, ou vão continuar assaltando e matando, sem pena e sem dó.

O meliante não pode ser preso hoje, em face de um roubo com emprego de arma, e, na semana seguinte,  voltar às suas para, outra vez, afrontar a sociedade.

Tenho usado este espaço para desabafar em face dessas questões. Nesse sentido, o desabafo é muito mais de um cidadão que  de um magistrado.

O magistrado não pode deixar para se sensibilizar em torna dessa questão somente quando um parente ou um amigo próximo sucumbir diante da arma de um assaltante.

Prioridade

Presidente do CNJ anuncia criação de grupo de trabalho para priorização da primeira instância

10/09/2013 – 12h41

Glaucio Dettmar/Agência CNJ
Presidente do CNJ anuncia criação de grupo de trabalho para priorização da primeira instância

Foi anunciada na manhã desta terça-feira (10/9), pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, a criação de um grupo de trabalho no âmbito do Conselho para fazer um diagnóstico e apontar melhorias no primeiro grau de jurisdição da Justiça brasileira. O objetivo é implementar uma política nacional voltada à sua priorização a partir da elaboração de estudos e da apresentação de propostas de iniciativas, ações e projetos, a fim de possibilitar uma visão plural do problema.

A divulgação ocorreu durante a 174ª Sessão Ordinária do CNJ. O grupo será composto pelos conselheiros Rubens Curado – que o presidirá –, Gilberto Martins, Paulo Teixeira, e pelo secretário-geral adjunto do Conselho, Marivaldo Dantas, bem como por um juiz auxiliar da Corregedoria Nacional e terá o prazo de 30 dias para apresentar os primeiros resultados.

“Neste momento em que se inicia uma nova composição, pareceu-me apropriado refletir sobre o efeito dos trabalhos desse órgão sobre o Poder Judiciário brasileiro”, ressaltou o presidente do Conselho. Segundo ele, o CNJ tem feito muito na tentativa de modernizar o Judiciário brasileiro e torná-lo mais eficiente, mais transparente.

Números – A reflexão do ministro Joaquim Barbosa foi motivada por dados estatísticos divulgados pelo relatório Justiça em Números, do CNJ. Segundo essas informações, 90% dos processos – cerca de 79,9 milhões de um total de 88,4 milhões de processos – que tramitaram perante o Judiciário brasileiro, em 2011, encontravam-se no primeiro grau de jurisdição. “O relatório nos coloca diante de uma realidade que parece evidente”, avaliou.

Com base nos dados, o presidente do CNJ afirmou que, no ano de 2011, o primeiro grau conseguiu dar vasão a 21 milhões de processos. Com isso, conforme o ministro, seriam necessários quase quatro anos para eliminar todo o estoque atual existente, “sem considerar a entrada de novos processos, o que seria totalmente inviável”.

De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, o Justiça em Números revela que a maior carga de trabalho e a maior taxa de congestionamento estão localizados na primeira instância da Justiça brasileira, no entanto a força de trabalho de servidores e de recursos disponíveis não se encontra no primeiro grau, mas no segundo grau de jurisdição.

“Fica patente, pois que muitas das ações do CNJ e dos tribunais brasileiros têm atacado as consequências e não as causas mais profundas da morosidade do Judiciário brasileiro. Evidente que entram na pesquisa fatores que não apenas aqueles constatados pelas estatísticas”, afirmou. A proposta anunciada hoje foi bem recebida pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coêlho.

Boas-vindas – No início da sessão, o presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, deu as boas-vindas aos novos conselheiros que hoje participam da primeira sessão do Conselho. “Desejo a todos que realizem um trabalho profícuo em prol da sociedade, bem como do Poder Judiciário no período de seus mandatos”, saudou o presidente.

Edilene Cordeiro
Agência CNJ de Notícias

 

Vendo o sonho fenecer

O povo saiu às ruas e protestou; protestou contra quase tuo, mas, principalmente, contra a deficiência na educação, na saúde e no transporte público.

