Garantismo penal, na prática.

J.W. A. da S. foi condenado pelo Tribunal do Júri de Timon.

O seu patrono, ainda na sessão, imediatamente após a publicação da sentença,  recorreu da decisão, por termo nos autos.

Ocorreu, entrementes, que, durante o processamento da apelação, o recurso se perdeu na burocracia da comarca.

O advogado de W., supondo que tudo corria dentro da mais absoluta normalidade, apresentou as razões do recurso, que, após regular processamento, subiu, mas não foi conhecido na 1ª Câmara Criminal, por intempestivo.

É que dos autos não constava o termo de apelação. Constava dos autos, tão somente, as razões do recurso.

Cediço, à luz do exposto, que, para todos os efeitos, a decisão que condenou o acusado transitara em julgado, disso resultando a inevitabilidade de sua prisão, para cumprir a pena privativa de liberdade.

É claro que, diante dessa situação, a defesa não se conformou, porque, efetivamente, tomara recurso a tempo e hora.

Mas, diante do inusitado da situação, o que fazer?

O procurador do acusado entendeu devesse propor uma revisional.

Analisando o pleito, conclui que não era o melhor caminho.

Ocorre que eu me defrontei com um caso de flagrante injustiça, afinal, que culpa tinha o acusado de não terem consignado nos autos o termo de apelação?

Uma solução tinha que ser encontrada!

Eu tinha que reparar a injustiça!

E reparei!

No voto que publico a seguir, está a solução que encontrei.

No voto está materializado o verdadeiro sentido do garantismo penal.

Acho que vale a pena ler o voto, que conduziu a decisão da Câmara, por unanimidade, no sentido de reparar a injustiça.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 05 de abril de 2011.

Nº Único: 0018301-93.2010.8.10.0000

Habeas Corpus Nº 037059/2010 – Timon

Paciente : J. W. A. da S.
Impetrante : F.E. S. de H.
Impetrado : Juízo da 5ª Vara da Comarca de Timon
Incidência Penal : Art. 121, § 2º, IV, do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº _____________

Ementa. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. INTEMPESTIVIDADE DECLARADA POR EQUÍVOCO. NULIDADE ABSOLUTA. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A revisão criminal não se mostra meio processual adequado para suspender a execução da pena transitada em julgado.

2. A manifesta ofensa ao direito de ir e vir, decorrente de nulidade insanável, autoriza o recebimento de revisão criminal como habeas corpus, em atenção à regra da fungibilidade processual.

3. O amplo espectro de proteção do direito ambulatorial conferido ao habeas corpus, o qualifica como remédio idôneo para desconstituir ato acoimado de nulidade insuperável, mesmo aquele acobertado pelo manto da coisa julgada material.

4. As nulidades absolutas, circunscritas ao âmbito de garantias constitucionais do processo e do próprio indivíduo (devido processo legal, liberdade, presunção de inocência, contraditório e ampla defesa), não se convalescem com o decurso do tempo, e, portanto, podem ser sanadas a qualquer tempo.

5. O não conhecimento de apelo, por manifesto equívoco quanto à aferição de sua tempestividade, acarreta em evidente cerceamento ao direito de defesa, nulidade insanável, passível de ser corrigida pela via do writ.

6. Precedentes do STJ.

7. Ordem concedida.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conceder a ordem impetrada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Fernando Antonio Bayma Araujo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís(MA), 05 de abril de 2011.

DESEMBARGADOR Antonio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


 

Habeas Corpus Nº 037059/2010 – Timon

 

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo de revisão criminal, impetrado por F. E. S. de H., em favor de J. W. A. da S., pretendendo nulificar o v. acórdão que não conheceu o apelo do paciente, por considerá-lo intempestivo.

 

Colho o seguinte da peça inaugural:

 

I – que após regular tramitação do processo n. 549-35.2004.8.10.0060, o paciente foi condenado pelo E. Tribunal do Júri da Comarca de Timon, à pena de 12 (doze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, por incidência comportamental no art. 121, § 2º, IV, do CPB, julgamento ocorrido em 05/06/2007;

 

II – que o impetrante, que também o patrocinava naquela ocasião, alega ter interposto recurso de apelação oralmente, durante os trabalhos da sessão plenária, logo após a leitura da sentença, cujo registro ficou assentado no livro de júri da 1ª Vara da Comarca de Timon;

 

III – que após exatos oito dias, o patrono protocolou as respectivas razões do apelo já interposto, sendo considerado tempestivo por certidão cartorária, e por decisão judicial, recebendo o recurso;

 

