Inquietação, angústia, indignação…

A passos de cágado faz-se mais injustiça que Justiça. Mas como fazê-lo, se ainda somos um Poder artesanal, vivendo no século passado, antiguíssimo, ferrugento, bolorento, fazendo audiências à antiga – com juiz ditando e a Secretária digitando – quando, sabe-se, o PODER JUDICIÁRIO de outros Estados já se modernizaram, fazendo uso da estenotipia ou sistema de gravação, com posterior degravação, ad exempli.?

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

As pessoas que lidam comigo sabem da minha angústia, da minha inquietação com o funcionamento da Justiça. Em vista do pouco que posso fazer, muitas vezes me limito a um desabafo nesse ou naquele processo, na esperança de que faço eco.

No excerto abaixo, mais uma vez manifesto a minha indignação com o funcionamento capenga do Poder Judiciário, indignação formalizada nos autos do processo nº 44061999, cuja sentença acabo de prolatar.

Não vou me alongar nessas notas. Vou cuidar logo de transcrever os excertos.

Leia, a seguir, e tire as suas conclusões.

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O poder das amantes

Assim pensando e perquirindo, decidi, hoje, refletir – olhem só que loucura! – sobre o fascínio das amantes, fruto do que vivenciei como magistrado e como cidadão. Será uma reflexão muito breve. Nada que possa fazer corar. É só mesmo o óbvio, o discurso tolo. O prazer de expor as minhas mais estranhas e bizarras reflexões. É possível que você, caro leitor, não dê um vintém por essas reflexões. Mas não tem problema. Cuide de ler outras coisas. Aqui mesmo neste blog tem coisas bem melhores para ler e pensar.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Este blog não foi pensado apenas para divulgação de matérias de cunho jurídico. Quando o idealizei, tive como objetivo criar um espaço para expor as minhas inquietações, as minhas mais esquisitas reflexões, as minhas angústias, os conflitos – naturais – que tenho com o mundo e a minha quase incapacidade de ser omisso em face das mais diversas situações, ou melhor, de permanecer inerte diante delas.

A minha inquietação e a permanente incapacidade de calar diante dos mais variados temas, têm me levado a ser incompreendido por muitos que, diferentes de mim, preferem o mutismo, a quietude, a omissão – e fazem descarada apologia do “deixar-como-está-para-ver-como-é-que-fica”.

Assim pensando e perquirindo, decidi, hoje, refletir – olhem só que loucura! – sobre o fascínio das amantes, fruto do que vivenciei como magistrado e como cidadão. Será uma reflexão muito breve. Nada que possa fazer corar. É só mesmo o óbvio, o discurso tolo. O prazer de expor as minhas mais estranhas e bizarras reflexões. É possível que você, caro leitor, não dê um vintém por essas reflexões. Mas não tem problema. Cuide de ler outras coisas. Aqui mesmo neste blog tem coisas bem melhores para ler e pensar.

Pois bem. Eu fui criado ouvindo histórias fantásticas do poder e do fascínio das amantes. Muitas das histórias que ouvi e que, até, testemunhei, se passaram muito próximo de mim. A mais emblemática delas foi a da amante do meu pai, que o tirou de nosso (difícil) convívio há exatos 33 (trinta e três) anos, nos privando de sua presença, quiçá, para o resto da vida.

Na condição de magistrado, julguei vários divórcios e separações judiciais, em face da influência e do poder das amantes, que não hesitaram em destruir os casamentos nos quais intercediam com o seu poder quase ilimitado sobre o amante.

A história registra incontáveis casos de amantes que tiveram influência no poder, mudando, até, o curso da história.

Nesse sentido, é emblemática a influência da aristocrata Domitila de Castro Canto e Melo, amante oficial de D. Pedro I, que, nessa condição, exerceu grande influência durante o primeiro reinado.

O despudor, a influência e proximidade da Marquesa de Santos com o poder se revelavam de tal magnitude, que foi designada Dama do Paço, a pedido da própria imperatriz Maria Leopoldina, que já sabia, como todos da corte, do romance entre os dois – e de sua influência sobre o imperador.

Do outro lado do Atlântico, na França, da mesma sorte, foi grande o poder e a influência de Diana de Poiters, durante o reinado do seu amante Henrique II .