Mas o povo não esqueceu que essas deficiências ocorrem em face de uma praga chamada corrupção.

Todos nós nos sentimos orgulhosos de ver o povo, finalmente, sair às ruas para protestar.

Eu não conseguia entender por que o povo brasileiro era tão acomodado.

Depois de tantas manifestações, fique a pensar, cá com os meus botões: esses caras agora vão pensar duas vezes antes de lançar mão no dinheiro público.

Fiquei a pensar, ademais: agora o povo brasileiro acordou. Agora os salafrários vão colocar as barbas de molho. Nada será como antes.

A cada manifestação eu era tomado de orgulho e esperança.

Mas aí, amigos, vieram os mascarados, os black blocs e acabaram com o sonho.

Não tenha dúvida: as manifestações de setembro foram um fiasco porque o povo não quer baderna; o povo quer protestar, mas protestar pacificamente.

Em face dos vândalos, tenho a nítida sensação de que as manifestações de junho não se repetirão.

Uma pena!

Mas uma vez vi meu sonho fenecer.

A luta do homem é em face do próprio homem

A luta do homem é quase sempre em face do próprio homem. Nesse sentido, vivemos lutando contra a inveja, o preconceito, a vingança, o ódio, a perfídia, o descaso, a prepotência, a arrogância, a perseguição, a maldade, o sentimento mesquinho, e muito mais, do homem em detrimento do próprio homem.

Nenhum animal que habita a terra atemoriza tanto o homem quanto o próprio homem. Confesso, que tenho medo do homem. Todos temos medo do homem.  E, imagino, todos sabem do que estou falando e em qual dimensão coloco essas reflexões. E não pensem que é paranóia. É apenas a constatação de quem milita na área criminal há mais de vinte anos, lidando com os mais diversos instintos.

Impregnado desse sentimento, penso que ninguém que se depare com um desconhecido em lugar ermo deixa de se dominar pelo medo. Eu tenho medo, tu tens medo, eles têm medo. Todos temos medo. É assim que, nos dias atuais, conjugamos o verbo.

Os bons são a infinita maioria. Mas os maus, os que nos apavoram são uma minoria destemida, ousada, perniciosa, audaciosa, poderosa e violenta, porque usa os expedientes que os homens de bem não ousam fazer uso.

O homem já não vê no homem um irmão, mas um desafeto, um inimigo em potencial. E se esse homem for um dos etiquetados pelos sistema, aí não tem apelo: se possível, sempre de acordo com as circunstâncias, mudamos a direção para não ter que cruzar, que nos defrontar com o (des)igual, com receio do que pode ocorrer.

É de estarrecer a constatação do quanto nos precavemos contra o homem. Quando colocamos o rosto na porta da rua, quando deixamos o recôndito do nosso lar, passamos a viver a obsessão de, a qualquer momento, ser vitimados pela violência; violência, claro, praticada pelo homem em detrimento do próprio homem.

Na rua, mesmo nos lugares bem habitados, triste constatar, tememos o homem, sentimos em cada transeunte um inimigo em potencial. E isso não e paranóia, convém repetir. Isso é fato. É uma lamentável realidade, triste realidade.

A escuridão e o lugar ermo evitamos, porque tememos o homem. Nos trancamos em nossa casa, porque tememos o homem. Na rua evitamos conversar com um desconhecido, porque tememos o  homem, que já não vê o outro homem como irmão, que deixou de ser solidário para ser solitário, que é muito mais sozinho do que vizinho (Mougenot).

Os nossos filhos saem para se divertir, e ficamos em casa a torcer para que não se deparem com um malfeitor; e o malfeitor que tanto tememos é o próprio homem, muitos dos quais, a pretexto de se defender da violência, saem armados de casa, para, no primeira oportunidade, atacar o semelhante – muitas vezes, na maioria das vezes, quase sempre,  injustificadamente.