IV – que em sede de contrarrazões recursais, o Ministério Público de base suscitou preliminar de intempestividade do apelo;

 

V – que à época, durante o processamento da apelação, duas unidades jurisdicionais foram instaladas na Comarca de Timon, a 5ª e a 6ª Varas, para onde foram remetidos todos os processos criminais, inclusive, a ação penal referenciada alhures, da qual resultou a condenação do revisionando;

 

VI – que o livro de júri da 1ª Vara da Comarca de Timon, onde ficaram registradas todas as atas das sessões plenárias de julgamento, só foi remetido para a recém-instalada 5ª Vara em 16/04/2010, data posterior à remessa dos autos ao Tribunal;

 

VII – que a apelação foi processada sem constar no bojo do caderno processual a ata da sessão plenária do júri, e, aportado os autos nesta instância recursal, a preliminar de intempestividade do apelo foi acolhida e o recurso não foi conhecido, cujo acórdão transitou livremente em julgado, baixando-se os autos, em seguida, para a execução da pena;

 

VIII – que, inconformado com tal decisão, o patrono do requerente impetrou habeas corpus preventivo perante o juízo a quo, suscitando a matéria ora versada, sendo o writ recebido como pedido de reconsideração, e, em seguida, encaminhado para esta Corte;

 

IX – que, em processamento nesta corte, “[…] o Presidente da Primeira Câmara Criminal, Desembargador Antônio Fernando Bayma Araújo, esclareceu não ter competência para análise da matéria, haja vista o trânsito em julgado e, sobretudo pelo manejo de instrumento processual inadequado, por fim determinou retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de promover a execução penal […]”; e

 

X – que, atualmente, assevera que o requerente encontra-se, injustamente, preso, cumprindo pena no Centro de Ressocialização Regional de Timon-MA.

 

Com base em tais argumentos, pede que seja deferida medida liminar, expedindo-se alvará liberatório em favor do revisionando, asseverando que ele está sofrendo constrangimento ilegal, porque o decreto de prisão, segundo alega, está fundado em uma decisão colegiada nula.

 

Instruiu a inicial com farta documentação, às fls. 25/67, e cópia integral do processo n. 549-35.2004.8.10.0060.

 

Através da decisão de fls. 452/458, em cognição preambular, converti o feito para habeas corpus, e, na mesma balada, concedi a liminar vindicada, determinando a soltura do paciente.

 

Após reiterar o pedido de informações (fls. 467), a autoridade apontada coatora as prestou, às fls. 473/474.

 

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer, às fls. 479/483, da lavra do ilustre Procurador Suvamy Vivekananda Meireles, opinou pela concessão da ordem, para que seja anulado o acórdão n. 84.826/2009, devendo o paciente aguardar o julgamento da apelação n. 22768/2008 em liberdade.

 

Os autos vieram-me conclusos.

 

É o relatório.


 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de habeas corpus substitutivo de revisão criminal, impetrado por F. E. S. de H., em favor de J. W. A. da S., pretendendo nulificar o v. acórdão que não conheceu o apelo do paciente, por considerá-lo intempestivo.

 

Conforme relatado, em sede de cognição sumária, vislumbrei que o caso sob testilha apresentava-se ofensivo ao direito ambulatorial do réu, em razão da aparente nulidade da decisão que não conheceu seu recurso de apelação outrora interposto, por manifesto erro de fato na aferição da tempestividade.

 

Com efeito, entendi cabível o recebimento da presente revisão criminal como habeas corpus, em conformidade com a regra da fungibilidade, e, sobretudo, atento à envergadura dos preceitos constitucionais subjacentes à controvérsia dos autos (liberdade, contraditório e ampla defesa e presunção de inocência), cuja violação me parecia aviltante.

 

Ademais, consignei, ainda em cognição preambular, que o pedido de soltura do paciente, a rigor, representaria a suspensão na execução da pena, o que afigurava-se inadequado em sede revisão criminal, circunstância que reforçava os argumentos favoráveis à conversão da reclamação em habeas corpus, conforme precedentes do STJ:

 

“[…] 1. Transitada em julgado a sentença penal condenatória, é inviável a suspensão da execução da pena ou a concessão de liberdade provisória, enquanto pendente de julgamento revisão criminal ajuizada no Tribunal a quo. Precedentes. […] [1]

 

Considerando que tal questão (fungibilidade) foi bem delineada em âmbito de cognição prefacial (decisão de fls. 452/458), entendo que maiores digressões não se fazem necessárias a respeito, e passo, adiante, a examinar a nulidade suscitada na inicial, com maior profundidade, detença e vagar.