Catarina de Médicis bem que tentou influir no reinado do marido, mas foi preterida pela amante, que só deixou de exercer influência, claro, com a morte de Henrique II.

Com a morte do rei, Catarina obriga Diana de Poiters a devolver as jóias da coroa, com as quais foi presenteada, e a se retirar da Corte. Terminava, assim, com a morte, a influência da amante sobre o amado.

Esses dois casos, retirados ao acaso, são mencionados apenas à guisa de reforço acerca da influência das amantes.

Elas, as amantes, chegam de mansinho, vão comendo pelas beiradas, como acontece comumente e, em pouco tempo, passam a exercer tanta influência sobre os homens, os quais, muitas vezes, acabam por abandonar a família para viver uma aventura; influência que, por essa ou aquela razão, nunca puderam – ou souberam – exercer as próprias mulheres.

Eu não me aventuro a diagnosticar as razões pelas quais as amantes são tão fascinantes, mesmo porque não é a minha especialidade e, ademais, porque nunca tive uma vida paralela.

As reflexões que faço, hic et nunc, reafirmo, decorrem simplesmente da minha incapacidade de viver sem refletir, sem perquirir acerca dos mais variados temas.

Não tenho, com essas quase irrelevantes reflexões, nenhuma pretensão acadêmica. Elas nada mais objetivam senão fazer refletir – para quem quiser refletir, claro – sobre um tema tão presente na vida de todos nós.

Essa minha incapacidade de viver sem pensar e sem questionar ainda vai me levar por caminhos nunca dantes percorridos.

Os inescrupulosos no poder

 

Essas pessoas despudoradas, forjadas em ambientes jejunos de princípios morais, não se preocupam com o nome que deixarão para a história. Não se preocupam com a sua honradez e de sua família. A elas importa, simplesmente, o poder, ainda que seu nome, no futuro, seja apenas uma referência desairosa, seja apenas uma lembrança atormentadora para as gerações futuras – inclusive e especialmente, para os seus descendentes.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

O mundo está prenhe de notícias, e a história registra incontáveis casos de pessoas inescrupulosas, vaidosas e prepotentes que, na ânsia de ascender, fazem qualquer negócio, participam de qualquer esquema, de qualquer falcatrua, de qualquer acordo – moral ou imoral.

Essas pessoas despudoradas, forjadas em ambientes jejunos de princípios morais, não se preocupam com o nome que deixarão para a história. Não se preocupam com a sua honradez e de sua família. A elas importa, simplesmente, o poder, ainda que seu nome, no futuro, seja apenas uma referência desairosa, seja apenas uma lembrança atormentadora para as gerações futuras – inclusive e especialmente, para os seus descendentes.

Compreendo, todavia, por paradoxal que possa parecer, que esse tipo de gente precisa existir, até para que se possa ter um paradigma de como não se deve ser, de como não se deve proceder, de como se deve portar o cidadão para não parecer, aos olhos dos congêneres, igual ao inescrupuloso e oportunista que ascendeu na base da fraude, da falcatrua, do menosprezo aos valores morais.

Mas a história não perdoa quem age dessa forma. Sempre haverá quem aponte para o seu retrato na parede lembrando que foi um (a) grande bandido (a), um (a) desavergonhado (a) que fez tudo que era possível para exercer o cargo que exerceu, por pura vaidade – e, mais grave, para malinar, para bolinar, para fazer travessuras com a coisa pública.

Esse tipo de gente, não tenho duvidas, só será lembrado pelas bandalhas, pelas traquinices que fez no exercício do poder. Entrementes, não tenho dúvidas de que pagará por tudo, ainda que seja in memoriam. E os seus descendentes, também não tenho dúvidas, serão obrigados a ouvir, aqui e acolá, uma menção desairosa, desrespeitosa.

Eu já disso e repito: a história não perdoa quem faz uso do poder por mera vaidade, sem nenhum idealismo; apenas para se sentir superior, fruto de uma vaidade desmensurada.

 

 

Abandono de incapaz

 

 

O só fato de as acusadas terem deixada a vítima em uma parada, esperando um ônibus, não significa, definitivamente, que a tivessem abandonado, no sentido emprestada ao termo pelo legislador ordinário. Não significa que a tivessem colocado, dolosamente, em situação de perigo iminente. Perigo havia, sim, porque perigosa é a sociedade em que vivemos. Qualquer um de nós pode deixar o próprio filho em uma parada de ônibus e, de lá, ele pode ser seqüestrado e morto, sem que se possa afirmar, por isso, que se o tenha abandonado, submetendo-o à situação de perigo, conscientemente, propositadamente – finalisticamente.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

No ano de 2005 julguei um processo no qual o Ministério Público imputou às acusadas o crime de abandono de incapazes.