Foi-se o tempo em que a maldade do homem, conquanto existisse, estava mais circunscrita à ficção que à realidade. Foi-se o tempo em que era possível dormir com as janelas abertas, sem temer a ação dos meliantes.

 A verdade é que, como disse no início dessas reflexões, a luta do homem é quase sempre em face do próprio homem; homem que, muitas vezes, para se dar bem, para levar vantagem, na mede as consequências de suas ações. Por isso, são capazes, sim, de fazer o mal ao semelhante, para se dar bem, para auferir vantagens.

Na história pode-se apanhar vários exemplos de até onde pode chegar a maldade do homem na busca da vantagem material. No porão dos navios negreiros, por exemplo, que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta, para servirem à ambição do homem, a possibilitar que impérios fossem erguidos à custa do seu sofrimento.

O capitão da belonave inglesa Fawn, que capturou , na costa brasileira, o navio negreiro Dois de Fevereiro,  relatou o que viu nos porões do referido navio, nos seguintes termos: “Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros, esqueletos vivos, arrastando-se com dificuldade, incapazes de suportar o peso dos seus corpos miseráveis. Mães com crianças pequenas penduradas em seus peitos, incapazes de dar a elas uma gota de alimento. Como os tinham trazido até aquele ponto era surpreendente: todos estavam completamente nus. Seus membros tinham escoriações por terem estado deitados sobre o assoalho durante tanto tempo. No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável.  Parecia inacreditável que serem humanos fossem capazes de sobreviver naquela atmosfera”(cf. Eduardo Bueno, in Brasil, uma história, fls.121/122, 2012).

Esse fato histórico decerto que confirma as minhas notas preliminares: o homem tem tudo para temer o próprio homem, por isso, a afirmação mais que contemporânea de Mougenot  de que se o homem não vivesse o instinto de dominação poderíamos beber água do mesmo rio, mesmo um sendo lobo e o outro, ovelha (Edilson Mougenot Bonfim).

Mas é preciso admitir que só chegamos a essa situação de total descalabro em face da descrença nas instâncias persecutórias, fruto de nossa própria omissão e dos desvios ético dos que estão encarapitados no poder. E quando o cidadão descrer da ação ética do Estado, pouco adiante o recrudescimento ou a exacerbação das leis penais, porque ele tende ao descumprimento, adotando atitude individualista e destemida, canalizando a sua força mental para subtrair-se dos mecanismos de coerção.

Desagravo

PRERROGATIVA DA ADVOCACIA

OAB aprova moção de desagravo a advogado agredido

Por Tadeu Rover

O Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acolheu nesta segunda-feira (9/9) pedido do presidente da seccional maranhense da OAB, Mário Macieira, de moção de desagravo ao advogado Geomilson Alves Lima, vítima de violência física e verbal nas dependências do Fórum Astolfo Serra, localizado na sede do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão, na última sexta-feira (6/9).

Segundo o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a entidade não tolerará qualquer tipo de agressão ou intimidação ao pleno exercício profissional da advocacia e das liberdades democráticas, bem como quaisquer atos que atentem contra as prerrogativas da advocacia. Para Mário Macieira, “é preciso que qualquer tentativa de retrocesso à época da barbárie seja repudiada de maneira célere e contundente”. O dirigente destacou que a entidade tomará medidas judiciais contra o agressor.

O desentendimento aconteceu após Alves Lima e um empresário se encontrarem no Fórum, onde o advogado atua em diversos processos trabalhistas contra o empresário. Este teria ofendido verbalmente o advogado e em seguida lhe agredido fisicamente por ter tido alguns bens bloqueados. Chamado por Alves Lima, o advogado Moreira Serra afirmou que além de levar o caso à OAB, entregou documentos aos responsáveis pelo fórum e para o corregedor-geral do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão para tomar as devidas providências. Além disso, Moreira Serra conta que junto com outros advogados ingressou com ação criminal contra o empresário e uma ação indenizatória.

