Direito concreto

No voto que publico a seguir, o apelante pleiteou, dentre outras coisas, que fosse decotado da pena a majorante decorrente da aplicação da lei dos crimes hediondos, em face da revogação do artigo 224, do CP, pela Lei 12.015/2009.

Nessa parte do recurso entendi tivesse razão o apelante.

Em determinado excerto da decisão anotei:

“[…]Com efeito, a majorante suso mencionada restou revogada com a superveniência da Lei 12.015/2009, não sendo mais possível sua aplicação, para fatos posteriores à sua edição, aos crimes  em razão dos quais não tenha decorrido lesão corporal grave ou morte da vítima.

Convém registrar que os fatos narrados na exordial acusatória ocorreram antes da vigência da Lei nº 12.015/2009, que  revogou expressamente o artigo 224, a, do Código Penal, que tratava dos casos de violência presumida nos crimes contra a liberdade sexual, destacando-se, ainda, que não houve, na hipótese em discussão, violência real praticada contra a vítima.

Antes da nova legislação, que alterou a disciplina jurídica dos delitos sexuais, agora denominados crimes contra a dignidade sexual, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionava no sentido da não incidência da majorante, a não ser quando resultasse lesão corporal grave ou morte[…]”

Noutra fragmento, anotei:

“[…]Nessa situação, é evidente que, tratando-se de violência ficta, a Lei 12.015/09 é mais prejudicial ao recorrente, posto que prevê pena mínima de 8 (oito) anos de reclusão, não se aplicando, portanto, o art. 217-A, do Código Penal, em virtude do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

Em outras palavras, a irretroatividade da novel legislação se impõe tendo em vista que quem praticou o delito de atentado violento ao pudor contra menor de 14 (quatorze) anos, na vigência da lei anterior, respondia pelo delito tipificado no art. 214, do CP, com violência ficta, em combinação com o disposto no art. 9º, da Lei 8.072/90, resultando a pena mínima em 9 (nove) anos de reclusão[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

Continue lendo “Direito concreto”

Garantismo penal, na prática.

J.W. A. da S. foi condenado pelo Tribunal do Júri de Timon.

O seu patrono, ainda na sessão, imediatamente após a publicação da sentença,  recorreu da decisão, por termo nos autos.

Ocorreu, entrementes, que, durante o processamento da apelação, o recurso se perdeu na burocracia da comarca.

O advogado de W., supondo que tudo corria dentro da mais absoluta normalidade, apresentou as razões do recurso, que, após regular processamento, subiu, mas não foi conhecido na 1ª Câmara Criminal, por intempestivo.

É que dos autos não constava o termo de apelação. Constava dos autos, tão somente, as razões do recurso.

Cediço, à luz do exposto, que, para todos os efeitos, a decisão que condenou o acusado transitara em julgado, disso resultando a inevitabilidade de sua prisão, para cumprir a pena privativa de liberdade.

É claro que, diante dessa situação, a defesa não se conformou, porque, efetivamente, tomara recurso a tempo e hora.

Mas, diante do inusitado da situação, o que fazer?

O procurador do acusado entendeu devesse propor uma revisional.

Analisando o pleito, conclui que não era o melhor caminho.

Ocorre que eu me defrontei com um caso de flagrante injustiça, afinal, que culpa tinha o acusado de não terem consignado nos autos o termo de apelação?

Uma solução tinha que ser encontrada!

Eu tinha que reparar a injustiça!

E reparei!

No voto que publico a seguir, está a solução que encontrei.

No voto está materializado o verdadeiro sentido do garantismo penal.

Acho que vale a pena ler o voto, que conduziu a decisão da Câmara, por unanimidade, no sentido de reparar a injustiça.

Continue lendo “Garantismo penal, na prática.”

Crimes de ódio

Os crimes de ódio contra nordestinos, homossexuais, negros e judeus cresce de forma assustadora, de tal sorte que, às vezes, estando no Sul do país (Porto Alegre)  a gente chega quase a supor – penso que equivocadamente – que estamos sendo  vítimas  de algum um tipo de discriminação; por sermos nordestinos: eu e o colega José Bernardo, que, registro,  tem suportado, estoicamente,  a minha companhia.

Contraditoriamente,  ontem, estando no Shopping Iguatemi, nos encontramos – eu e o desembargador José Bernardo, claro – com um dos palestrantes – com sua esposa, Aldacy Rchid Coutinho , Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor titular de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Paraná, os quais fizeram elogios desmedidos ao conterrâneo Agostinho Marques.

Claro que pode parecer um caso isolado, porque, afinal, tratávamos  de um gênio.

Todavia, ainda assim, ao que pude sentir, eles – pelo menos eles – não deixaram transparecer que tenham algum tipo de aversão a nordestinos.

E não podia ser diferente, afinal são dois eméritos professores, acostumados a lidar com a divesidade racial.

Mas o certo é que os crimes de ódio estão se disseminando de uma forma assustadora.

Quem não recorda da frase de uma adolescente, na internet – ” Nordestisto(sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” – , depois a eleição de Dilma Rousset?