O Ministério Público denunciou M. D. C. R. P. e S. S. R. P., por incidência comportamental no artigo 133, § 1º do CP. em face de terem abandonado a menor I.F. M. S., de dezesseis anos de idade.

As acusadas, consta da denúncia, levaram a menor acima mencionada a uma parada de ônibus e a ela deram a orientação devida, para que pegasse o ônibus que a levaria de volta a São Luis Gonzaga, Maranhão.

Ad cautelam, as acusadas deram à vítima telefones de contato, para que fossem acionadas diante de qualquer contratempo.

Aconteceu que, depois que a vítima foi deixada na parada, só se teve notícia do seu paradeiro quando encontraram seu corpo, com marcas de violência sexual.

Vindo os autos conclusos para julgamento, entendi que as acusadas não subsumiram a sua ação no tipo penal em comento.

Na decisão, cujos excertos principais vou transcrever a seguir, entendi que a ofendida, em verdade, foi apenas mais uma vítima da violência urbana e que as acusadas não podiam ser penalizadas por esse fato.

Esse fato teve muita repercussão. Até hoje não se sabe quem estuprou e matou a ofendida.

Vamos, pois, aos excertos da decisão.

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Na mesma vereda, na mesma senda, na mesma trilha…

Nesses vinte e um anos, sempre que fui apontado como autoridade coatora, procurei, nas informações, justificar as razões pelas quais adotei essa ou aquela posição. Entendo que é o mínimo que se espera de um magistrado responsável. Fosse suficiente um breve relatório, creio que seria desnecessário o pedido de informação. Nessa caminhada tenho sido criticado e, também, aqui e acolá, elogiado.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Quem acessa meu blog com freqüência decerto não se surpreenderá com o teor dos excertos que publicarei a seguir, a propósito das informações que prestei, em face do HC 005501/2007, relatado pelo Desembargador Lourival Serejo, onde reitero, com veemência, por que entendo que o magistrado tem o dever de se aprofundar nas informações prestadas.

“(…)Por longos vinte e um anos tenho me dedicado, quase integralmente, à magistratura do meu estado. Nesse período sempre marquei a minha atuação pela obstinação e pela sofreguidão – e pela polêmica.

Nesses vinte e um anos, sempre que fui apontado como autoridade coatora, procurei, nas informações, justificar as razões pelas quais adotei essa ou aquela posição. Entendo que é o mínimo que se espera de um magistrado responsável. Fosse suficiente um breve relatório, creio que seria desnecessário o pedido de informação. Nessa caminhada tenho sido criticado e, também, aqui e acolá, elogiado.

O que está em destaque, no momento, é o questionamento às informações que presto em face de habeas corpus, por entenderem os críticos que não deveriam ser longas.

Por entender que devo, sim, me aprofundar é que, conquanto criticado, vou prosseguir na mesma trilha, no mesmo caminho, na mesma vereda que escolhi passar.

Vou prosseguir, pois, prestando informações de forma exaustiva, pois que, para mim, o trabalho é mais de que uma obrigação, é um prazer sem conta.

As informações seguirão, pois, como sei fazê-lo. Aqueles que entenderam que mereçam alguma reflexão, pois que sobre elas reflitam; aqueles que, ao reverso, as receberem com escárnio, pois que as desprezem. Nem uma posição e nem outra me fará mudar o rumo(…)”

Dúvidas, incertezas, insegurança, in dubio pro reo.

 

 

Confesso, sinceramente, que, diante desse impasse, diante das dúvidas que tenho acerca da ação do acusado a propósito do crime de corrupção ativa, não estou convencido de que deva condená-lo em face desse crime.

60.00. As provas, a propósito do crime sob retina, são frágeis e, repito, se limitam à palavra dos policiais, desacompanhadas de quaisquer outros elementos que possam lhes emprestar conforto e credibilidade.