 

Conforme anotei no relatório, após regular tramitação do processo n. 549-35.2004.8.10.0060, o paciente foi condenado pelo E. Tribunal do Júri da Comarca de Timon, sendo que, na ocasião, o seu patrono, ora impetrante, interpôs recurso de apelação, por termo nos autos, cujo registro ficou assentado no livro de júri da 1ª Vara da Comarca de Timon.

 

Durante o trâmite da apelação, foram criadas duas novas unidades jurisdicionais na Comarca de Timon, a 5ª e 6ª Varas, para onde foram remetidos todos os processos criminais, inclusive, a referida ação penal que resultou na condenação do paciente.

 

Com efeito, na transferência do acervo de processos da 1ª Vara para a 5ª Vara de Timon, o livro de júri em que constavam os registros das atas das sessões plenárias só foram remetidos em 16/04/2010, em data muito posterior ao processamento da apelação do paciente.

 

Consequentemente, quando esta C. Primeira Câmara Criminal julgou a apelação (acórdão n. 84.826/2009 – fls. 394/398), em sessão realizada em 25 de agosto de 2009, levou-se em conta, para efeitos de interposição do recurso, as próprias razões, que foram protocoladas em oito dias após o julgamento. Tal circunstância, certamente, induziu a Primeira Câmara desta Corte em erro, ao não conhecer do recurso de apelação, por considerá-lo intempestivo, na esteira da preliminar suscitada pelo Ministério Público de base, e confirmada pela Procuradoria de Justiça.

 

Posso afirmar, portanto, que este E. Colegiado, ao desconsiderar a inexistência da ata da sessão de julgamento plenária do júri naqueles autos, incorreu em grave erro, não conhecendo do recurso de apelação outrora interposto pela defesa, porque não tinha como aferir, de forma precisa, a tempestividade ou não do apelo.

 

E, à vista da cópia da referida ata da sessão plenária, agora acostada aos presentes autos (fls. 32/36), é notório que o patrono do réu, expressamente, manifestou desejo de recorrer da sentença condenatória, o que está claramente consignado mais precisamente às fls. 35: “[…] A defesa manifestou em plenário o desejo de apelar desta decisão. […]”.

 

Posso afirmar, com a mais absoluta convicção, que se tratou de um erro material, pois caso a ata da sessão plenária estivesse devidamente aportada aos autos, certamente, o apelo seria considerado tempestivo, e devidamente julgado pelo colegiado.

 

Diante de tal constatação, e, tratando-se de nulidade absoluta, que não se convalida com o decurso do tempo, pois circunscreve-se no âmbito de garantias constitucionais do processo e do próprio indivíduo (liberdade, contraditório e ampla defesa), o habeas corpus, com seu amplo espectro de proteção do direito ambulatorial, afigura-se medida adequada para sanar tal nulidade, mesmo diante do trânsito em julgado, conforme iterativa jurisprudência do STJ:

 

“[…] 2. É possível desconstituir decisão transitada em julgado por meio

 

de habeas corpus se verificada a existência de flagrante

 

ilegalidade, aplicando-se o princípio da fungibilidade entre o writ

 

e a revisão criminal. Precedentes. […] [2]

 

Na mesma senda:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, I, III E IV, ART. 211, (DUAS VEZES), ART. 180, § 1º, E ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CP. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE.

 

I – O recebimento do habeas corpus como substitutivo de revisão criminal é viável tão-somente quando a ilegalidade for manifesta e não seja necessário o revolvimento de matéria fático-probatória (Precedentes).

 

[…] [3]

 

Assim, a nulidade que assoma dos autos é patente, inquestionável, manifesta, a qual resultou em vilipêndio ao próprio exercício do contraditório e ampla defesa do paciente, bem como ofensa à presunção de inocência, pois ele foi submetido à prisão, decorrente de sentença que transitou indevidamente em julgado, usurpando-lhe o direito de submeter sua irresignação ao órgão recursal competente.

 

Com essas considerações, conheço do presente habes corpus, para, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conceder a ordem, declarando nulo o acórdão n. 84.826/2009, nos autos da apelação criminal n. 22.768/2008, devendo aludido recurso de apelação ter seu regular processamento e julgamento.

 

É como voto.

 

Sala das sessões da Primeira Câmara Criminal, em São Luís, 05 de abril de 2011.

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

 

RELATOR

 


 


[1] HC 59.412/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 18/12/2006, p. 426.

 

[2] RHC 19215/MS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 23/10/2006.

 

[3] HC 102.139/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2008, DJe 18/08/2008.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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