A delegada Margaret Correa Barreto, da Delegacia Especializada na investigação de crimes contra negros, homossexuais, judeus e nordestinos na internet, em São Paulo,  afirmou, a propósito:

“O problema é que o crime de ódio tem características de onda. Depois da repercussão daquele caso (refere-se ao caso da adolescente paulista) , ocorreu um tsunami de manifestações antinordestinos na internet”

Segundo o jornal Folha de São Paulo, edição de 03 do corrente, um passeio no Orkut permite encontrar manifestações do tipo que ” uma bomba seja despejada na África” ou propondo o “estupro corretivo de lésbicas”.

O mais grave é que, segundo a mesma Folha, os autores dessas manifestações ficam orgulhosos quando são flagrados e presos pela polícia, porque, assim, demonstram sua devoção à causa.

Segundo a mesma delegada:

Tivemos o caso de um skinhead que, flagrado quando ia atacar uma vítima, foi detido e trazido ao Decradi. O rapaz estava eufórico. Dizia que, enfim, conseguira se igualar ao irmão e teria um quadro no quarto com seu próprio BO por agressão”.

Voltarei a tratar da questão com mais vagar.


Calor?

Pegou muito mal esse argumento de que o calor impede os juízes de trabalharem do meio dia às quinze horas.

Esse é o tipo do argumento que, de tão pueril, só pode ser utilizado em momento de pura falta de lucidez.

A declaração do presidente do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça foi de tamanha falta de inteligência, que, às vezes, fico imaginando que estou sonhando.

As condições de trabalho dos magistrados, tem-se que admitir, são boas, sim, nos dias atuais.

Mesmo no passado, já muito distante, seria inconcebível esse argumento.

Pior de tudo foi ficar a impressão de que nós, nordestinos, somos indolentes.

É c0mo se não costumássemos trabalhar em três turnos, quase em tempo integral, para dar vazão – pelo menos em parte – à enorme demanda.

Lúcio Cândido, trabalhador braçal,  do Piauí, em resposta ao argumento  do desembargador Marcus Faver, disse:

‘- O calor nunca me atrapalhou no trabalho porque o Piauí é quente mesmo. Nasci aqui e trabalho há 24 anos. Nunca fiquei doente por causa de calor.

Que fique claro, pois, que o desembargador Faver não falou em meu nome e em nome dos que, como eu, temos o costume de trabalhar em três turnos, aos sábados domingos e feriados, abrindo mão até do convívio com os amigos e parentes.

Esse tipo de defesa eu dispenso.

O calor não me desestimula, não me estimula o ócio ou a pachorra.

O que me desestimula é saber que muitos se escondem por trás dessas desculpas para não trabalhar.

E lembrem: que ganha do serviço público sem trabalhar, não é em nada melhor que um reles batedor de carteira.

E aí?

ELIANE CANTANHÊDE

Justiça e injustiça

BRASÍLIA – Três governadores eleitos em 2006 foram cassados em 2009 por “abuso do poder econômico”: Marcelo Miranda (PMDB), do Tocantins, Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, e Jackson Lago (PDT), do Maranhão, que morreu ontem, melancolicamente.
Foram acusados de dispor da máquina pública para obter votos, nomeando afilhados e distribuindo benesses entre os eleitores. Dos três, dois, Cunha Lima e Lago, foram substituídos pelos candidatos que haviam derrotado nas urnas.
Será que eles fizeram algo muito diferente dos adversários? Será mesmo que Lago usou mais o poder econômico no Maranhão do que a derrotada Roseana Sarney?
Ele perdeu a eleição em 2002 para José Reinaldo, que, de amigo, virou inimigo dos Sarney numa guinada política e pessoal. Quatro anos depois, numa eleição que deixou os institutos de pesquisas rubros de vergonha, Roseana passou a campanha inteira como favorita, mas Lago ganhou no segundo turno. Ganhou nas urnas, perdeu na Justiça Eleitoral três anos depois.
Em 2010, a eleição no Maranhão foi um festival de barbaridades. Lula obrigou o PT a dar uma cambalhota e usar a bandeira e a estrela vermelha na campanha de Roseana, a oposição se dividiu entre Lago e Flávio Dino (PC do B), e o Estado teve quase um quarto de abstenções, o recorde nacional. Resultado: Roseana venceu no primeiro turno por 50,08%, por um triz.
Dúvida: Jackson Lago foi cassado para que o país se torne efetivamente melhor, ou porque não teve a mídia, o dinheiro, os advogados e as vantagens que a adversária Roseana teve a vida inteira?
E por que só os governadores de Maranhão, Paraíba e Tocantins? É improvável que só eles tenham usado a máquina, as verbas, os secretários e rádio, TV, internet, programas sociais e compra de votos em eleições para si ou para aliados. Nos Estados ricos ninguém faz isso? Aliás, e Lula para eleger Dilma?