Juiz José Luiz  Oliveira de Almeida

Titular  da 7ª Vara Criminal

Com a experiência que acumulei ao longo de mais de 22 anos como magistrado e mais uns tantos como Promotor de Justiça, Procurador do Município e do Estado e como advogado militante, aprendi a ver, com reserva, depoimentos, isolados, de membros de corporações; eles são, quase sempre, tendenciosos.

No excerto abaixo, de uma sentença condenatória que acabo de publicar, demonstro, com todas as letras, a razão pela qual entendi devesse absolver determinado acusado, em face do crime de corrupção ativa, em vista de a prova ficar circunscrita à palavra dos policiais que o prenderam, sem qualquer outro dado a lhe emprestar conforto.

Mas o mais interessante mesmo são os dois exemplos que cito, com os quais demonstro a razão pela qual entendi não devesse confiar nos depoimentos dos policiais, isoladamente, para editar um decreto de preceito sancionatório.

Registro, para que não se faça uma leitura equivocado da decisão, que não confiei nos depoimentos dos policiais, porque estavam isolados no conjunto de provas e o acusado apresentou um álibi convicente acerca do crime em comento.

Tivessem os depoimentos escorados em outras provas, não tenho dúvidas que daria a eles a credibilidade que merecessem. Isolados, no entanto, desde meu olhar, não servem para edição de uma sentença condenatória.

Nesse caso, assomando dúvidas, incertezas, insegurança, o caminho deve ser, sempre, o da absolvição, com a invocação da parêmia in dubio pro reo.

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O viés patológico da inveja

A inveja que assoma nas corporações é a experimentada pelos que acreditam – mas não admitem -, tem certeza – mas não confessam – não ter a mesma inteligência, a mesma lucidez e competência do colega alvo do sentimento pernicioso. Esses, os invejosos, apesar, de, algumas vezes, até alcançarem maior ascensão profissional, guardam no recôndito da alma, a inveja que sempre nutriram por um congênere que supõe superior a ele. E, convenhamos, ser competente e inteligente, dentro de uma corporação, todos sabem, não é situação fácil de administrar. Da mesma forma, voluntariedade, impetuosidade, obstinação são qualidades que podem, muitas vezes, até, ser óbices à ascensão profissional, porque são qualidades que o invejoso detesta constatar no alvo da sua inveja. Inteligência, competência, desvelo, sofreguidão e dedicação, aos olhos dos invejosos, se confundem com arrogância, prepotência, petulância e coisas que tais.

Juiz José Luiz Oliveira

Titular da 7ª Vara Criminal

A matéria a seguir foi publicada no Jornal  Pequeno, edição do dia 14 de setembro.

Esse mesmo artigo já tinha sido publicado neste blog e teve que ser resumido em face do espaço no jornal.

A seguir, pois, o artigo, na versão publicada na imprensa.

A inveja, todos sabemos, é um sentimento natural. Mas a inveja, não se pode perder de vista, tem um viés patológico. Isso ocorre quando o invejoso já nem pretende realizar seus desejos; o que ele almeja mesmo é que o ser invejado não realize os seus. Aí é doença e como tal precisa ser tratada.

O invejoso, do tipo pernicioso para as relações interpessoais, é aquele que se sente fracassado em determinadas áreas da vida e, para não sentir raiva de si mesmo, transfere esse ódio para o semelhante que alcançou o reconhecimento que ele, o invejoso, não conseguiu alcançar.

A inveja pode se manifestar – e se manifesta, efetivamente – em qualquer ramo de atividade e em qualquer profissional – juiz, promotor, delegado, médico, engenheiro, jogador, jornalista, etc.

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Atipicidade, em face do princípio da insignificância

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
 

 

Os excertos a seguir transcritos foram apanhados numa decisão da minha lavra – processo 160752004, em desfavor de E. L. N. S. – , na qual enfrentei a tentativa da defesa de absolver o acusado, em face do princípio da insignificância.

“(…) A defesa, também em sede de alegações finais, requer, em relação ao crime de furto consumado no dia 09 de setembro de 2006, que seja absolvido o acusado, com a invocação do princípio da insignificância.