No mesmo dia do ocorrido, a OAB-MA publicou nota de desagravo repudiando o ocorrido e afirmando que não tolera qualquer tipo de agressão ou intimidação ao pleno exercício profissional da advocacia e das liberdades democráticas.

O conselheiro federal da OAB-MA, Raimundo Ferreira Marques, classificou o ato cometido contra o colega como abominável. “Não se pode confundir o papel do advogado, que está no exercício profissional representando a parte. E, ainda que se confunda, não é aceitável que a violência seja uma reação aceitável em qualquer situação, ainda mais nas serventias do judiciário”.

Leia matéria completa no Consultor Jurídico

Não somos semideuses

Tenho testemunhado  a avalanche de críticas assacadas contra os membros da Suprema Corte do nosso país, em face de algumas decisões decorrentes do julgamento da famigerada AP 470. É como se os juízes  não fossem simples mortais, como todo e qualquer ser humano. É como se não tivessem o direito de errar. É como se os críticos não tivessem consciência de que, a toda hora, erramos todos, em quaisquer circunstâncias.

No julgamento da AP 470, o que se constata, o que se reafirma é tão somente o que todos sabemos, ou seja, que todos erramos, que todos os juízes erram, e que os erros independem da importância do Sodalício que os abriga, do nível intelectual ou da inteligência de quem prolata a decisão.

Erramos cá, erram ali, erram acolá, pela singela razão de que o magistrado, ainda que tenha sobre os ombros uma esquisita e aterrorizante capa preta, não perde a sua condição de gente, mesmo admitindo que entre nós existam os que pensam que são semideuses. Mas esses são os que se embriagam com o poder, os que pensam que tudo podem; são tolos, pobres de espírito, despreparados para o exercício do podes. Esses, logo, não contam. Esses erram de má fé; e aqui eu reflito em face dos que dignificam a toga, dos que erram porque, afinal, todos nós erramos.

No caso da AP 470, o que a diferencia das incontáveis ações penais que tramitam nos Tribunais, é que os réus são pessoas destacadas da sociedade, daí o alarido em face, por exemplo, de um simples erro material, que, afinal, é uma rotina nos julgamentos. Fossem simples mortais, ou seja, fossem os réus da AP 470 os verdadeiros destinatários das agências de controle, aqueles contra os quais se voltam os olhos das instâncias persecutórias, e não haveria tanto frisson, tanto alarido, tanto questionamento, tantas críticas, muitas das quais apaixonadas e partidárias – não são isentas, portanto.

A verdade é que, como um homem qualquer, nós, magistrados, também cometemos os nossos deslizes, os nossos pecados;  nos deixamos envolver, como qualquer mortal, pelas mesmas paixões, pelas nossas preferências e ideologias – e mesmo pelas nossas idiossincrasias, como qualquer outra pessoa, daí a constatação, desde sempre, de que não existe juiz neutro, conquanto todos procuremos ser imparciais e garantidores, que, afinal, é o mínimo que se espera de um magistrado.

As Cortes de Justiça não funcionam com querubins.  Não somos, portanto, uma confraria de anjos; santos, também não somos. Mas é forçoso reconhecer, como contraponto, que no Poder Judiciário, como tenho reafirmado em incontáveis escritos, também habitam muitos diabinhos, muitos capetas que minam a nossa credibilidade. Aqui e acolá, infelizmente, despontam os que, além aneutrais, não são, no mesmo passo, imparciais. Entrementes, esses compõem  as exceções com as quais não trabalho nessas reflexões.

Reafirmo que nós, magistrados, por mais vaidoso que possa ser o togado,  somos apenas seres humanos, simplesmente. Somos como você, leitor amigo. E a maioria de nós é  sim, bem-intencionada, vocacionada, dedicada – tanto quanto qualquer outra pessoa que tenha compromisso com a prestação de serviços de natureza pública.

O que desejam os críticos,  irracionalmente, é que os magistrados  sejam neutros, que ajam como autômatos, que desprezem as suas emoções, que decidam como se nas suas veias ao invés de sangue corresse água.