Folha Online

elianec@uol.com.br

Imperdível

Capturada no Blog do Noblat


O ‘fascismo do bem’


04/04/2011 – 08:04 (Ricardo Noblat)


Imaginem a seguinte cena: em campanha eleitoral, o deputado Jair Bolsonaro está no estúdio de uma emissora de televisão na cidade de Pelotas. Enquanto espera a vez de entrar no ar, ajeita a gravata de um amigo. Eles não sabem que estão sendo filmados. Bolsonaro diz: “Pelotas é um pólo exportador, não é? Pólo exportador de veados…” E ri.
A cena existiu, mas com outros personagens. O autor da piada boçal foi Lula, e o amigo da gravata torta, Fernando Marroni, ex-prefeito de Pelotas. Agora, imaginem a gritaria dos linchadores “do bem”, da patrulha dos “progressistas”, da turma dos que recortam a liberdade em nome de outro mundo possível… Mas era Lula!
Então muita gente o defendeu para negar munição à direita. Assim estamos: não importa o que se pensa, o que se diz e o que se faz, mas quem pensa, quem diz e quem faz. Décadas de ditaduras e governos autoritários atrasaram o enraizamento de uma genuína cultura de liberdade e democracia entre nós.
Nosso apego à liberdade e à democracia e nosso entendimento sobre o que significam liberdade e democracia são duramente postos à prova quando nos deparamos com a intolerância. Nossa capacidade de tolerar os intolerantes é que dá a medida do nosso comprometimento para valer com a liberdade e a democracia.
Linchar Bolsonaro é fácil. Ele é um símbolo, uma síntese do mal e do feio. É um Judas para ser malhado. Difícil é, discordando radicalmente de cada palavra dele, defender seu direito de pensar e de dizer as maiores barbaridades.
A patrulha estridente do politicamente correto é opressiva, autoritária, antidemocrática. Em nome da liberdade, da igualdade e da tolerância, recorta a liberdade, afirma a desigualdade e incita a intolerância. Bolsonaro é contra cotas raciais, o projeto de lei da homofobia, a união civil de homossexuais e a adoção de crianças por casais gays.
Ora, sou a favor de tudo isso – e para defender meu direito de ser a favor é que defendo o direito dele de ser contra. Porque se o direito de ser contra for negado a Bolsonaro hoje, o direito de ser a favor pode ser negado a mim amanhã de acordo com a ideologia dos que estiverem no poder.
Se minha reação a Bolsonaro for igual e contrária à dele me torno igual a ele – eu, um intolerante “do bem”; ele, um intolerante “do mal”. Dois intolerantes, no fim das contas. Quanto mais intolerante for Bolsonaro, mais tolerante devo ser, porque penso o contrário dele, mas também quero ser o contrário dele.
O mais curioso é que muitos dos líderes do “Cassa e cala Bolsonaro” se insurgiram contra a censura, a falta de liberdade e de democracia durante o regime militar. Nós que sentimos na pele a mão pesada da opressão não deveríamos ser os mais convictamente libertários? Ou processar, cassar, calar em nome do “bem” pode?
Quando Lula apontou os “louros de olhos azuis” como responsáveis pela crise econômica mundial não estava manifestando um preconceito? Sempre que se associam malfeitorias a um grupo a partir de suas características físicas, de cor ou de origem, é claro que se está disseminando preconceito, racismo, xenofobia.
Bolsonaro deve ser criticado tanto quanto qualquer um que pense e diga o contrário dele. Se alguém ou algum grupo sentir-se ofendido, que o processe por injúria, calúnia, difamação. E que peça na justiça indenização por danos morais. Foi o que fizeram contra mim o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas daí a querer cassar o mandato de Bolsonaro vai uma grande distância.
Se a questão for de falta de decoro, sugiro revermos nossa capacidade seletiva de tolerância. Falta de decoro maior é roubar, corromper ou dilapidar o patrimônio público. No entanto, somos um dos povos mais tolerantes com ladrões e corruptos. Preferimos exercitar nossa intolerância contra quem pensa e diz coisas execráveis.
E tudo em nome da liberdade e da democracia…

E a roubalheira não tem limite – nem pudor

Em Maceió, a Polícia Federal prendeu 16 pessoas, entre elas quatro primeiras-damas de municípios, acusadas de desviar OITO MILHÕES da merenda, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em treze licitações. O dinheiro foi usado, entre 2007 e 2009, para pagamento de despesas pessoais, como caixa de vinhos, ração para cachorro,uisque 12 anos e uma boneca.

Enquanto isso…

…continua a roubalheira,  sem pudor,  do dinheiro público.

Em Cachoeira do Piraí, no Pará,  por exemplo,  a CGU noticia o desvio de cerca de R$ 7,8- milhões do Fundeb,  de 2009 a 2010. O valor corresponde a quase o total de R$ 10,8 milhões que a ´prefeitura recebeu para manter o ensino básico por dois anos.

Em Bequimão, Maranhão, a mesma CGU constatou que a prefeitura simulou o pagamento de salários e abono a professores, para esconder a má aplicacão do Fundeb.

E por aí vai.