Creio que a tese da defesa, no particular, é, também, insubsistente. Não fora o fato de que o valor de uma bicicleta, ainda que usada, não é insignificante para a quase totalidade da população brasileira, não se poderia, ademais, reconhecer, in casu, o crime bagatelar, pois que, assim ocorrendo, estar-se-ia estimulando a prática de crimes desse jaez, vez que é o próprio acusado quem afirmou, por ocasião do seu interrogatório, que já foi preso cerca de quatro vezes pela prática de pequenos furtos.(cf.fls.59/61).

Não bastasse a consideração supra, se pode afirmar, validamente, que a subtração de uma bicicleta não tenha causado nenhuma repercussão no patrimônio do ofendido, daí a inviabilidade de, in casu sub examine, invocar-se princípio da insignificância, para subtrair o acusado de eventual punição.

O princípio da insignificância, como sabido, é método auxiliar de interpretação, versando sobre a atipicidade do fato. Nesse passo, devo grafar só ser possível a identificação da insignificância, quando a conduta e o dano conseqüente forem bagatelares. Para essa medida, não se deve deslembrar o desvalor da conduta, bem assim o do resultado. Ambos, o desvalor e o resultado, devem ser conjugados. A consideração isolada do valor da res, nos crimes patrimoniais, é insuficiente para concluir-se pela insignificância.

É bem de ver-se, assim, que, atentando-se para o desvalor da conduta do acusado, contumaz agressor da ordem pública, e para o efetivo prejuízo causado às vítimas, não se pode, de rigor, reconhecer a insignificância das lesões.

Segundo adágio popular, o que é nada pra ti pode significar muito para mim. Nesse sentido, ninguém, em sã consciência, pode afirmar que a subtração de uma bicicleta não cause repercussão junto ao patrimônio de uma pessoa.

O Direito Penal, por sua natureza fragmentária, sabe-se só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. “Não se deve ocupar de bagatelas.” ( Fracisco de Assios Toledo in Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133).2

Cumpre, pois, para que se possa falar em fato penalmente típico, perquirir-se, para além da tipicidade legal, se da conduta do agente resultou dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou fazer periclitar o bem na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, acolhido na vigente Constituição da República (artigo 98, inciso I). Em sendo ínfimo o valor da res furtiva, com irrisória lesão ao bem jurídico tutelado, mostra-se, a conduta do agente, penalmente irrelevante, não extrapolando a órbita civil. Todavia, não foi o que se deu no caso sob retina.

In casu sub examine, como dito acima, a ação do acusado lesionou, sim, o patrimônio da vítima, de forma significativa, razão por que a sua conduta é, sim, relevante para o Direito Penal, a considerar o princípio da ofensividade encartado em nossa Carta Magna.

No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). Como a hipótese em comento não cuida de ninharia, não há falar-se em atipia da conduta.

O princípio da insignificância não pode ser utilizado para neutralizar, praticamente in genere, uma norma incriminadora.

A imputatio facti, calcada em dados concretos, permite a adequação típica, daí não se poder falar, validamente, em atipia penal.

Superadas as três primeiras questões preliminares, passo, a seguir a análise do questão atinente ao furto privelegiado.

Impende consignar ser inviável o reconhecimento do furto privilegiado, em face dos antecedentes do acusado, os quais, à exaustão, foram mencionado acima.

Nesse sentido têm decidido os Tribunais, como se colhe da decisão abaixo, do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

Ementa CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRIVILÉGIO. ÓBICE AO BENEFÍCIO DEVIDAMENTE MOTIVADO. MAUS ANTECEDENTES. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO. RECURSO DESPROVIDO.I. Não há ilegalidade na decisão que entende inaplicável o benefício do privilégio ao réu que ostenta maus antecedentes, pois a concessão desta benesse está condicionada não somente aos fatores objetivos ali relacionados – primariedade do agente e pequeno valor da coisa furtada -, como à sensatez do Julgador, a quem cabe – orientado pelos parâmetros previstos no art. 59 do CP – avaliar a necessidade e conveniência da concessão do favor legal. Precedente da Turma. II. O delito de furto, assim como o de roubo, consuma-se com a simples posse, ainda que breve, da coisa alheia móvel subtraída clandestinamente, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima. III. Recurso desprovido. Acórdão RESP 369816 / MA ; RECURSO ESPECIAL 2001/0128947-2 Fonte DJ DATA:15/04/2002 PG:00253 Relator Min. GILSON DIPP (1111) Data da Decisão 13/03/2002 Orgão Julgador T5 – QUINTA TURMA (…)”