É preciso convir que o magistrado, por mais digno que seja, por mais consciente da relevância de suas responsabilidades, nunca, jamais impedirá que uma dose de subjetividade, por mínima que seja, acabe por influenciar nas suas decisões. Se é verdade que haverá sempre uma dose de subjetividade nas decisões dos magistrados, não é menos verdadeiro que, no caso específico do processo penal,  o que não pode o magistrado é perder de vista que a sua função é de garantidor da eficácia dos direitos e garantias, e que, nessa perspectiva, não pode tangenciar os  direitos fundamentais do acusados, ainda que, nessa alheta, tenha que contrariar as expectativas de parte da comunidade.

Nesse cenário, tenho tido, repetidas vezes, que os juízes devem decidir , sempre, com a Constituição à vista dos olhos, pois que, de rigor, toda decisão é, ao fim e ao cabo, decisão constitucional. É dever do juiz, ainda que na contramão do que deseja a maioria, reparar injustiças, afinal, como lembra Ferrajoli, o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão.

O juiz, no seu mister, não pode ser representativo de uma maioria e não deve decidir como quer a maioria. O juiz tem que decidir consciente de que o processo não está a serviço do poder punitivo, e que, por isso, deve desempenhar o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido.

É preciso ter em mente que o processo penal só se legitima se, ao longo da persecução, forem rigorosamente observadas as garantias constitucionalmente a todos os litigantes asseguradas. O juiz, nesse sentido, não pode quedar-se inerte diante de violações ou ameaças de lesões aos direitos fundamentais, como pensam, por exemplo, os que querem condenação a ferro e fogo.

Retomando ao início dessas reflexões, reafirmo que o juiz, conquanto não se liberte de sua subjetividade,  tem o dever de ser imparcial e fazer valer, a qualquer custo, os direitos fundamentais dos acusados, ainda que, nessa senda, tenha que decidir contramajoritariamente.

Reafirmo, ao encerrar essas breves reflexões, que os juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia, razão pela qual a sua subjetividade haverá, sempre, de interferir nos juízos de valor que formula (Luis Roberto Barroso)

É insustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideais, que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade. O juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica (Zaffaroni).

Além da sua independência, digo agora, para encerrar, que só o juiz que tenha consciência do seu papel de garantidor e que, ademais, tenha a dúvida como hábito profissional, é merecedor do poder que lhe é conferido.

Ninguém é melhor que ninguém

É de Roberto da Mata, antropólogo, autor de Carnavais, Malandros e Heróis, a afirmação de que ” O trânsito mostra de forma inequívoca como o brasileiro tem horror em que é colocado em igualdade de condições com os outros. Porque, ainda que uns dirijam suas limusines e outros, carrinhos populares, ou que uns tenham dinheiro para molhar a mão do guarda e outros não, o sinal vermelho é o mesmo para todos”.

A verdade é que é do homem, do homem vaidoso, a pretensão de ser superior, de ser o melhor, o mais atilado, o mais esperto, o mais mais. Com esse sentimento, ou em face desse sentimento,  em tripudia, passa por cima, faz tudo, enfim, para suplantar o semelhante, ainda que isso possa ir de encontro à sua dignidade ou à sua honra; dignidade e honra que ele não preza.

Tenho pregado, por isso, que o homem tem que ter limite, tem que se controlar, se policiar, deixar de ver um mundo por um espelho, onde só ver refletida a sua própria imagem, e olhar pela janela, para ver o horizonte se descortinar.

Por mais que o homem se sinta superior, há momentos em que ele será compelido a se sentir igual a todos os outros seres humanos. A doença, a dor, os infortúnios não distinguem ninguém. A dor que dói em mim é a mesma que dói em qualquer semelhante. O meu sofrimento pode ser o teu próprio sentimento.

Nessas circunstâncias, todos somos iguais; ninguém é melhor que ninguém.